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SANTANA, Rosimere Ferreira; SANTOS, Iraci dos - TRANSCENDER COM A NATUREZA: A ESPIRITUALIDADE PARA OS IDOSOS. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 07, n. 02, p. 148 - 158, 2005. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen |
TRANSCENDER COM A NATUREZA: A ESPIRITUALIDADE PARA OS IDOSOS *
TRANSCENDING WITH NATURE:
THE ESPIRITUALITY FOR ELDER PEOPLE
TRANSCENDER CON LA NATURALEZA: LA
ESPIRITUALIDAD PARA ANCIANOS
Rosimere Ferreira Santana1, Iraci dosSantos 2
RESUMO: Considerando que as pessoas possuem uma dimensão imaginativa sobre seu modo de viver, apresentamos o problema: Qual é o imaginário dos idosos sobre envelhecimento? Nosso objetivo: descrever a poética dos idosos sobre o envelhecer identificando possibilidades de inovação na prática de enfermagem gerontológica desde a compreensão do seu imaginário. Selecionamos o método sociopoético e seu dispositivo analítico - grupo pesquisador (GP), para aplicar a técnica de pesquisa Vivência dos Lugares Geomíticos, considerando a questão norteadora: “se o envelhecer fosse um lugar geomítico, como seria?”. A investigação realizou-se na UnATI / UERJ, de 2003 a 2004, analisando-se a produção de dados dos 28 idosos componentes do GP, junto à pesquisadora, mediante o estudo sociopoético denominado infantil / surrealista. Entre os resultados, destacam-se os seguintes lugares associados aos temas: Arco-Íris, Caminho, Limiar / Transcender com a natureza; Ponte, Limiar, Arco-Íris / Espiritualidade; Caminho, Limiar e Arco-Íris / Alegria interior. Na experimentação/ interpretação dos resultados, destacam-se as categorias: Transcender com a natureza - demonstra a busca dos idosos pela sua integração ao cosmo, seu inconsciente tomado de espiritualidade; A busca da alegria começa em nosso interior - quando estamos próximos da velhice, inicia-se o ciclo cósmico, um momento que propicia maior discernimento / tomada de consciência. Concluímos que o imaginário dos idosos revela o desejo de encontrar-se com a natureza, integrando-se ao cosmo e não à morte da estrutura física, pois que sentido faria a vida se só tivéssemos a morte? Para inovar a enfermagem em gerontologia, devemos promover entre as pessoas a percepção da inter-relação de todas as coisas, pois o GP descobriu que o contato com a natureza revela a necessidade de interação porque ela é vida e, como nos seres humanos, a natureza é energia restauradora.
PALAVRAS CHAVE: Idoso; Pesquisa em Enfermagem; Espiritualidade.
ABSTRACT: Considering that the people own an imaginative dimension about their way of living, we introduce the problem: “Which is the imaginary of the seniors about aging?” Our goal: to describe the poetics of the seniors about the aging identifying innovation possibilities in the nursing gerontologic practice since of their imaginary. We select the sociopoetical method and its analytic device – Researcher Group – for applying the research technique named Dynamics of the Geomythical Places, considering the guiding matter: “if to age ha been a geomythical place, how would be it?” The investigation was accomplished in the Third Age Open University of the State University of Rio de Janeiro – Brazil, from 2003 to 2004, analyzing the data production of 28 seniors components of the Researcher Group, close to investigator, by means the sociopoetical study named Infantile/ Surrealist. Among the results, are emphasized the following places associated to the themes: Rainbow, Way, Threshold/ To transcend with the nature; Bridge, Threshold, Rainbow / Spirituality; Way, Threshold and Rainbow / Interior Happiness. In the experimentation / interpretation of the results, are highlighted the categories: To transcend with the nature – it demonstrates the search of the seniors by their integration to the cosmos, their unconscious taken of spirituality; The happiness search begins in our interior – when we are near the old age, it begins the cosmic cycle, a moment that propitiates larger discernment / awakened conscience. It was concluded the imaginary of the seniors reveals the wish to meet with the nature, integrating themselves to the cosmos and not to the death of physical structure, so that which would be the significance of the life if we had only had the death? For innovating the nursing in gerontology, we must promote among the people the interrelation perception of all things because the Researcher Group discovered that the contact with the nature reveals the necessity of interaction because it is life and, like for human beings, the nature is renewing energy.
KEYWORDS: Aged; Nursing Research; Spirituality.
RESUMEN: Considerando que las personas tienen una dimensión imaginativa acerca de su modo de vivir, presentamos el problema: “Cual es le imaginario de los ancianos sobre envejecimiento?” Nuestro objetivo: describir la poética de los ancianos sobre el envejecer, identificando posibilidades de innovación en la práctica de enfermaría gerontológica desde la comprensión de su imaginario. Seleccionamos el método sociopoético y su dispositivo analítico – Grupo Pesquisidor – para aplicar la técnica de investigación Vivencia de los Lugares Geomíticos considerando la cuestión orientadora “Si el envejecer fuera un lugar geomítico, cómo él seria?” La pesquisa fue realizada en la Universidad Abierta de la Tercera Edad, de la Universidad del Estado de Rio de Janeiro – Brasil, en 2003 y 2004, analizándose la producción de datos de los 28 ancianos componentes del Grupo Pesquisidor, junto a la investigadora, por medio del estudio sociopoético denominado Infantil / surrealista. Entre los resultados, se destacan los siguientes lugares asociados a los temas: Arco Iris, Camino, Límite / Trascender con la Naturaleza; Puente, Límite, Arco Iris / Espiritualidad; Camino, Límite y Arco Iris / alegría Interior. En la experimentación/ Interpretación de los datos, se destacan las categorías: Trascender con la Naturaleza- demostrad la busca de los ancianos por su integración al cosmos, su inconsciente tomado de espiritualidad; La búsqueda de la alegría empieza en nuestro interior – cuando estamos próximos de la vejez, se inicia el ciclo cósmico, un momento que propicia mayor discernimiento / tomada de conciencia. Se concluye que el imaginario de los ancianos revela el deseo de encontrarse con la naturaleza, integrándose al cosmos y no a la muerte de la estructura física, pues que significación tendría la vida si solamente hubiera la muerte? Para innovar la enfermería en gerontología, se debe estimular entre las personas la percepción de la interrelación de todas las cosas, que el Grupo Pesquisidor descubrió que el contacto con la naturaleza revela la necesidad de interacción porque ella es vida y, como entre los seres humanos, la naturaleza es energía restauradora.
TERMINOS CLAVES: Anciano; Investigación en Enfermería; Espiritualidad.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O processo de envelhecimento e sua conseqüência natural, a velhice, é uma das preocupações da humanidade desde o início da civilização. Porém, o século XX marcou definitivamente a importância do estudo da velhice, fruto da natural tendência de aumento do número de idosos em todo mundo – tida como a Transição Demográfica, considerando mais importante do que os números que estão aí para serem contemplados: em 2025, seremos 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e a sexta maior população idosa do mundo. Porém, nesta pesquisa, torna-se imprescindível compreender o fenômeno envelhecimento qualitativamente à luz da sociopoética porque esta abordagem o observa de forma holística, poética (criativa) e espiritual. Assim o fazemos a fim de promover um viver com qualidade / bem-estar ao expressivo número de idosos, alvo do cuidar em enfermagem gerontológica.
Partindo do pressuposto de que as pessoas possuem uma dimensão imaginativa sobre seu modo de viver, delimitamos o fenômeno - pensamento / linguagem/ criação - para investigar qual é o imaginário de um grupo de idosos sobre envelhecimento? Nossa hipótese de trabalho é que a compreensão do imaginário de pessoas idosas sobre o envelhecimento proporcionará conhecimentos sobre o cuidar na saúde do idoso. Portanto, temos como objetivos: descrever a poética sobre o envelhecer através da expressão imaginária de idosos; e identificar as possibilidades de inovação na prática de enfermagem, desde a compreensão do imaginário de um grupo de idosos sobre o envelhecimento.
SUPORTE TEÓRICO
Compreender e explicar o mundo a si mesmo, ao outro, e as relações estabelecidas entre estes elementos é função simbólica. O símbolo nos liga ao desconhecido. O símbolo é o que realiza a mediação entre o vivido /sentido e o concebido/ imaginado. Afirma JUNG (1988, p.204) que o símbolo, “tem um significado e um objetivo transcendentes e que se expressam por meio de imagens”. O Símbolo é portador de significados no fluxo entre consciência e inconsciente. Traz na concretude da imagem algo apreensível pela consciência e encobre algum conteúdo inconsciente. Acreditando que a imagem integra forma, sentido e significado, consideramos, nesta investigação, a extrema importância de desvelar o imaginário do envelhecimento das pessoas que o vivenciam.
Encontramos suporte teórico na Teoria do Desenvolvimento durante toda a vida, da autoria de Carl Gustav Jung de 1930 (JUNG, 1988). Essa teoria reflete o contato do autor com a psicanálise de Freud, sua experiência clínica e suas experiências pessoais. Ele dividiu a vida humana em duas metades e em quatro idades (infância, vida adulta, meia-idade e velhice), separadas por estágios de transição (da adolescência, do entardecer e da idade avançada). Cada idade tem um tema básico e suas próprias tarefas e metas, conforme apresentamos no Quadro Demonstrativo 1, a seguir, construído especialmente neste trabalho a fim dinamizar a visualização do leitor.
Quadro Demonstrativo 1 - Desenvolvimento da vida humana segundo JUNG (1988).
Vida Humana |
Termos Básicos |
Tarefas e Metas |
|
1ªMetade |
Infância Vida adulta |
Crescimento, ExpansãoNatureza |
Envolvimento com o mundo externo, ser alguém na sociedade |
2ª Metade |
Meia- idade
Velhice |
Individuação Morte, contração cultura |
Processo de interiorização do self, pelo qual a pessoa adquire o senso de ser única Embate espiritual e cultural |
Conforme observamos, o processo de individuação se dá após o estágio de transição do entardecer, que seria por volta dos 40 anos, quando o indivíduo se dá conta de sua própria finitude e das demandas da vida interior. A individuação é um embate espiritual e cultural típico dos anos da meia-idade e da velhice. Inclui o desvelar dos aspectos menos educados e mais reprimidos do self e a descoberta das próprias possibilidades de aquisição de novos papéis, do planejamento de novas metas e de contribuição para a sociedade.
Uma curiosa observação feita nas pesquisas realizadas por Jung é a tendência das pessoas mais velhas se transformarem em seus opostos, ou seja, os homens idosos tendem a ser mais femininos e as mulheres idosas, mais masculinas (JUNG, 1988). Esse processo significa assumir um processo contra-sexual arquetípico – “anima” para os homens e “animus” para as mulheres. Fato que já foi relatado nas consultas de enfermagem que realizo, sendo um dos exemplos mais comuns o do indivíduo homem que quando aposenta e fica em casa, começa a assumir papéis inversos aos anteriormente assumidos em relação à esposa. Outra nota trazida pelo teórico é que depois dos anos mais avançados tem lugar o processo de realização do self, pelo contato com os arquétipos do Velho Sábio (no homem) e da Grande Mãe (na mulher), e podemos correlacionar que essa imagem é até os dias de hoje explorada pela mídia e difundida nos papéis esperados da nossa sociedade ocidental dos mais velhos.
Porém, essa afirmação e a teoria em si é de difícil acesso por fazer parte de experiências clínicas e não de empíricas, sendo talvez plausível de futuras investigações, já que ocorre na prática. Pensamos que se o fenômeno ocorre na prática, por isto ele deve ser pesquisado, justificando-se, desse modo, nossa proposta de desenvolver conceitos do envelhecimento expressados pelos próprios idosos, contrapostos junto com eles próprios e de forma investigativa. Portanto, esta teoria parece-nos adequada para a fundamentação das análises dos dados produzidos junto aos idosos por predizer o seguinte “Muitas pessoas chegam à velhice com desejos insatisfeitos ou com sede de continuar no poder e de expandir o self, mas que isso não só significa incapacidade de desprender-se dos temas da primeira metade da vida como também prenuncia dificuldades de ajustamento aos temas do entardecer da vida. Transcender a experiência material e desenvolver a espiritualidade ajuda os idosos a encontrar um sentido de completude na vida e, assim aceitar a morte” (NERI, 2002, p.35).
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A sociopoética, criada por GAUTHIER (1999), é uma prática social, educativa, de pesquisa e de cuidar que aborda o conhecimento do homem como ser político e social. Nela se destacam duas características essenciais: a utilização de métodos poéticos, ligados à arte e à criatividade e a conseqüente produção de uma poesia crítica, e cinco princípios fundamentais que orientam sua implementação:
- A importância do corpo como fonte de conhecimento
O significado deste princípio é o pesquisar com todo o corpo. Portanto, os pesquisadores devem refletir que o corpo somente pensa quando integrado com o espírito e todas as formas de pensar. A integração do self é o objetivo da vida psicológica e espiritual, significando que os pesquisadores (em sociopoética, facilitadores da pesquisa) e co-pesquisadores (sujeitos de pesquisa que formam o grupo pesquisador) têm que promover e manter o equilíbrio entre as várias formas de pensar. Então, não separemos a razão e os outros modos de pensar, intuição, emoção e sensação (GAUTHIER & SANTOS, 1996).
Nesta investigação, o pesquisar com todo o corpo destina-se a des-cobrir os pensamentos silenciados, particularmente significantes nas classes e grupos oprimidos, neste caso o grupo de idosos. Portanto, a manifestação desses pensamentos, emoções e sensações sobre o envelhecimento tornam necessário aplicar dispositivos de pesquisa, tais como os da sociopoética, que despertem as idéias-energias latentes, presentes, mas adormecidas (GAUTHIER, 1999).
- A importância das culturas dominadas e de resistência, das categorias e dos conceitos que elas produzem
Reafirmamos aqui a importância de se encontrar os saberes recalcados das pessoas idosas, sujeitos desta pesquisa. Haja vista que as noções de ciência e de cientificidade devem ser negociadas entre as culturas, entre os povos, numa troca igualitária de experiências, práticas e teorias (SANTOS & GAUTHIER, 1999). Recomenda-se, portanto, a constituição de grupos de facilitadores da pesquisa em que se encontrem pessoas da academia e pessoas de várias outras culturas; tais como os idosos, aqui considerados como uma classe oprimida devido ao preconceito vivido nessa fase da vida. Nesse sentido, pesquisa sociopoética é transcultural e multirreferencial. Com a transculturalidade, pretende-se alcançar as linhas de fuga, os desejos, as relações de poder, as singularidades que percorrem o grupo pesquisador, muitas vezes criadas no próprio processo de pesquisa; e com a multirreferencialidade, pretende-se debater o conhecimento produzido com o grupo porque este não se esgota com um saber acadêmico, mas possivelmente com vários (GAUTHIER, 1999).
O papel dos sujeitos pesquisados como co-responsáveis dos conhecimentos produzidos, co-pesquisadores
Aqui lembramos a citação de GAUTHIER (1999, p.41): “não podemos e não queremos, de jeito nenhum, reproduzir as práticas instituídas de pesquisa, em que os pesquisados são explorados como produtores dos dados da pesquisa, que nada controlam da produção do conhecimento”.
Desse modo, nas pesquisas sociopoéticas, tornam-se os sujeitos da pesquisa verdadeiros co-pesquisadores, parceiros e parceiras dos facilitadores da pesquisa, tanto na construção do conhecimento como nas decisões que se deve tomar para que o próprio processo de pesquisa chegue até sua conclusão. Nesse sentido é que consideramos a aplicação dos princípios (SANTOS et al., 2003) - União para a libertação, Organização, Co laboração e Ação Cultural - da Teoria da Ação Dialógica, da autoria de FREIRE (1987), fundamental, pois é no diálogo que acontecem as negociações, as contradições e até conflitos nem sempre superados, mas que, de posse de acordos, promovem crescimento mútuo, transformando sujeitos, criando cidadãos. Portanto, concordamos com Gauthier: o grupo pesquisador é o centro vivo da pesquisa sociopoética.
- O papel da criatividade do tipo artístico no aprender, no conhecer e no pesquisar
Aplicando esse principio, privilegiamos o uso de técnicas que expressam a criatividade e estimulam o imaginário, fonte de busca do método escolhido. Para tanto, as técnicas/ vivências de pesquisa devem ser antecedidas de relaxamento: o relaxamento permite que se expresse a força que proporciona a criação de imagens/ a imaginação (GAUTHIER, 1999, p.53). Considera-se imaginário, na pesquisa sociopoética, o inconsciente, que carrega as nossas aceitações e cumplicidades com os poderes hegemônicos, as repressões instituídas, as ideologias dominantes (GAUTHIER, 2005). Favorecer a criação advinda do imaginário nos permite revelar e analisar coletivamente, logo, parcialmente, superar essas aceitações e cumplicidades.
- A importância do sentido espiritual, humano, das formas e dos conteúdos no processo de construção dos saberes
O sentido espiritual e humano no ato de pesquisar afirma o compromisso ético do pesquisador com a investigação que realiza e com as pessoas nela envolvidas. Assim é que GAUTHIER (2005, p.65) afirma que esse princípio é a síntese dos demais. A sociopoética, sendo prática social, de ensino, de pesquisa e de cuidar, não pode se desenvolver sem o atendimento desse princípio, pois pesquisar é buscar conhecimento, é aprender. Com esse principio, implica-se considerar o processo de investigação como um pesquisar-juntos, a aprendizagem mútua, muito pautada na teoria de FREIRE (1987). Portanto, ensinar é pesquisar e pesquisar sociopoeticamente é ensinar (GAUTHIER, 1999).
Ressaltamos que com este principio a enfermagem identifica, como profissão que visa o cuidar como finalidade da arte e ciência da enfermagem, tornando possível pesquisar-cuidando num grupo pesquisador (SANTOS et al., 2003; SANTANA, 2004). Acreditamos que as aplicações desses princípios garantem a ocorrência de processos de desconstrução/construção do conhecimento, usando a multirreferencialidade, o que transforma a sociopoética numa abordagem do conhecimento estético (SANTOS et al., 2005).
O saber em enfermagem pode ser uma construção coletiva, quando “a pesquisadora, junto ao seu grupo de pesquisa, escolhe trabalhar em técnicas grupais”. A sensibilidade, a criatividade e o espírito crítico podem inspirar-se nos métodos de FREIRE, e assim o grupo pode reunir as coisas dispersas e aparentemente em desordem no imaginário, e também no cotidiano de cada um. Em tais situações, as pessoas se ajudam a expressar o imaginário criando uma oportunidade para um necessário distanciamento de determinada realidade que favorece a crítica e possibilita dar significações e eficiência a esse imaginário. Nesse caso, o saber não é apenas repassado para o grupo, pelo pesquisador, o qual passa a compreender, dentro do grupo, o quanto pode aprender e criar nos momentos de pesquisa. O saber produzido pelo grupo tem significado não somente para o pesquisador, mas para todos os sujeitos de pesquisa, ele representa as vozes, sentimentos e percepções de pessoas, uma linguagem que pode ser entendida (SANTOS & GAUTHIER, 1999, p.76).
É a partir desses princípios que se delimita o educar mutual que acontece no “Grupo Pesquisador” (GP). Esse dispositivo analítico se desenvolve em oito fases: 1- Formação do grupo pesquisador; 2- Apresentação e escolha do tema orientador da pesquisa; 3- Produção dos dados junto ao GP; 4- Análise inicial dos dados produzidos pelo pesquisador/ facilitador da pesquisa e apresentação destes ao GP; 5- Contra-análise dos dados produzidos dentro do GP; 6- Transformação Grupal; 7- Avaliação/ validação dos resultados pelo GP; 8- Divulgação da pesquisa em partes e na versão final, para o GP, para os demais interessados, junto com o GP. Inclui-se nesta divulgação a publicação científica, pois o saber é para ser compartilhado.
Justificando a escolha da sociopoética como modelo de cuidar/pesquisar, apresentamos a Figura 1 que explicita as fases de desenvolvimento da aplicação do GP, junto às pesquisadoras/ cuidadoras, consideradas neste caso como facilitadoras do modelo referido. Para implementar o método escolhido, aplicamos duas técnicas, conforme o recomendável em sociopoética:
“Vivência dos Lugares Geomíticos”- Para implementá-la, selecionamos os lugares: a Terra onde crescem as minhas raízes, a Ponte que me tira das dificuldades, o Poço onde meu pensamento pode cair, o Túnel onde existem relações secretas, o Labirinto onde posso me perder, o Limiar onde ficar, o Caminho para onde fugir e o Arco-íris onde estou. O GP respondeu o Formulário composto por esses lugares e respectiva estrutura, que são considerados, na análise de dados, como categorias teóricas considerando a questão norteadora: “se o envelhecer fosse um lugar geomítico, como seria?” Ressalte-se que as respostas associadas aos lugares foram dadas com uma frase completa, conforme solicitado durante a aplicação da técnica, a qual foi precedida de uma dinâmica de relaxamento e sensibildade, a fim de propiciar a incentivação do imaginário. Após a dinâmica, foi realizada a projeção dos referidos lugares geomíticos.
Por solicitação do GP, foi projetado o filme “Copacabana”, de produção brasileira e exibido em amplo circuito nacional. Esse filme apresenta o tema do envelhecimento saudável. Após a projeção, promoveu-se o debate, sendo gravadas as falas do grupo, sobre seu conteúdo. Foi solicitado, também, aos membros do GP que escrevessem uma síntese destacando sua compreensão sobre o conteúdo do filme, com a finalidade de análise e contra – análise dessa produção de dados.
Portanto, para desenvolver a pesquisa, foram realizadas 21 reuniões semanais, com duração de uma hora e meia, ou seja, a produção de dados, propriamente dita, com o grupo foi realizada no período de março de 2003 a maio de 2004; tendo-se estendido o cuidar / pesquisar para uma reunião a cada mês, previamente combinada com o grupo pesquisador. As reuniões foram realizadas no campo da pesquisa, em sala própria da Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UnATI / UERJ), contando-se com disposição do referido serviço para oferecer material de apoio e didático. Ressalte-se que o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Aberta da Terceira Idade aprovou a realização da pesquisa e os membros do GP atenderam às recomendações das Normas de Pesquisa em Seres Humanos.
FIGURA 1. Desenho metodológico da implementação do Grupo Pesquisador. Rio de Janeiro, FENF / UERJ, 2004.
LEGENDA: normal= Etapas do GP; sublinhado= Princípios da Ação Dialógica de Freire; negrito e itálico= Princípios da Sociopoética; negrito= Técnicas de Pesquisa; itálico= Tratamento dos dados e Estudo analítico sociopoético; MAIÚSCULAS= Resultados da produção de dados.
Quanto à Caracterização dos Sujeitos/ Membros do Grupo Pesquisador, temos um total de 28 pessoas idosas convidadas para formar o grupo pesquisador, que concordaram em participar da pesquisa, assinando o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, de acordo com a Lei 196/96. Esses são alunos da UnATI, onde predominam 26 mulheres; faixa etária predominante entre 65 e 75 anos; escolaridade primeiro grau incompleto; somente quatro pessoas declararam não ter filhos; temos sete viúvas, quatro solteiras; todas moram em casa própria; tendo a maioria renda aproximada de 1 a 2 salários mínimos, somente cinco tinham mais de cinco salários mínimos; a renda provém da aposentadoria; somente três idosas não eram aposentadas e outras duas continuavam a trabalhar; somente dois indivíduos afirmaram receber ajuda financeira dos filhos; outras cinco referiram ajudar os filhos nas despesas; entretanto, só três indivíduos possuem plano de saúde.
Experimentação da produção / interpretação dos dados: Buscando a estrutura do pensamento do Grupo Pesquisador
Na experimentação / interpretação dos dados, descrevem-se os resultados da produção do grupo referente à Vivência de Lugares Geomíticos, utilizando-se o estudo sociopoético chamado de infantil / surrealista ou de disseminação. No referido estudo, consideramos que cada participante do grupo -pesquisador pode ter escolhido/ descrito o mesmo tema em diversos lugares, desse modo formam-se lugares fantásticos, surrealistas criados a partir da combinação dos lugares geomíticos (GAUTHIER, 1999).
A fim de apurar os dados produzidos pelo grupo pesquisador, elaboramos um quadro demonstrativo no qual as categorias teóricas (lugares geomíticos) foram dispostas na horizontal e as respostas dos sujeitos da pesquisa a esses lugares, aqui consideradas como categorias empíricas, porque se referem a sua experiência ou realidade do seu viver, foram descritas na vertical.
A análise das respostas parte do princípio de que, sendo elas representativas do discurso do grupo, podem então ser consideradas como sua ação, seu pensamento em relação à questão norteadora da pesquisa. Portanto, o pesquisador deve encontrar, inicialmente, a estrutura individual desse pensamento, e em seguida, a grupal. Ressaltamos que na experimentação dos dados a análise do pesquisador considera a estrutura dos lugares geomíticos apresentada ao grupo correlacionada à questão orientadora da pesquisa, conforme se exemplifica: - "O envelhecer / terra onde crescem as minhas raízes seria... a vida, a natureza, a experiência para passar aos jovens". E, assim, foram delimitados temas como:- Transcender com a natureza; - Envelhecimento desejado; Envelhecimento com dependências; - Continuidade da vida; - Presença da família / Ausência da família; - Dificuldades como parte da vida, lembranças; - Asilamento e a morte.
A organização das categorias é apresentada nos Quadros 2 e 3 demonstrando o trabalho matemático do pesquisador em busca da estrutura dos pensamentos individual e grupal dos membros do GP. Recordamos que para descrição dos resultados, neste trabalho, utilizou-se o estudo característico do método sociopoético, o INFANTIL / SURREALISTA, analisando a coincidência dos temas delimitados nos lugares “caminho- limiar- arco-íris”.
QUADRO 2. Caracterização do Estudo Infantil considerando a disseminação dos mesmos temas nos lugares: caminho, limiar e arco- íris. Rio de Janeiro, FENF/ UERJ, 2004.
CAMINHO por onde passear |
LIMIAR onde ficar |
ARCO- ÍRIS onde estou |
A natureza faz com que o passeio seja agradável, transcende Transcender com a Natureza |
Não existe limiar, cada dia é o seu cada dia, onde me sinto bem comigo Envelhecimento desejado |
Provou para mim que no envelhecer, quando a gente ama, de verdade que pensa não vai acontecer. Você se sente no arco-íris, nas nuvens, sabendo identificar o bem o mal Envelhecimento desejado |
Da velhice, eu gostaria de viver na mata entre as árvores, ou na praia, olhando o mar para decifrar os segredos do mar Transcender com a natureza |
Eu ficaria pedindo a Deus orientação onde ficar Espiritualidade |
Eu vislumbro um mundo maravilhoso, pena que nós não tenhamos noção da maravilha que Deus, nos legou, fazem guerra Espiritualidade |
... seria infinito, porque o caminho seria vida e caminhar e viver; viver é você sempre caminhar com vida Continuidade da Vida |
É experiência. E no envelhecimento você quer estar sempre no alto da juventude, porque envelhecer num limiar é estar sempre na juventude Retornar à Juventude |
Seria uma vida colorida, seria a natureza porque a natureza é vida e envelhecer é vida e cores, porque envelhecer não é obstáculo e sim dificuldade Envelhecimento desejado |
Quadro 3- Delimitação das categorias analíticas e processo de escolha do estudo sociopoético surrealista. Rio de Janeiro, FENF/UERJ, 2004
cod |
TEMAS |
TERRA |
POÇO |
PONTE |
TÚNEL |
LABIRINTO |
CAMINHO |
LIMIAR |
ARCO IRIS |
TOTAL |
ESTUDO INFANTIL OU SURREALISTA |
||||||||||
H |
Transcender com a natureza |
5 |
4 |
11 |
20 |
|||||
X |
Espiritualidade |
3 |
2 |
2 |
7 |
|||||
A |
Alegria Interior |
2 |
3 |
6 |
11 |
|||||
Subtotal |
- |
- |
3 |
- |
- |
7 |
9 |
19 |
38 |
No que se refere aos dados produzidos através da técnica projetiva, relevamos que escolhemos, para este trabalho, a síntese e trancrições das falas dos membros do GP sobre o conteúdo do filme “Copacabana”. Devemos lembrar ao leitor que as transcrições das falas gravadas do grupo pesquisador, no momento do debate e na contra-análise, foram importantes instrumentos de análise, utilizados exaustivamente para fundamentar os estudos sociopoéticos. Sua leitura indicou o caminho das análises e definiu com maior clareza a triangulação dos dados (produção da vivência de lugares geomíticos e projeção do filme “Copacabana” e resultados, aqui utilizada, que resultou no estudo filosófico, também originário da sociopoética. Essas transcrições descrevem também a discussão das contra-análises do grupo pesquisador e, portanto, a conseqüente aprovação das categorias defendidas aqui pelos co-pesquisadores, conforme se exemplifica no Quadro 4).
Quadro 4 - Estrutura de Pensamento Grupal sobre o filme Copacabana. Rio de Janeiro, FENF/UERJ, 2004.
Morte |
Quando chegou a idade, sempre com saúde, chegou o momento de sua partida, todos ficaram muito tristes. Teve um final feliz. Receio de morrer no dia do aniversário Dado como morto O velório foi movimentado, muitos amigos, choros, velas, lamentações Teve um final aceitável também. “Morrer não é nada, é quase como voltar para casa, Difícil é viver!” Deus ajude à todos nós que o fim seja bem tranquilo como o de Alberto. O filme retrata bem o medo que o idoso tem da morte; o porteiro do prédio que vivia apostando quem iria morrer primeiro foi atropelado e morto, apesar de ser bem mais jovem que todos os participantes do filme. Em nenhum momento percebi que o tema – Morte – tinha sido discutido pelo seu grupo social, talvez por omissão ou rejeição, pois na nossa cultura “fechamos” os olhos para isso. “Porque a morte não é o fim, sim o começo de outra vida. Porque o “Espirito” não envelhece.” |
RESULTADOS E DISCUSSÃO – Dimensão imaginativa e a poética do envelhecer
Durante a análise dos dados, a categoria transcender com a natureza foi algo que surgiu espontaneamente. Apesar do embebimento, impregnação com os dados que formavam esta categoria, naquele momento, foi impossível perceber exatamente o que ela significava. Indagando se as respostas diziam que o individuo se integrava à natureza como fazendo parte dela, buscamos dois caminhos. Primeiro, empreender a leitura da filosofia oriental; e segundo, perguntar seu significado ao grupo pesquisador, pois ele teria a melhor resposta.
Encontramo-nos principalmente nas leituras de JUNG (1988), CAVALCANTI (2000), CAPRA et al (1999), CAPRA (1996) corroborando SARTRE (2000), que explicam como o imaginário é libertador das sensações, emoções do espírito que a razão e a ciência escondem.
Portanto, a descrição dos resultados produzidos com o estudo infantil/ surrealista deve se iniciar explicando-se que foram nos lugares: o Caminho por onde passear, o Limiar onde ficar e o Arco-íris onde estou, por serem eles os capazes de incentivar o imaginário para o grupo expressar o encontro do individuo idoso com o cosmo. Nessa descrição, apresentamos a poesia crítica, característica da sociopoética. Ela é criação do GP, junto às pesquisadoras, pois foram elaboradas desde as categorias empíricas / respostas do GP quanto a sua experiência de envelhecimento e a expressão do sentimento, emoções, intuição e razão do GP que respondeu ao tema orientador da pesquisa e das facilitadoras da pesquisa que analisaram, contra-analisaram / experimentaram estas respostas. Transcender com a Natureza Envelhecer é o caminho / limiar onde ficar na crença de uma força suprema para me orientar. O viver na segurança da natureza, sem jamais pensar em sair. A felicidade total é o prazer de ter chegado no envelhecer bem-estar; No caminho / limiar que faz com que a nossa passagem da vida seja agradável. No caminho / limiar quero ficar no Pico da Alegria para transcender o viver a natureza, as matas, entre as árvores. Adentrar a Floresta com bastante verde respirando ar puro, ouvindo os pássaros cantar, No caminho / limiar é onde quero envelhecer a contar estrelas, ouvindo o riso das crianças, o ruído das cachoeiras.No limiar onde encontrar água para purificar- cachoeiras do viver transcendendo com a natureza (Grupo-Pesquisador).
Os lugares geomíticos caminho- arco-íris foram escolhidos por ter sido demonstrado em estudos anteriores (GAUTHIER, 2005; SANTOS, 1997) que eles revelam algo de desejado do indivíduo em relação ao tema orientador. O lugar limiar foi selecionado por libertar algo que queremos alcançar, ou seja, onde ficar? E também por ser a palavra limiar preenchida de finitude. O envelhecimento seria o fim, a morte? Houve questionamentos sobre a escolha desse lugar para pesquisar: será que ele traria questões da morte? Porém, curiosamente o tema morte, segundo concebido socialmente: o fim do corpo físico – biológico, apareceu no lugar labirinto onde se perder. E o Limiar juntou-se aos lugares Caminho- Arco-Íris para criar um lugar surrealista que demonstra a busca do individuo idoso pela transcendência, sua integração como parte do cosmo, seu inconsciente tomado de espiritualidade. Algo que não pode ser revelado em nível da consciência, pois quantos de nós seremos capazes de entender a busca pela espiritualidade, o contato com o transcendente?
Existe nitidamente uma diferença entre religiosidade e espiritualidade, mas as duas fazem parte da transcendência experienciada pelos idosos do grupo pesquisador. Para CAVALCANTI (2000), a religiosidade é uma função natural, inerente à psique. É um fenômeno universal e genuíno, e não algo aprendido. Desde os tempos mais remotos, constata-se que as religiões, as artes e os mitos sempre expressaram as mais profundas experiências humanas. Trilhar esses caminhos pode levar o ser humano, através do autoconhecimento, a vivenciar o espaço sagrado, chamado de numinoso (DINIZ, 2003).
A religião é a experiência; algo nos toca e nós nos transformamos. A religião tem que ser uma experiência transformadora. Não se trata de religião como algo concreto, que possui credo, moral, normas. Mas sim de uma fé, que significa o encontro vivo com Deus, o encontro do espaço sagrado é individual (DINIZ, 2003). Os ritos (atos) e os mitos (falas) estão na base da construção de todas as religiões, e são eles, portanto, os demonstradores da criação de símbolos para a expressão do divino em nós. Por definição, tudo aquilo que é divino situa-se além da nossa capacidade de compreensão. Assim, “A religião é o reconhecimento das realidades mais elevadas que a consciência não consegue compreender e, quando levada à plena fruição psicológica, produz a unidade interior e a totalidade do ser humano” (BAPTISTA, 2003, p.19).
Porém, o termo religião pode ser entendido como um corpo de dogmas. Nesse formato, ela se apresenta por meio de instituições. E foi com a institucionalização da religião judaico-cristã que passamos a desconsiderar as formas de expressão religiosa dos chamados povos primitivos e politeístas, perseguindo-as, buscando “padronizar” a relação com o divino. Desconsiderando que a forma do contato com o divino é experienciado no sistema simbólico subjetivo.
Fato também corroborado no estudo da percepção dos profissionais de saúde sobre a religiosidade dos idosos que definem a religiosidade como algo positivo na vida das pessoas idosas, mas apresentam “apesar de uma atitude respeitosa, alguns dos profissionais não distinguem religião de religiosidade e separam este universo daquele considerado cientifico” (VALENTE et al., 2004). Portanto, reconhecer a distinção entre religiosidade e religião é um primeiro passo para compreensão do transcender com a natureza que os idosos descrevem nesta pesquisa.
Como afirmado no capitulo dois na teoria do Desenvolvimento durante toda a vida descrita por Jung em 1930, citado por NERI (2002), aqui é possível relacionar os dados da análise com essa teoria, pois na prática é evidenciado que os idosos desejam a busca pela espiritualidade. É, portanto, neste sentido que conceituamos a espiritualidade como a busca do significado individual. Geralmente, é a partir da meia-idade que se busca um significado para a vida; procurando pertencer, isso significa que estamos todos explorando o mesmo território – Deus é o processo cósmico (JUNG, 1988). Lugar de desejo no Envelhecimento - O arco-íris é o ponto / limiar desejado, Um lugar onde se pode contemplar a beleza da natureza, do céu, dos astros, com todas as cores. O Envelhecer limiar / arco- íris é onde se pode passar para os outros a alegria de amar; a alegria colorida com forças para lutar com fé. No paraíso, feliz contemplando a natureza que Deus nos proporcionou. Envelhecer é estar no ar, na terra, no mar, nas cores da natureza e com ela transcender. No arco- íris / limiar vislumbro um mundo maravilhoso, a presença de DEUS, sem guerras ; o mundo que Deus nos legou (Grupo-Pesquisador).
CATEGORIA - A busca da alegria começa no nosso interior
Para JUNG (1988), quando estamos próximos à velhice, inicia-se o Ciclo Cósmico, ou seja, é o momento em que há uma capacidade maior de discernimento. A visão do sentimento global do seu processo resultaria então no encontro do significado profundo da vida, o que o autor define como o encontro do Self. Para o autor, Self incorpora alma, mistério, Deus-imagem dentro, a essência básica que não pode ser conhecida. Suas idéias a respeito do Self estão mais próximas das escolas orientais de pensamento e dos místicos cristãos do que as preocupações habituais da psicologia moderna. Uma vez que o aspecto transcendente da consciência humana e o espectro da consciência que existe, apontam para a expansão da consciência e a fusão com o infinito.
A literatura corrobora inteiramente as categorias Transcender com a Natureza e A busca da alegria Interior que estão presentes no lugar surrealista Caminho-Limiar-Arco-Íris em relação ao desejo na velhice do encontro com a natureza, a integração ao cosmo e não a morte da estrutura física, pois que sentido faria a vida se só tivéssemos a morte? No nível do inconsciente coletivo, a pessoa percebe a unidade e a inter-relação de todas as coisas. Cada coisa, pessoa, animal, planta, da menor partícula à maior galáxia, todos são parte do UM – representados na figura de DEUS. Para DINIZ (2003, p.113), “com a maturidade, o homem aprende a reconhecer que não poderá crescer sozinho, que faz parte de uma humanidade que por sua vez, faz parte de um cosmo, e que deve evoluir como um todo”. A Alegria de Pertencer - A natureza faz com que o passeio seja agradável: transcende. É como você ficar flutuando em cima de alturas O mais alto possível E ao mesmo tempo olhando para baixo sem poder descer Não o céu e o inferno, aquele que esperamos ir quando morrermos Mas o céu azul que podemos ir sempre quando sublimamos Ou na praia, olhando para o mar: decifrando os segredos Pensando quantos segredos existe no caminho da vida Descobrir seu sentido faz parte da nossa integração universal Estamos pensando nas maravilhas de cores perto de nuvens Bem no meio daquelas lindas cores: Nas cores do Arco-íris Particularmente queria estar em toda parte dele Estar no momento de paz e alegria contigo mesmo,E neste momento só sentir maravilhas, aromas e cores O arco-íris é o ponto de desejo, O lugar onde contemplar a beleza do céu, dos astros, com todas as cores, onde passar para os outros a alegria de amar Estar alegre, colorida com forças para lutar com fé. No paraíso, feliz contemplando a natureza que Deus nos proporcionou (Grupo-Pesquisador).
O envelhecer com sentimentos bons se encontra nos lugares do desejo limiar e principalmente no arco-íris, onde podemos transcender e revelar que o envelhecer é uma poesia. O Segredo da Poesia - Eu acho que a velhice tem até um certo segredo. Tem um certo segredo da sabedoria, que às vezes nem queremos passar para o outro, Coisas tão legais dentro da gente, que a gente nem quer discutir, porque as pessoas não ligam muito, mas tem uma certa poesia a velhice.
O grupo, na contra-análise, revelou que a busca pela religiosidade se acrescenta na velhice, não por medo da morte, mas pela busca da alegria interior, um sentido inexplicável de conforto, do sentir-se bem consigo mesmo, de ajudar na compreensão da continuidade da vida, mesmo sem o vigor físico e suas plenas capacidades sociais e econômicas. A alegria consigo mesmo supera todas as perdas e desencontros do envelhecer, este é o seu segredo. É comparado ao que JUNG (1988a) considera como a busca do Self, e considero o casamento desta categoria com as leituras expostas como uma dádiva proporcionada pelo: o universo conspira. Porque nunca imaginávamos encontrar numa pesquisa acadêmico - científica tal achado, e para a compreensão da poesia crítica que se segue é necessário uma viagem a si mesmo: o que nos proporcionará felicidade quando envelhecermos? O Pote de Ouro - Como estamos ao encontrar o pote de ouro do ARCO-IRIS do envelhecimento? Estou a contemplar o azul da vida, onde estou no melhor momento da minha vida Estou alegre, colorida, e iluminada de luz Estou feliz realizando meus sonhos Estou sossegada, sem dependências, apesar da solidão Estou com satisfação interior, de bem com o mundo, isto é, com todas as relações Estou em busca de conhecimentos, exercícios, caminhadas pela floresta cercada de muita, muita alegria e conformação !!! Estou no topo da felicidade total, no prazer de ter chegado Estou feliz, tranqüila como quero ficar no pico da alegria Então será só alegria, pois a mãe natureza é o próprio rejuvenescimento das energias positivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contato com a natureza revela a necessidade de se integrar a ela, porque ela é vida como nos seres humanos, a natureza é energia restauradora. Quando em contra-análise junto aos membros do GP foi questionado o por quê buscavam o contato com a natureza em busca do bem-estar, e eles responderam: apesar de não poder acreditar, é na natureza que sentimos que estamos vivos e fazemos parte de uma energia maior. Porém, é importante destacar que a presença da família não é revelada nos lugares Geomíticos Surrealistas CAMINHO-LIMIAR-ARCO - ÍRIS, corroborando a validação da categoria Transcender com a Natureza, revelando que a busca do sagrado se faz dentro de nós mesmos. Com a descrição das categorias analíticas, alcançamos os objetivos propostos podendo afirmar que temos como contribuição do estudo: cuidar é um compromisso ético e dialógico na sociopoética, por isso devemos compreender o que os próprios indivíduos, nossos clientes, sujeitos de pesquisa, imaginam. Para uma das pesquisadoras que trabalhava há cinco anos na saúde do idoso, o estudo foi altamente revelador, transformador da prática. Para as demais co-autoras, ele revelou que perdendo o medo do envelhecimento, aprendemos a falar da morte como transcendência, aprendemos a ver a luta que os idosos vivenciam para manter um equilíbrio para continuar a sua vida. E para os co-pesquisadores, ele foi a possibilidade de um cuidar dialógico oferecido pelas pesquisadoras, o qual revelou as dores recalcadas e reprimidas que estavam como feridas latentes não percebidas pelo corpo físico. E é assim que, possibilitando-lhes esta liberação, podemos promover seu bem-estar.
Consideramos que a presente investigação contribuiu para uma significativa ampliação da perspectiva de compreensão do idoso, possibilitando uma abordagem integral do ser que envelhece. Este conhecimento certamente contribui para o cuidado de enfermagem na saúde do idoso quando a enfermeira compreende que os elementos do imaginário dos idosos fazem parte da relação de ajuda enfermeira - idoso em busca da aceitação da velhice, o que promoverá o bem-estar desse cliente. Sugerimos que ele deve fazer parte do ensino de enfermagem da graduação para que o aluno seja capaz de compreender o envelhecer além das modificações fisiológicas, psicológicas e sociais. Para os alunos, esperamos que seja gratificante a leitura do que é envelhecer escrito por enfermeiras, incentivando mais pesquisa em enfermagem na saúde do idoso e o aprimoramento dos elementos encontrados nesta pesquisa, que no nosso pensar possui vários desdobramentos.
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Texto original
recebido em 22/05/2005
Publicação aprovada em 30/08/2005
* Recorte ampliado da Dissertação de Mestrado
2 Titular da FENF/ UERJ. Doutora em Enfermagem. Professora do Programa de Mestrado da FENF/ UERJ. Rua General Rocca 572/901 Tijuca Rio de Janeiro CEP 20521-070 Tel. 2264-0540 / 9315-0620. iraci.s@terra.com.br