Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 06, Num. 03, 2004 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

VIEIRA, Ângela Cristina Bueno; SILVA, Tatiany Cristina Pereira - Perfil do cliente cidadão. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 06, n. 03, 2004. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen

Relato de caso / Case report / Relato de vivencia 
PERFIL DO CLIENTE CIDADÃO

THE CITIZEN CLIENT PROFILE
PERFIL DEL CLIENTE CIUDADANO

Ângela Cristina Bueno Vieira1, Tatiany Cristina Pereira Silva2

RESUMO: Em nossa vivência e atuação na Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG), observamos que apesar da maioria dos pacientes internados receberem orientação sobre sua patologia, geralmente não cumprem as orientações realizadas pela equipe multidisciplinar. Para a promoção contínua do autocuidado, foi implantado o projeto de extensão “Cliente Cidadão”, com intuito de contribuir no resgate da cidadania do paciente, orientando e reforçando seus direitos e deveres enquanto portador de uma patologia. Relato de experiência discutido por meio de uma abordagem qualitativa junto a um grupo de pacientes internados na Clínica Médica do HC/UFG que deambulam, seus familiares e os que participaram do projeto Cliente Cidadão durante sua internação no ano de 2003. Nos encontros realizados foram ministradas palestras, oficinas e grupos de vivência por uma equipe multiprofissional e coordenados por uma enfermeira. Os assuntos foram diversos, abordando algumas patologias e seus cuidados, assistência espiritual e social. A participação do cliente na sua recuperação é de extrema importância e, para que isso ocorra, é necessária a educação em saúde compreendida em sua forma ampliada, reconhecendoa realidade do cliente, do seu dia a dia, proporcionando mecanismos para torna-lo sujeito ativo e com autonomia para agir em prol da sua saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Educação em saúde; Autocuidado; Qualidade de vida.

ABSTRACT: In our experience and work in the Medical Clinic at the Federal University of Goiás Clinical Hospital (HC/UFG), we observe that in despite of the most patients get orientations about their pathology by the health team, they don’t accomplish these orientations. For the continuous self-care promotion was implanted project "Citizen Client", with intention to contribute to patient citizenship rescue, guiding and strengthening its rights and duties while carrying on pathology. This article is an experience related by a qualitative approach with a group of patients interned in the Medical Clinic of the HC/UFG that rambles, their familiars and that ones who participates in the project Citizen Client during their internment in the year of 2003. On the meeting we work with lectures, workshops and groups by the multi-professional team and coordinated by a Nurse. The subjects had been diverse, approaching some pathology and its cares, social and spiritual assistance. The client participation in its recovery has extreme importance and, so that this occurs, it is necessary health education understood in its extended form, recognizing the client’s life reality, their  day-by-day,  providing mechanisms for them to become an asset subject with  autonomy to act in favor of own health.

KEYWORDS: Health Education; Self Care; Quality of Life.

RESUMEN: RESUMEN: En nuestra experiencia y trabajo en la Clínica Médica del Hospital de Clínicas de la Universidad Federal de Goiás (HC/UFG), observamos apesar de la mayoría de los pacientes internados recibirem orientaciones pelos professionales de una equipo multidisciplinaria sobre su patología, geralmente no las cumpren. Para la promoción contínua del autocuidado fuera implantado el proyecto "cliente ciudadano", con la intención de contribuir al rescate de la ciudadania del paciente, oorientandoe proporcionando sus derechos y deberes mientras portador de una patología. Este artículo es un relato de experiencia por un acercamiento cualitativo, con un grupo de pacientes internados en la Clínica Médica del HC/UFG que deambulan, sus familiares y los otros que participan del proyecto Cliente Ciudadano durante su internación en 2003. En  las reuniónes trabajamos con  conferencias, grupos de trabajo y de vivencias por una equipo multiprofissional y coordinados por  una Enfermera. Los temas fueran diversificados, acercando algunas patologías y a sus cuidados, assostencia social y espiritual. La participación  del cliente en su recuperación és de extrema importancia y de modo que esto ocurra es necessaria la educación en salud entendida en su forma más abrangente, reconociendo la realidad de vida del cliente, su di'a a di'a, proporcionando los mecanismos para tornalos personas ativas y con autonomia para actuar en favor de su propria salud.

PALABRAS CLAVE: Educación en Salud; Autocuidado; Calidad de Vida.

INTRODUÇÃO

RAMOS et al (1989) afirmam que a educação em saúde seria o conjunto de atividades que, em situações de ensino no interior dos serviços, nas escolas e na comunidade, teria por função mudar comportamentos, crenças e atitudes prejudiciais à saúde.Pensando neste conceito observamos que na complexidade das patologias, nas formas de tratamento ou mesmo redução e prevenção das complicações são as condutas dos próprios pacientes em relação ao autocuidado, dietas, lazer, repouso, utilização de medicações e alterações dos hábitos de vida.

Segundo VASCONCELOS et al (2000) devemos estimular a participação mais ativa do paciente no seu tratamento diário. Torna-se necessário o desenvolvimento de atividades de ensino ou práticas educativas de saúde dirigidas ao paciente e família que o conscientize da importância da mudança de comportamentos e atitudes a fim de conquistar auto - estima, vontade de aprender, controlar a patologia, proporcionando uma convivência mais feliz no seio familiar e no contexto social.

De acordo com CHOMPRÉ (1994) o modelo de autocuidado é uma estratégia possível de garantir a participação do indivíduo, enquanto sujeito historicamente determinado, no processo de cuidar-se.

As doenças crônico-degenerativas são exemplos claros da necessidade da educação em saúde para o autocuidado, pois, a manutenção da qualidade de vida do cliente dependerá das medicações e, principalmente, da mudança no seu hábito de vida.

Em nossa vivência e atuação na Clínica Médica do Hospital das Clínicas/UFG, observamos que a maioria dos pacientes internados e, acompanhados pelos profissionais desta instituição, apesar de toda a orientação recebida por meio de atividades específicas sobre sua patologia, sempre retornam à unidade sem apreender exatamente o que transmitiu e, assim não cumprem as orientações da equipe multidisciplinar.

Baseados nesta realidade e preocupados com a melhoria da qualidade de vida desta população foi implantado o projeto de extensão denominado “Cliente Cidadão”, como uma estratégia de resgate da cidadania do paciente, orientando e reforçando seus direitos e deveres enquanto portador de uma patologia.

Durante o desenvolvimento deste projeto observamos se os pacientes e familiares realizam mudanças de comportamento nos seus hábitos de vida. Por meio desta observação estaremos levantando os principais pontos por eles identificados fazendo, assim, uma avaliação deste projeto que em síntese visa  a educação em saúde para o autocuidado no atendimento humanizado e na valorização do Cliente como cidadão.

OBJETIVOS

GERAL

Observar se as orientações recebidas pelos participantes das atividades de educação em saúde estão apresentando resultados satisfatórios na melhoria da qualidade dos mesmos.

ESPECÍFICOS:

MATERIAL E MÉTODO

O trabalho consiste de um relato de experiência por meio de uma abordagem qualitativa. A população foi constituída de pacientes internados na Clínica Médica do HC/UFG que deambulam e seus familiares e os que participam do projeto Cliente Cidadão durante sua internação. O local foi o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, no período de maio a dezembro de 2003. No sentido de subsidiar este relato, alguns dados foram coletados através de um formulário, contendo alguns dados de identificação, conhecimento da patologia, avaliação das reuniões, sugestões de assuntos a serem abordados. Este trabalho obteve a permissão da gerência da Clínica Médica, bem como dos sujeitos do estudo, onde foi esclarecido o objetivo da pesquisa, conforme Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O projeto Cliente Cidadão foi desenvolvido de maio/2003 a dezembro/2003. No início sofreu uma alteração após análise dos membros da equipe, passando de encontros quinzenais para semanais devido aos pacientes já estarem internados facilitando assim o desenvolvimento do projeto e sua participação nos grupos. Ao longo do projeto foram realizadas 3 avaliações do seu desenvolvimento juntamente com os participantes com o objetivo de nos reestruturar para melhor atender os clientes.

Segundo VASCONCELOS et al (2000), num passado não muito distante, o ensino em saúde era especificamente voltado para o tratamento da doença, seus sinais e sintomas. Apesar de hoje haver maior preocupação com o indivíduo, suas necessidades e reações, a prática e as atitudes não consideram o todo da pessoa doente. O profissional de saúde vê o indivíduo parcelado e fragmentado, distanciando assim do seu real problema. Sobre este ponto RAMOS et al, (1989) afirmam que muitas vezes a doença do paciente decorre das dificuldades de enfrentar a vida.

RAMOS et al (1989), nos alertam que quando a relação se dá de maneira autoritária, cria a noção do erro e o sentimento de culpa, isto leva ao esmagamento do outro, daquele que tem que saber o que alguém deve ensinar. O esmagamento não é apenas de quem está na posição de aprender, mas também daquele que “ensina”, tende que se submeter à ordem, ao discurso do saber/poder.

Segundo SANTOS et al (2001), a educação desempenha papel de destaque na equipe multidisciplinar, para a promoção do autocuidado do sujeito. Nesse contexto o sujeito possui uma responsabilidade pelo seu próprio cuidado, necessitando de apoio estímulo e motivação, que são fatores necessários na facilitação do processo de aprendizagem e cumprimento dos objetivos da educação para a sua saúde. A relação entre o autocuidado, o trabalho e a educação residem no fato de um fator poder ajudar o outro. A educação para o autocuidado enfoca as necessidades e objetivos do sujeito, sendo determinada por um processo histórico-cultural, privilegiando os afetos, emoções, sentimentos e reações dos sujeitos em relação a patologia, no delineamento de seu cuidado com a saúde.

Foram realizados 15 encontros atingindo um total de 500 pessoas (clientes e acompanhantes), sempre às sextas-feiras no hall de entrada da Clínica Médica. Nos encontros realizados, foram ministradas palestras educativas, oficinas e grupos de vivência por uma equipe multiprofissional constituída por enfermeiros, assistentes sociais e espirituais, acadêmicos de enfermagem, medicina e psicologia, coordenados por uma enfermeira. Os encontros foram registrados por fotografias e de um livro ata com assinatura e nome dos clientes e acompanhantes.

Os assuntos foram diversos, abordando algumas patologias e seus cuidados, assistência espiritual e social, temas sugeridos pelos clientes e familiares. Os clientes eram questionados sobre sua patologia e seus cuidados e os conceitos eram explicados partindo do seu conhecimento prévio, o que foi importante para a participação dos clientes pois, se sentiam sujeitos ativos do seu aprendizado.

SANTOS et al (2002), explicita que o autocuidado é o conjunto de atividades que a pessoa executa, consciente e deliberadamente em seu beneficio para a manutenção da vida, da saúde e do bem-estar.  O autocuidado é visto como uma construção mais social do que biológica, porque recebe mais interferências de fatores ligados a convivência dos sujeitos com o seu trabalho e seu meio ambiente social, que tanto modificam quanto podem ser transformados em benefício das ações de autocuidado desses sujeitos, que lhe confere significados (SANTOS et al, 2001).

Notamos que o número médio de participantes por reunião foi de 16 pessoas, sendo a sua maioria familiares dos clientes internados. Destes, 58,8% da população alvo participou de apenas uma reunião, 17,6% participou de duas reuniões, e 23,6% participou de três a seis reuniões.

São em sua maioria adultos do sexo feminino; de baixa renda, por se tratar de um hospital público e com baixa escolaridade. Questionados sobre a patologia foi-nos relatado que a maioria dos clientes apresentava doenças renais, pulmonares, cardíacas e neoplásicas. 

A relação entre o cliente e o profissional de saúde é de dominação/submissão, onde o profissional de saúde é o detentor do conhecimento e o cliente deve acatar a todo procedimento imposto a ele por este profissional. (RAMOS et al, 1989)

Ao serem questionados sobre a doença de base, tinham poucas noções sobre cuidados preventivos ou medidas para melhorar sua qualidade de vida. Apenas 2,82% ignoravam completamente por qual motivo estavam da sua internação ou de seu familiar. Para os clientes, a orientação que receberam durante a atividade contribuirá para mudança dos hábitos de vida.

VASCONCELOS et al (2000) afirmam que só se pode esperar o cumprimento das orientações dadas ao cliente/família à medida que lhes é dado oportunidade real para conhecer os problemas e aprender a lidar com eles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação do cliente na sua recuperação é de extrema importância, para tanto, é necessário que ele conheça sua patologia, os cuidados e as maneiras de prevenir, ou seja, é necessária a educação em saúde.

Educação em saúde não é apenas orientar a melhor maneira de realizar um curativo ou como deve ser a dieta de um hipertenso, não, é muito mais que isso, é estar atento quanto às necessidades psicológicas e sociais do cliente. É questionar também sobre as condições de moradia, estudo, trabalho e lazer.

Na saúde, o enfermeiro é o educador por excelência e a educação em saúde promove o autocuidado, meta tão linda desta profissão. Esta educação deve ser feita a partir da realidade do cliente, do seu dia-a-dia, devemos torná-lo um sujeito ativo, dando a ele a autonomia para agir em prol da sua saúde.

Com este projeto vimos que o cliente, quando tem a oportunidade de aprender a partir de seu conhecimento prévio, se sente importante e tira a responsabilidade dos profissionais de saúde sobre sua recuperação.

Tamanha importância da educação em saúde e de projetos como este, que este projeto está sendo desenvolvido também na Clínica Cirúrgica do HC/UFG. Com certeza é um trabalho que exige paciência e dedicação, pois trata-se de importante recurso de transformação na vida das pessoas. Entendemos que este trabalho foi significativo e importante para despertar nos clientes e seus familiares a necessidade de mudança, de hábitos para a melhoria da qualidade de vida e para nos valorizar como cidadãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196 de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.Brasília.1996.

CHOMPRÉ, R. R. Autocuidado: necessidade ou responsabilidade? Rev. Baiana Enfermagem. v. 7, n. 1/2, p. 153-61, 1994.

RAMOS, C. L.; MELO, J. A. C.; SOARES, J. C. R. S.. In: COSTA, N. do R.; MINAYO, M. C. de S.; RAMOS, C. L.; STOTZ, E. N. Demandas populares, políticas públicas e saúde. Petrópolis, Vozes, 1989. p.145-64.

SANTOS, R. B.; et all. Laboratório interdisciplinar de educação para o autocuidado em diabetes mellitus, hipertensão arterial e obesidade. Anais do IV SEMPE – Seminário de Metodologia para Projetos de Extensão, São Carlos 29-31 ago 2001.

SANTOS, Z. S. A.; SILVA, R. M. Hipertensäo arterial: modelo de educação em saúde para o autocuidado. Fortaleza; Unifor; 2002.

VASCONCELOS, L.B.; ADORNO, J.; BARBOSA, M.A.; SOUSA, J. T. Consulta de enfermagem como oportunidade de conscientização em diabetes. Revista. Eletrônica de Enfermagem, v.2, n.2, 2000. Disponível: www.fen.ufg.br/revista/revista2_2/diabete.html.

Texto original recebido em 23/11/2004
Aprovado para publicação em 10/12/2004


1Enfermeira da Clínica Médica do HC/UFG. Mestranda no Curso de Pós Graduação em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. Rua 227 Qd 68 s/n (FEN/UFG); Setor Leste Universitário; CEP 74605-080; Goiânia - GO. e-mail: angelacbv@bol.com

2Aluna do quinto ano de graduação do Curso de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. e-mail tatianycristina@yahoo.com.br.

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