MÚSICA HODIE

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MÚSICA HODIE

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Vol. 9 - Nº 2 - 2009

F. GERLING (p. 75-90)

PROgRAMAS DE ESTuDO nO

EnSInO CORRETIVO DA AfInAçÃO

sTudy PrograMs for reMedial Teaching of inTonaTion

Fredi Gerling - UFRGS

fredi.gerling@ufrgs.br

Resumo: Neste trabalho relato experiências de minha prática pedagógica destacando a necessidade de diagnóstico claro das causas dos problemas de afinação e apresento sugestões para a solução de problemas comumente encontrados no ensino do violino através de programas de estudo deliberado.

Palavras-chave: Ensino corretivo; Afinação; Programas de estudo.

Abstract: This article presents case studies based on my studio teaching. It is focused on the need for precise diagnostics of the underlining causes of poor intonation. Suggestions to solve the most recurrent problems are presented in the form of programs for deliberate practicing.

Keyword: Remedial teaching; Intonation; Deliberate practice.

Em um universo de idéias tão diversificadas como a comunidade dos músicos de cordas, há um consenso de que a afinação é um atributo essencial do instrumentista. Isso não significa dizer que exista um consenso no que significa “estar afinado”. O objetivo destas reflexões não é a discussão dos vários sistemas de afinação. Independentemente da opção de utilizarmos ou não a afinação temperada ou pitagoreana, ou outros sistemas de afinação re-introduzidos na prática instrumental por instrumentistas especialistas em música antiga, temos que dispor de um perfeito controle da afinação. Este controle só é possível a partir de um ouvido perfeitamente treinado e de uma técnica muito bem construída. Ivan Galamian diz que “A base da construção da técnica... encontra-se na relação adequada da mente com os músculos e o funcionamento suave, rápido e preciso da seqüência na qual o comando mental obtém da reação muscular desejada.” (GALAMIAN, 1966, p. 5-6)

Para a obtenção de resultados precisos como os sugeridos por Galamian, é essencial estabelecer uma imagem mental clara da ação a ser executada, pois só assim a mente enviará o comando apropriado para a realização do resultado desejado. As habilidades para uma execução de qualidade artística envolvem um grande número de etapas que precisam ser seguidas e transformadas em hábitos. O domínio pleno da afinação é uma tarefa que inicia com a audição interna do som a ser executado. Conseqüentemente, uma imagem mental da ação que produzirá a nota é formada. Esta imagem aciona o aparato muscular necessário para executar o som desejado. Por fim efetua-se o ajuste da afinação a partir do retorno do julgamento do sucesso ou insucesso da execução afinada da nota desejada. Sloboda nos fala sobre como as habilidades são adquiridas:

(...) o aprendizado de habilidades envolve a aquisição de hábitos. A principal característica de um hábito é ser automático e demandar pouca ou nenhuma capacidade mental para ser executado. Os precursores dos hábitos são comportamentos conscientes, intencionais, realizados com empenho e que geralmente envolvem controle verbal. A segunda característica do hábito é a concepção de que o aprendizado de habilidades implica na passagem do conhecimento factual (saber o quê) para o conhecimento procedimental (saber como) (SLOBODA, 1990, p. 216)

No que diz respeito à afinação na execução instrumental o primeiro hábito a ser desenvolvido é, como foi mencionado acima, a capacidade de se ouvir um som mentalmente. O controle verbal mencionado por Sloboda esta presente quando o professor, na tentativa de ajudar o aluno, oferece comentários como: “esta nota está muito alta..., ou muito baixa..., ou esta passagem está desafinada...”. Comentários como este vão induzir um conhecimento factual. Na melhor das hipóteses, podemos esperar que o aluno aprenda o que o professor quer dizer com “estar desafinado”. O estágio de “saber o que é estar desafinado” é relevante, mas não é suficiente para garantir a correção dos problemas de afinação. É necessário que se parta do conhecimento factual em direção ao conhecimento procedimental.

Sloboda ao comentar este processo diz que,

Saber as implicações das habilidades é bastante diferente de realizá-las de fato, e uma teoria de aprendizado deve conseguir apurar a nossa compreensão sobre o que muda exatamente quando o conhecimento factual se torna conhecimento procedimental. Uma parte da mudança parece estar no fato de que o conhecimento está sujeito a um controle direto e mais profundo por parte dos objetivos. Para a maioria das pessoas, a manifestação do objetivo de executar uma tarefa trivial, como dizer uma palavra qualquer, já é suficiente para a tarefa ser realizada. Parece não existir uma lacuna psicológica entre querer (ou pretender) e fazer (...) (Ibidem)

Inferimos desta colocação que para fazermos a transição do conhecimento factual para o procedimental de ações complexas, como a execução de um instrumento, é fundamental mantermos em mente os objetivos a serem alcançados em cada etapa do processo.

O controle verbal do professor deve ser combinado com uma avaliação das ações e dos objetivos alcançados. Sloboda diz que “a habilidade de formar e sustentar objetivos parece ser uma condição essencial do aprendizado. Tal habilidade é chamada freqüentemente de motivação”. (Ibidem) Portanto é a informação de retorno positivo que produzirá uma vontade contínua, que por sua vez conduzirá à formulação de novos objetivos. Em termos de afinação, o primeiro objetivo é desenvolver uma escuta interna precisa das alturas antes da execução. Inicialmente nota a nota e posteriormente, ouvindo padrões melódicos, tais como escalas e arpejos, ou grupos de notas em uma passagem. Caso este procedimento se torne, como diz Sloboda, “tão trivial como uma palavra qualquer”, nenhuma lacuna entre a formulação do objetivo de tocar a nota e a sua execução de fato ficará evidente. A repetição desta rotina é essencial para avançar do conhecimento factual para o conhecimento procedimental. Conseqüentemente, desenvolver estratégias que levarão o aluno de uma etapa do conhecimento para a outra, no menor tempo possível, é a principal responsabilidade do professor. Em outras palavras, o professor tem que estabelecer objetivos alcançáveis. Estes objetivos devem ser razoáveis em termos de tempo e esforços exigidos. Isto se aplica à técnica do violino assim como para o treinamento auditivo.

Devemos ressaltar que a responsabilidade do treinamento criterioso do ouvido não deve ser considerada como sendo obrigação única dos professores de percepção. Os professores de cordas que compreendem as implicações do processo de desenvolvimento do ouvido interno estão mais bem preparados para proporcionar objetivos razoáveis aos alunos. Estratégias bem-sucedidas também devem se relacionar com os conhecimentos musicais prévios, que são produto tanto da enculturação como da educação musical formal.1

Para se obter o tipo de resposta automática que Sloboda menciona e que Galamian acredita ser básico na formação da técnica do violino, o trabalho do ouvido interno tem que ser acompanhado pelas reações musculares adequadas. Para ser eficaz, o professor tem que conseguir detectar se a afinação é defeituosa por que o ouvido precisa de treinamento adicional ou se é por que os músculos não conseguem executar a tarefa complexa da afinação. No primeiro caso, há que considerar se a “informação de retorno” é utilizada para controlar e melhorar a afinação ou se há um desconhecimento dos intervalos. No segundo caso, um exame da postura e a observação do manejo do instrumento podem ajudar a revelar as causas dos problemas de afinação.

Nos parágrafos seguintes, com relatos de experiências de minha prática pedagógica e levando em consideração as questões discutidas acima, apresento sugestões para a solução de problemas comumente encontrados no ensino dos instrumentos de corda.

A classificação de alunos que fazemos a seguir é meramente para efeito de clareza da exposição, pois cada aluno é único e as suas dificuldades devem ser respeitadas e tratadas particularmente. Vamos considerar cinco grupos:

a) os alunos deste grupo tocam afinados, sem pensar muito a respeito disso e seus músculos são relaxados. Não apresentam problemas posturais.

b) os alunos deste grupo não apresentam problemas posturais aparentes; porém, a afinação não é o que se esperaria em um nível de proficiência demonstrado sob outros aspectos. Podem ter ou não ter dificuldade em cantar e/ou reconhecer intervalos.

c) os alunos deste grupo apresentam problemas posturais reais; porém, conseguem cantar e reconhecer intervalos corretamente.

d) os alunos deste grupo têm problemas posturais evidentes, mas tocam afinados.

e) os alunos deste grupo têm problemas posturais visíveis e não conseguem cantar ou reconhecer intervalos corretamente; porém, tem um compromisso com a música e possuem grande vontade de aprender.

O estudante retratado no grupo “a” é aquele que teve a sorte de ter “programas de estudo”2 corretos desde o início de seu aprendizado. Os programas de estudo podem ser produzidos como resultado de boa instrução, forte enculturação e/ou predisposição natural. Músicos excepcionais normalmente surgem quando todos os três elementos estão presentes. Estes alunos não precisam de ensino corretivo no contexto discutido neste artigo.

A seguir examinamos casos reais para compreendermos melhor as dificuldades envolvidas no trabalho com os problemas de afinação nos grupos “b” a “e”.

Primeiro caso: jovem universitário tem todas as características de um ótimo músico, utiliza bons dedilhados, demonstra musicalidade, tem recebido boa instrução e bom treinamento auditivo, mas... ainda assim toca desafinado. Durante a entrevista, observei uma obsessão com o “dedilhado correto” como sendo “a” forma de se alcançar uma afinação precisa. Não houve problemas aparentes quando pedi que ele cantasse um trecho da peça – o Concerto em Mi Maior de Bach. O aluno estava trabalhando nesta obra há alguns meses e já havia executado-a em um recital de alunos.

A afinação deste aluno melhorou significativamente após um exercício muito simples. Frisando que estava propondo uma brincadeira, pedi a ele para tocar o início da peça com apenas um dedo, qualquer um deles, mas somente com um dedo. Não é preciso dizer que ouvi um “isso é impossível..., mas para quê...”. Expliquei que era apenas um jogo e garanti que não defendia que Bach devesse ser tocado com apenas um dedo...! Este fato ocorreu em uma oficina realizada em um curso de verão; como não era o professor habitual deste aluno suas dúvidas eram justificáveis.

A inesperada melhora na afinação ao tentar tocar utilizando somente um ao invés de quatro dedos, deixou-o surpreso, pois dedilhados eram a sua solução para todos os problemas de afinação. Expliquei ao aluno, e aos demais presentes surpresos com a diferença, que dedilhados nada mais são do que programas motores em nível mecânico. Ao tocar com apenas um dedo ele fora obrigado a suprimir os antigos programas motores; e não podendo contar com padrões de dedilhado fora obrigado a escutar e usar o retorno da informação para ajustar a afinação. Nos parágrafos a seguir vamos procurar entender melhor porque este fato surpreendente foi possível.

Este aluno havia recebido aulas tanto de percepção musical quanto de violino. Podemos dizer que via de regra professores de violino tem o propósito de fazer com que os aluno adquiram uma boa postura, bons hábitos de estudo e a consciência de que bons dedilhados são importantes para se tocar bem. Por outro lado, professores de percepção trabalham com a leitura, reconhecimento de intervalos e leitura à primeira vista. Pude constatar que os professores deste aluno haviam lhe transmitido boas informações no entretanto, o aluno não fora capaz de unificar as informações para aperfeiçoar sua afinação. Pode se dizer que foram utilizados bons programas de estudo. O que faltou foi uma integração entre o treinamento do ouvido e a execução do instrumento. O jogo proposto acima trabalha em direção a esta integração na medida em que o foco da atenção consciente é transferido dos meios de produção do som para o som produzido. Na primeira execução do concerto de Bach descrita acima, o cérebro reconheceu a execução do dedilhado correto de uma nota e passou a executar a próxima nota. Um programa de estudo simplificado consistiria em:

SE – o dedo correto for utilizado

ENTÃO – siga para a próxima nota

Com o jogo proposto, o cérebro teve que se concentrar em saber se o som imaginado no ouvido interno estava correto para prosseguir à nota seguinte. O programa de estudo seria então alterado para:

SE – o som correto for produzido (apesar do dedilhado)

ENTÃO – siga para o próximo som

Após compreender o processo de produção dos sons, podemos aperfeiçoar o programa de estudo no seguinte formato:

SE – o som desejado for produzido com o dedo correto

ENTÃO – siga para a próxima nota

Para o aluno no caso acima relatado podemos dizer que as sugestões para estudar lentamente, em cordas duplas, com uma nota pedal nas cordas soltas e com transposições já haviam sido recebidas. O simples exercício descrito acima foi o momento “eureca”, que fez com que este aluno utilizasse as informações de que já dispunha e pudesse entender que:

a) o estudo lento é benéfico porque permite o tempo necessário para se ouvir internamente antes de tocar;

b) a utilização de cordas duplas e notas pedais nas cordas soltas intensifica o retorno da informação;

c) a utilização de transposições ajuda a conservar padrões em vez de alturas isoladas;

d) dedilhados são apenas caminhos para se obter a afinação e não um fim em si próprios.

Segundo caso: jovem universitário que toca de maneira inaceitável. Sua linguagem corporal revela envolvimento com a música. Há uma nítida intenção de formar frases, uma habilidade motora razoável, um excelente senso de ritmo, mas nenhum controle de afinação ou som. Durante a entrevista, constatei que o seu ensino de violino tinha sido bastante irregular, com diversos professores, a maioria deles bons músicos. Sua postura em geral era aceitável à primeira vista, sem impedimentos nítidos que poderiam justificar a sua má execução. Quando foi solicitado a identificar qual era o aspecto de sua execução que mais o incomodava, a resposta foi bastante clara: “tudo”. Quando pedi para ser mais específico, ele escolheu a afinação.

Em um exame minucioso da sua mão esquerda, percebi que, embora a forma da mão e os dedos parecessem estar corretos, a mão estava posicionada muito próximo da voluta de tal modo que favorecia o primeiro dedo. Constatei também, que a pressão exercida pelos dedos nas cordas era excessiva. Conseqüentemente, a posição da mão estava fazendo com que o quarto dedo ficasse sempre muito baixo e a pressão excessiva estava impedindo o ajuste da afinação através do retorno da informação auditiva. O exercício no Exemplo 1, feito antes de se tocar cada escala, estudo ou trecho, cujo objetivo consistia em aperfeiçoar o posicionamento da mão, provou ser eficaz. Este exercício utilizando os harmônicos naturais ajuda a posicionar a mão de maneira confortável para o dedo mínimo (4º) e relaxa a mão por exigir que se toque levemente para produzir os harmônicos de forma correta.

Exemplo 1: Exercício para o correto posicionamento da mão esquerda.

Outro exercício foi idealizado com o objetivo de desenvolver programas motores coordenados pela audição. É importante ressaltar a natureza transitória deste exercício apenas como um passo no treinamento auditivo, pois não queremos que o aluno acostume a corrigir as notas de maneira audível. Sugeri ao aluno que tocasse escalas com os dedilhados padrões, sempre elevando os dedos enquanto cantava internamente a altura desejada. Pedi que posicionasse os dedos aproximadamente ½ semitom acima, sem colocar pressão nos dedos ao encostar na corda, deslizasse o dedo em direção à altura desejada e só então aplicasse pressão na corda. Isto também foi feito posicionando os dedos mais graves do que a altura desejada. Na medida em que o controle motor através da percepção auditiva progrediu, a distância da altura desejada foi diminuída até que a altura correta foi atingida sem ajustes evidentes. Este exercício ilustra como o retorno da informação guia os dedos para a obtenção de uma afinação melhor; ele também mostra a necessidade de uma método de estudo passo a passo, com objetivos claramente definidos.

A resposta do aluno de que “tudo” o incomodava, mas que a “afinação” era o seu maior problema foi um claro indício de que ele estava escutando o que tocava. Neste caso, o retorno da informação auditiva existia até o ponto em que este aluno estava consciente do problema, enquanto que no caso anterior, o aluno acreditava que se os dedilhados estivessem corretos as notas estariam automaticamente afinadas. A resposta generalizante de que “tudo” era problema, revelou ser um indício de como este aluno estudava e no decorrer de nosso trabalho, um perfil mais definido começou a surgir. A sua instrução até aquele momento era constituída de boas orientações. No entanto, as informações recebidas não haviam sido seguidas durante um período de tempo longo o suficiente para ser consolidada e conseqüentemente ele não tinha uma compreensão lógica do instrumento.

Em retrospecto, posso dizer que isso não aconteceu devido à falta de interesse por parte do aluno ou falha de seus professores; mas sim como conseqüência da falta de coerência na maneira em que a informação fora apresentada.

Havia muitas fontes de informações diferentes sem programas de estudo apropriados. Portanto, trabalhei inicialmente na reorganização de todos os dados que o aluno já tinha antes de adicionar mais informações. Estimulei-o a pesquisar seu conhecimento violinístico com uma mente investigadora e fazer com que compreendesse os princípios que conduzem a formação de hábitos corretos para uma boa execução violinística. Encorajei-o a distribuir seu tempo de estudo eficientemente; a organizar corretamente seus objetivos e a criar bons programas de estudo.

A elaboração de bons programas de estudo é uma tarefa complexa e exige que as dificuldades sejam colocadas em ordem crescente para que cada etapa seja conquistada. Quando iniciamos o trabalho, um programa de estudo deste aluno poderia ser descrito da seguinte forma:

Para tocar bem:

Segure o seu arco com os dedos relaxados

SE - estiver segurando o arco corretamente

ENTÃO – escute o Dó #

SE – não estiver afinado

ENTÃO – preste atenção ao seu vibrato

SE – o vibrato for muito lento

ENTÃO – mantenha o arco paralelo ao cavalete

SE – não estiver correto

ENTÃO – corrija a afinação

Todos os dados acima estão corretos; porém, a seqüência da apresentação não é contínua. Uma ordem melhor das condições deste programa de estudo seria:

Para tocar bem:

Segure o seu arco com os dedos relaxados

SE - estiver segurando o arco corretamente

ENTÃO – mantenha o arco paralelo ao cavalete

SE – estiver correto

ENTÃO – escute o Dó #

SE – não estiver afinado

ENTÃO – corrija a afinação

SE – estiver afinado

ENTÃO – preste atenção ao seu vibrato

SE – o vibrato for muito lento

Nesta nova ordem, ainda muito geral, não há passos suficientes para ser muito útil; porém, propõe passos que conduzem de uns aos outros com certo grau de coerência. O programa de estudo descrito a seguir mostra como os objetivos do exercício de posicionamento da mão esquerda proposto acima podem ser alcançados com eficiência.

Para posicionar a mão esquerda corretamente:

Balance levemente a mão esquerda para relaxar

ENTÃO – posicione os dedos no lado do violino

SE – a forma estiver correta

ENTÃO – veja se a mão está relaxada

SE – a mão estiver relaxada (SE – não estiver, ENTÃO – comece novamente)

ENTÃO – posicione a mão nas cordas na quarta posição

SE – a mão estiver relaxada (SE – não estiver, ENTÃO – relaxe a mão)

ENTÃO – toque harmônicos

SE – a mão estiver relaxada

ENTÃO – faça um glissando para a primeira posição

SE – a mão estiver relaxada (SE – não estiver, ENTÃO – relaxe a mão)

ENTÃO – toque harmônicos na primeira posição com o quarto dedo

SE – a mão estiver relaxada (SE – não estiver, ENTÃO – relaxe a mão)

ENTÃO – toque harmônicos na primeira posição com o terceiro dedo

SE – a mão estiver relaxada (SE – não estiver, ENTÃO – relaxe a mão)

ENTÃO – toque harmônicos na primeira posição com o segundo dedo

SE – a mão estiver relaxada

ENTÃO – toque com o primeiro dedo

SE – a mão estiver relaxada

ENTÃO – toque a oitava

A finalidade deste programa de estudo é mostrar quantas vezes o objetivo “relaxar a mão” foi enfatizado durante este exercício específico.

No caso relatado acima os obstáculos para uma boa afinação ocorriam principalmente por causa das reações musculares impróprias. O trabalho de formação de padrões motores adequados foi desenvolvido ao longo de todo o curso de graduação. No que tange a afinação, tornar o aluno consciente da necessidade de relaxar a mão esquerda foi a chave para um trabalho produtivo.

Terceiro caso: Jovem universitária. Desde a sua primeira nota, é possível ver que sua mão esquerda está totalmente mal posicionada. O quarto dedo, muito rígido, está sempre muito levantado; a mão fica muito próxima da voluta, o polegar agarra o braço do violino e a mão não está equilibrada. Quando pedi a ela para apresentar qual era a sua maior preocupação com a sua execução, ela diz que ‘meus professores me dizem que meu quarto dedo é muito curto’. Em um exame minucioso, vemos que a ponta do quarto dedo está um tanto para trás. Quando solicitada a cantar, descobrimos que tem boa voz e canta bem.

Neste caso as deficiências de posicionamento da mão esquerda eram tão visíveis que não havia dúvidas de que a primeira tarefa seria corrigi-las. O exercício mencionado no Exemplo 2 foi empregado com relativo sucesso. O maior problema encontrado foi o formato anatômico do quarto dedo. Os exercícios a seguir ajudaram a moldar lentamente a mão e os dedos para permitir o uso adequado na execução do violino. Tendo em vista a natureza repetitiva destes exercícios, há que se enfatizar a importância de praticá-los por apenas alguns minutos por dia durante um longo período de tempo, para evitar lesões.3

Exemplo 2: Exercício para o quarto dedo baseado no tetracorde maior.

Sugiro que se inicie este trabalho na quarta posição pois permite a utilização de cordas soltas e harmônicos para verificar a afinação e as distâncias menores entre os dedos permitem que o quarto dedo seja melhor posicionado. O procedimento de descer um semitom após cada posição alonga o espaço na base dos dedos da mão gradualmente, minimizando os riscos de um esforço excessivo nos músculos e tendões envolvidos no processo. A utilização do tetracorde maior, um padrão geralmente bem internalizado, simplifica a tarefa da audição, permitindo maior atenção ao componente mecânico do exercício. Aconselho que nas primeiras semanas de estudo o objetivo seja entender o funcionamento correto da mão. No caso em questão escolhemos o tetracorde maior para possibilitar que o terceiro dedo servisse de guia para o quarto. O quarto dedo da aluna em questão caía na corda em um angulo oposto ao desejável para tocar violino. Ao entender que o movimento de elevar o dedo devia ter origem na base do dedo e utilizando o terceiro dedo como guia, começamos a notar progresso na posição dos dedos. Posteriormente, outros padrões foram acrescentados e o exercício a seguir ajudou a fortalecer o quarto dedo.4

Exemplo 3: Exercício para fortalecer o quarto dedo.

O trabalho acima descrito foi filmado periodicamente e apresentado em um congresso da área. Tenho a grata satisfação de reportar que esta violinista é hoje uma profissional atuando tanto como instrumentista em orquestras bem como professora.

Quarto caso: Aluno adolescente toca algumas das peças do repertório do Método Suzuki. O som é bom... As melodias são... aceitáveis, o ritmo... corre como o vento, o temperamento é... bem... explosivo. Penso comigo mesmo, “este rapaz realmente tem um bom potencial... O que devo fazer?” Ele já havia tocado durante algum tempo e então parou durante alguns anos; sua capacidade de concentração parecia limitada mas desejava tocar todas as peças do repertório de violino. Seus anseios e desejos não correspondiam a um trabalho estruturado. Demonstrava ser um músico compulsivo, sempre irrequieto com o violino quando tentava tocar trechos dos seus concertos prediletos.

O motivo para não recusá-lo como aluno, era o seu incontestável bom ouvido. O principal problema era canalizar toda sua energia para um trabalho produtivo. Era essencial desenvolver um senso crítico objetivo e positivo.

Os primeiros meses foram dedicados à reconstrução da sua técnica básica. As peças do primeiro volume do método Suzuki foram utilizadas para trabalhar a qualidade do som, golpes de arco, formação de frases, afinação e postura adequada. Estas peças foram utilizadas porque, sendo parte do seu conhecimento musical prévio, sua postura era de que já sabia como tocá-las. O trabalho foi direcionado para mostrar qual deveria ser o próximo passo para uma execução mais artística.

A exigência de concentração antes da execução de cada peça e uma avaliação criteriosa logo após se mostraram excelentes ferramentas para melhorar sua capacidade de atenção e observação. A apresentação de questões específicas relacionadas aos problemas que precisavam ser trabalhados, estimulou que sua atenção passasse a ser dirigida a um só tópico de cada vez. Subseqüentemente, o aluno foi encorajado a propor os passos adequados para corrigir aquilo que havia escolhido como sendo o próximo passo para melhorar sua execução.

No intuito de eliminar os comentários tais como “isso é muito fácil... eu já consigo fazer isso...”, escolhi peças desafiadoras que além de serem importantes para expandir o seu conhecimento do instrumento, evidenciavam a necessidade de um estudo deliberado. Para disciplinar sua leitura, fui firme à exigência de que, além de notas e ritmos, dedilhados e arcadas fossem seguidos cuidadosamente. Em cada peça do primeiro volume do método Suzuki, selecionei alguns pontos que foram trabalhados e prosseguíamos para uma peça mais difícil. Este procedimento foi seguido até o momento em que o aluno por iniciativa própria declarou que desejava continuar a trabalhar na “Scene de Ballet”, de Bériot por estar insatisfeito com a sua execução. Devo dizer que ficara bem impressionado com a qualidade da sua execução, mas sua percepção de que seu desempenho não era aquele que desejava, apontava que o trabalho realizado em direção à construção de um senso crítico havia finalmente frutificado. O estabelecimento da consciência interna de que “posso fazer melhor” é o ponto inicial para um trabalho construtivo.

O aluno protagonista do caso acima não necessita de ensino corretivo de afinação. Em tais casos, podemos ser tentados a acreditar que o ouvido se desenvolverá naturalmente e exigir pouco de outros aspectos da execução. Acredito que quando a principal aptidão do aluno é um bom ouvido, a exigência de uma afinação superior deve estar sempre presente. Dessa forma, é possível evitar o desenvolvimento de uma preocupação excessiva com padrões mecânicos e/ou com problemas posturais descritos no primeiro caso. Na situação acima exposta, é preciso evitar que a necessidade de um trabalho de afinação corretiva venha a existir.

Quinto caso: Jovem no início da adolescência insistiu persistentemente em ter aulas de violino. Havia iniciado seu estudo do instrumento há muito pouco tempo. Sua postura era inaceitável; não tinha nenhum conhecimento musical organizado e a sua afinação era nula. Em suma, um iniciante não muito promissor. No entanto, fiquei impressionado com seu verdadeiro entusiasmo para aprender e uma disposição sincera para estudar. Ao iniciar as aulas, descobri que ele não conseguia cantar uma escala e que tinha muita dificuldade para tocar semitons. Sua dificuldade para cantar a escala evidenciava que não conseguia lembrar a tônica e o padrão de semitons não eram consistentes. Quando toquei uma escala e pedi a ele para identificar as notas desafinadas, suas respostas estavam sempre corretas.

Neste caso, tanto as respostas musculares quanto a percepção auditivas eram incipientes. A tarefa, em grau desafiador, era ensinar violino e percepção auditiva ao mesmo tempo. Sua idade, normalmente considerada uma desvantagem, tinha que ser utilizada em seu benefício. Este aluno era capaz de compreender cada passo do processo de aquisição de novas competências.

No início do trabalho pedi a ele para tocar uma corda solta enquanto eu iria tocar a escala. Logo a seguir, pedi que ele cantasse a escala na tonalidade correspondente à corda que eu estava tocando. Logo em seguida, trocamos de lugar, e enquanto eu tocava as cordas soltas, ele cantou e depois tocou as escalas de Sol, Ré e Lá. Após algumas semanas, pedi a ele que tocasse as cordas soltas e que cantasse a escala enquanto eu dava instruções verbais de como ajustar a afinação.

Ao iniciarmos esta parte do trabalho, outro problema foi descoberto. Ele não conseguia ajustar a altura de sua voz, pois não estava acostumado a cantar. Um jogo simples comprovou funcionar como mágica. Pedi a ele que imitasse uma sirene ao redor de uma nota, e que parasse em qualquer nota que quisesse. Então, eu cantaria esta nota que ele estava cantando. Em seguida, os papéis seriam invertidos: eu cantaria uma nota e ele tentaria reproduzi-la; caso ele não conseguisse, teria que produzir o som de uma sirene ao redor da nota, até alcançá-la. Após algumas tentativas, ele entendeu o conceito e seguimos com o exercício utilizando o violino. Pedi a ele para que tocasse as cordas soltas e que cantasse a escala ao mesmo tempo. Primeiro, como um glissando rápido de uma tônica a outra, como a “sirene”, e então, por graus conjuntos. Este exercício foi feito para que o aluno estabelecesse a tônica no seu ouvido interno. Imediatamente após cantar, ele iria tocar a escala enquanto cantasse a tônica. Na medida em que ele aperfeiçoava a parte de cantar semitons e compreendia os padrões de dedilhados básicos, passamos para outras tonalidades. O formato do programa de estudo foi mantido:

Para melhorar a compreensão da estrutura da escala

– toque a tônica da escala;

ENTÃO – enquanto toca a tônica, cante a escala;

SE afinada;

ENTÃO – enquanto canta a tônica, toque a escala.

SE afinada

ENTÃO – troque a tônica.

Este programa foi seguido durante todo um semestre e todas as tonalidades foram praticadas desta maneira.

Graças à sua dedicação o aluno descrito no caso acima, tornou-se um instrumentista versátil tocando violino e viola; e é hoje um profissional tocando em uma das melhores orquestras sinfônicas do Brasil. Fato curioso é que ao concluir seu curso de graduação este aluno havia desenvolvido ouvido absoluto. Este caso demonstra de forma marcante que o trabalho árduo e o amor pela música podem produzir resultados muito gratificantes.

Sloboda diz que:

Para professores perceptivos já está claro, há muito tempo, que simplesmente oferecer às pessoas fatos e receitas não conduzem ao aprendizado. Estas propostas não têm utilidade, a menos que possam ser incorporadas a procedimentos previamente adquiridos. (1990, p. 228)

Quando consideramos o ensino corretivo da afinação descrito nos casos acima podemos ver claramente a veracidade desta afirmação. Devemos sempre partir de um diagnóstico cuidadoso dos problemas que deve nos conduzir à uma avaliação precisa do estágio de conhecimento do aluno. Devemos então formular objetivos claros que possam ser trabalhados através de programas de estudo bem definidos. Se os objetivos propostos interagirem com os hábitos estabelecidos, novos objetivos serão formulados produzindo uma ampliação do conhecimento de procedimento. Se falhamos neste processo de diagnóstico e escolhermos objetivos que não se relacionam aos hábitos existentes apenas acrescentaremos mais conhecimento factual, como a experiência com múltiplos professores que o aluno descrito no segundo caso havia tido.

Os exercícios e sugestões apresentados acima não são de modo algum exaustivos. Estes exercícios não são panacéias e nem devem ser considerados como substitutos dos estudos consagrados de Sevcik, Dounis, Schradieck e outros. Foram elaborados com o intuito de preparar o aluno para uma utilização mais criativa e eficaz da literatura padrão. Acredito que o sucesso na correção da afinação surgirá a partir de soluções engenhosas e não através de receitas prontas. A criatividade é, assim como em todos os empreendimentos humanos, o caminho para um ensino gratificante.

Notas

1 Isto explica por que os estudantes que tiveram treinamento formal do ouvido são tão capazes de tocar desafinado como seus colegas que não foram formalmente treinados. O contrário também é verdadeiro: alunos sem treinamento formal do ouvido podem ser precisos na execução de algumas das peças mais complexas.

2 O termo “programas de estudo”, utilizado neste artigo para explicar o raciocínio dos exercícios propostos originou-se no uso, por Sloboda, do termo “Production system”. (SOLOBODA, 1990, p. 215).

3 Este tipo de trabalho tem semelhança com o trabalho de um ortodontista. Por isso, um grande cuidado deve ser tomado a fim de lembrar o aluno com freqüência para não tentar acelerar o processo através da prática excessiva, pois, nesses casos, ela poderia causar uma lesão funcional.

4 Fui apresentado a este exercício pela primeira vez através do meu professor Eric Rosemblith.

Referências:

GALAMIAN, Ivan. Principles of Violin Playing & Teaching. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1962.

SLOBODA, John A. Training and skill acquisition: the musical mind. New York: Oxford University Press, 1990.

Recebido em 12 dez 2009

Aprovado em 20 dez 2009

Fredi Gerling - Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Recebeu o titulo “Doctor of Musical Arts” da University of Iowa em Maio de 2000. A sua tese versou sobre análise para interpretação e a análise de interpretações gravadas sendo a Bachiana Brasileira nº 9 de Heitor Villa-Lobos a base do trabalho. Foi regente titular e diretor artístico da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro de 1989 a 1995 tendo liderado o grupo em três tourneés internacionais e gravado dois CDs. Nos Estados Unidos da América foi regente da orquestra de cordas da prestigiosa Preucil Music School, referência internacional no ensino de cordas e atuou como solista, camerista e professor em várias outras escolas e orquestras destacando-se entre estas Tufts University, New England Conservatory Preparatory School e Boston Concert Arts Orchestra. Tem atuado como professor convidado e/ou regente em festivais e cursos extraordinários em Belo Horizonte, Campos do Jordão, Curitiba, João Pessoa, Londrina, Brasília, Uberlândia entre outros.