Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 07, Num. 02, 2005 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 
RELATO DE EXPERIÊNCIA / CASE REPORT / RELATO DE VIVENCIA

 

VILAÇA, Cynthia Marques; BARREIROS,Daniela dos Santos; GALLI, Fabrício de Andrade; BORÇARI, Izabela Torquetti; ANDRADE, Lubiana Fernandes de; GOULART, Márcia Adriana CONCEIÇÃO, Caetano Laíse; CARNEIRO, Maria Lígia MohallemO AUTOCUIDADO DE CUIDADORES INFORMAIS EM DOMICILIO – PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 07, n. 02, p. 221 - 226, 2005. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen

O AUTOCUIDADO DE CUIDADORES INFORMAIS EM DOMICILIO – PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM.

THE CARE SELF OF CAREGIVERS INFORMAL AT HOME – PERCEPTION OF NURSE’S ACADEMICS.

EL AUTOCUIDADO DE CUIDADORES INFORMAIS EN EL HOGAR – PERCEPCIÓN DE EL ACADÉMICOS DE ENFERMERIA.

Cynthia Marques Vilaça1, Daniela dos Santos Barreiros1, Fabrício de Andrade Galli1, Izabela Torquetti Borçari1, Lubiana Fernandes de Andrade1, Márcia Adriana Goulart1, Caetano Laíse Conceição2, Maria Lígia Mohallem Carneiro2

RESUMO: Trata-se de um relato de caso por meio de uma abordagem qualitativa que, como tal, empregou a subjetividade dos observadores na observação de portadores de Doença de Alzheimer (DA) e seus cuidadores familiares. Tem como objetivo refletir sobre a capacidade de autocuidado dos cuidadores domiciliares. Para isto foram realizados consultas nos prontuários-família, planejamento, execução e registro das visitas domiciliares (VD). Assim foram feitas observações em duas famílias. A reflexão sobre os dados analisados levou os autores a considerarem que a atuação do cuidador é permeada por sentimentos e dificuldades ligados a ocorrência de modificações no comportamento dos clientes portadores de DA. A capacidade de autocuidado dos cuidadores guarda estreita relação com a dinâmica familiar, que favorece ou não o papel do cuidador.

PALAVRAS CHAVE: Saúde da Família; Cuidadores; Autocuidado.

SUMMARY: This is a case related by a qualitative approach, which used the observers’ subjectivity observing Alzheimer illness sufferers (DA) and their families. It has as aim to discuss about home care capacity to self-care. And so, it was searched in family-files, planning, development and home-visits reporting. Thus, it has been observed two families. The reflection on the analyzed data made the authors consider that the home nurse performance is permeated through feelings of modifications on the Alzheimer illness’ sufferer behavior. The ability to take care from the home nurses keeps narrow relationship with the familiar dynamics, which favors or not the home nurse role.

KEYWORDS: Family Health; Caregivers; Self Care.

RESUMEM: Se trata de un estudio de caso exploratorio y de naturaleza cualitativa que como tal empleó la subjetividad de los observadores en la observación de los portadores de la dolencia Alzheimer (DA) y sus cuidadores familiares. Para eso fueron realizadas consultas en los prontuarios-familia, planificación, ejecución y registro de las visitas domiciliares.  A través de estas fue hechala observación de las familias. La reflexión sobre los dados analizados conducio los autores a considerar que la actuación del cuidador es envolta por sentimientos y dificultades  ligadas a la ocurrencia de modificaciones en el comportamiento de los clientes portadores de DA. La capacidad de auto cuidado de los cuidadores guarda estrecha relación con la dinámica familiar, que favorece o non el papel del cuidador.

PALABRAS CLAVE: Salud de la Familia; Cuidadores; Autocuidado.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento da população é uma questão de relevante importância na saúde pública, pois tem como conseqüência um aumento dos casos de hipertensão, osteoporose, câncer e demências como Doença de Alzheimer. Os pacientes portadores da Doença de Alzheimer vivem, em sua grande maioria, na comunidade. Habitualmente necessitam de auxílio para a realização de várias atividades da vida diária e como conseqüência, de um cuidador (GARRIDO, 1999). O cuidador responsável é, na maioria das vezes, um familiar próximo, e mais raramente parente próximo ou amigos. A doença evolui em estágios que vão desde um quadro incipiente até uma demência grave e durante este período emergem, freqüentemente, distúrbios de comportamento. Neste caso, a vida do cuidador passa a ser influenciada tanto pelos aspectos cognitivos como pelos comportamentais da doença levando o mesmo a enfrentar diversas dificuldades.

Segundo BRASIL, 1999 cuidador informal é um membro da família ou da comunidade que presta cuidado de forma parcial ou integral aos idosos com déficit de autocuidado.

>Diante destas considerações que permearam as discussões no campo de trabalho optamos pela elaboração de um estudo por meio de observação e narrativas das mesmas que nos desse a oportunidade de perceber a capacidade de autocuidado dos cuidadores informais de portadores de Doença de Alzheimer. A percepção de que tais cuidadores podem ser sobrecarregados do ponto de vista físico, emocional e sócio-econômico, além da dificuldade que observamos nos profissionais de saúde para detectar estas necessidades e prestar assistência aos cuidadores reforçou o nosso objetivo de estudo.

A Doença de Alzheimer (DA) é uma afecção neurodegenerativa progressiva e irreversível de aparecimento insidioso, que acarreta perda da memória e diversos distúrbios cognitivos. Em geral, a DA de acometimento tardio tem incidência ao redor de 60 anos de idade e ocorre de forma esporádica, enquanto que a de acometimento precoce tem incidência ao redor de 40 anos e mostra recorrência familiar. Ambas é uma mesma e indistinguível unidade clínica e nosológica (SMITH, 1999).

Com a evolução da doença, instalam-se múltiplas perturbações, incluindo memória, atenção e aprendizado, pensamento, orientação, compreensão, cálculo, linguagem e julgamento. O comprometimento dessas funções é comumente acompanhado e ocasionalmente precedido por deterioração do controle emocional, comportamento social ou motivação. Ela produz um declínio apreciável no funcionamento intelectual e interfere nas atividades do dia-a-dia, como higiene pessoal, vestimenta, alimentação e atividades fisiológicas. Ainda não existe tratamento estabelecido que possa curar ou reverter a deterioração causada pela doença.

O modelo biomédico de saúde centrava-se apenas na doença, deixando muitas vezes de lado àqueles que assistiam aos doentes. Contrastando com este modelo surgiu então o Programa de Saúde da Família que tem como foco a atenção a toda família e o contexto em que vivem, dessa forma, o indivíduo doente, os cuidadores, e os outros integrantes da família são tratados de forma igualitária no que diz respeito à saúde, tem como estratégia básica a visita domiciliar recurso utilizado pelos profissionais de saúde para atenção e observação a família.

Devido à complexidade que envolve a atenção a doentes no domicilio sob a responsabilidade de cuidadores informais e, de profissionais de saúde em detectar as necessidades de assistência destes cuidadores, optamos por fazer um estudo mostrando dois casos de pacientes portadores de Doença de Alzheimer e como seus cuidadores realizavam o autocuidado. Assim estabelecemos para a realização deste trabalho o seguinte objetivo: refletir sobre a capacidade de autocuidado dos cuidadores domiciliares.

METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado por acadêmicos do 5º período do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Como estratégia para coleta de dados, realizamos visitas domiciliares. Durante a realização das visitas domiciliares pudemos observar dois casos de idosos portadores de Doença de Alzheimer e as pessoas de quem recebiam cuidados necessários às atividades diárias (cuidadores informais).

A visita domiciliar é um dos métodos utilizados mais eficientes para propiciar uma ação prevencionista à família. Ela é realizada visando conhecer o indivíduo em seu ambiente familiar a fim de envolvê-la no tratamento, bem como favorecer a supervisão e o ensino de terapêuticas alternativas. É, portanto, uma importante ferramenta para conhecer as condições não só dos pacientes como também de seus cuidadores e a partir disso, promover uma assistência para que estes desenvolvam um autocuidado de acordo com a realidade em que vivem. Pudemos observar através dessas visitas a importância dos cuidadores informais no cuidado de portadores de doenças crônico-degenerativas, pois, por não serem tratadas em ambiente hospitalar, o cuidado domiciliar se faz necessário.

O presente estudo é pesquisa qualitativa tendo por base a narrativa de caso de duas famílias. A pesquisa qualitativa supõe o contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada. O material obtido em pesquisa desta natureza é rico em descrições de pessoas, situações e acontecimentos (LUDKE & ANDRÉ, 1986). Para CARNEIRO (1989) a abordagem qualitativa possibilita o enfoque singular de um caso, mesmo que ele tenha ou venha a ter similaridade a outros casos em outros aspectos, incidindo o interesse do pesquisador exatamente no que ele tem de único.

A coleta de dados incluiu: 1) a observação direta de duas famílias que têm em comum um familiar portador de Doença de Alzheimer, mas com cuidadores que se cuidam de forma diferente, justamente pela singularidade de suas pessoas e de sua situação frente ao fenômeno da doença, 2) consulta aos prontuários-família, onde foram feitos os registros das visitas domiciliares e 3) consulta das observações de campo, sendo que estas últimas incluem trechos de relatos dos cuidadores observados. A análise dos dados foi feita à medida que os autores construíram relatos dos depoimentos e das observações de campo.

Em respeito à privacidade das famílias e aos aspectos éticos de estudos desta natureza, a menção dos nomes das pessoas foi feita com iniciais fictícias.

OS CUIDADORES

O conceito de cuidador é muito discutido. É importante considerar o estado funcional do paciente, número e duração das tarefas que necessitam de supervisão e envolvimento emocional mínimo do cuidador com o paciente. O cuidador é o principal responsável por prover ou coordenar os recursos requeridos pelo paciente. Em muitos paises, há extensas tentativas de conceituar cuidadores formais e informais, cuidadores principais e secundários e fatores que designam o tipo de cuidador requerido para cada paciente dependente (GARRIDO, 1999).

Para DUARTE (1997), o cuidador é aquele que dirige seus cuidados a indivíduos com necessidades e demandas de atenção no domicilio. Já LEITÃO & ALMEIDA (2000, p. 80) ao realizarem um estudo sobre o cuidador e a qualidade de vida, afirmam: “o cuidador é quem assume a responsabilidade de cuidar, dar suporte ou assistir alguma necessidade da pessoa cuidada, visando a melhoria de sua saúde”. Para MENDES (1998), o cuidador domiciliar é aquele que possui vínculos de parentesco com o paciente. Já o cuidador principal é definido como aquele que tem maior responsabilidade pelos cuidados ao paciente e o cuidador secundário como aquele que realiza atividades complementares.

Existe ainda o cuidador formal, um profissional preparado em uma instituição de ensino para prestar cuidados no domicílio segundo as necessidades especificas do cliente e o cuidador informal, um membro da família ou da comunidade que presta cuidado de forma parcial ou integral aos idosos com déficit de autocuidado (BRASIL, 1999).

O cuidador familiar assume este papel por diferentes motivos: por vontade, por instinto e por conjuntura. Aquele que assume por vontade é motivado a satisfazer seus sentimentos através da relação com o outro. Aquele que faz por instinto o faz impulsivamente visando atender a necessidade de sobrevivência da comunidade ou do indivíduo e o por conjuntura quando não há outra pessoa para atuar no cuidado.

NARRATIVA E ANÁLISE

Caso 1

Visita realizada a residência de M.E., 77 anos, casada, residente em Belo Horizonte. Reside com a família (marido e três filhas) e é portadora de Doença de Alzheimer. Tornou-se agressiva, agitada, sem orientação quanto a tempo e espaço e pronuncia constantemente frases desconexas e rudes. A paciente se movimenta através de cadeira de rodas com a ajuda dos familiares. Alimenta-se normalmente, sendo sua alimentação preparada pelas filhas que também a ajudam nesta tarefa. O banho é cuidadosamente ministrado pelas filhas que se revezam no cuidado com a mãe, ficando sempre duas a duas. Durante o banho, apesar de sua fisionomia de raiva, apresentava-se entristecida, observamos que a mãe batia nos braços da filha constantemente, verbalizando palavras agressivas e desconexas e de vez em quando gritava para que saíssemos do banheiro. Esta cuidadora é casada e tem uma filha na idade pré-escolar que também exige cuidados, tornando-se difícil para a mesma dividir-se entre a família e a mãe. Após o banho ao colocar a fralda, percebemos que as filhas se preocupam em prevenir assaduras e úlceras de decúbito devido à dificuldade de movimentação da mãe. Com o agravamento do seu estado de saúde mental as filhas precisaram dar mais atenção à ela e para isso privaram-se de atividades sociais e de lazer.

Percebemos que uma das filhas se destacava na necessidade de um atendimento psicológico, pois se apresentava chorosa e triste, se sentia cansada, impotente em relação à situação da mãe e da família que agora vivia em função da doença. Esta é a filha mais nova e em determinado momento durante a conversa chorou muito desabafando “é muito pesado”, “é muito pesado”.... ”estou sempre pedindo licença no serviço para levar a mamãe no médico”....” antes eu ia ao cinema toda semana agora não vou mais”. Seguiu-se uma conversa de escuta e encorajamento e ao final percebemos que ela se sentia bem mais aliviada. O marido de M.E. é hipertenso, diabético controlado, com histórico de câncer de próstata e dificuldades respiratórias, fazendo uso de broncodilatores. É uma pessoa tranqüila e de fácil convívio, mas também precisa dos cuidados das filhas na orientação da dieta específica para hipertensão e diabetes.

Providenciamos uma consulta no Centro de Saúde com a psiquiatra e orientamos para que a filha mais nova buscasse um grupo de apoio aos familiares de Doença de Alzheimer, já que existia um grupo desta natureza na região. Ficamos disponíveis também para as outras filhas caso necessitassem dos serviços do Centro de Saúde ou de alguma conversa ou orientação. Instruímo-las para que tentassem organizar uma escala de forma que tivessem tempo para atividade de lazer, acreditando que isso ajudaria a minimizar a pressão que sentiam com esta situação.

Observamos que a perda de memória e as atitudes agressivas da mãe, como também o aumento da dependência, que são próprios da doença acarretaram dificuldades por parte das filhas para lidar com a situação. Estas passaram então dedicar um tempo maior nos cuidados com a mãe devido à preocupação com a evolução da doença, e se excluíram do convívio social. Até mesmo a vida profissional de uma das cuidadoras estava prejudicada pela dedicação total à mãe. A dinâmica familiar foi alterada e as demandas familiares também aumentaram, pois além da demanda com o próprio doente, uma das cuidadoras apresentava outra com sua própria família e filhos pequenos que dependiam do seu cuidado. Esta exclusão e o agravamento da doença ocasionaram um estresse físico, emocional e mental, que foi evidenciado pelo choro de uma das filhas (cuidadora informal por conjuntura). A narração de historias das fotos que estavam na estante, onde a mãe ainda não apresentava os sintomas da doença, misturavam lembranças do passado com a visão de alguém rude e agressiva. Tal situação vem representar a visão e o sentimento do que resultou a doença na vida da família com a quebra da relação familiar, pelo fato da mãe não ter uma presença ativa na convivência como anteriormente apresentava no seio da família. Há evidencias de que estas cuidadoras apresentaram déficit de autocuidado.

Caso 2

Visita realizada na residência de L.E.B; 87 anos, viúva, residente em Belo Horizonte, portadora de Doença de Alzheimer. Reside com a filha, 62 anos, hipertensa, portadora de hérnia de hiato. A paciente encontra-se alegre, receptiva, com dificuldade de verbalização, deficiência na memória de evocação, dificuldade de deambulação, não fazendo uso de órteses. Recebe cuidados da filha quanto à alimentação, administração de medicamentos, banho e atividades lúdicas que minimizam o estado depressivo e ao mesmo tempo estimulam sua memória, retardando assim o processo de esquecimento. A cuidadora é solteira, aposentada, possui 2º grau completo e cuida sozinha da mãe, mas recebe ajuda de toda a família, inclusive o apoio financeiro do irmão mais velho. Mostra-se paciente, carinhosa, sensível, prestativa e atenciosa com o bem-estar da mãe. Preocupa-se em fazê-la sentir-se útil e relata gostar da assistência recebida pelos profissionais do Centro de Saúde, principalmente das visitas domiciliares, que propiciaram o estabelecimento de um vinculo de amizade e respeito entre eles. Aposentou-se para cuidar exclusivamente da mãe, mas apesar disso compreende a importância do autocuidado e para tanto faz caminhadas na esteira, cuida do jardim, faz leituras e meditações, pois acredita que estas atividades minimizam o desgaste físico e psicológico despendido com os cuidados prestados.

Durante as visitas pudemos perceber o cotidiano em que viviam a cuidadora e a maneira como esta se relacionava com a mãe. Ela se ocupa de sua alimentação, higiene e acompanhamento de sua medicação, o que incluía a confecção de fichas com a descrição de cada medicamento, os horários e as reações da mãe a cada um deles.

Ela demonstra grande sensibilidade, o que pode ser evidenciado em atitudes como: “eu me preocupo em conversar com ela sempre olhando nos olhos, mesmo quando sei que ela não está entendendo, fico triste quando sei que as pessoas ao perceber que ela não entende bem as coisas, a ignoram”.  Todas as manhãs a leva para passear no jardim da casa que foi feito para sua distração, “quando a mamãe está molhando as plantas ou vê uma flor nascendo ela fica feliz, né mãe?”, “... quando está chovendo e ela não pode vir, ela fica triste”, mas com cuidados para que não se acidente (colocou corrimão, tira pedras pontiagudas do jardim, o piso é antiderrapante). Separa também um horário para rezarem.

A cuidadora, por orientação do geriatra, procurou uma terapeuta ocupacional para se informar quanto a atividades que poderiam estimular a memória da mãe. Adquiriu vários jogos, um casal de peixes e um pássaro, estes últimos para que ela pudesse observar seus movimentos e os sons emitidos por eles, respectivamente. Preocupava-se ainda em colocar nomes nos objetos e das pessoas nas várias fotografias que havia na casa, para que a mãe não se esquecesse e não se sentisse constrangida. Preocupava-se também em fazê-la sentir-se útil “eu molho vasilhas de plástico para a mamãe enxugar e me ajudar sem se machucar”.

Apesar de ser hipertensa, portadora de hérnia de hiato e precisar fazer uso de medicamentos, esta cuidadora preocupa-se com seu autocuidado realizando atividades físicas como caminhadas na esteira, além de leituras, meditação e alongamentos. Fazia ainda trabalhos manuais para se distrair e ao mesmo tempo estimular a participação da mãe. É importante ressaltar que ela possui um bom relacionamento e apoio da família, disponibilidade para atender as demandas da mãe e recursos financeiros.

 No primeiro caso há um déficit no autocuidado das cuidadoras, o que não foi observado no segundo. No primeiro, as filhas apresentam claramente um esgotamento emocional que desencadeou um estresse físico e mental e que, se não for devidamente conduzido poderá acarretar problemas secundários como depressão, isolamento e outras moléstias orgânicas oriundas de extremos emocionais. Já no segundo caso, a cuidadora se dedica integralmente à mãe e mesmo assim consegue conciliar o cuidado prestado com seu autocuidado, o que foi observado pela atividade física que exerce regularmente na esteira, pelos passeios que faz constantemente na rua, pela criação de animais e plantas, leitura construtiva na busca de conforto espiritual, além da consulta regular de um médico. Este conjunto de fatores possibilita a manutenção da saúde e bem estar nos seus aspectos físico, mental e emocional, e torna-se um exemplo de um cuidador informal que tem um bom nível de autocuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cuidador familiar precisa ser alvo de orientação de como proceder nas situações mais difíceis e receber em casa visitas periódicas de profissionais como o médico, pessoal de enfermagem, de fisioterapia e outras modalidades de supervisão e capacitação. Este apoio é fundamental para ajudá-lo a lidar com a grande mudança em seu estilo de vida, já que além de ser responsável pelo seu bem-estar passa a responsabilizar-se pelo indivíduo doente. Além disso, pode não demonstrar ou mesmo não perceber que está precisando de ajuda e orientação para seu autocuidado, já que cada pessoa reage de forma diferente frente a doença familiar.

O fardo do cuidar não está associado apenas às alterações de comportamento do paciente, mas também com a reduzida disponibilidade de suporte social, disfunção ou dificuldade do paciente na realização de tarefas rotineiras, insatisfação do cuidador com a assistência recebida de parentes ou amigos. E também pode estar associado às horas necessárias para o cuidado diário quando o nível de adaptabilidade do cuidador é baixo e a relação pré-morbida da dupla paciente/cuidador é insatisfatória. Dessa maneira, o papel do cuidador adquire significados particulares que, dentro de um contexto histórico, social, político, econômico e cultural, precisa ser analisado e esclarecido.

A transição demográfica e o aumento da expectativa de vida da população resultaram num aumento do número de idosos, que muitas vezes dependem da ajuda de outras pessoas para realizar atividades cotidianas. Isto pode levar a um aumento do número de cuidadores informais que necessitam de suporte do sistema oficial de saúde, pois geralmente se entregam ao cuidado do outro e não percebem a necessidade de se cuidar, afastando-se do convívio social, além de abandonar atividades de lazer. Cuidar também pode levar ao estresse, pela necessidade de realizar atividades que estão acima das condições físicas e mentais do cuidador. Isto especialmente clama pela orientação dos profissionais de enfermagem e dos profissionais do cuidado de modo inerente.

Ressaltamos o papel do profissional de enfermagem como cuidador formal devido ao seu conhecimento científico e de suas atribuições privativas. O Cuidado de enfermagem como atribuição do enfermeiro possui característica sistematizada. BELCHER & PEPLAU (2000) afirmam que tal atividade inclui fases como orientação, identificação, exploração e resolução. Assemelham-se a um processo de enfermagem que é considerado como uma atividade intelectual deliberada pela qual a prática da enfermagem é abordada de maneira ordenada e sistemática.

Um dos instrumentos utilizados pelo enfermeiro para intervir no processo de cuidado informal é a Visita Domiciliar, a qual possibilita observar e registrar as atividades das famílias proporcionando oportunidades de planejar e promover uma assistência que estimule o desenvolvimento do autocuidado de acordo com sua própria realidade, tornando-as mais independentes dos serviços de saúde. Além disso, este método faz com que este profissional conheça melhor o indivíduo dentro do seu verdadeiro contexto ou meio ambiente, que é caracterizado pelas condições de habitação, higiene, saneamento básico e pelas relações sócio-afetivas entre os vários membros da família. Estes são fatores importantes a serem identificados pelo enfermeiro para a prestação de uma assistência integral à saúde, além de proporcionar um melhor relacionamento do profissional com a família, assegurando uma prática menos formal, buscando terapias e formas alternativas, favorecidas, às vezes, pelo próprio meio ambiente dos familiares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELCHER, J. R., FISH L. J. B.  HIDELGARD E. PEPLAU.  In: GEORG, J. B. Teorias de Enfermagem.  Os fundamentos à Prática Profissional.  4º ed. Porto Alegre: Atheneu. 2000. Cap. 4, p. 45-57.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Programa Saúde da Família. Brasília, 1999.

CARNEIRO, M.L.M. O consumo da soja: da educação para a saúde à visão macrossocial.  1989.  292pDissertação (Dissertação em saúde) Escola de Enfermagem Ana Néri, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

DUARTE, Y.A.O. Cuidadores de idosos: uma questão a ser analisada.  O Mundo da Saúde. v.21, n.4, p.226-230, 1997. 

GARRIDO, R.; ALMEIDA, O. Distúrbios de comportamento em pacientes com demência: impacto sobre a vida do cuidadorArquivo de neuropsiquiatria. v.57, n.2B, p.427-434, 1999. 

LEITÃO, GCM; ALMEIDA, DT. DE.  O cuidador e sua qualidade de vida.  Acta Paulista de Enfermagem. v.13, n.1, p.80-85, 2000.

LUDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Abordagens qualitativas de pesquisa: a pesquisa etnográfica e o estudo de caso.  In: ________.  Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.  São Paulo: Editora Pedagógica Universitária, 1986. 

MENDES, P.T.T. Cuidadores: heróis anônimos do cotidiano. 1998.  95p.  Dissertação (Mestrado Serviço Social) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

SMITH, M.A.C. >Doença de Alzheimer.  >Revista Brasileira de Psiquiatria.> v.21, p.03-07, 1999.

Texto recebido para publicação em 05/07/2005
Publicação aprovada em 30/08/2005

1 Alunos do curso de Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais

2 Enfermeiras, Professoras  Doutoras do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Publica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.  End. Rua Bolívia, 137 Apt. 201, Bairro São Pedro, CEP 30330-360. Belo Horizonte, MG. e-mail: laise13@yahoo.com.br

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