Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 08, Num. 01, 2006 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL PAPERS / ARTICULOS ORIGINALES
 
OLIVIERA, Agnes Schutz de; ANTONIO, Priscila da Silva. SENTIMENTOS DO ADOLESCENTE RELACIONADOS AO FENÔMENO BULLYING: POSSIBILIDADES PARA A ASSISTENCIA DE ENFERMAGEM NESSE CONTEXTO. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 08, n. 01, p. 30 – 41, 2006. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen
 

SENTIMENTOS DO ADOLESCENTE RELACIONADOS AO FENÔMENO BULLYING: POSSIBILIDADES PARA A ASSISTENCIA DE ENFERMAGEM NESSE CONTEXTO1

THE ADOLESCENT FEELINGS RELATED TO THE BULLYING PHENOMENA: POSSIBILITIES TO THE NURSING ASSISTANCE IN THIS CONTEXT

SENTIMIENTOS DEL ADOLESCENT FRENTE AL FENÓMENO BULLYING: POSSIBILIDADES PARA LA ASISTENCIA DE ENFERMERIA EN ESE CONTEXTO

Agnes Schutz de Oliveira2
Priscila da Silva Antonio3

RESUMO: O bullying é um fenômeno devastador podendo vir a afetar a auto-estima e a saúde mental dos adolescentes. Geralmente ocorre quando o adolescente é mais suscetível ou vulnerável às agressões verbais ou morais que lhes causam angústia e dor, principalmente quando ocorrido em ambiente escolar traduzindo-se como uma forma de exclusão social. Pode desencadear alguns problemas de saúde tais como a anorexia, bulimia, depressão, ansiedade e até mesmo o suicídio. A enfermagem, pautada com princípios de prevenir agravos de diversos males, preocupa-se também com esta intercorrência traumática na adolescência. O objetivo deste estudo foi identificar sentimentos que possam estar relacionados com o bullying em adolescentes alunos de 5ª a 8ª séries. Tratou-se de uma pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, realizada em uma escola de segmento religioso conveniada com o estado. A coleta de dados ocorreu auxiliada por entrevistas gravadas, posteriormente transcritas e submetidas à análise temática. Os resultados mostraram que os sentimentos relacionados ao fenômeno são múltiplos e variados, sendo categorizados como aspectos de caráter positivo, aspectos de caráter negativo e aspectos de caráter necessário.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde Escolar; Enfermagem Pediátrica; Saúde do Adolescente; Violência.

ABSTRACT: Bullying is a devastating phenomenon that can affect the adolescent’s self-esteem and mental health. Generally occurs in school environment when the adolescent is more susceptible or vulnerable to verbal or moral aggressions that cause to them anguish and pain, meaning as a status of social exclusion. Most of time, health problems as anorexia, bulimia, depression, anxiety and also the suicide, appears. By the way, nurses are able to prevent injuries to various problems, and also concerns about this traumatic incident in adolescence. The aim of this study was to identify feelings that can be related to” bullying “in adolescent students in 5th to 8th classes. It is a descriptive research by qualitative approach, developed in a religious setting state school. Data was collected by taped interviews and, after transcribed, submitted to thematic analysis. The results showed that feelings related to this phenomena are multiple and varied, being categorized as positive aspects character, negative aspects character and necessary aspects character.

KEY WORDS: School Health; Pediatric Nursing; Teen Health; Violence.

RESUMEN: El bullying es un fenómeno devastador que puede afectar la auto-estima y la salud mental de los adolescentes. Ocurre generalmente en el ambiente de la escuela cuando el adolescente es más susceptible o vulnerable a las agresiones verbales o morales que les causan angustia y dolor, significando como una manera de exclusión social. En la mayoría de las veces, aparecen problemas de salud como la anorexia, bulimia, depresión, ansiedad y también el suicidio. A propósito, la enfermería puede prevenir lesiones y agravantes a los varios problemas, y preocupase también, con esta ocurrencia traumática en la adolescencia. El objetivo de esta investigación fue identificar sentimientos que pueden estar relacionados con el bullying en los estudiantes adolescentes del 5ª al 8ª grado. Se trata de una pesquisa descriptiva de abordaje cualitativo, realizada en un liceo de segmento religioso mantenido por el estado. La coleta de datos ocurrió auxiliada por entrevistas gravadas, posteriormente transcriptas y sometidos a análisis temático. Los resultados mostraron que los sentimientos relacionados al fenómeno son múltiples y variables, segundo las categorías temáticas: aspectos de carácter positivo, aspectos de carácter negativo y aspectos de carácter necesario.

PALABRAS-CLAVE: Salud Escolar; Enfermería Pediátrica; Salud del Adolescente; Violencia.


INTRODUÇÃO

Mais que uma etapa no ciclo de vida do indivíduo, a adolescência é uma fase especial no decorrer do desenvolvimento do homem, determinando mudanças no adolescente e conduzindo-o à maturidade dentro dos parâmetros normais no ciclo da evolução humana.

Não obstante, poderá haver obstáculos que influenciarão esta escalada rumo a uma vida adulta saudável, principalmente aqueles relacionados à construção da auto-estima e do fortalecimento de um alicerce sólido diante de sua saúde mental, indispensável frente aos desafios da vida. A inserção em grupos sociais, a necessidade do reconhecimento de seus valores, o companheirismo dos amigos de grupo e o apoio familiar servem como “tijolos” de uma construção, interligando auto-estima e sociabilidade, impulsionadoras de futuros cidadãos ativos e operantes dentro da sociedade.

O fenômeno conhecido como bullying, palavra oriunda do inglês “bully” assemelhando-se ao termo em língua portuguesa como “valentão” ou “machão”, caracteriza-se como um desses obstáculos ameaçadores, com o quadro característico de adolescentes excluídos e discriminados, agredidos e/ou machucados por outra(s) pessoa(s) (LOPES NETO, 2005).

Descrito como um estressante psicossocial aos adolescentes, o bullying emerge com ações discriminatórias e práticas freqüentes de violência no cotidiano escolar, tratando-se de um tipo de exclusão social capaz de oprimir, intimidar e machucar aos poucos, sem nunca ser declarada de fato. A origem pode estar num apelido de mau gosto, em ameaças de agressão ou simplesmente em atitudes de desprezo, onde a escola, um importante agente socializador para o adolescente, pode vir a tornar-se um “campo inimigo” para o mesmo, e levá-lo a ser ridicularizado pelo grupo e conseqüentemente torna-lo mais frágil.

Encarado por várias gerações como “bobeira de criança”, hoje o fenômeno é uma das maiores preocupações para pedagogos e psicólogos, e em se tratando de acarretar danos à saúde como um todo, o enfermeiro se encarrega também de sensibilizar-se e acompanhar essa intercorrência traumática da adolescência(LOPES NETO, 2005).

É notório que adolescentes afetados pela violência sinalizada pelo bullying podem vir a se tornar adultos com saúde mental desequilibrada, podendo ser desencadeados, dentre outros, transtorno do pânico e crises de ansiedade, e, quando não, auto-extermínio ou homicídios cometidos pelos mesmos, fragilizando o jovem em sua totalidade.

Demonstrada a morbidade que cerca este fenômeno, esta pesquisa buscou identificar a ocorrência de sentimentos que possam estar relacionados com o bullying, subentendido como uma ocorrência quase corriqueira em ambiente escolar, onde muitas pessoas encaram-no com “vistas grossas” fazendo com que o adolescente afetado tenha um sofrimento solitário e angustiante. Desse modo, procurou viabilizar um conhecimento mais sólido diante do perfil adolescente, o qual muitas vezes é passado despercebido pelos profissionais de saúde, por se tratar de um cliente que se encontra no meio termo, nem criança, nem adulto.Entretanto, o adolescente está numa fase de mudanças e escolhas muito importantes que podem determinar o futuro de sua vida.

O período da adolescência
       O período da adolescência para o ser humano é o momento de desabrochar para a vida, ter novas aspirações e, sobretudo, vivenciar o frescor da juventude com tudo de melhor que ela tem a oferecer. Trata-se daquela fase em que a menina-moça se enfeita com primazia querendo tornar-se mais atraente e o jovem rapaz se empenha para ser reconhecido o mais rapidamente por suas qualidades e atributos físicos.

Segundo SILVA & SILVA (2004, p. 24), “Adolescência é o período da vida que se caracteriza entre a infância e a idade adulta. Tem início na puberdade com o surgimento das características sexuais secundárias e termina com o fim do crescimento”.

Entretanto, BEE (1997), relata fazer mais sentido pensarmos na adolescência como o período que se situa, psicológica e culturalmente, entre a meninice e a vida adulta, ao invés de uma faixa etária específica.

Abastando-se destas máximas, podemos identificar que a adolescência vem a ser um período de transformações tanto físicas quanto psíquicas, envolvendo o indivíduo cultural e socialmente, provocando mutações orgânicas e psicológicas abrangendo-o em um todo.

Podemos atribuir ainda ao adolescente a característica semelhante a uma “esponja”, conforme compara ABERASTURY & KNOBEL (1981), com uma capacidade extraordinária de absorver tendências e comportamento estimulado, de maneira a tornar-se indispensável, uma “supervisão” acirrada sobre as fontes de estimulação que são observadas pelo mesmo.

Torna-se então explícito ser a adolescência um período de descobertas bombásticas sobre si mesmo, seu corpo e sobre o futuro que agora deverá ter direcionamento e metas antes impensadas. Seu elemento principal, o adolescente, encontra-se vulnerável tanto às mudanças de caráter positivo, quanto negativo, dependendo do que sua receptividade ao meio resolver absorver para si.

A importância da família, da escola, dos amigos e dos círculos sociais
       Podemos nos pautar segundo OSÓRIO (1992, p. 15) em que “o adolescente tem como tarefa básica a aquisição do sentimento de identidade pessoal, por isso diz-se que a crise evolutiva é, sobretudo, uma crise de identidade”. Seqüenciando seu postulado, o autor ainda aponta questões como a de que o sentimento de identidade do adolescente é função de um equilíbrio dinâmico entre estes três vértices: o que eu penso que sou? O que os outros pensam que sou? O que eu penso que os outros pensam que eu sou?

Desta forma, podemos observar que uma necessidade de constante auto-afirmação e aceitação caminham paralelas no cotidiano do adolescente, e em primeira instância, apóia-se na família e posteriormente, em um grupo de amigos, os quais fortalecem seu auto-conceito e formação de identidade.

De acordo com este cenário, vê-se a importância da família junto ao adolescente apresentando-se junto a ele com dualidade, hora como refúgio, outrora vista como dissociável perante a necessidade de busca por um grupo de identificação, desvencilhando-se da imagem de criança. Em contraste a essa necessidade familiar, a necessidade do grupo de amigos se faz indispensável para a socialização do adolescente. Todavia ele utiliza seu grupo de amigos de outra forma, isto é, está batalhando para realizar uma transição lenta da vida familiar protegida para a vida independente do adulto, e o grupo de amigos torna-se o veículo para essa transição (BEE, 1997).

Assim sendo, é no ambiente escolar, onde passa a maior parte de seu tempo, que o adolescente está à caça de um “grupo de iguais” para se auto-afirmar como indivíduo e tornar-se mais independente da família, mesmo que ainda precise muito dela. Por isso há grande frustração quando é rejeitado por grupos ou pessoas específicas.

Analisando esta visão sobre o círculo adolescente - família, escola, amigos -, ressalta-se a importância de se ter conhecimento dos estressores potenciais relacionados à escola, e o profissional de enfermagem deve ajudar os pais a planejarem um modo de minimizá-los. Compreende-se ser estes os estressores: a adaptação às expectativas dos professores e ações disciplinares, a manutenção do auto-conceito, a competição com companheiros, o teste de novos comportamentos, o compromisso com responsabilidades e o estabelecimento de padrões de comportamento (POTTER & PERRY, 2001).

O adolescente e o bullying
       Não há como negar os danos desencadeados pelo bullying e direcionados aos adolescentes, uma vez que simplesmente não podemos virar as costas a esse problema de ordem social. CAVALCANTE (2004) cita uma pesquisa realizada em onze escolas cariocas, revelando que 60,2 % dos casos acontecem em sala de aula. Daí a importância de identificar o bullying e saber como evitá-lo:

“As ações realizadas por intermédio do bullying são verdadeiros atos de intimidação preconcebidos, ameaças, que, sistematicamente, com violência física e psicológica, são repetidamente impostos a indivíduos mais vulneráveis e incapazes de se defenderem, o que os leva a uma condição de sujeição, sofrimento psicológico, isolamento e marginalização” (CONSTANTINI, 2004, p. 69).

Apresenta-se devastador o efeito do bullying ao indivíduo afetado. Este fenômeno vem arrastando vítimas em larga escala, fazendo-nos relembrar de um dos mais famosos casos a nível internacional, ocorrido em 1999, no qual dois adolescentes, de 17 e 18 anos, provocaram a tragédia de Columbine, Colorado, EUA, quando, com explosivos e armas de fogo, assassinaram doze companheiros, um professor e deixaram centenas de feridos, suicidando-se em seguida (FANTE, 2005).

Atravessando fronteiras, observamos este fenômeno aos poucos se introduzindo em terras brasileiras, trazendo terror à realidade de nossos adolescentes. Na cidade de Taiúva, interior do estado de São Paulo, um jovem humilde e tímido de 18 anos foi vítima de seus companheiros de escola durante 11 anos por causa de sua obesidade, propondo-se, então, a emagrecer. Se não bastasse ser chamado de “gordo”, “mongolóide” e “elefante cor-de-rosa”, ainda adquiriu o apelido de “vinagrão”, por ingerir vinagre de maçã todos os dias pela manhã para ajudar no emagrecimento. Não podendo mais resistir, feriu e feriu-se para sempre encerrando tragicamente sua vida repleta de humilhações e sofrimentos. Catastroficamente, no dia 27 de janeiro de 2003, entrou na sua ex-escola durante o recreio ferindo uma professora, seis alunos e o zelador (FANTE, 2005).

O futuro é palavra deveras doce e ao mesmo tempo assombrosa aos ouvidos do adolescente. O medo e as incertezas dele diante do que há de vir se tornam quase que inevitáveis, principalmente por tratar-se de não saber ainda quem ele é e o que “vai ser” em anos vindouros. Somando-se a esse turbilhão de inseguranças, o bullying poderá vir a contribuir de maneira nefasta frente às expectativas ao futuro, ocasionando uma visão frustrante em relação aos seus horizontes.

“O bullying, que sutilmente vem se disseminando entre os escolares, cresce e envolve, de forma quase epidêmica, um número cada vez maior de alunos. Sua ação maléfica traumatiza o psiquismo de suas vítimas, provocando um conjunto de sinais e sintomas muito específicos, caracterizando uma nova síndrome denominada Síndrome dos Maus-Tratos Repetitivos” (SMAR) (FANTE, 2005, p. 9).

Evidenciando o peso negativo desta prática, FANTE (2005) ressalta a importância de compreendermos este fenômeno através de estudos e pesquisas devido aumento grave e severo da incidência em terras brasileiras.

“Estudos e pesquisas comprovam que o bullying está presente nas escolas de todo o mundo, assim como nas escolas brasileiras, porém só agora vem se tornando notório a partir das pesquisas pioneiras empreendidas por esta autora e em função das recentes tragédias ocorridas em escolas brasileiras como Taiúva (SP) e Remanso (BA), noticiadas pelos meios de comunicação” (FANTE, 2005, p. 11).

Realizando um entrelaçamento sob os pontos de vista de CONSTANTINI (2004) ; PAPALIA & OLDS (2000), devemos visualizar a importância de nos ocuparmos com fenômenos estressores ao adolescente como o bullying, com o intuito de prevenir comportamentos anti-sociais futuros; devemos aliar nosso discernimento de que alguns jovens têm problemas para lidar com tantas mudanças e situações, devendo ainda, ajudá-los a superar os perigos ao longo do caminho.

Nos dias atuais, aparatos tecnológicos podem ser adquiridos com uma maior facilidade por classes sociais de poderes aquisitivos diversos. O que antes era “sonho de consumo” para muitos lares, hoje se tornou realidade. Há a invasão da tecnologia na vida do brasileiro, sendo um forte fator contribuinte às mudanças sócio-culturais e, por conseguinte, do ambiente social. Uma vez instituído este panorama mundial vivenciado com excesso de informações, ser vítima, testemunha ou agente de violência são condições que podem ser tecidas na história do desenvolvimento de uma pessoa. Mesmo as experiências não vividas pessoalmente são trazidas à tona em detalhes pela mídia, ou seja, a exposição às drogas, gangs, armas, problemas raciais, atividades terroristas, e mesmo os desastres naturais (BRASIL; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).

Portanto, a mídia pode vir a reforçar este sobrepeso negativo, e o bullying se tornar cada vez mais presente no meio dos adolescentes, facilitado pelo advento de uma sociedade moderna e suas peculiaridades, pela banalização das situações de violência, pela desigualdade social, econômica e cultural,pela prática de atividades ilícitas e pela cultura de consumo (BRASIL; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).

RAPPAPORT et al (1992), ressaltam que indubitavelmente não podemos menosprezar os meios de comunicação em massa, notadamente a televisão, como transmissores de atitudes, normas e valores. Devido a toda esta contextualização, juntamente com a problemática da violência cada vez mais disseminada, o suscetível jovem poderá vir a necessitar de cuidados, sobretudo se estiver sob alvo do bullying. BRASIL, Ministério da Saúde (2002) reforça esta afirmação redigindo que as informações veiculadas afetam em algum grau a visão de mundo, e de si mesmo, que o jovem constrói.  Os ritos da moda, a sensualidade e a violência explícita na tela são tidos por diversas vezes como sinônimo de poder e imposição de respeito, passando a ser desnorteadores de virtudes, negativando assim a aquisição de caracteres de “boa” personalidade.

Seja qual for a programação referida - telenovelas, filmes, seriados de TV, Reality Shows ou novelas teen (destinadas aos adolescentes) - grande parte das mensagens emitidas pela televisão sugere apelação para o lado erótico/sensual, ou ainda, revela o lado grotesco das drogas, trapaças, maus-tratos entre pais e filhos. Enfim, evidencia a violência nas mais variadas formas. Esse veículo de comunicação promove os fatos violentos até convertê-los em cotidiano e mantém um modelo passivo da violência como meio de resolver conflitos e adquirir o poder, alterando a consciência moral do jovem (Fernandes, 2000 apud FANTE, 2005).

O que podemos constatar de um modo geral é a ambigüidade na qualidade dos conteúdos das programações de TV e musicais, salas de bate-papo na internet, entre outros. Se por um lado favorecem a troca de informações, dinamizam a socialização e asseguram ao adolescente estar atualizado com o mundo, por outro podem viabilizar uma formação errônea e despudorada de caráter marginal, características coniventes ao bullying.

A enfermagem e o adolescente diante do fenômeno bullying
       Fazendo uma interligação do bullying como agente estressor ao adolescente com a possibilidade da enfermagem intervir como terapêutica, podemos ressaltar a viabilidade de resultados positivos quando da atuação do enfermeiro em nível de prevenção.

Pautemo-nos ainda sobre a meta dos profissionais de saúde, em especial na do enfermeiro, em relação a mudanças positivas em atitudes e hábitos de vida do ser humano, impulsionadoras do bem estar. Contudo, a enfermagem encontra-se em vias de preocupação constante diante da atenção primária à saúde do seu objeto de cuidado, o cliente, sobretudo estando o mesmo nesta delicada fase da adolescência.

O bullying como um desarticulador em potencial a desequilibrar o ritmo de vida do jovem, torna-se mais um fenômeno visado pelo profissional de enfermagem que o focaliza como um elemento negativo e extremamente necessário de ser identificado e erradicado. Para tanto, o enfermeiro dotado de olhar holístico, entremeando saber prático e teórico, encontra-se amplamente capacitado para lidar com mais este empecilho na otimização da qualidade de vida. Tem como um de seus diversos objetivos reduzir o estresse para uma facilitação no processo de recuperação, centralizando-se em desfazer efeitos de estresses reais ou potenciais como o bullying, sendo este uma barreira à habilidade de adaptação. Relembremo-nos ainda do atributo do enfermeiro quando da utilização da comunicação para auxiliar na adaptação positiva entre o cliente e o meio ambiente, podendo-se ainda estender esta conversa terapêutica/educativa aos familiares, dando assim uma cobertura mais ampla de atenção à saúde dos mesmos, abrangendo um todo.

Portanto, salientamos o compromisso que a enfermagem tem de salvaguardar o bem estar do próximo, estando a mesma capacitada para tal. Cabe-lhe ainda em suas ações junto aos adolescentes basear-se nos princípios da articulação interinstitucional, da interdisciplinaridade, da instrumentalidade de ações de capacitação e mobilização para a construção de práticas emancipatórias e da transversalidade do compromisso com a promoção à saúde do adolescente nos inúmeros espaços de atuação (BRASIL; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).

Observamos então a ação do enfermeiro utilizando-se de abordagens diversificadas, podendo o mesmo escolher a mais apropriada para determinado caso em quaisquer desequilíbrios desencadeados pelo bullying. Será a enfermagem amparando o adolescente e ativa em prol da comunidade, refletindo respectivas melhoras na qualidade de vida da população e em especial do adolescente.

Diante os aspectos até aqui apresentados e, com vistas a aprofundar a discussão sobre o fenonomeno bullying na Enfermagem, desenvolvemos neste estudo o objetivo de identificar sentimentos que possam estar relacionados com o bullying em adolescentes alunos de 5ª a 8ª séries de uma escola pública do interior do estado de Goiás, Brasil.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, entendido como aquele onde é realizado um levantamento das características conhecidas que compõem o fato/fenômeno/processo [...] feito na forma de levantamentos ou observações sistemáticas do fato/fenômeno/processo escolhido (SANTOS, 2004). Essa linha de estudo é útil para entendimento sobre o contexto em que algum fenômeno ocorra, e permite observações de vários elementos em um mesmo grupo simultaneamente, propiciando conhecimento aprofundado de um evento possibilitando explicação de um comportamento (MINAYO, 1992; VÍCTORA et al 2000).

Este tipo de pesquisa permite uma maior aproximação das experiências dos sujeitos, no caso, focalizando especificamente a individualidade do adolescente, seus sentimentos, frustrações e desejos, sem se preocupar com as generalizações do grupo em questão (MINAYO, 1992).

A investigação ocorreu em uma escola conveniada com o estado e dirigida por uma Ordem de Congregação Salesiana (católica), na cidade de Anápolis, interior do estado de Goiás, Brasil. Nesta instituição inserem-se alunos do ensino básico e fundamental, onde as aulas ocorrem em turnos matutino e vespertino, sendo a maioria das entrevistas realizadas neste segundo turno. Entretanto, alguns sujeitos preferiram ser entrevistados em seus domicílios, havendo, portanto, esta opção de escolha para os pesquisados.

A população amostra para estudo foi de dezessete adolescentes, especificamente em curso da 5ª a 8ª série do ensino fundamental, pois consideramos que desta forma teríamos uma abrangência maior de adolescentes para o estudo. A escolha dos participantes foi através de uma pré-seleção feita pela diretoria da escola que utilizou como critérios de inclusão, alunos que de alguma forma apresentavam sinais do bullying, ou seja, como praticantes /agressores, como vítimas ou testemunhas. Além da pré-seleção, outros critérios de inclusão foram adotados, como: estar cursando entre 5ª e 8ª séries, disponibilidade e aceitação tanto por parte do estudante como de seus pais e/ou responsáveis.Critérios como sexo, condição sócio-econômica, nível cultural dos pais e religião, foram desconsiderados.

Para a coleta de dados utilizamos a entrevista semi-estruturada para o registro das informações. Esta forma de coleta facilitou a exploração das experiências e dos sentimentos vivenciados pelo adolescente e propiciou um campo rico para analisar as percepções e subjetividade. As entrevistas foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas. Partimos de perguntas norteadoras que facilitaram ao adolescente verbalizar se já sofreu algum tipo de rejeição ou se foi alvo de “chacota”, de escárnios de colegas, professores, e também a maneira como ele se relaciona com tais indivíduos e com a sua família.

Este estudo foi previamente encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral de Goiânia, recebendo um parecer favorável para a sua execução (protocolo nº134/05), seguindo à risca as orientações da portaria 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) sobre as pesquisas com seres humanos.

Ressalta-se que foi garantido o sigilo da identidade dos participantes, impossibilitando quaisquer riscos aos mesmos, A instituição e o pesquisador, ambos responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa, trabalharam no sentido de garantir todos os preceitos éticos em todas as etapas da pesquisa.

Para análise dos dados, utilizamos a técnica de análise temática proposta por BARDIN (1977), onde passamos por três etapas no processo: pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Iniciamos nossa pesquisa com adolescentes previamente selecionados pela escola, de maneira que se encontravam inseridos nas ocorrências de bullying, ora como alvos, ora como autores ou somente testemunhas das situações. Gostaríamos de ressaltar que os mesmos não sabiam o motivo da escolha para a participação no estudo. Este cuidado se deu para que as respostas e opiniões dos entrevistados não fossem alteradas.

Como o nome dos entrevistados deve permanecer no anonimato, decidimos utilizar pseudônimos para a identificação dos diferentes depoimentos. A escolha do pseudônimo foi feita pelos próprios sujeitos, que escolheram entre os personagens de desenhos animados apresentados pelos pesquisadores.

Percebemos que a aceitação para coleta de dados superou expectativa numérica prévia à mesma, em razão de uma maior quantidade de sujeitos que se dispôs a participar da pesquisa, tornando-a mais rica em dados coletados.  Um dado comprobatório desta aceitação positiva foi a extensão da pesquisa a adolescentes da 5ª série, estando a princípio restrita aos alunos de 6ª a 8ª série, ampliando-se devido grande disponibilidade e aceitação de participação por parte dos alunos da 5ª série.

Em somatória a este aumento considerável de sujeitos, os responsáveis pelos mesmos também contribuíram, mostrando-se interessados quanto à realização das entrevistas, relatando por diversas vezes reconhecerem o perigo potencial do bullying e a já inserção dos menores em intercorrências ligadas ao fenômeno.

Através das reações dos entrevistados, percebemos vários tipos de posturas diante das perguntas.  Quase todos, de certa maneira, vivenciaram ou conheciam indivíduos envolvidos com a problemática. Muitos encararam a entrevista como uma forma de desabafo. As vítimas quase sempre se mostravam extremamente ansiosas, com tiques nervosos, maneirismos, disfonia (gagueira), e até mesmo silenciando-se quando a pergunta o deixava reflexivo, conforme seu envolvimento na ocorrência dos eventos de bullying.

Percebemos também a indignação de quase a totalidade dos entrevistados diante da disseminação do bullying no ambiente escolar, a qual era expressa através de mensagens aos agressores diante da possibilidade da troca de papéis com os alvos, e assim levá-los a sentir na própria pele os sofrimentos dos mesmos.

Ao analisarmos os relatos, identificamos três categorias caracterizando o contexto pesquisado, tendo-os definido como aspectos de caráter positivo, aspectos de caráter negativo e aspectos de caráter necessário, implicados aos sujeitos da pesquisa.

Dentre os aspectos de caráter positivo, destacaram-se a satisfação com a escola e os professores, o lazer e a presença de sonhos positivos ligados ao futuro.

Destacaram-se entre os aspectos de caráter negativo, a presença de sentimentos incoerentes com uma boa saúde mental como: agressividade, sofrimento de rejeição por diferenças físicas e raciais, constrangimento e tristeza por identificação por apelidos, citação de suicídio como fuga para o problema, insatisfação com aparência física, ocorrência de bullying partindo do próprio seio familiar em relação ao adolescente, e a quase maciça identificação do adolescente somente com a mãe, excluindo o pai como modelo.

Aos aspectos de caráter necessário sobressaíram, os amigos, o respeito ao próximo e a indignação diante da ocorrência do fenômeno bullying na escola.

Aspectos de caráter positivo
       Efetuando a compreensão de análise dos relatos, encontramos aspectos extremamente positivos dentro da pesquisa, aspectos estes primordiais a uma boa passagem pelo período da adolescência.

Dentre a maioria dos relatos, a satisfação com a escola e os professores demonstra uma interação positiva entre os mesmos, fator indispensável para o crescimento fisio-sócio-psicológico do adolescente:

 “Eu gosto... é bom... eu gosto de vim prá escola porque a gente aprende coisas novas... várias coisas... [...] os professores são bons, explicam bem a matéria..”.(Cinderela)
“Eu acho bom ir porque a gente aprende e tamém, quando a gente crescer, vai ficar sabendo de muita coisa... [...] os professores são muito bons, não é daqueles que bate nos alunos... tipo assim gosta mais de um, não gosta mais de outro... eles gosta igual!” (Peter Pan)
A escola é um local onde os adolescentes permanecem grande parte de seu dia, tornando-se quase que uma segunda casa. Tem por objetivo a socialização centrada no princípio da eqüidade onde todos têm os mesmos direitos, procurando igualar as discrepâncias na sociedade (FANTE, 2005).

É fundamental o estabelecimento de relações cordiais, íntegras e ao mesmo tempo liberais entre professores e alunos, garantindo liberdade de expressão para um e autoridade respeitável para o outro. Este relacionamento impulsiona e motiva o aluno adolescente a todo o momento, facilitando o encontro de seu papel de liderança. O educador deve manter ainda autocontrole, serenidade e atitude positiva, respeitando aqueles que apresentam dificuldades comportamentais, ocupando-os num ambiente de cooperação, respeito e afeto (FANTE, 2005).

Em conformidade a estas afirmações, ressaltamos que o ambiente escolar pesquisado é satisfatório para o adolescente, facilitando sua partida para um futuro promissor, conforme as experiências vivenciadas dentro do mesmo. Para a maioria, o professor é um instrumento facilitador ao sucesso devido sua atuação, enxergado de forma positiva dentro do ambiente pesquisado.

Ainda apontamos outro aspecto de caráter positivo dentro da pesquisa, o lazer, algo citado pela maioria dos sujeitos e indiscutivelmente indispensável para uma boa manutenção da saúde orgânica e mental do adolescente:

“Gosto de brincar no meu computador [...] brinco de patinete... bicicleta...” (Minnie)
“Fico ouvindo música, jogando jogo de computador, jogando bola...”
(Homem Aranha)A
“Faço hand ball na escola... Essas coisas de esporte..”
(Mônica)
“Fico lendo... os livros que a professora dá....”
(Alice) 

Na adolescência, os interesses e atividades das meninas e meninos exibem um contraste agudo e a bicicleta torna-se essencial na metade desta fase. Ambos os sexos gostam de filmes, concertos de música, dança etc...

A leitura é uma opção de lazer ainda preferida por muitos adolescentes, sendo em forma de revistas, livros ou revistas em quadrinhos, assim como a TV, o telefone e o computador. Entretanto, os interesses e atividades dos adolescentes estão sujeitos a rápidas mudanças, assim como eles próprios (WONG, 1999). Em nosso estudo, houve apenas um relato de escolha da leitura como opção de lazer.

Complementando a afirmação quanto às opções de lazer preferenciais dos adolescentes, é importante  emendarmos que atividades ditas como “ociosas”, que não movimentam o corpo como a TV e o computador e videogame, foram as mais citadas, entretanto, sempre permeadas de outras opções como esportes, brincadeiras, sair com os amigos etc.

Dado à convergência, mesmo com os avanços tecnológicos, pudemos constatar a diversificação no lazer dos pesquisados, algo benéfico diante da possibilidade de alienação por intermédio de modismos ditados pelos meios de comunicação, dentre eles, a violência incitada por filmes, jogos de computador violentos, sensualidade excessiva, dentre outros.

Um outro aspecto de caráter positivo com conotação bastante expressiva e baseada nas respostas obtidas, levou-nos a crer que a maioria dos entrevistados possui uma visão positiva do amanhã, tendo, portanto, a presença de sonhos e pensamentos que o impulsionam a um futuro promissor:

“Quero ser juíza... minha mãe apóia!” (Cinderela)
“Eu sempre fico sonhando assim que eu vou ter um bom emprego... eu gosto muito é de roupa... eu sonho em ser estilista!”
(Dálmata)

É na fase da adolescência que o indivíduo desenvolve mecanismos defensivos que o confrontam no cotidiano. Isso obriga a recorrer ao pensamento para compensar as perdas que ocorrem dentro de si mesmo, as quais não pode evitar. A necessidade de intelectualizar e fantasiar ocorre como forma típica do pensamento adolescente, sendo este um hábito saudável expressado por ele em escritas, versos, diários, atividades artísticas literárias e etc... (ABERASTURY; KNOBEL, 1981).

Dentro da pesquisa realizada, poucos foram os entrevistados com relatos de não possuírem sonhos promissores com o futuro, fato este bastante favorável ao equilíbrio mental dos pesquisados. O futuro é um evento inevitável a todos, sendo que enfrentá-lo com atitudes otimistas torna-se ideal para o início de uma vida adulta saudável.

Aspectos de caráter negativo
       Em contra partida, encontramos também múltiplos fatores de aspectos com caráter negativo. O primeiro engloba a presença de sentimentos contraditórios a uma boa saúde mental como a agressividade, expressada por alguns sujeitos da pesquisa:

“Eu tinha vontade de “dá um soco” na cara deles, só que não tinha jeito... Eles eram muito grande né? (Magali)
“O celular dele tava no bolso, aí ele tomou uma joelhada e quebrou o cristal do celular dele [...] A mãe dele deu um cacete nele...”
(Homem Aranha)A
“Ela era gorda, os meninos colocavam o apelido nela de “Baleia Assassina”, “Orca”, e ela começava a bater nos meninos e nem queria mais ir prá escola...”
(Magali)

É notório o alto nível de agressividade desencadeado pelo bullying, fator este que contribui para uma má formação de identidade, ou seja, a busca do “eu” de todo ser adolescente:

[...] O padrão de problemas de comportamento mostrado por muitas crianças agressivo-rejeitadas (desatenção, afetividade negativa e reação de raiva), é indicativo de deficiências na elaboração das interações. Elas correm o risco de um ajustamento escolar pobre, mais do que a média de escolares evadidos, habilidades sociais deficientes para resolver problemas e alta taxa de indicação de problemas de saúde mental (SISTO, 2005, p.13).

A problemática da agressividade poderá ainda refletir-se em anos futuros do adolescente, quando da vivência da sua fase adulta, como reforça BALLONE (2004), reafirmando que mesmo se esses comportamentos da adolescência acabem por desaparecer com a idade, deixam importantes cicatrizes policiais, jurídicas, familiares e sociais que perduram por toda a vida adulta.

Podemos de uma forma bem concisa enxergar a ferocidade das agressões incitadas ou almejadas pelos adolescentes dentro da pesquisa, comprovando o fato de que o bullying é o desencadeador dos eventos ocorridos. Sendo assim, confirmam-se os dados científicos que enfocam a agressividade como um meio do indivíduo interiorizar sentimentos que mais tarde irão trazer-lhes dissabores e frustrações.

Um outro dado importante revelou-nos mais um aspecto negativo, e, de uma forma bem ampla, envolvendo boa parte dos sujeitos. Trata-se de sofrimentos devido à rejeição pela aparência física e diferenças raciais, insatisfação com a aparência física, bem como, constrangimento e tristeza pela identificação por apelidos:

Ah”... Uma brincadeira de mau gosto! Eles me chamaram de “Preto da Favela”... Tem que acabar com esse racismo aí... Esses preconceitos das pessoas... (Johny Bravo)
Eles ficavam me chamando por causa da novela de “Boi Bandido” e eu não gostava... ficava chateada [...] por que eu não sou tão magrinha assim tanto... [...] eu ficava brigando com eles... [...] eu me sentia assim, triste né? (Dálmata)
Ano passado, um aluno lá, cheio de gracinha, gostava de chamar eu de “Preto”, “Escravo”... “Cê tem que ficá escravo, colocá você no tronco!” [...] Ah... ficava chateado “né véi”, com aquele cara “prego”![...] Tem “Mixirica” (risos), “Puffão” , “Pezão”... Aqui é assim, vai pondo apelido em todo mundo! (Homem Aranha)A
Gozado, é que ela é meio gordinha, e os meninos bota apelido nela de “Codorna”... Ela ficou triste, abaixou a cabeça... ficou sem graça...(Bela)

Ser diferente é algo que o adolescente na maioria das vezes deseja para si, fato comprovado pelos comportamentos, adesão ao uso de piercings, tatuagens, dentre outros. Entretanto, quando esta diferença o caracteriza como “estranho” e não diferente, interferindo em sua auto-estima (diferenças anatômicas, raciais, padrões de beleza impostos pela mídia), torna-se uma difícil questão de se lidar, e por vezes, o exclui do convívio social com os grupos:

Algumas características físicas, comportamentais, ou emocionais, podem torná-lo mais vulnerável às ações dos autores e dificultar a sua aceitação pelo grupo. A rejeição às diferenças é um fato descrito como de grande importância na ocorrência de bullying (LOPES NETO, 2005).

Em um país com tantas miscigenações de raças, nada mais comum que a atual prole de adolescentes tenha os mais variados biótipos. Tudo isso, aliado à característica nata dos adolescentes em serem observadores e críticos por natureza, podem impulsionar o bullying sem que o próprio “colega” perceba que está ferindo o próximo. Dentro da pesquisa ocorreu o fato de muitos relatarem não se importarem com os apelidos, mas em outro momento deixavam escapar ares de tristeza e insatisfação com a denominação recebida, quase sempre ligada à aparência física:

Eram muitos amigos meus... me xingaram de “Macaco” porque eu tinha muito cabelo assim... no braço, e por que eu tinha isso aqui ó... um “topetinho”! [...] Não, não liguei! [...] Fiquei muito triste... (Minnie)

Em conformidade com os relatos ouvidos, vale à pena citar WONG (1999), onde reafirma que o grupo percebe os defeitos e desvios do adolescente a partir de suas médias e estes defeitos provavelmente serão ampliados de maneira desproporcional pelo adolescente e, ainda, que esta imagem corporal estabelecida durante a adolescência será aquela que os indivíduos reterão durante toda a vida.

Ainda relacionado à aparência física, outro aspecto de caráter extremamente negativo foi a insatisfação com a aparência física, diante da qual grande parte dos sujeitos se mostraram inconformados:

“Mudaria meu cabelo... gostaria que fosse liso!” (Johny Bravo)
“Ah... Eu tinha que mudar o meu temperamento... [...] é muito forte... muito nervosa [...] meu sonho é emagrecer prás pessoas pararem de falar... ponto de referência!” (Dálmata)
“Mudaria... O cabelo liso e “mais corpo”!” (Hello Kity)
“Mudaria! Queria ser magra!” (Bela)
“Mudaria, queria ser mais alta e mais gorda um pouquinho..”. (Magali)
“Mudaria a barriga! Porque sou gorda!” (Barbie)

Seqüenciando seu postulado, WONG (1999) expressa que o tempo dispensado pelos adolescentes diante do espelho é enorme, observando, a partir de seus reflexos, o que eles são e no que se assemelham às outras pessoas. Desse modo, tentam avaliar o melhor meio para conseguir um efeito máximo, e revelar sua própria identidade.

É fato que todas as pessoas em um contexto geral querem ser reconhecidas e respeitadas pela sociedade. Com o adolescente isso não poderia ser diferente. Dentro da pesquisa, esses sofrimentos diante dos constrangimentos e chacotas aos alvos de bullying, principalmente por causa da aparência física, forneceu-nos dados de alerta acerca do problema. Por mais que tentassem disfarçar e esconder os sentimentos, era visível a tristeza e o descontentamento dos indivíduos afetados.

Outro aspecto negativo de teor preocupante encontrado dentro da pesquisa foi relacionado à família, aonde a ocorrência de bullying partiu do próprio seio familiar em relação ao adolescente:

Minha família todinha, minha mãe principalmente... [...] fala prá mim fechá a boca, fala prá mim fazê de tudo! [...] Faço muito regime, dieta... fico com fome o dia inteiro... [...] A minha mãe era que devia tá me apoiando e é a que mais me deixa chateada! (Barbie)

Torna-se também preocupante, a ausência da figura do pai nas identificações dos sujeitos com o vínculo pai/mãe:

“Ah... mais com minha mãe! [...] num sei “véi”... minha mãe não tenho vergonha de falar nada não [...] meu pai também não pára muito em casa...” (Homem Aranha)A
“Com minha mãe! [...] minha mãe me dá mais carinho, eu sinto mais intimidade com ela... [...] às vezes eu tenho vergonha de falar alguma coisa com ele!” (Minnie)
“Com minha mãe, porque meu pai vive muito fora... ele é caminhoneiro...”. (Alice)
“Com minha mãe... [...] tem mais diálogo entre eu e ela!” (Nemo)
“Eu não conheço meu pai... minha mãe separou dele, largou ele quando ela tava grávida...” (Barbie)

A família é a base de toda estrutura do ser humano, tal como relata WONG (1999), onde qualquer alteração em um de seus membros cria uma mudança causadora de disfunções que não repousam em um membro específico , mas sim no tipo de interações utilizadas pela família.

De acordo com CARTER & MC GOLDRICK (1995, p. 133), “As famílias experenciando eventos e processos de ciclo de vida idiossincráticos correm um risco especial de desenvolverem sintomas em seus membros”.

A convergência da falta de apoio social, rompimentos relacionais, isolamento, estigmas, segredos, sentimento de vergonha em um ou mais membros, relacionamentos estressantes devem ser avaliados e a partir de então, ser categorizadas soluções para a estabilização dos efeitos negativos dos eventos a todos os membros (CARTER; MC GOLDRICK, 1995).

A partir destas supra citações, observamos ser de suma importância a compreensão da estrutura familiar do adolescente, uma vez que a família teve grande conotação nos relatos dos sujeitos dentro da pesquisa. Torna-se importante para o entendimento de parte de sua problemática, seja ela de qualquer espécie e conforme o tema, poderá chegar-se à compreensão de atitudes co - relacionadas aos eventos do bullying (pais separados, pai ausente, criação pelos avós, mães solteiras, pressões psicológicas, dentre outros).

O último e mais grave aspecto de caráter negativo foi a citação de suicídio como opção de “válvula de escape” devido pressão psicológica desencadeada pelo bullying:

“Você se levá pelo preconceito, porque senão a gente fica... as outras pessoas têm vez que fica muito magoada... pode até se matar por causa disso!” (Sininho)

Ao analisarmos o estudo proposto por GOMIDE (2000), observamos a violência sinalizada com grande carga diante dos adolescentes, e a partir da mesma, o surgimento de pensamentos e ações bizarras que podem levá-lo ao auto-extermínio.

Baseado neste estudo relacionado aos adolescentes e à violência, extraiu-se que das cinco principais causas de mortalidade, três estão relacionadas com a violência: ferimento, homicídio e suicídio, e na classe dos adolescentes negros a violência é a causa principal de mortalidade.

Em junção aos parâmetros da violência, o bullying vem caminhando paralelamente, razão pela qual não pudemos deixar de analisá-lo no decorrer da pesquisa.

O ser humano quando privado de algumas possibilidades ou sentimentos, alterando suas perspectivas e decrescendo o valor de suas necessidades (privação do alimento, retirada do afeto ou dos cuidados parentais, provocação de dor física ou psicológica), resultará em um indivíduo com altos índices de agressividade, quando comparado com outro que vive em ambiente favorável (GOMIDE, 2000).

O bullying age como um estressante que decresce o valor das necessidades do adolescente e, portanto, poderá torná-lo parte desse vasto universo da violência, incluindo o suicídio. Dentro desta pesquisa, isso se tornou algo preocupante, sendo que quase a totalidade dos sujeitos, de certa forma, citou episódios relacionados ao fenômeno, bem como expressou tristeza ou sofrimentos por serem alvos desta problemática.

Aspectos de caráter necessário
       Na seqüência da análise da pesquisa, encontramos no outro vértice os aspectos de caráter necessários, expostos pelos entrevistados, os quais foram categorizados como: a necessidade de inter-relação com amigos e a indignação diante da ocorrência do bullying no ambiente escolar:

“Ah... uma pessoa que não magoa a gente, que sempre tá do nosso lado, que toda hora que a gente precisa tá junto com a gente!” (Alice)
“Ah... Tipo um irmão... um primo, um pai, uma mãe...”. (Peter Pan)
“É aquela que eu tenho confiança, amor”. (Ariel)

Ter uma participação no grupo de iguais é vital para o indivíduo nesta fase do desenvolvimento humano, como expõe BEE (1997), citando a “panelinha”, turma, ou grupo, como uma base segura da qual ele se apropria e movimenta-se em direção a uma solução singular ao processo de identidade.

Conforme Gaurderer apud COLAVITTI (2001, p.142), “a criança que não consegue fazer parte de um grupo pode passar por sérios problemas emocionais”.

Partindo das informações dos sujeitos sobre definições do que seja um amigo, e observando a satisfação com a quantidade e qualidade dessas amizades, compreendemos ainda mais a necessidade destes laços no decorrer da adolescência. Observamos tratar-se de um mecanismo efetivo no qual as interações funcionam como um elemento de auto-afirmação e fornecedor de segurança emocional. Em alguns relatos, sujeitos declararam que se porventura não tinham amigos, ou ainda, possuíam em pouca quantidade, expressaram-se fortemente quanto a necessidade dos mesmos, muitas vezes relacionando a figura do amigo com familiares ou parentes próximos.

Por fim e de grande importância dentro das observações no ínterim da pesquisa, percebemos que os entrevistados compreendem como necessário a contraposição às ações de bullying dentro do ambiente escolar:

“Eles tem que ver que eles também não são perfeitos... ninguém é perfeito... o único perfeito é Deus!”(Cinderela)
“AH... Cada um tem que ver a sua vida primeiro prá depois ver a do próximo né?! Tem que reparar seus defeitos prá depois reparar os do próximo!” (Nemo)
“O futuro a Deus pertence... o mundo dá muitas voltas... prá isso acontecer com eles um dia, não custa nada, daqui prá ali... uma pessoa já pode tá sofrendo a mesma coisa!” (Barbie)

Os dados fornecidos pelos sujeitos demonstram repúdio e indignação aos eventos ocorridos no ambiente escolar protagonizados pelas ações do bullying. Este é um fator necessário sob o ponto de vista dos entrevistados, observado na forma de mensagens enviadas aos agressores, incitando-lhes a se colocarem na posição dos alvos do fenômeno e experimentarem os sofrimentos sentidos. As mensagens, em sua maioria, expressavam conselhos para que os agressores mudassem suas ações, fato este extremamente viável e com grandes possibilidades de ocorrência:

“Todas as crianças e adolescentes tem, individual e coletivamente, uma prerrogativa humana de mudança, de transformação e de reconstrução, ainda que em situações muito adversas, podendo vir a protagonizar uma vida apoiada na paz, na segurança possível e na felicidade” (LOPES NETO, 2005, p.13).

A pesquisa forneceu-nos dados suficientes acerca da gravidade da problemática existente dentro do ambiente escolar, possuindo todos os elementos inclusos neste fenômeno: alvos, autores e testemunhas do bullying.

De acordo com LOPES NETO (2005, p.13), “reduzir a prevalência de bullying nas escolas, pode ser uma medida de saúde pública altamente efetiva para o século XXI”.

Via de regra torna-se necessário que as instituições de saúde e educação, assim como seus profissionais, reconheçam a extensão e o impacto gerado pela prática do bullying entre estudantes e desenvolvam medidas para redução dessa ocorrência. Cabe aos profissionais de saúde ser competentes para prevenir, investigar e adotar condutas adequadas para todos os afetados pelo fenômeno (LOPES NETO, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao propormos este estudo, trabalhamos com o intuito de nos aprofundarmos no universo adolescente e, intencionalmente, nos inteirarmos quanto à possibilidade do mesmo estar sofrendo diante das ações advindas com o bullying. Trata-se de uma temática bastante complexa, uma vez que o próprio adolescente é um cliente especial, extremamente delicado aos cuidados dispensados, muito permeável ao aprendizado e podendo absorver rapidamente o conteúdo maléfico que este fenômeno carrega consigo.

A pesquisa nos permitiu um parecer bem amplo dos entrevistados acerca da problemática, de onde extraímos três aspectos relativos aos adolescentes pesquisados: positivos, negativos e necessários.

Dentre os aspectos de caráter positivo, a satisfação com a escola e os professores tiveram ótima conotação por parte dos entrevistados, deixando-nos evidente que este fator seduz o adolescente, motivando-o à freqüência escolar e favorecendo seu rendimento enquanto se encontra na posição de educando.

Em segundo lugar, o lazer vivenciado pelos entrevistados teve destaque, sendo indispensável à saúde mental dos adolescentes. Percebemos a diversidade de atividades de lazer praticadas, retirando como foco principal lazeres ociosos como a televisão, computador e videogame, que embora citados foram permeados com outras opções esportivas.

Em continuidade, a constatação da presença de sonhos e a esperança de um futuro promissor, caracterizou-se como mais um aspecto de caráter positivo. A empolgação nos relatos quanto suas futuras aspirações profissionais, bem como compromissos sérios com o estudo, reforçaram em nós a idéia de que os sujeitos encontram-se num bom estado de saúde mental. Quanto aos fatores de caráter necessário, encontramo-los fortemente expressos em relatos acerca da importância da amizade e da indignação pela ocorrência do bullying no ambiente escolar.

A definição de “amigo” que os sujeitos nos forneceram foi a de alguém com quem “se pode contar” e visto como necessidade para todos os entrevistados.

A indignação com os atos de bullying também se destacou como aspecto de caráter necessário, e muitos citaram ser de grande importância o respeito com o próximo, colocando a inversão na troca de papéis como exemplo para que os agressores saibam a dor desencadeada pelos mesmos nos indivíduos atingidos.

Em seqüência, encontramos os aspectos de caráter negativo. A citação de sentimentos ruins e incoerentes com boa saúde mental foi fortemente evidenciada nos relatos. Agressividade, tristeza e sofrimento devido rejeição pela aparência física e diferenças raciais, por apelidos vexatórios e pela insatisfação com a aparência física foram marcantes dentro da pesquisa.

Estes relatos confirmaram o que antes já havíamos considerado, que as marcas deixadas pelo bullying no adolescente são profundas, magoando-o no íntimo de seu ser, desestruturando áreas de sua vida, principalmente relacionadas à auto-estima e socialização.

Surpreendeu-nos ainda, o relato de bullying partindo do próprio seio familiar coagindo o adolescente. O suporte familiar traduz-se como um esteio, um amparo, e as famílias precisam ter muito cuidado no trato com o adolescente. Deve procurar entendê-lo e ajudá-lo e não induzi-lo à baixa auto-estima e carência afetiva, devendo fornecer meios para uma otimização nesse período do desenvolvimento humano.

De acordo com os relatos dos sujeitos protestando contra a ocorrência das más experiências por eles vivenciadas, observamos que, a princípio, mudanças podem ser efetivadas contra a problemática, entretanto, não se deve deixar evoluir sem implementação de ações. Se porventura não houver efetividade no combate ao bullying, vários indivíduos podem ser severamente absorvidos por este fenômeno devastador, e, a partir de então, perder o encanto desta fascinante fase do desenvolvimento humano.

Este estudo teve uma repercussão positiva frente à direção da instituição de ensino em questão, onde recebemos um convite para efetuarmos um projeto de extensão anti-bullying com palestras conscientizadoras aos estudantes. Acreditamos, desta forma, que o tema deve continuar a ser debatido e estudado para que o índice de agressões nas escolas brasileiras possa ser diminuído.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Texto recebido em 07/03/2006
Aprovado para publicação em 30/04/2006

1Artigo baseado em Trabalho de Conclusão de Curso a ser apresentado ao Curso de Enfermagem da UniEVANGÉLICA – Goiás, Brasil.

2Acadêmica do 8º período do curso de enfermagem da UniEVANGÉLICA, Anápolis, Goiás, Brasil.Email: agneschutz@yahoo.com.br

3Enfermeira Especialista em Saúde Mental. Professora da disciplina de enfermagem Psiquiátrica da UniEVANGÉLICA, Anápolis, Goiás, Brasil. Endereço para contato: Av. Universitária Km 3,5-Cidade Universitária – Anápolis –GO CEP: 75070-290 – Fone: (62) 3310-6600. Email: priscilantonio@yahoo.com.br

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