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Vol. 9 - Nº 1 - 2009

Resenha (p. 165-174)

VIllA-lOBOS A pARIS:

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Resenha por Marcos Câmara de Castro - ECA/USP

mcamara@usp.br

Ficha técnica

Editora: L’Hartmattan

Série: Collection Inter-National

Local e data: Paris, 2004

154 páginas

ISBN-10: 2747571653

Preço de capa: 15 €

O Kaspar Hauser dos Trópicos

Na contra-corrente da bibliografia produzida até hoje pelos críticos brasileiros e franceses, uma abordagem da história cultural é muito bem vinda para esclarecer o “fenômeno” Villa-Lobos em vários domínios. O período considerado – a saber, o início do século XX – foi marcado pela influência francesa sobre a elite cultural brasileira. O livro de Fléchet coloca essas influências pari-passu com aquelas que a França recebeu do Brasil como “visão do paraíso“ e as relações entre uma cultura, por assim dizer, “dominante” com uma outra “dominada”. Segundo Abel Bonnard1 (citado na p. 17), “Eles nos oferecem borboletas e nos pedem ideias” – o que caracteriza principalmente as relações entre uma cultura que se pensa dominante e outra pensada como dominada. Ou mesmo uma cultura que goza de uma posição central (e pensando a si mesma como dominante) e outra julgada marginal, tanto no sentido geográfico quanto no julgamento de valor. E isso constrói a alteridade necessária para as duas culturas – uma exótica, outra civilizada. Villa-Lobos pôde ser o Kaspar Hauser dos trópicos a questionar “os valores universalistas (ou etnocentristas)” [p. 19], visando a destruição da “razão ocidental” que já sofria as influências da crítica marxista, da psicanálise e do surrealismo (sic). Depois do cativeiro na cela tropical, Villa-Lobos tornou-se o avatar “criado na floresta” que chega à Europa e rapidamente elabora sua estratégia de ação. Ainda que não tenha chegado com uma estratégia bem construída, ele radiografa rapidamente a cena musical parisiense da época e a elabora in loco, com surpreendente rapidez. Longe de ser ingênuo, responde bem-comportado às expectativas do velho mundo.

Sublinhando – otimista... – que “ao longo da Belle Époque tropical (...) nunca a distância social entre as elites e o povo pareceu ser tão grande”, Fléchet indica uma mudança radical em relação ao Brasil de 50 anos antes, quando, segundo Tinhorão (1998, p. 117), “sem história anterior e (...) menos submissa ao peso das regras e convenções, a sociedade urbana brasileira [do século XIX] era muito mais dinâmica com relação a seu intercâmbio entre as classes”.

A célebre audição para Rubinstein, no Palace Hotel do Rio de Janeiro, por músicos amigos de Villa-Lobos – entre os quais sua alteridade local Fructuoso Vianna2 –, foi premeditada por Ansermet que aconselhou o célebre pianista a conhecer o “grande compositor” (p. 26). Quando ele chega na “ville phare”, encontra a elite parisiense à procura de um oxigênio que não tem nada a ver com o, por assim dizer, “cosmopolitismo da Belle Époque parisiense”. Muito pelo contrário, não há nada de um suposto universalismo, mas um “despertar dos nacionalismos musicais” (p. 29) que incluía compositores russos, espanhóis, da Europa Central e norte-americanos. Todos queriam obter o reconhecimento – ausente em seus países de origem – na “metrópole de substituição”, e o “índio branco”3 quer ser “o compositor brasileiro de referência” (p. 30). Jamais tomando parte ativa no movimento modernista brasileiro, Villa-Lobos prefere manter algumas convergências e permanecer independente, para por em curso sua estratégia bem definida de obter auxílios financeiros da alta sociedade do Rio de Janeiro.

“Tocar e Editar uma Obra”

O empresário carioca Carlos Guinle pagou, em 1927, 60 mil francos num contrato inicial assinado com Max Eschig para a publicação de 19 partituras do compositor – único registro a garantir perenidade, na época –, tendo como intermediário o marido da cantora Janacopoulos, Albert Saal – advogado especialista em contratos musicais, que tinha Stravinsky entre seus clientes. Tudo isso muito bem conduzido pelo “gênio estratégico” do “selvagem”.

Essa estratégia é a mais simples e, ainda hoje, a mais eficaz (ver Schirmer’s e John Corigliano), se somarmos a isso os dispositivos tecnológicos que Villa-Lobos fará uso no seu retorno a Paris nos anos 40. Sobre a bolsa governamental “com o intuito de apresentar a música erudita brasileira”, calorosamente defendida pelo deputado Gilberto Amado na câmara do Rio de Janeiro, ele só consegue 40 contos dos 108 iniciais – o que possivelmente viabilizou o concerto de 15 de fevereiro de 1924, citado pelo Correio Musical.4

Em que pesassem as reprovações da crítica sobre “a falta de forma e o ‘aspecto’ inacabado de suas obras”, René Dumesil dá um destaque muito maior ao “verdadeiro criador” Villa-Lobos, do que o faz para Bártok – este incluído no conjunto de compositores escandinavos, eslavos, tchecos, romenos e balcânicos (p. 53)... Longe de ser um fenômeno isolado, o sucesso de Villa-Lobos é tributário, segundo Fléchet, de três elementos: a força e originalidade de sua obra; sua integração ao meio musical parisiense; e a adequação ao horizonte de expectativas (horizon d’attente) do público francês. É o que traz à tona os fatores históricos e antropológicos – esquecidos com frequência pelos xenófobos brasileiros, e ignorados por uma história estética mais preocupada com a história do gosto.5

A “Metáfora Vegetal” e a Provocação

Fléchet chama a atenção para a recorrência da “metáfora vegetal” com que é descrita com frequência a obra do compositor: a natureza que a imensidão, a riqueza e a violência são capazes de evocar. O Selvagem não nega nem mesmo uma impossível associação sua com... os Incas! – às vezes evocados pela ignorância dos críticos franceses da época. Isso nos conduz ao conceito de exotismo e alteridade, baseado nas pesquisas de Affergan, Hartog e Todorov, entre outros, para quem “o outro está por essência longe e desejado, e desejado porque longe” (p. 62).

Aqui podemos parar um pouco pois é justamente isso que faz deste livro algo de fundamental para brasileiros e franceses envolvidos: da “Paris dos Trópicos” à perpetuação da miséria e da pobreza6 cada vez mais isoladas da vida dita culta, uma mistura de esquizofrenia e miopia faz com que o “índio branco” (e seus souvenirs) seja endeusado apesar do valor e da importância dos “outros” de hoje e de outrora: Nepomuceno, Oswald, Guarnieri, Mignone, Vianna etc.

Está longe desse fenômeno um interessante estudo de Didier FRANCFORT (2007) sobre a provocação:

Ao provocar, atingem-se círculos inesperados do público mais amplo. A atração pela transgressão, o gosto pelo escândalo podem assim beneficiar a difusão de produções que não eram destinadas talvez a provocar, mas que foram classificadas como provocadoras. O sucesso é portanto suspeito e podem-se acusar escritores e artistas de “inautenticidade”, de alimentar preocupações mais comerciais que criativas, julgando suas produções como simples provocações. A abordagem histórica dos provocadores permite reavaliar a importância de personalidades julgadas precipitadamente como secundárias porque provocadoras (...). A transgressão de normas geralmente admitidas é própria de indivíduos que não se podem taxar como profetas incompreendidos, externos à sociedade. Desse modo, a abordagem histórica da provocação leva talvez a superar as oposições simplistas entre culturas eruditas ou de elite e cultura de massa, entre tradição e vanguarda, entre “main stream” e “underground”.

“Com esse ninguém pode”, ironisou Fructuoso Vianna em 1971 – o tímido “escultor de miniaturas”, segundo Krieger,7 e a vocação da grandiloquência a qualquer custo edificou a “Belíndia” – 1% de Bélgica e 99% de Índia, segundo o jargão dos economistas brasileiros mais ilustrados.

Seguindo a retórica da alteridade citada por Fléchet, do lado brasileiro a alteridade é ainda, apesar da ideologia da elite, o branco civilizado, que não joga lixo no chão, e o músico de talento está acima da miséria e da floresta que o cerca.8 Floresta aqui no sentido amplo; floresta lato sensu, naquilo que preserva de desigualdade, falta de liberdade e de fraternidade. Pois a liberdade constrói-se graças à disponibilização de fontes de informação e referência crítica; a igualdade é fruto de um programa de educação pública sólida e eficaz, de saúde etc; e a fraternidade será sempre o produto do enfrentamento de forças em equilíbrio democrático. Tudo o que a elite brasileira não vê por causa de sua miopia e de sua esquizofrenia e de sua vocação, ainda pior, de ser administradora dos interesses econômicos estrangeiros. Eis a alteridade do ponto de vista do terceiro mundo e o relativismo que “valoriza não um conteúdo estável mas um país e uma cultura definidos exclusivamente em relação ao observador” (p. 66). O horizonte de expectativa (horizon d’attente) do público francês (exotismo, primitivismo) e seus medos (declínio, decadência da Europa) criaram o mito Villa-Lobos que inclusive abraçou como sua toda uma história de canibalismo vivida por Hans Staden (“o etnólogo malgré lui”) em 1553, e contada pela poetisa Mardrus num “extraordinário artigo” de 1927 (p. 70).

Foi na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde seu pai era funcionário,9 que o índio branco encontrou os temas indígenas recolhidos por Jean de Léry, entre outros10. E continua sempre na ordem do dia as (dispensáveis) trocas de datas de suas obras, visando uma modernidade que teria suas origens antes de sua partida para a França e para reduzir ao mínimo uma suposta influência de Stravinsky. Last but not least, a invenção do conceito de Choros – “meio de insistir sobre a originalidade e o caráter brasileiro de sua obra” e “de dar um efeito de exotismo, [e] de participar da retórica da alteridade colocada pela crítica musical francesa” (p. 81).

“Alimentar a Retórica da Alteridade”

No vale-tudo das adaptações para o cinema, Zelito Vianna mostra no seu filme Villa-Lobos, uma vida de paixão, uma cena de “revolta” do compositor que não queria ser visto como um selvagem. Tudo contribui a provar justamente o contrário e, na dialética do “espetáculo e o espectador”, o filme do irmão do humorista e homem de televisão Chico Anysio não tem nada a ver com o milagre Villa-Lobos.

Depois de sua chegada a Paris, muito bem recomendada por Rubinstein, Souza-Lima seria o próximo a lhe abrir as portas da sociedade parisiense. Sua estratégia consistia acima de tudo em se integrar ao meio musical e social francês e não à comunidade latinoamericana. “Villa-Lobos prefere ser o brasileiro do meio musical parisiense do que ser o compositor do meio brasileiro” (p. 100).

Longe de ser o caso de Debussy e Albeniz, nada nos leva a deduzir que Villa-Lobos tenha tido qualquer relação de amizade ou musical com Milhaud, mesmo este tendo vivido no Rio de Janeiro. E eis que Zelito Vianna dedica “uma longa cena ao encontro amigável e musical dos dois”... (p. 115).11

A Lógica do Mercado

Nos anos 30, o selvagem fez uma paródia avant-la-lettre de Borges,12 quando falou do “verdadeiro criador” que “desenha (...) o traço característico de sua personalidade e do país onde nasceu”, consequência de ter empregado “nobremente” os motivos folclóricos do país “onde formou seu espírito”. Depois da onda de exotismo, Villa-Lobos só seria redescoberto em 1987, graças a todo um esforço do projeto empreendido pelo Museu Villa-Lobos e por intercâmbios culturais entre França e Brasil, para celebrar seu centenário. Até então, ele permanecia como um “continente submerso” (continent englouti), segundo Vidal (p. 124). Nesse revival é que Anna Stella Schic publica sua “esclarecedora” biografia Villa-Lobos, souvenirs de l’indien blanc, em que tudo o que foi dito acima perde sua validade, reafirmando o mito, as piadas e a fantasia que alimentam a ignorância e, portanto, o descaso pelo conjunto da produção musical erudita brasileira,13 colaborando com “o arbitrário da inculcação pela inculcação do arbitrário” (BOURDIEU, 1971). Não em detrimento da MPB, mas no conjunto da produção musical brasileira!

Há uma dificuldade em considerar a produção musical erudita brasileira como um todo. Como diz Darcy Ribeiro:

Há, certo, também no plano erudito, uma reação brasileira. Ela não é, porém, nenhum nativismo. Suas criações são conquistas do gênero humano que podiam ter surgido em qualquer parte, mas afortunadamente nasceram aqui, na construção de Brasília, na arquitetura de Oscar Niemeyer, na música de Villa-Lobos, na pintura de Portinari, na poesia de Drummond, no romance de Guimarães Rosa e uns tantos outros (1995, p. 263).

Essa falta de aceitação tem raízes na índole brasileira pelo culto de reis e rainhas; deuses e deusas que são “únicos” em suas posições: Pelé, Xuxa, Niemeyer, Ayrton Senna, Villa-Lobos... O caso da arquitetura é ainda pior: o Brasil é o único país que tem um arquiteto nacional e nem Le Corbusier14 mereceu esse título na França, seu país de adoção, e onde ele menos construiu.15 João Cabral comentava também a guinada de Vinícius de Moraes em direção à MPB, querendo um maior reconhecimento do que o que tinha como poeta de elite. Camargo Guarnieri tentou repetir, em hora errada, a mesma estratégia de Villa-Lobos – desta vez com Cortot – mas a Guerra o trouxe de volta e compensou-lhe o relativo sucesso que alcançou nos EUA.

Enquanto não se desfizer o mito Villa-Lobos, nossa música erudita jamais será reconhecida em toda a sua considerável expressão e serão perdoados todos os deslizes do nosso “maior compositor” em função de uma estratégia da classe dominante local, ilhada em seu conforto intelectual e material, e com condições financeiras de participar da rede não-geográfica e protocolar da música de concerto internacional e toda sua liturgia glamourosa, sem “nativismo” ou memória social e coletiva.

Segundo Bourdieu, “a definição completa do gosto (...) exclui precisamente a consciência de tais condições [sociais]” em que o fenômeno advém, dando a impressão de um “vazio social”, que perpetua, pela “aristocracia do instinto” o esquecimento das condições sociais de sua produção em nome da “contemplação desinteressada”:

O esquecimento das condições sociais de produção e reprodução da disposição pura e disinteressada exigida pelas obras de arte e das categorias de percepção que se apresentam como categorias a priori de uma estética universal, é uma das premissas em que se fundam as funções interessadas pelo desinteresse e os lucros propiciados pelos consumos simbólicos (lucros que nunca são exclusivamente simbólicos). [BOURDIEU, 1971, p. 281].

O instigante livro de Anaïs Fléchet “permite também desvendar estratégias conscientes de ocupação de um campo cultural”,16 longe das ladainhas publicitárias e laudatórias, e mostrar a verdadeira dimensão de um compositor entre outros, que teve a sorte de estar na hora e no lugar bons e de se aproveitar disso. Dessa maneira, pode-se dizer que Fléchet ama mais o Brasil do que a elite brasileira, atolada no esnobismo; querendo ser mais civilizada do que a própria civilização e plantada na ilusão do a priori – isto, é, o inconsciente histórico que mantém o sistema de classificação dominante (BOURDIEU, 1971).

O fenômeno Villa-Lobos – que, como todo gesto fundador, é irrepetível – coloca na ordem do dia o que disse Luciano Trigo em 2007: para um artista, o que mais vale hoje é se inserir numa rede de relações composta de marchands [ou programadores de concertos] e seu sucesso não depende mais do valor intrínseco de sua obra, mas principalmente de sua capacidade de inserção num sistema que funciona cada vez mais segundo as regras do mercado competitivo do consumo e da moda, “mesmo se travestido do já surrado disfarce da transgressão”.

Nada mais capitalista do que se enquadrar na lógica do mercado ou perecer.

Notas

1 Océan et Brésil. Paris, Flammarion, 1929.

2 Cf. CÂMARA DE CASTRO, 2003.

3 SCHIC, Anna Stella. Villa-Lobos, souvenirs de l’Indien blanc. Paris, Actes Sud, 1987.

4 Cf. tabela da p. 130

5 Cf. Raynor, 1981, p. 1-14.

6 ������������������������������������������������������������������������������������Le Brésil (...) a été découplé en vastes proprietés privées dès les débuts de la colonisation portugaise, voilà près de cinq cents ans, et l’agriculture du pays s’est entièrement developpée sur cette base. Il reste, aujourd’hui encore, le déuxième pays au monde où le partage des terres est le plus inégal». «Sans terre de la planète, unissez-vous». In L’Humanité, 30 septembre 2009, p. 15.

7 Apud CÂMARA DE CASTRO, 2003, p. 110.

8 De um outro ponto de vista, o crítico Mário Pedrosa, citado por SAMUEL (1962), diz: “Villa-Lobos construiu sua cabana com a madeira da floresta que o cercava”.

9 Ele fez, é verdade, importantes viagens principalmente ao Nordeste, mas nada a ver com Amazônia.

10 O tema do Uirapuru foi provavelmente emprestado do ornitólogo inglês Edmund Selous (1857-1934).

11 Embora neste caso seja possível pensar numa omissão consciente de Milhaud, tão...attaché à música brasileira e latinoamericana em geral.

12 ...Un hombre se propone la tarea de dibujar el mundo. A lo largo de los años puebla un espacio con imágenes de provincias, de reinos, de montañas, de bahías, de naves, de islas, de peces, de habitaciones, de instrumentos, de astros, de caballos y de personas. Poco antes de morir, discubre que ese paciente laberinto de líneas traza la imagen de su cara. Epílogo de El hacedor: In BORGES, Jorge Luís. Obra poética, 1923-1977. Buenos Aires, Emecé Editores, S. A., 1977, p. 170.

13 Em nota de programa da OSESP, para os dias 13 e 15 de julho de 2000, eu introduzia a sigla MEB em contrapartida à MPB: “Este PROJETO CRIADORES DO BRASIL [ver www.osesp.art.br ] está proporcionando uma renascença da MEB (música erudita brasileira) que foi totalmente esmagada pela MPB, nas últimas décadas. Na década de 70, até Chico Buarque chegou a afirmar numa entrevista que “música erudita não tinha nada a ver com o Brasil”. Os músicos eruditos de então assinaram um manifesto que dizia não ter tal afirmação o menor fundamento e que era absurdo supôr que Pixinguinha seria mais brasileiro do que Villa-Lobos, por exemplo. O compositor Gilberto Mendes, em seu delicioso livro “Uma odisséia musical”, comenta indignado que, quando Camargo Guarnieri morreu, a TV não tinha quase nenhuma imagem dele para mostrar e que, em seus 80 anos de vida, nunca foi entrevistado devidamente. E perguntava: “– Será mesmo que não interessariam as histórias que esses musicistas chamados ‘eruditos’ poderiam ter contado?”, e reclamava do privilégio que a música popular teria sobre a erudita na mídia. Parece incrível mas depois da morte de Mário de Andrade, em 1945 e de Villa-Lobos, em 1959, a MEB entrou num período de ostracismo involuntário, ignorada não só pela mídia mas também pelas nossas próprias orquestras, salvando-se raríssimas excessões. A diferença, pelo menos na mídia impressa da época, é brutal: Diário Nacional, Jornal do Comércio, Correio da Manhã, JB, Estadão, Folha...todos publicavam, na primeira metade do século XX, artigos e críticas assinados por ninguém menos do que o próprio Mário, Vasco Mariz, Eurico Nogueira França, Luiz Heitor, Renzo Massarani, Ayres de Andrade e tantos outros. Discutiam-se as estréias de obras e publicações de livros e partituras, proporcionando ao público a possibilidade de conhecer criticamente o repertório de seu país, de igual para igual com o repertório europeu”. A sigla MEB foi adotada, em 2005, por Paulo de Tarso Salles em seu livro Aberturas e impasses: o pós-modernismo na música e seus reflexos no Brasil – 1970-1980. São Paulo, Editora da UNESP.

14 Arquiteto considerado “francês de origem suíça”

15 Como todos sabem, a Maison du Brésil da CIUP-Paris, é uma de suas poucas construções na França (com Lúcio Costa) e foi o que a tornou um ponto turístico, atraindo caravanas de estudantes e curiosos que vem apreciar sua arquitetura.

16 FRANCFORT, 2007.

Referências:

BOURDIEU, Pierre. Disposition esthétique et compétence artistique. In: A economia das trocas simbólicas. Trad. Sérgio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 269-294.

CÂMARA DE CASTRO, Marcos. Fructuoso Vianna, orquestrador do piano. Rio de Janeiro: ABM Editorial, 2003.

FLÉCHET, Anaïs. Villa-Lobos à Paris: un écho musical du Brésil. Paris: L’Hartmattan, 2004.

FRANCFORT, Didier. La provocation. Un objet pour l’histoire culturelle? In Vingtième siècle 2007/1, N° 93, p. 3-5. Disponivel em: . Acessado em: 05/01/2010.

RAYNOR, Henry. História social da música. Trad. Nathanael Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SAMUEL, Claude. Panorama de l’art musical contemporain. Paris: Gallimard, 1962.

TINHORÃO, José Ramos. História social da musica popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

TRIGO, Luciano. É de fama e dinheiro que se trata a arte? In: Folha de São Paulo: São Paulo, 19 de novembro de 2007, Ilustrada. Disponível em: . Acesso em: 05/01/2010.

Marcos Câmara de Castro - Doutor em música pela ECA/USP, compositor e professor de regência e canto coral no Departamento de Música da ECA/USP de Ribeirão Preto. Prêmio de Composição do Florilège Vocal de Tours (1986); prêmio de “melhor obra experimental” da APCA/1986; primeiro prêmio da Academia Brasileira de Música por seu livro Fructuoso Vianna, orquestrador do piano, 2003. Frequentou as classes de Michel Philippot no CNSM-Paris, como “auditeur libre”, bolsista do CNPq (1988-1990). Seu catálogo inclui obras para piano, violão, coro misto e infantil a cappella e com instrumentos, orquestra sinfônica e música de câmara. Como pesquisador e conferencista, vem publicando em jornais e revistas especializadas e participando de eventos no Brasil e no Exterior.