Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 06, Num. 01, 2004 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

SANTOS, Érika Machado; SHIRATORI, Kaneji - As necessidades de saúde no mundo do silêncio: um diálogo com os surdos. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 06, n. 01, 2004. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen

AS NECESSIDADES DE SAÚDE NO MUNDO DO SILÊNCIO: UM DIÁLOGO COM OS SURDOS
THE NECESSITIES OF HEALTH IN THE WORLD OF SILENCE: A DIALOGUE WITH THE DEAF PEOPLE
LAS NECESIDADES DE SALUD EN EL MUNDO DEL SILENCIO: UN DIALOGO COM LOS SORDOS
Érika Machado Santos1 ;Kaneji Shiratori2

 RESUMO: Trata-se de um estudo qualitativo com o objetivo de analisar as necessidades de saúde do surdo. Categorias emergentes: Necessidades de saúde Extrínsecas e Intrínsecas. A primeira relaciona-se aos aspectos educativos ou informativos sobre temas específicos de saúde, por necessidade de esclarecimento ou por curiosidade; a segunda, à comunicação, como a grande barreira no acesso dos surdos aos serviços de saúde e a discriminação no tratamento efetuado pelos profissionais. Afirmaram a necessidade de um intérprete de Libras ou profissionais de saúde que os compreendessem e fossem sensíveis quanto à integralidade e humanização. Concluímos que há necessidade de criar estratégias e políticas de saúde que visem a consolidar um pólo comum incluindo o cidadão surdo, garantindo um cuidado inclusivo, qualificado e eficaz.
DESCRITORES: Pesquisa qualitativa; Educação em saúde; Estudos da linguagem.

ABSTRACT: This research is a qualitative study and the objective is: analyze the necessities related to the health of deaf people. The categories were: extrinsic and intrinsic necessities of health. The first one is related to educational and informative aspects about specific themes about health, because of necessity of explanation or because of curiosity; the second category is related to the communication as being the biggest difficulty in the access of the deaf to the services of health and discrimination in the treatment offered by the professionals. It was asserted, by the deaf, the necessity of a interpreter of Libras or health professional that could understand them and that could also be sensitive related to the integration and to the fact of humanizing. We can conclude that there’s necessity of creating strategies and health politics that have as objective consolidate the integration including the deaf people, with the guarantee of an inclusive care, qualified and efficient.
KEYWORDS: Qualitative research; Health Education; Language arts.

RESUMEN: Se trata de un estudio cualitativo que tuvo por objetivo analizar las necesidades de salud del sordo, apartir del cual surgieron las siguientes categorias : necesidades de salud extrínsicas e intrínsicas. La primera se relaciona con los aspectos educativos o informativos sobre temas específicos de salud, por necesidad de esclarecimiento o por curiosidad; la segunda a la comunicación, que se presenta como el gran obstáculo en el acceso de los sordos a los servicios de salud y que trae como consecuencia la discriminación por parte de los profesionales. Se observó la necesidad de un intérprete de la Libras, o  de profesionales de salud que los comprendan y que sean sensibles con su tratamiento integrali y humanización. Concluímos que hay necesidad de criar estratégias políticas de salud que busquem la consolidación  de un polo comun incluyendo el ciudadano sordo, garantizandole un cuidado inclusivo, cualificado y eficaz.
TERMINOS CLAVE: Investigación cualitativa; Educación en salud; Estudos de linguagem.

1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

O interesse em desenvolver a temática se deu em um curso da Língua Brasileira de Sinais (Libras) ministrada por um professor surdo no Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, situado no município do Rio de Janeiro. Neste período, como acadêmica de enfermagem percebi que poderia de alguma forma contribuir para melhorar a qualidade de vida da comunidade surda no que tange a saúde.

Senti então o desejo de me aproximar um pouco mais de uma realidade que ora denomino de “Mundo do Silêncio” por se tratar do mundo silencioso em que vivem as pessoas surdas. No entanto, como qualquer cidadão, elas possuem os mesmos direitos inclusive àqueles referentes à saúde. Na instituição supramencionada enquanto aguardava o horário do início do meu curso, comecei a observar o cotidiano do surdo e também mediante contato direto efetuado através de conversas informais utilizando a Libras. Com isso pude perceber que eles têm uma vida não muito diferente daquelas pessoas que ouvem. Curtem sair com amigos, gostam de boate, de dançar, dirigem carro e/ou moto, namoram, estudam e trabalham. A diferença é que são surdos, mas não são incomunicáveis. Na maioria das vezes, observo que eles se agrupam e se fecham no seu mundo devido à incapacidade dos ouvintes de os compreenderem, resultando em um isolamento social. 

Através de buscas bibliográficas notei que existe um número reduzido de trabalhos envolvendo a enfermagem e o surdo, ou seja, existem poucos enfermeiros inseridos neste contexto; talvez pela dificuldade em estabelecer a comunicação. Tal condição, entretanto não nos exime de observarmos nosso compromisso social em promover a saúde, independentemente, das diferenças, pois compete também ao enfermeiro orientar nos aspectos que se referem à saúde através de práticas educativas, com vistas à promoção e à prevenção, sem excluir qualquer grupo ou pessoas.

Estas práticas educativas estão presentes quer no ambiente hospitalar, quer em Postos de saúde, nos Programas de Saúde da Família, escolas e em outros locais pertinentes. Desta forma, o enfermeiro exerce um papel importante para a comunidade como orientador, através da consulta de enfermagem, de palestras e convívios estabelecidos em sala de espera, oficinas, esclarecendo as dúvidas da clientela nas questões referentes à saúde, ou seja, a educação em saúde, é uma prática diária do enfermeiro, sendo, portanto, uma estratégia essencial de promoção de saúde e mudança social, com ações voluntárias, individuais ou de grupos, FERRIANI & GOMES (1997).

O presente estudo surge a partir da inquietação vivenciada com os surdos e visa conhecer as reais necessidades dessa comunidade nos aspectos pertinentes à saúde, e busca saber se essa comunidade de fato está sendo orientado pelo profissional de saúde.

Para tanto elaborei como questões norteadoras: Quais são as necessidades de saúde do surdo? De que formas se revestem estas necessidades?

O objeto de Estudo: As necessidades de saúde do surdo.

Apresenta como objetivos: Identificar as necessidades de saúde dos surdos; Analisar as necessidades de saúde apontadas pelo grupo.

O estudo torna-se relevante por possibilitar a compreensão das necessidades de saúde dos surdos, e de per si, como pano de fundo, observar se existe a inserção do profissional enfermeiro no mundo do silêncio, através de práticas educativas, contribuindo para melhorar a qualidade de vida desta comunidade.

Diante do contexto até então vivenciado, observo que apesar de citados em algumas disciplinas durante a graduação, em nenhum momento observei qualquer detalhe nos conteúdos programáticos que nos aproximasse da realidade desse grupo de pessoas, as quais são extremamente sensíveis, e como cidadãos expressam seus gostos, seus limites e também suas necessidades.

2 - A aproximação com a realidade do objeto deste estudo

Ao falarmos de necessidades de saúde se faz preciso resgatar algumas concepções que teoricamente evidenciamos sobre o que é saúde. Apesar de sua definição vir sendo discutida há décadas, não observamos um conceito fechado. De acordo com o Ministério da Saúde observa-se que: “saúde e doença são conceitos que se modificam através do tempo e da história das civilizações’’. (BRASIL, 2002b, p.19). E por assim ser considerada, verifica-se que as concepções desenvolvem-se e evoluem-se de acordo com o contexto social vivenciado pelas pessoas, e por conseqüência as mudanças relacionadas às necessidades de saúde de cada grupo de pessoas.

Esta definição pauta-se na ampliação do conceito mantido pela 8ª Conferência Nacional de Saúde (BRASIL, 1986), que evidencia que a saúde é a resultante da influência dos fatores sócio econômicos-culturais: alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse a terra e acesso a serviço de saúde.

Podemos afirmar, a partir deste conceito, que a saúde não é tão somente a ausência de doença, dado que vários fatores da vida cotidiana irão influenciá-la, ou seja, não envolve somente um segmento político, mas um conjunto de políticas públicas que atende as necessidades da população. VALLA & STOTZ (1994, p. 125) observaram que a saúde “(...) depende do quadro de condições de vida e de trabalho da população, que é aquela que demanda os serviços de saúde e demais serviços sociais públicos”.

A necessidade de saúde para SCHARAIBER & GONÇALVES (2000), pode ser considerada como de carecimento, algo que deve ser corrigido em seu atual estado sócio-vital. As necessidades de saúde podem variar desde as alterações físicas e orgânicas até a falta de informação. Note-se, que as ações relacionadas à educação em saúde exercem um papel fundamental, porque permitem a interação do profissional de saúde com os usuários em momentos informais ou não visando à informação do cidadão.

No entanto, observa-se no cotidiano da sociedade brasileira que a falta de informação atinge a todas as camadas sociais e, principalmente aquelas que estão à margem. Dentre esses grupos poderemos citar as pessoas portadoras de deficiência, que acredito sofrerem duplamente, de um lado pela dificuldade de acesso, e por outro, por não possuírem os canais necessários para a obtenção das informações.

Considerando-se o grupo de deficientes auditivos como sujeitos e foco deste estudo no que pertine às suas necessidades de saúde, observamos serem necessárias algumas conceituações para que nos aproximemos da realidade dos atores sociais.

A deficiência auditiva é conceituada pelo Ministério da Educação e Desporto (MEC) (BRASIL, 1994 p.14), como sendo: “Perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do ouvido. Manifesta-se como surdez leve ou moderada, que é a perda de até 70 decibéis e surdez severa ou profunda que é a perda auditiva acima de 70 decibéis”.

 Na surdez moderada, o indivíduo consegue expressar oralmente e possuem a sensibilidade de perceber a voz humana, com ou sem a utilização de aparelhos auditivos; já na surdez severa, o indivíduo não consegue perceber a voz humana e, por isso, apresentam sérias dificuldades em adquirir, naturalmente, o código da linguagem oral.

Conforme o último Censo de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só no Brasil existem 5.750.809 pessoas portadoras de deficiência auditiva. Esses expressivos dados numéricos nos motivam ainda mais quanto ao interesse em provocar este estudo para que possamos tentar nos aproximar dos deficientes auditivos.

Tal consideração se expressa também por evidenciar que hoje na enfermagem se tem falado muito de um cuidado Humanizado, visão Holística, onde o cliente é assistido de uma forma global como indivíduo singular, respeitada as suas crenças, seus valores, seu contexto histórico e, seus limites físicos, intelectual, social e mental.

Apesar da academia de enfermagem estar voltada para estes princípios não se observa no conjunto de ações e conhecimentos da formação dos enfermeiros, uma disciplina que fundamente melhor as condições de saúde dos deficientes, seus direitos e necessidades, o que, certamente, se devidamente considerados, facilitaria a inserção do profissional enfermeiro no contexto desses atores sociais, oferecendo de fato um atendimento humanizado para esta população.

Conhecer as necessidades de saúde desta comunidade e oferecer uma atenção profissional com uma equipe multiprofissional que os entenda, resultará, em parte, na melhoria da qualidade de vida respeitando um dos princípios do SUS, que é a da integralidade porque, a integralidade ou assistência integral, exige que os“...  profissionais façam uma leitura abrangente das necessidades de serviços de saúde da população a que servem”. (BRASIL, 2002b, p.52).

A Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) em seu art 196, destaca que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. No entanto, apesar de expresso, não se constitui como uma condição absoluta porque não basta a Lei, se como profissionais e cidadãos não exercem o direito e o dever de contribuir também para que se possam efetivar os dispositivos que ela aponta.  Nessa mesma direção, evidenciamos que também se contituem, dentre outros, os fundamentos do Estado Democrático de Direito na Constituição a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Assim, verifica-se que a dignidade humana, originária do latim “dignitate”, com significado de honradez, honra, nobreza, decência, respeito a si próprio, é ligada e relacionada, especificamente ao ser humano, constituindo-se como um dos fundamentos da bioética. E, enquanto tal, a bioética instrumentaliza o homem, em especial aqueles que cuidam do outro. (SHIRATORI, TEIXEIRA, AGUIAR et al, 2004)

Desta forma, nos permitimos reconhecer que é preciso a efetivação de políticas econômicas e sociais que promova a saúde e assegure o acesso universal e igualitário a todas as pessoas aos serviços de saúde, independentemente das diferenças.

3- Metodologia:

A justificativa para a utilização da abordagem qualitativa pauta-se na possibilidade de sua adequação a este estudo por trabalhar “(...) com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos, que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis (...)” (MINAYO,1994, 22).

Tal condição nos permite considerar a propriedade e adequabilidade da pesquisa qualitativa neste estudo, tendo em vista a necessidade em compreender e penetrar na subjetividade dos dados produzidos e que possui, em si, o que se expressa a realidade.

Os sujeitos do estudo constituiu-se de um grupo de surdos funcionários da FENEIS (Federação Nacional de educação e Integração dos Surdos), uma entidade filantrópica, de cunho civil e sem fins lucrativos e que trabalha para representar as pessoas surdas. Possui caráter educacional, assistencial e sociocultural, cuja bandeira principal é o reconhecimento da cultura surda pela sociedade.

Considerando a Resolução 196/1996 (BRASIL, 1996) do Conselho Nacional de Saúde, os sujeitos deste estudo formalizaram a autorização e tomaram a ciência dos aspectos relativos às suas participações mediante a explicação e o conhecimento do projeto obtido através de intérprete. Para assegurar o anonimato foi atribuído um pseudônimo a cada sujeito com o comprometimento de ter resguardadas suas identidades, bem como explicar quanto à sua segurança, tendo em vista as suas integrações físicas, éticas e morais.

Utilizei a entrevista como estratégia para a construção dos dados, a qual constituiu-se de três perguntas abertas para que favorecesse a expressão dos sujeitos. Assim, foram entrevistados 11 surdos, dos quais 05 do sexo masculino e 06 do sexo feminino com a idade variando de 20 a 55 anos, e grau de escolaridade de 1a série até o ensino fundamental completo.

As entrevistas ocorreram em quatro datas previamente agendadas com a FENEIS, uma vez que o grupo de surdos que se constituíram em atores sociais do nosso estudo foram abordados no seu ambiente de trabalho. Adotamos a língua brasileira de sinais que é a língua natural dos surdos como o meio de comunicação respaldada na Lei No 10436 de 24 de Abril de 2002 (BRASIL 2002a), que expressa em seu:

Art. 1º - É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressões a ela associados.

Parágrafo único: Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem em um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos. Oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. 

Para garantir um diálogo mais fidedigno optamos pela presença do intérprete de Libras durante as entrevistas o que facilitou o caminhar do nosso trabalho. Tal condição foi importante porque ao interpretar do português para a Libras o intérprete cria um contexto específico da língua de sinais para clarear a idéia expressa, e alguns deles só possuem sentido se inserido em um contexto, com isso a nossa entrevista tornou-se um diálogo, através do qual eles expuseram dúvidas e experiências vividas. Desta forma pudemos captar as reais necessidades de saúde inerentes ao grupo.

A análise de dados respaldou-se em autores que desenvolveram trabalhos focalizando a temática, a qual está apresentada nas discussões dos dados e na síntese da fundamentação teórica.

Para sintetizar o conteúdo da discussão deste estudo, pautamo-nos dos descritores em ciências da saúde especificados pela BIREME (2004).

4 - Dando Voz aos surdos:

O primeiro contato com o grupo de surdos ocorreu em uma reunião com a assistente social da Feneis acompanhada do intérprete, momento em que fizemos a proposta da realização do estudo. A comunidade em questão mostrou-se interessada em participar e contribuir com o nosso trabalho. Esta primeira impressão foi confirmada logo que iniciamos as entrevistas, pois eles aguardavam a sua vez na expectativa do tempo, pois tínhamos somente o horário de almoço livre para interagirmos. Após este intervalo eles voltavam para o trabalho, mas com a expectativa em querer saber quando retornaríamos para dar continuidade às entrevistas.

Tal condição justifica-se pela carência que possuem a comunidade surda em ser “ouvida” quanto às suas necessidades de saúde. Esta realidade é apontada por eles durante o nosso diálogo onde muitas vezes ficamos emocionados ao conhecer as suas experiências.

Ao iniciar este estudo pensávamos em necessidades de saúde sob um enfoque educativo, porém a realidade que estes nos apresentaram nos fez repensar e ampliar o nosso olhar. A partir de observações e leitura criteriosas dos dados adquiridos, pudemos categorizar e selecionar informações apresentadas pelos sujeitos que se enquadram no conceito ampliado de saúde. Assim a nossa análise centraliza-se em duas categorias: Necessidades de Saúde Extrínseca e  Necessidades de saúde Intrínseca.

4.1- Necessidades de Saúde Extrínsecas:

Consideramos necessidades de saúde extrínseca aquela em que os sujeitos do estudo apontam e que é comum a toda sociedade, independente de ter ou não alguma deficiência, ou seja, não são necessidades específicas de um grupo. Essas necessidades são pertinentes às questões educativas ou informativas sobre alguns temas específicas de saúde, seja por necessidade ou por curiosidade em obter esclarecimentos.      A partir do quadro abaixo, relacionamos as dúvidas apontadas pelo grupo de 11 participantes.

Quadro 1: Necessidades de esclarecimento em saúde em um grupo de surdos RJ, 2003.

Questões de saúde (dúvidas)

%

Diabetes

07

64%

Planejamento Familiar

07

64%

Câncer (mama e colo do útero)

05

46%

Questões relacionadas a sexo

02

18%

Doenças sexualmente transmissíveis

05

46%

Hipertensão

08

73%

Hábitos Alimentares

02

18%

Uso de medicações

02

18%

O quadro nos mostra algumas questões de saúde que são amplamente divulgadas pelo Ministério da Saúde através de campanhas tanto no âmbito Federal, Estadual quanto no Municipal. A diabetes e a hipertensão citada pelos surdos atingiram os percentuais de 69% e 73%, respectivamente, são doenças crônicas e no Brasil tem sido responsável por milhares de óbitos por ano. Para tanto, o Ministério da Saúde oferece à população brasileira os programas de saúde específicos visando melhorar a qualidade de vida da população e a reversão deste quadro.

No entanto, importa ressaltar que se todos tivessem acesso e inclusão nos programas de saúde fomentados pelo Ministério da Saúde, muitos problemas poderiam ser evitados e dados como os demonstrados pelos sujeitos não seriam tão evidentes.

Como resposta, evidenciamos que a educação em saúde exerce um papel fundamental na construção da autonomia de cada pessoa, preparando-as para se defender e fazer escolhas conscientes no que diz respeito ao seu modo de viver. Porque “educar para a Saúde não significa o ensino de conteúdos de higiene pessoal e geral, mas também a adoção de posturas e comportamentos que levam o indivíduo e a comunidade a valorizar modelos adequados de qualidade de vida (...)”. (SILVEIRA, 1985, p.12)

Esta busca da autonomia é uma característica singular deste grupo de surdos, ao questionarem para que serve o uso das medicações, ao mostrarem interesse em seus depoimentos em conhecer os métodos contraceptivos, como se previne as doenças sexualmente transmissíveis, o câncer de mama e do cólo do útero. Uma preocupação também apontada foi em relação aos hábitos alimentares como é o caso do (Crisântemo, 47 anos):

Tem muito tempo (22 anos) que eu não faço nenhum tipo de exame, gostaria de fazer o exame de sangue para saber o que eu posso ou não posso comer, pois eu gosto de beber todo final de semana.

Esta colocação do Crisântemo mostra a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, pois há 22 anos está sem realizar um exame de sangue. Observa-se a necessidade de ser orientado quanto aos agravos do álcool para a sua saúde e ainda em obter esclarecimento à sua dúvida quanto a sua alimentação.

Uma pessoa quando procura os serviços de saúde, traz “uma cesta de necessidades de saúde”, cabe, portanto, à equipe ter sensibilidade e preparo para decodificar e saber atender da melhor forma possível. CECÍLIO (2001)

4.2- Necessidades de saúde Intrínsecas:

As necessidades de saúde intrínsecas consideradas neste estudo são aquelas específicas de um determinado grupo social com características semelhantes, peculiaridades, dificuldades comuns em meio à sociedade. Uma vez não consideradas na sua totalidade e especificidades, podemos afirmar que levam o grupo à marginalização seja por serem rotulados como diferentes, assim como por não ter acesso facilitado ao atendimento em saúde, como é o caso dos deficientes físicos.

Podemos dizer então, que a comunidade surda se enquadra neste grupo, e por assim se constituírem possuem as necessidades de saúde intrínsecas ou específicas, que devem ser respeitadas e atendidas.

MANDU E ALMEIDA, (1999, p. 57), ressaltam que “nos modelos que predominam no campo da saúde, as necessidades são apresentadas como se fossem de todos, desconsiderando-se as desigualdades sociais e a inadequada distribuição de recursos. As necessidades são identificadas por sobre os indivíduos, negando seu modo de vida”.

No entanto existem grupos que têm necessidades exclusivas e que devem ser respeitadas e devidamente cuidadas, através de programas que os contemple, garantindo a integralidade e a equidade na distribuição social das ações e serviços.

Um dos maiores obstáculos enfrentado pelos surdos é o de encontrar um serviço de saúde que tenha recursos para atendê-los respeitando a sua deficiência. Os relatos seguintes mostram a dificuldade de comunicação como uma das dificuldades apresentadas pelo grupo para o acesso aos serviços de saúde:

Tenho muita dificuldade quando vou ao médico, pois eu não sei muito bem o português (escrito)  e quando eles  escrevem, eu não entendo, preciso que a minha irmã vá comigo. (Orquídea, 28 anos).
A minha esposa que também é surda está precisando muito de ir ao ginecologista, pois está com problema sério sente dores depois do sexo,... Tem dificuldade, não tem como explicar para o médico, precisa que eu vá junto para ajudá-la ou outra pessoa da família.   (Musgo, 45 anos).
Tenho muita dificuldade ao ser atendido no Hospital ou Posto de Saúde, pois eles falam muito rápido e eu não consigo acompanhar o que eles explicam.  (Lírio, 47 anos).
No futuro se eu precisar de ir ao médico sozinha sem a minha mãe eu não saberei como, pois para o ouvinte é fácil e para o surdo é difícil. (Violeta, 20 anos).

Diante das falas entendemos que o relacionamento do surdo com o profissional de saúde fica extremamente comprometido, pois, eles não conseguem interagir “criar um elo” devido a dificuldade de comunicar-se, sendo uma relação difícil tanto para o surdo como para o profissional que, na maioria das vezes, não estão preparados para atender esta clientela.

A maioria dos profissionais não conhece a linguagem de sinais e nos serviços de saúde não há intérpretes disponíveis. Tal condição é questionada por 70% dos atores sociais do nosso estudo. Foi decretada e sancionada, recentemente a Lei n° 10436 de (24 de abril de 2002), que diz no seu ART 3º:

“As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor”. 

No entanto, questionamos, quando estaremos aptos para interagir com essa clientela, considerando-se algumas das limitações aqui apresentadas? É preciso que haja mobilização tanto dos profissionais quanto dos surdos em busca da efetivação desta Lei. Enquanto isto não acontecer o grande prejudicado é o surdo que deixa de exercer a sua autonomia e sua liberdade, uma vez que dependem de amigos e familiares para procurar os serviços de saúde, para entenderem e serem entendidos.

O acompanhante do surdo é quem explica ao profissional os problemas de saúde que aquele apresenta, sendo também a pessoa quem recebe as orientações, ou seja, eles não têm oportunidades nem mesmo de expor as suas dúvidas, e muito menos da individualidade necessária para a sua exposição.

Dos entrevistados, 90% afirmam que nunca foram orientados sobre quaisquer questões de saúde, e nesse aspecto, SOUZA E PAGLIUCA (2002) mencionam que a cidadania do surdo fica comprometida na medida em que estes passam a depender de outras pessoas para ter acesso às informações que poderiam melhorar a sua qualidade de vida.

Uma outra necessidade enfatizada pelo grupo diz respeito à necessidade de aceitação da sua condição por parte dos profissionais, não discriminando-os e não sendo indiferentes. Eles querem ser tratados como cidadãos e parte integrante da sociedade. Estes sentimentos são descritos quando explicam as possíveis razões que dificultam os profissionais de saúde em orientá-los. Os depoimentos abaixo, assim evidenciam :

Preconceito por ser surda. Há um menosprezo da minha saúde, uma despreocupação, na família os meus irmãos que ouvem são mais respeitados.  (Orquídea, 28 anos).
Não há interesse dos profissionais de saúde em me orientar. (Lírio, 47 anos).
O médico explica para o meu irmão e não para mim, mas se tivesse o intérprete ou o médico ou o enfermeiro que soubesse sinais ficaria mais fácil, eu entenderia melhor. Existe algum médico ou enfermeiro que saiba sinais? Pois eu nunca vi.  (Girassol, 30anos).
Eles não gostam de surdos e não sabem libras. Porque não têm preocupação de passar para mim. (Jasmim, 24 anos)

MANDU E ALMEIDA (1999), alertam para a busca de um novo olhar para as necessidades em saúde, para o ponto de vista da autodeterminação, da valorização dos potenciais humanos – como a liberdade e a  autonomia demandas essas nem sempre trazidas pela população aos serviços de saúde.

Desta forma torna-se pertinente considerar que o enfermeiro precisa ser capaz de adequar os programas de saúde às necessidades específicas dos diferentes grupos sociais. Sendo importante observar as condições de vida do cliente, neste caso o surdo, a sua cultura e o meio social no qual ele está inserido, os seus valores, as suas crenças, estimulando a sua potencialidade.  MANDU E ALMEIDA (1999), consideram ainda que, diferentes condições de vida, cultura e trabalho produzem diferentes perfis e necessidades em saúde.

5- Considerações Finais:

A efetivação deste trabalho nos fez conhecer uma realidade que outrora julgávamos distante e indiferente, pois até então tínhamos uma visão empírica em torno das necessidades de saúde do surdo, mas sem, no entanto nos aproximarmos, talvez por falta de oportunidade.  Já no primeiro contato com esse grupo percebi uma carência desta comunidade, no que tange à saúde, a qual concretizou-se neste trabalho que ora apresento.

As necessidades de saúde, aqui discutidas, afirmam que os aspectos sociais, econômicos e culturais, assim como a individualidade de cada usuário dos serviços de saúde são os elementos que devem nortear o tipo de assistência a ser prestada, a fim de garantir a qualidade dos serviços prestados. Contudo, ao se tratar do surdo à realidade é outra, pois não há um serviço de saúde adaptado e com profissionais preparados para atender esta clientela. O estudo apontou algumas dificuldades enfrentadas por este grupo ao procurarem os serviços de saúde, sendo a comunicação a maior barreira enfrentada por estes usuários. Segundo eles se houvesse o estabelecimento da comunicação facilitaria muito o atendimento e o esclarecimento de suas dúvidas. Dentre as propostas, identificamos a necessidade da presença durante as consultas de um intérprete da Língua Brasileira de Sinais ou profissionais que saibam comunicar através  da Libras.

Tal condição nos faz enfatizar MANDU E ALMEIDA (1999), as quais consideram a necessidade em saúde relacionada com a qualidade de vida, a qual está intimamente ligada ao conceito ampliado de saúde.

No entanto, tendo em vista a produção dos dados verificamos que superar as necessidades em saúde significa também enfrentar as discriminações sociais e obrigatoriamente, buscar uma nova compreensão acerca do profissional que está sendo formado, o qual apesar do grande desenvolvimento técnico científico da enfermagem, ainda continuamos com uma visão biomédica quando se trata de formação profissional, ou seja, fomenta-se a doença e o tratamento distantes da realidade que nos está próxima, porque não estamos ouvindo aqueles que buscam se adequar à nossa realidade, e nós? O que temos feito?

Diante deste contexto, verificamos a necessidade de enfermeiros sensíveis a integralidade e humanização com mentalidade inclusiva, atentando para os diferentes grupos sociais que compõem a nossa sociedade, respeitando os seus limites e valores, pois consideramos o papel deste profissional como singular na construção da cidadania deste grupo de pessoas.

A partir da nossa análise, percebemos ainda, que não há um Programa de Saúde eficaz que atendam as necessidades de saúde do surdo. A temática trabalhada não se encerra neste estudo, porque a partir deste momento abrimos a discussão quanto à necessidade de se criar Novas Estratégias e Políticas de Saúde que visam, consolidar um pólo em comum incluindo o cidadão surdo, garantindo uma assistência qualificada e eficaz, porque a maior incapacidade situa-se no âmbito da insensibilidade daqueles que se negam a querer ouvir, sentir e estar no lugar do outro.

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BIREME. Descritores em ciências da saúde. www.bireme/decs.bvs.br, acessado em Janeiro de 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. DF:GP, 1988.

BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. Política Nacional de educação especial. Brasília: MEC, SEESP, 1994.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conferência Nacional de Saúde, Documento Final. DF:MS, 1986

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolução do Conselho Nacional de Saúde, n°196 de 10de outubro de 1996. DF:MS, 1996.

BRASIL. LEI No 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002. DF: DOU, nº 79 – Seção 1, 2002a.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. GESTHOS Gestão Hospitalar: Capacitação a Distância em Administração Hospitalar para pequenos e médios Estabelecimentos de saúde: Módulo I – Brasília: Ministério da Saúde, 2002b.

CECÍLIO LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturalmente na luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos R. A. Os sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: EDUERJ; 2001.

FERRIANI MGC; GOMES R. Saúde Escolar: Contradições e desafios. Goiânia: ED. AB, 1997.

MANDU ENT; ALMEIDA MCP. Necessidades em Saúde: Questões Importantes para o Trabalho da Enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem. V. 52 n. 1: p. 54-66, 1999.

MINAYO MC de S. Pesquisa social – Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994.

SCHRAIBER, LB; GONÇALVES RBM. Necessidade de saúde e atenção primária. In: SCHRAIBER, LB, NEMES MIB, GONÇALVES RBM Saúde do adulto: Programas e ações na unidade básica. 2ed. – São Paulo: Hucitec, 2000. P. 29-47.

SHIRATORI K.; TEIXEIRA MS; AGUIAR S et alli. BIOÉTICA E TECNOCIÊNCIA: uma reflexão para a enfermagem. In: Figueiredo, NMA (Coord), Práticas de Enfermagem. SP:Difusão Paulista,  2004. (no prelo)

SILVEIRA RR. Atividades de educação em saúde realizadas pela enfermeira junto ao escolar de 1° grau: relato de uma experiência. Rio de Janeiro: UFRJ, 1985.

SOUZA, RA; PAGLIUCA LMF. Educação em Saúde como fator de participação da enfermeira na construção da cidadania do surdo: reflexão crítica. Revista de enfermagem. V.6, n° 3: p.489-497, 2002.

VALLA VV; STOTZ EN. Educação Saúde e cidadania. Petrópolis, RJ: Vozes 2ª Ed, 1994.

1 Acadêmica do 9º período da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto – EEAP, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
2 Orientadora, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto – EEAP, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. 

Texto original recebido em 30032004
Publicação aprovada em 30042004

Topo