Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 07, Num. 02, 2005 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 
ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW / REVISIÓN

SILVA, Elda Terezinha; BOTTI, Nadja Cristiane Lappan - DEPRESSÃO PUERPERAL – UMA REVISÃO DE LITERATURA. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 07, n. 02, p. 231 - 238, 2005. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen

DEPRESSÃO PUERPERAL – UMA REVISÃO DE LITERATURA

POSTPARTUM DEPRESSION - A LITERATURE REVISION

DEPRESIÓN PUERPERAL  – UMA REVISIÓN DE LA LITERATURA

Elda Terezinha da Silva1, Nadja Cristiane Lappann Botti2

RESUMO: O puerpério é uma fase de profundas alterações no âmbito social, psicológico e físico da mulher, sendo assim, aumentam os riscos para o aparecimento dos transtornos psiquiátricos. Os distúrbios psiquiátricos puerperais se classificam em Depressão Puerperal, Psicose Puerperal e Tristeza Pós-Parto que se diferem entre si em diversos aspectos. O presente artigo discutirá acerca dos transtornos psíquicos puerperais, com ênfase na Depressão Puerperal. A Depressão Puerperal é um transtorno mental de alta prevalência e que provoca alterações emocionais, cognitivas, comportamentais e físicas. A sua etiologia é determinada por uma combinação de fatores que devem ser abordados no diagnóstico e terapêutica. O quadro depressivo puerperal surge na maioria das vezes, nas duas primeiras semanas após o parto. A Depressão Pós-Parto é uma síndrome psiquiátrica importante que em geral repercute na interação mãe-filho e praticamente de forma negativa e promove um desgaste progressivo na relação com os familiares.A saúde mental é um componente fundamental da saúde humana, portanto promovê-la é um dever dos profissionais envolvidos no cuidado humano.

PALAVRAS CHAVE: Depressão Pós-Parto; Transtornos Mentais; Saúde Mental.

SUMMARY: The Postpartum is a phase of deep alterations in the social, psychological scope and physical of the woman, being thus, they increase the risks for the appearance of psychiatric disturbance. The Postpartum psychiatric disturbances if classify in post-partum Depression, post-partum Psychosis and post-partum Sadness that if they differ between itself in diverse aspects. The present article will argue concerning the post-partum psychic disturbances, with emphasis in the Postpartum Depression. The Postpartum Depression is a mental disturbance of high prevalence and that it provokes emotional alterations, cognitive, mannering and physical. Its etiology is determined by a combination of factors that must be boarded in the diagnosis and the therapeutically one. The Postpartum depression appears in the majority of the times, in the two first weeks after the childbirth. The Postpartum Depression is an important psychiatric syndrome that in general it reverberates in the interaction mother-son and of negative form and practically promotes a gradual consuming in the relation with the familiar ones. The mental health is a basic component of the health human being; therefore to promote it is a duty of the involved professionals in the human care.

KEYWORDS: Postpartum depression; Mental disorders; Mental health; Nursing.

RESUMEN: El puerperio es una fase de profundas alteraciones en el ámbito social, psicológico y físico de la mujer, siendo así, aumentan los riesgos para la aparición de los trastornos psiquiátricos. Los disturbios psiquiátricos puerperais se clasifican en Depresión Puerperal, Psicosis Puerperal y Tristeza Post-Parto que se difieren entre sí en diversos aspectos. El presente artículo discutirá acerca de los trastornos psíquicos puerperais con énfasis en la Depresión Puerperal. La Depresión Puerperal es un trastorno mental de alta prevalencia y que provoca alteraciones emocionales, cognitivas, comportamentales y físicas. Su etiologia es determinada por una combinación de factores que deben ser abordados en el diagnóstico y terapéutica. El cuadro depresivo puerperal surge en la mayoría de las veces, en las dos primeras semanas después del parto. La Depresión Puerperal es un síndrome psiquiátrico importante que en general repercute en la interacción madre-hijo y prácticamente de forma negativa y promueve un desgaste progresivo en la relación con los familiares. La salud mental es un componente fundamental de la salud humana, por lo tanto promoverla es un deber de los profesionales envueltos en el cuidado humano.

TERMINOS CLAVES: Depresión puerperal; Trastornos mentales; Salud mental; Enfermería.

INTRODUÇÃO

Os distúrbios psiquiátricos podem acometer os indivíduos em diversas fases da vida, uma vez que a vulnerabilidade é agravada por eventos naturais somados a predisposição psicosocial e psicológica. A fase puerperal corresponde a um momento importante da vida da mulher, lembrando que a mesma passa por mudanças biológicas como também transformações de ordem subjetivas. Sendo assim, os riscos para o aparecimento dos transtornos aumentam em face das preocupações, anseios e planejamentos realizados e sentidos pela puérpera.

Neste sentido, o trabalho desenvolvido teve ênfase na revisão de literatura acerca da Depressão Puerperal, um distúrbio psiquiátrico importante de ser diagnosticado e assistido a fim de assegurar um patamar satisfatório e realista no tocante a saúde do binômio mãe-filho atingindo a sua integralidade, ou seja, no âmbito social, físico e psicológico.

OBJETIVOS

Os objetivos que norteiam este texto são os seguintes:

METODOLOGIA

A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica para a construção de um artigo de revisão e, assim, atender aos objetivos propostos. Para esta revisão foi utilizada a leitura sistemática a fim de definir as categorias necessárias ao aprofundamento e discussão acerca da Depressão Puerperal.

REVISÃO DA LITERATURA

1. Puerpério

O puerpério caracteriza-se por se apresentar como uma fase de profundas alterações no âmbito social, psicológico e físico da mulher. De acordo com KITZINGER apud MALDONADO (1997), este é um período que se inicia após o parto com duração de aproximadamente três meses. No caso de mulheres primíparas, esta fase pode estender-se, uma vez que a inexperiência associada a sentimentos de ansiedade, medo, esperança, entre outros, somatizam-se e produzem o quadro de instabilidade ainda maior do que o natural. O desenvolvimento deste processo transitório está interligado diretamente às reações apresentadas diante dos fatos, ou seja, a compreensão e a passagem não só da mulher, mas da família como um todo pelo puerpério, será o limiar entre a saúde e a doença.

ZANOTTI et al (2003) afirma que na fase puerperal a mulher encontra-se exposta a maiores riscos de aparecimento de transtornos mentais em relação a outras fases da vida, uma vez que as suas defesas tanto físicas quanto psicossociais são direcionadas à proteção e vulnerabilidade do bebê.

O parto é um momento desencadeador de uma série de mudanças intra e interpessoais. Com o nascimento, estas alterações se processam num ritmo acelerado e em todos os âmbitos na família e propriamente na mulher. Segundo MALDONADO (1997), os primeiros dias após o parto são retratados por uma série de emoções e expectativas diversas vivenciadas pela mulher, e por sua vez, a turbulência destes sentimentos promovem uma instabilidade no quadro emocional que se alterna entre a euforia e a depressão. Assim, o perfil psicológico da mulher no puerpério caracteriza-se por uma série de sentimentos que serão traduzidos em reações diversificadas.

Deve-se ressaltar que o sentimento de incapacidade é muito freqüente nas puérperas, uma vez que em geral se doam completamente aos cuidados com o bebê e aguardam ansiosas o reconhecimento de todos que a cercam e especialmente da criança, que pode ser demonstrados na figura infantil calma, tranqüila e satisfeita.

A puérpera pode vivenciar com o parto, segundo KITZINGER apud MALDONADO (1997), a sensação de mutilação do seu corpo devido ao processo gravídico que confere a mulher o sentimento de que o feto é parte integrante de si, e psicologicamente o nascimento gera uma deficiência permanente. A turbulência deste fato pode ser acentuada no caso de bebês que nascem com alguma deficiência física. O resultado pode ser traduzido em relações maternais extremamente protetoras.

Inúmeros fatores podem ser considerados como determinantes para um desfecho saudável do puerpério. Dentre eles pode-se destacar uma relação familiar harmoniosa e cooperativa, bem como o desejo e o planejamento da gravidez feita pelo casal. O papel do homem nesta fase merece destaque, uma vez que vivencia sensações psicológicas semelhantes à mulher, e por sua vez, o direcionamento dos fatos repercutirá de maneira favorável ou não no relacionamento do casal (MALDONADO, 1997).

2. Síndromes Psiquiátricas Pós-Parto

O fenômeno do nascimento representa uma experiência que é marcada por sentimentos de ansiedade, expectativa, realizações, projeções entre outros.  Deste modo, com a chegada de um filho, inicia-se uma nova fase na vida da mulher denominada puerpério. É uma fase marcada pela instabilidade emocional e vulnerabilidade feminina em relação às síndromes psiquiátricas no pós-parto. Apesar do ritmo acelerado de mudanças na fase puerperal, surgem exigências culturais, sociais, familiares e pessoais em relação à puérpera, no que corresponde ao desempenho das funções maternas adequadamente, ou seja, mesmo vivenciado um período de fragilidade, cabe a mulher a satisfação e o reconhecimento holístico das necessidades e demandas do bebê (ROCHA, 1999).

As síndromes psiquiátricas pós-parto constituem uma área pouco conhecida e conseqüentemente pouco pesquisada, cuja razão encontra-se ligada ao não reconhecimento do transtorno, visto a dificuldade de distinção dos sintomas. Antigamente, associava-se os transtornos puerperais como distúrbios específicos desta fase, mas hoje sabe-se que o parto e todos os eventos que o sucedem funcionam como fatores desencadeantes dos processo mórbido (KAPLAN et al, 1999).

Vale ressaltar que a sociedade contemporânea constitui um evento estressante para a saúde da mulher, lembrando que o ritmo acelerado possibilita produzir na mesma sentimentos de ansiedade, expectativa, frustração, preocupações, tanto no âmbito pessoal, familiar e trabalhista, refletindo assim em comportamentos isoladores e introspectivos. Atualmente, com a inserção da mulher no mercado de trabalho e o surgimento na maioria das vezes de jornadas extensas e dedicadas ao desenvolvimento profissional, ambos constituem fatores limitantes a realização de ações integralistas dos cuidados puerperais, principalmente em se tratando de condições sócio-econômicas desfavoráveis ou até mesmo risco a integridade social da família, que se alicerçava na contribuição financeira da puérpera.

Os transtornos psíquicos puerperais são definidos por KAPLAN et al (1999) como doenças mentais com início no primeiro ano após o parto e que se manifestam por desequilíbrios de humor psicóticos e não psicóticos.

Os transtornos psiquiátricos foram classificados de maneiras diversas na literatura. Na Décima Revisão Internacional das Doenças (CID-10), eles não são considerados distúrbios mentais específicos do puerpério, mas sim associados a ele, ou seja, o parto atua como um fator desencadeante devido à fragilidade psicológica qual a mulher se expõe. Deste modo, os transtornos se classificam da seguinte maneira: Síndrome da Tristeza Pós-Parto; Depressão Puerperal ou Pós-Parto e Psicose Puerperal (CHENIAUX JR apud ZANOTTI et al, 2003).

Segundo KAPLAN et al (1999) a etiologia das síndromes psíquicas pós-parto envolvem fatores orgânicos ou hormonais, psicossociais e a predisposição feminina.  As alterações hormonais que se processam após o nascimento, são marcadas pela queda acentuada dos hormônios progesterona e estradiol, além da redução de cortisol sérico, relacionado a uma diminuição elevada das atividades secretoras da glândula pituitária imediatamente após o parto.

Os fatores psicossociais envolvem o estresse embutido nas transformações puerperais e que contribuem para a exarcebação dos sintomas psíquicos. História de infertilidade é também um fator que merece ser investigado, uma vez que em muitos casos funciona como potencializador de risco. A predisposição representa uma parcela considerável na etiologia dos transtornos psiquiátricos puerperais. Determinadas situações ou experiências, expõem a puérpera ao maior risco de adoecimento, dentre os quais deve-se destacar: primiparidade e história familiar e pessoal de transtorno menta l pós-parto.

Deste modo, prevenindo complicações e construindo um prognóstico satisfatório das síndromes mentais pós-parto, cabe destacar a importância da identificação dos sintomas iniciais que norteiam o quadro patológico puerperal, ou seja, quanto antes se detectar os indícios, reflexos positivos poderão ser oferecidos na assistência individual e familiar da puérpera.

3. Diagnóstico diferencial

Todos os transtornos psiquiátricos puerperais são também alterações de humor e assim, podem refletir no quadro clínico uma amplitude de sintomas que em sua maioria, não são tão específicos daquela fase. A chave para um diagnóstico seguro é o reconhecimento da instalação dos sintomas e o desenvolvimento dos mesmos, considerando o início no primeiro ano após o parto (KAPLAN et al 1999). A seguir será apresentado um quadro diferencial sinóptico dos distúrbios psiquiátricos puerperais (Quadro 1).

Quadro 1. Quadro diferencial sinóptico dos distúrbios psiquiátricos puerperais

 

TRISTEZA PUERPERAL

DEPRESSÃO PUERPERAL

PSICOSE PUERPERAL

CONCEITO

Distúrbio psíquico leve e transitório

Transtorno psíquico de moderado a severo com início insidioso

Distúrbio de humor psicótico apresentando perturbações mentais graves

PREVALÊNCIA

50 a 80%

10 a 15%

0,1 a 0,2%

MANIFESTAÇÃO

Inicia-se no 3º até o 4º dia do puerpério

Início insidioso na 2ª a 3ª semana do puerpério

Início abrupto nas duas ou três semanas após o parto

SINTOMAS

Choro, flutuação de humor, irritabilidade, fadiga, tristeza, insônia, dificuldade de concentração, ansiedade relacionada ao bebê.

Tristeza, choro fácil, desalento, abatimento, labilidade, anorexia, náuseas, distúrbios de sono, insônia inicial e pesadelo, idéias suicidas, perda do interesse sexual.

Confusão mental, agitação psicomotora, angústia, insônia, evoluindo para formas maníacas, melancólica ou até mesmo catatônicas.

CURSO E PROGNÓSTICO

Remissão espontânea de uma semana a dez dias

Desenvolve-se lentamente em semanas ou meses, atingindo assim um limiar; o prognóstico está intimamente ligado diagnóstico precoce e intervenções adequadas.

Pode evoluir mais tarde para uma depressão. O prognóstico depende da identificação precoce e intervenções no quadro

TRATAMENTO

Psicoterapia enfatizando a educação e o equilíbrio emocional da puérpera

Psicoterapia, farmacologia.

Eletroconvulsoterapia (casos especiais)

Psicoterapia, farmacologia, eletroconvulsoterapia e internação (casos especiais)

Fonte: ZANOTTI et al (2003); ROCHA (1999); KAPLAN et al ( 1999)

4. Depressão Puerperal (DPP)

4.1. Conceito

A Depressão Puerperal (DPP), segundo ZANOTTI et al (2003) é um transtorno mental de alta prevalência e que provoca alterações emocionais, cognitivas, comportamentais e físicas. Inicia-se de maneira insidiosa, levando até semanas após o parto.

Pitt apud ROCHA (1999) caracteriza esta síndrome puerperal como uma depressão atípica, ou seja, uma variante de um quadro depressivo fisiológico mais comum em puérperas jovens ou de personalidade imatura. Sintomas neuróticos tais como ansiedade, irritabilidade estão presentes na depressão puerperal, mas não são exclusividade desta fase vivenciada pela mulher podendo ocorrer também em outros períodos.

4.2. Epidemiologia

As taxas de prevalência das síndromes psiquiátricos puerperais corroboram a importância de se conhecer e diagnosticar precocemente tais transtornos na assistência à Saúde da Mulher. Encontra-se dados de 50 a 80% de prevalência da tristeza pós-parto (ZANOTTI et al, 2003; KAPLAN et al, 1999). Já se tratando dos transtornos depressivos puerperais, os mesmos variam entre 10 a 15% de acordo com os autores (KAPLAN et al 1999; ZANOTTI et al 2003 e LÓPEZ et al 1999); 10 a 20% segundo FURTADO (2000) e Hearn apud RIBEIRO (2001) considerando os sintomas nas primeiras semanas após o parto; e em média, de 13%  ressaltando avaliações feitas por O’Hara apud ROCHA (1999). Em relação aos quadros psicóticos, estes apresentam-se com menor freqüência, ocorrendo entre 0,1 a 0,2% das mulheres na fase puerperal (Cheniaux Jr apud ZANOTTI et al, 2003).

4.3. Etiologia e Fatores de Risco

De acordo com FURTADO (2000), tanto a gravidez quanto o parto, constituem-se em eventos estressantes para a mulher e familiares, além de atuarem na maioria das vezes como fatores desencadeantes da depressão puerperal, principalmente se vierem acompanhados de acontecimentos adversos.

Paykel apud FURTADO, 2000) avaliou e concluiu que diversas condições de vida desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do transtorno depressivo leve, sobretudo os fatos indesejáveis, além de fatores sociais. Uma série de estudos tem demonstrado que a falta de apoio oferecido pelo parceiro e demais pessoas com quem a puérpera mantêm relacionamento, influem consideravelmente na etiologia da DPP ; além de uma gestação não planejada, nascimento prematuro ou a morte do bebê e dificuldades em amamentar (SCHWENGBER, 2003).

Vale ressaltar que antecedentes familiares de depressão, antecedentes pessoais ou até mesmo um episódio de depressão puerperal  (exemplo: uma multípara) são fatores de análise para o risco da depressão pós-parto; outros aspectos tais como: personalidade pré-mórbida, qualidade da saúde materna, complicações gravídicas, parto de risco ou complicado e o puerpério com algum comprometimento clínico são episódios que devem ser investigados no controle e prevenção do transtorno depressivo puerperal.

SCHWENGBER (2003) traz em seu artigo referente a DPP uma série de estudos que avaliam diversos aspectos que envolvem a puérpera e que merecem destaque além dos fatores supracitados, pois os mesmos foram percebidos na realidade vivenciada pela mulher. Fatores como o estado civil tem sido associados principalmente em se tratando de mães solteiras sem o apoio social. Alguns autores defendem que o encontro entre mãe-filho após o nascimento pode induzir a uma patologia específica, ou seja, o primeiro contato remete a mulher as preocupações e anseios em relação a maternidade, aumentando assim os riscos de adoecimento uma vez que vivencia uma série de emoções conjuntas em tempo real.  Assim, pode-se dizer que os transtornos depressivos puerperais determinam-se mais pela interação do que propriamente por uma patologia pré-existente da mulher.

Em se tratando de fatores biológicos, existem hipóteses de que as alterações hormonais relacionam-se com o surgimento da depressão puerperal. ROCHA (1999) afirmou que 4% das puérperas apresentam alteração de humor leve associada a disfunção da tireóide nos primeiros oito meses do puerpério; e apenas 1% apresentaram transtorno depressivo maior.

Enfim, pode-se dizer que a etiologia da depressão puerperal não se determina por fatores isolados, mas sim por uma série de aspectos que devem ser abordados no diagnóstico e terapêutica da DPP, portanto, uma combinação de fatores psicológicos, sociais, obstétricos e biológicos.

4.4. Quadro Clínico

O quadro depressivo surge de forma insidiosa, e na maioria das vezes, nas duas primeiras semanas após o parto. Os principais sintomas que caracterizam a depressão puerperal são tristeza, choro fácil, desalento, abatimento, labilidade, anorexia, às vezes náuseas, distúrbios do sono, insônia inicial e pesadelo, fadiga principalmente envolvendo os cuidados com a criança, hipocondria, irritabilidade, dificuldade de concentração e memorização, perda do interesse sexual, idéias suicidas e sentimentos negativos em relação ao marido; culpa, preocupações envolvendo o bebê, ansiedade, sentimentos de incapacidade em relação a maternidade e temor do ciúme dos outros filhos em relação a criança, no caso de uma multípara (Rocha apud ZANOTTI et al, 2003).

4.5. Tratamento

A terapêutica da depressão puerperal baseia-se na farmacologia, e na psicoterapia, e em casos extremos na eletroconvulsoterapia. Estes métodos são semelhantes aos empregados no tratamento de transtornos depressivos em outros períodos da vida, comprovando assim sua eficácia (ROCHA, 1999).

O uso de psicofármacos no puerpério apresenta determinadas contra-indicações devido ao aleitamento materno que pode ser comprometido com a excreção e concentração destes medicamentos no leite. Sabe-se que para a mulher que vivencia um transtorno depressivo puerperal, é fundamental promover de maneira criteriosa o contato entre mãe-filho, considerando o seu estado de raciocínio e percepção da realidade, destacando assim formas passíveis e apropriadas de se fazer esse contato; a amamentação é um momento essencial para que se estabeleça o vínculo entre mãe-filho além de situar a puérpera no cenário maternal. ROCHA (1999) afirma que os efeitos dos medicamentos no organismo do bebê variam segundo o tipo de droga, farmacocinética e a sensibilidade individual.

Uma abordagem psicoterapêutica é essencial no tratamento da depressão puerperal, uma vez que o terapeuta juntamente com a puérpera e familiares, construirão novas estruturas a partir da realidade vivenciada; sendo assim, torna-se possível o entendimento, o planejamento de ações intervencionistas adequadas acerca desta nova realidade (ZANOTTI et al 2003).

A eletroconvulsoterapia é indicada em situações extremas em que a puérpera não responde a terapia medicamentosa anti-depressiva (ROCHA, 1999)

4.6. Curso e Prognóstico da Depressão Puerperal

Segundo KAPLAN et al (1999) tanto a depressão puerperal quanto a psicose pós-parto, apesar de apresentarem um quadro clínico severo e de início abrupto, podem cursar um bom prognóstico. Para isso, é necessária a identificação precoce dos sintomas iniciais e a partir daí o planejamento de terapêuticas adequadas. A psicose pós-parto pode mais tarde evoluir para uma depressão durante este período. Se não forem tratadas, ambas as síndromes puerperais podem se tornar crônicas e refratárias ao tratamento, se estendendo até o terceiro ano após o parto e causando prejuízos psicológicos, morbidade e mortalidade.

4.7. Prevenção

O conhecimento dos fatores de risco da Depressão Pós-Parto são extremamente importantes no planejamento e implementações de ações preventivas. ROCHA (1999) aponta como medidas preventivas dos transtornos depressivos puerperais o máximo de apoio emocional e físico durante a gravidez, parto e puerpério (obstetra, enfermagem e pediatra); o máximo de apoio emocional da família, amigos e companheiro; discussão com o companheiro a respeito da importância da esposa se sentir amada e segura; e encaminhamento da mãe com risco elevado para depressão pós-parto para aconselhamento ou psicoterapia.

Para Simão apud DIAS, 2004) é necessário a criação de programas preventivos na rede pública voltados não só a saúde da gestante, mas da mulher no geral, identificando assim, como já foi dito, os fatores de risco. Cabe a equipe de saúde um preparo e percepção acerca dos sinais iniciais da doença, intervindo de maneira segura e competente.

Ainda não se pode afirmar a eficácia do uso profilático de antidepressivos em mulheres com história prévia de DPP, necessitando portanto de estudos mais esclarecedores sobre a introdução de tais medicamentos (ROCHA, 1999).

5. A importância do conhecimento acerca da Depressão Puerperal na prática do profissional enfermeiro

A prática da enfermagem, desde os tempos históricos, está intimamente relacionada ao cuidado e alívio do sofrimento humano. Sabe-se que qualquer forma patológica que venha a acometer o homem, gera uma série de transtornos, além de envolver concomitantemente sentimentos de angústia, medo, ansiedade, preconceitos, descrença, pessimismo, entre outros. As doenças sem perspectiva científica de cura, alicerçam tais sentimentos de maneira mais severa e marcante, necessitando de alívio e recursos capazes de promover a dignidade ao longo do desenvolvimento patológico. A exemplo disso e enfatizando a proposta desta revisão de literatura, pode-se destacar os transtornos mentais, em especial os quadros depressivos que se apresentam na fase puerperal da mulher. De acordo com SILVA (2001), toda a forma de transtorno mental deve ser compreendida como um estado de desconforto, associado a ameaça da integridade física, psicológica e social do indivíduo, além de intervir severamente nas suas construções pessoais e envolver todas as formas de relacionamento que o mesmo venha a assumir no seu cotidiano.

O transtorno depressivo puerperal apresenta uma série de aspectos semelhantes a episódios depressivos que ocorrem em outras etapas da vida da mulher, o puerpério, como já foi discutido, é uma fase muito importante e reflexiva na vivência feminina, mas ao mesmo tempo propício o desenvolvimento de transtornos mentais, uma vez que promove diversas transformações físicas e psicossociais na puérpera. As reações da mulher no período pós-parto terá grande influência no relacionamento familiar e principalmente em questões características da interação do binômio mãe-filho.

O transtorno depressivo puerperal também acarreta uma série de conseqüências assim como a depressão em outras fases da vida da mulher. A maioria destes resultados repercutem na interação mãe-filho e praticamente de forma negativa, na maioria das vezes. SPITZ (1998) afirma que ocorre uma perda emocional na puérpera vítima da DPP, que será percebido pelo bebê. Num primeiro momento pode haver uma tentativa estimulatória do comportamento materno por parte da criança, mas com a persistência da depressão, a relação entre mãe-filho poderá se comprometer ao longo do desenvolvimento infantil. Está situação será mais intensamente vivenciada no primeiro ano de vida do bebê.

Outras conseqüências foram avaliadas como importantes na interação mãe-filho. Vale destacar que a mãe deprimida interage menos com o bebê e quando a mesma percebe o fato, volta-se em tentativas afim de superar a realidade imposta pela doença; a própria criança, como já foi dito, promoverá de maneira inconsciente alternativas que se traduzirão em pequenos eventos cotidianos e naturais, tais como um sorriso em direção a mãe, sempre na tentativa de resgatar a puérpera daquela quadro depressivo e retorná-la a sua função materna. Muitas vezes, as tentativas não são correspondidas e o binômio mãe-filho estabelecem uma relação falsa e distante emocionalmente da verdadeira interação maternal (Stern apud SCHWENGBER et al, 2003).

Goldstein & Guthertz apud SCHWENGBER et al, 2003), coloca que a DPP é capaz de promover a assincronização dos sentimentos que norteiam a relação maternal, deixando a mulher mais introspectiva e menos responsiva aos estímulos afetivos originários do bebê; deste modo, a criança irá interpretar tal atitude como uma estimulação insuficiente do comportamento materno, e assim, a mesma poderá reagir com o mesmo distanciamento. Está atitude do bebê causará um sentimento de ansiedade e frustração na mãe, que irá sentir-se rejeitada e incapaz de assumir os cuidados com o próprio filho.

Percebe-se também que a própria entonação da voz materna ficam alteradas no período depressivo, algo que pode ser melhor vivenciado quando a mesma se direciona a dialogar com o bebê, nota-se a mesma falta de entusiasmo e apatia apresentados nos cuidados com a criança, afetando assim a comunicação verbal entre ambos (Bettes apud SCHWENGBER et al, 2003). Vale destacar que as implicações do quadro depressivo puerperal está intimamente relacionada a duração do transtorno, ou seja, quanto mais tempo persistir, mais tocantes as conseqüências para o desenvolvimento psicosocial da criança.

Vários trabalhos afirmam que a DPP pode afetar as diversas fases do desenvolvimento humano, dentre elas cabe destacar (ROCHA, 1999):

Vale salientar que os distúrbios depressivos puerperais afetam não só a interação do binômio mãe-filho, mas também promovem um desgaste progressivo na relação com os familiares e vida afetiva do casal; além disso, aumentam as possibilidades de auto e heteroagressões. Por sua vez, o desequilíbrio gerado pela DPP repercute negativamente no perfil econômico e social da mulher. Enfim, promovem alterações dramáticas na homeostase psicossocial e familiar da mulher (ROCHA, 1999).

Desta forma, cabe ao enfermeiro o conhecimento a cerca da DPP, uma vez que constitui no serviço de saúde no qual encontra-se inserido uma porta de entrada para o acolhimento e direcionamento adequado da puérpera no que corresponde a terapêutica e prevenção deste transtorno mental. Segundo Minzoni et al apud SILVA (2001), a saúde mental é um componente fundamental da saúde humana, portanto promovê-la é um dever dos profissionais envolvidos no cuidado humano.

Sabe-se que o Sistema Único de Saúde (SUS) atualmente, preconiza as unidades básicas como referencial ao primeiro atendimento  de baixa complexidade e na maioria das vezes, observa-se que apesar dos recursos limitados de atenção básica, são os mesmos que acabam por encaminhar a níveis secundários e de competência adequada a demanda; portanto, os postos de atendimento básico caracterizam a inserção do usuário no sistema. O enfermeiro é o profissional, conforme revela o cotidiano dos serviços de saúde, que mantêm o primeiro contato com o cliente. Por isso, seja na rede básica, hospitalar ou ambulatorial, o enfermeiro deve estar preparado para lidar e direcionar uma demanda diversificada, principalmente quando se tratar de questões de ordem psicológica capazes de se camuflarem em intercorrências clínicas e dificultando assim o diagnóstico e tratamento adequado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O puerpério caracteriza-se por se apresentar como uma etapa de profundas alterações no âmbito social, psicológico e físico da mulher, ou seja, é um período instável, sendo que a compreensão não só da puérpera mas principalmente dos familiares, que por sua vez atravessam ativamente este período, constitui-se num fator essencial na determinação do limiar entre a saúde e a doença.

Inúmeros fatores podem ser determinantes para um desfecho saudável do puerpério. Porém,  como já foi discutido anteriormente, o período é marcado pela instabilidade emocional e vulnerabilidade feminina em relação as síndromes psiquiátricas no pós-parto. Uma das razões para esta realidade corresponde ao ritmo acelerado de mudanças na fase puerperal, associada as exigências culturais, sociais, familiares e pessoais em relação a puérpera, principalmente em relação ao desempenho das funções maternas adequadamente.

KAPLAN (et al, 1999) define os transtornos psíquicos puerperais como doenças mentais com início no primeiro ano após o parto e que se manifestam por desequilíbrios de humor psicóticos e não psicóticos. A etiologia das síndromes psíquicas pós-parto envolve fatores orgânicos ou hormonais, psicossociais e predisposição feminina, deste modo, associação destes elementos possibilita o desenvolvimento do processo patológico.

A Depressão Pós-Parto (DPP) é também uma síndrome psiquiátrica importante e que acarreta uma série de conseqüências assim como a depressão em outras fases da vida da mulher. A maioria destes resultados repercute na interação mãe-filho e praticamente de forma negativa, na maioria das vezes. Além disso, promovem um desgaste progressivo na relação com os familiares e vida afetiva do casal. De forma semelhante aos demais transtornos puerperais.

Assim, é importante que os profissionais de saúde desenvolvam ações preventivas na rede pública voltados não só a saúde da gestante, mas da mulher no geral. Além disso, estimular a compreensão da mulher e do companheiro em relação às fases críticas do puerpério, bem como emoções e sentimentos provenientes deste período, ou seja, somando esforços na prevenção e tratamento da DPP que irão traduzir no exercício materno saudável e essencial ao desenvolvimento humano (SANTOS et al, 1997).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, V. Identificação de fatores de risco pode evitar depressão pós-parto. USP Notícias. Boletim n. 1526, 2004.[on line]. Disponível em: http://www.usp.br/agen/bls/2004/rede1526.htm [acesso em 24  abr. de 2005].

FURTADO, E. F. Abordagem clínica e terapêutica da depressão puerperal: conceitos atuais (Mesa Redonda: Atualização no tratamento da depressão: depressão na mulher). 2000. [on line]. Disponível em: http://glallone.sites.uol.com.br/acad/forum%201.htm. [acesso em 17  ago. de 2004].

KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J. Tratado de Psiquiatria. 6º ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.

LÓPEZ, J. R. R. A.; PEDALINI, R. Depressão pós-parto: revisão epidemiológica, diagnóstica e terapêutica. Informe Psiquiátrico. v. 18, n. 4, p. 115-118, 1999.

MALDONADO, M. T. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

RIBEIRO, C. S. Depressão pós-parto. Última revisão em 2001. [on line]. Disponível em: http://www.psiqweb.med.br/sexo/posparto.html[acesso em 24  abr.  de 2005].

ROCHA, F. L. Depressão puerperal:  revisão e atualização. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Belo Horizonte, v. 48, n. 3, p. 105-114, mar 1999.

SANTOS, A. C. D.; OLIVEIRA, A. P. D.; LAATI, E.; PETEGROSSO, F. R.; DIAS, R. A. P.; KELLY, R.; Depressão pós-parto: definição, sintomas e métodos profiláticos. Mogi das Cruzes, SP, 1997. Trabalho de Graduação apresentado à Disciplina Científica do Curso de Psicologia da Universidade Braz Cubas.

SCHWENGBER, D. D. S.; PICCININI, C. A. O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Estud. Psicol. (Natal), vol.8, n.3, p. 403-411, 2003. SPITZ, RA. O Primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anormal das relações objetais. 2a ed. Sao Paulo: Martins Fontes. 1998.

SILVA, M. C. Depressão: pontos de vista e conhecimento do enfermeiro da rede básica de saúde. Ribeirão Preto, 2001. Dissertação (Mestrado) apresentada à Escola de Enfermagem/USP, Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas.

ZANOTTI, D. V.; SAITO, K. C.; RODRIGUES, M. D.; OTANI, M. A. P. Identificação e intervenção no transtorno psiquiátrico e intervenção no transtorno, associadas ao puerpério: A colaboração do enfermeiro psiquiatra. Revista Nursing. V. 61, n. 6, p. 36-42, 2003.

Texto original recebido em 12/07/2005
Publicação aprovada em 30/08/2005

1 Enfermeira. Endereço para correspondência: Rua Natividade, nº100. Bairro Betânia. Belo Horizonte, Minas Gerais. CEP 30580-240. E-mail esilva2822@ig.com.br 

2 Enfermeira, Psicóloga, Dra. em Enfermagem Psiquiátrica. Professor Adjunto III da PUCMINAS – Betim (MG). E-mail:  nadjaclb@terra.com.br

Topo