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FOSCHIERA, Franciele; DURMAN, Solânia - Desvelando o relacionamento
de ajuda terapêutica com uma paciente em sofrimento psíquico.
Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 06, n. 01, 2004. Disponível
em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen |
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DESVELANDO O RELACIONAMENTO
DE AJUDA TERAPÊUTICA COM UMA PACIENTE EM SOFRIMENTO PSIQUICO CARING THE THERAPEUTIC RELATIONSHIP HELP WITH A FEMALE PATIENT WITH A PSYCHE SUFFERING DESVELANDO EL RELACIONAMIENTO DE AYUDA TERAPEUTICA COM UNA PACIENTE CON SUFRIMIENTO PSIQUICO |
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ABSTRACT: In this paper we sought to report the therapeutic interaction
developed with a psyche suffering female patient developed in a Psychiatric
Institute in Western region of Paraná state – Brazil, from 4th
to 28th August, 2000. It also aims to establish a therapeutic help
relationship and to provide the patient’s basic human needs. Seven interviews
based on TRAVELBEE (1979) were used, and also two home visits. Based on HORTA’s
propositions (1979), it was possible to identify the basic human needs which
were used to intervene in the patient’s treatment. The analysis shows
the patient’s problems and the comprehension of the factors that led her
to the disease.
KEY WORDS: therapeutic help relationship; nursing; mental health.
Esta artigo, é um recorte de um estudo de caso, realizado com uma paciente internada em uma instituição psiquiátrica, através do relacionamento de ajuda terapêutico entre acadêmica de enfermagem e a paciente. Para o desenvolvimento deste relacionamento terapêutico, utilizou-se da entrevista de ajuda como instrumento para conhecer a história da paciente, sendo subsidiados por conceitos da relação de ajuda terapêutica de TRAVELBEE (1979).
Sabe-se que a relação de ajuda terapêutica vem sendo preconizada na assistência de enfermagem. Porém, conforme a literatura, é vista com mais ênfase na área de Enfermagem Psiquiátrica, tanto no ensino como na assistência, enquanto ação de enfermagem que propicia o desenvolvimento não só do paciente como do profissional enfermeiro. Através dos contatos com a paciente e familiares, pode-se resgatar alguns fatos de sua infância que orientam na tomada de decisão e proposta de cuidados a serem prestados à paciente. A história pregressa da paciente será apresentada neste momento e para tanto algumas falas (colocadas entre aspas) da mesma foram utilizadas para ilustrar.
Conforme seus relatos, a paciente em estudo vivera em um sítio onde possuia amigos. Neste período apresentava momentos de agressividade e pouco ocupava seu tempo, pois “tudo que fazia era a força”. Freqüentou a escola, completando o primeiro grau, interrompendo aos quinze anos quando engravidou do namorado com o qual casou-se aos dezesseis anos. Sua ocupação era com afazeres domésticos, trabalhava na roça e gostava de ler fotonovelas no tempo livre.
Durante a gestação a paciente apresentou alguns sinais e sintomas referentes a doença, no entanto sem caracterizar uma crise. Do puerpério até o momento deste estudo, a mesma foi internada oito vezes, sendo que destas, a última, foi compulsória. Segundo informação da família, após a alta hospitalar, a paciente não aceita tomar medicamentos, “acha que é veneno” e então reincidem as crises, “não aceita a presença de alguém por perto, não conversa e muito menos sorri”. Partindo desta história, este estudo tem como objetivo: compreender os fatores que desencadearam as crises de uma paciente com vistas a atender as necessidades humanas básicas da paciente no aqui agora.
DESENVOLVENDO E COMPREENDENDO O RELACIONAMENTO DE AJUDA TERAPÊUTICA
“o resultado de uma série de interações planejadas entre dois seres humanos, o enfermeiro e o paciente. São momentos únicos, vividos pelos participantes, em decorrência dos quais, ambos desenvolvem a capacidade crescente de estabelecer relações interpessoais, modificando seu modo de ser, sendo que o enfermeiro assume a responsabilidade pelo processo de ajuda”.
No caso da paciente em estudo, são inúmeros os fatores que podem ter influenciado o surgimento da doença mental. Durante a infância relacionava-se bem com os irmãos, amigos e brincava no sítio com todos. Na adolescência não teve muitos relacionamentos, restringindo somente a um namorado, com quem se casou. Conforme relato da paciente, não recebera esclarecimentos sobre sexualidade, funcionamento do aparelho genital e urinário, planejamento familiar, etc. Com o casamento que aconteceu durante a gravidez, passou a ter contato apenas com o marido. Interrompeu os estudos e não teve chance de procurar um trabalho, pois o marido não a permitia.
As dificuldades que enfrentou ao casar-se muito cedo e desligar-se da família tendo contato apenas com o marido, a mudança de ambiente e as novas adaptações podem ter influenciado no desencadeamento dos sintomas da doença que teve seu início aos 21 anos com a primeira crise.
A paciente passou a infância morando no sítio, onde viveu dificuldades financeiras e ao conhecer o ex - marido depositou todas as esperanças de mudanças na sua vida já que ele morava na cidade e era de classe média. O casamento e todo o contexto familiar da paciente, observado através dos relatos, parecem que são os principais contribuintes para desencadear seus conflitos e conforme KOLB (1976), a associação conjugal é uma das mais importantes de todas as associações humanas. Ela proporciona não apenas a satisfação de necessidades sexuais, mas vários aspectos de segurança, cuja ausência seria perturbadora para a personalidade.
“Ele batia nela, chegava em casa e não podia ter ninguém estranho que virava a cara para ela e ficava bravo.Era agressivo, não a deixava sair para ver um parente.O que acontecia entre eles, ninguém mais sabia, só eles dois.Ela teve uma crise muito forte no pós-parto e chegou a colocar fogo nas roupas que estavam no roupeiro”.
Este também pode ter sido outro fator que predispôs à doença. MALDONADO (1985) coloca que o puerpério, assim como a gravidez, é um período bastante vulnerável à ocorrência de crises, devido às profundas mudanças intra e interpessoais.
“Ela não podia sair de casa sem ele. Uma vez ela arranjou um emprego, já tinha tudo certo e ele não a deixou trabalhar, nem estudar, nunca deixou ela terminar o segundo grau”.
Acredita-se que um profundo senso de insegurança e confusão é assim desenvolvido na criança e que essa insegurança tem muito a ver com a posterior incapacidade de a criança relacionar-se confiantemente com outras pessoas, com sua dificuldade de integrar seus próprios sentimentos e pensamentos KYES & HOFLING (1985).
Freqüentemente os pais transmitem suas dificuldades emocionais à próxima geração através da influência das suas neuroses sobre a criança KOLB (1976). Quando a paciente recebe alta, vai para o convívio dos pais, toma seus medicamentos por um curto período, por não aceitar regras e imposições da família, o que faz desencadear nova crise. Os relatos de sua irmã, os filhos não demonstram afeto pela mãe, o que a deixa cada vez mais apática.
APRESENTANDO DADOS E AS AÇÕES DE ENFERMAGEM
Partindo da análise da história de vida da paciente,
foram levantadas as necessidades básicas afetadas da paciente e trabalhados
conforme as seguintes ações, de acordo o a teoria de HORTA (1978), que
foraam apresentados na tabela abaixo.
Tabela 1: Necessidades Humanas Básicas Afetadas (NHBA) e ações de Enfermagem segundo HORTA
NHBA |
AÇÕES DE ENFERMAGEM |
- Cuidado Corporal |
- Orientar: Para não andar descalça, tomar maior quantidade de liquido, e na visita domiciliar pedir a família que leve hidratante para a paciente passar nos pés. - Acompanhar a escovação dos dentes |
- Integridade Cutânea |
- Investigar sobre as lesões na pele |
- Cuidado Corporal - Higiene |
- Orientar para ter cuidado com o couro cabeludo, lavando o cabelo diariamente. |
- Aprendizagem - Aceitação - Terapêutica |
- Incentivar a continuidade do tratamento após a alta - Orientar sobre os possíveis efeitos colaterais - Orientar a importância de tomar a medicação nas doses e horários prescritos |
- Oxigenação - Aprendizagem |
- Orientar a respeito dos males do tabagismo |
- Terapêutica - Aceitação - Aprendizagem |
- Orientar para que procure a F.B. quando necessitar de medicamentos. - Informar a importância que tem a continuidade da Terapia medicamentosa. - Informar a importância das consultas a cada 30 dias no C.R.E. - Mostrar e ler coma a paciente o efeito das medicações, reações adversas. - Explicar a importância de cada remédio e a necessidade de tomar nos horários e doses certas. |
- Orientação (tempo) - |
- Orientar em que anos estamos, qual a moeda vigente, tentando situar a paciente no tempo. |
- Segurança - Aprendizagem - Auto-realização |
- Informar o que é “carteira assinada” - Estimular para que procure alguma atividade |
- Comunicação - Gregária |
- Informar a paciente que a acadêmica poderá dar o recado, porém não garante retorno. |
- Exercícios - Recreação - Lazer - Terapêutica - Estima - Comunicação |
- Incentivar a praticar esportes, ou qualquer atividade física. - Informar sobre a oficina, estimular a procurar alguma recreação. |
- Regulação térmica |
- Propiciar roupas de acordo com a temperatura. |
- Cuidado corporal - Aprendizagem |
- Retomar orientações anteriores, reforçando quanto ao intervalo entre os exames e a sua importância. - |
- Aprendizagem - Aceitação |
- Reforçar as orientações a respeito dos males do tabagismo na gravidez. - |
- Amor - Auto-estima - Gregária - Comunicação |
- Pedir à família que venha visitar a paciente. Informar sobre os benefícios do afeto da família. |
- Auto realização - Fazer recreação |
- Encaminhar para assistente social e incentivar a atividades ocupacionais. |
- Criatividade |
- Estimular a paciente a demonstrar suas vontades, desejos, etc. |
- Regulação Hormonal |
- Encaminhar ao ginecologista |
- Gregária - Auto-realização - Liberdade - Comunicação |
- Esclarecer a família sobre a importância de freqüentar uma escola se é realmente da vontade da paciente. - Retomar quanto ao período de permanência na unidade que foi esclarecido no contrato. - Promover interações com os demais pacientes. - Promover atividades recreativas com as quais possa se ocupar. |
Percebe-se que os enfermeiros em sua prática profissional, talvez pelo acúmulo de tarefas, deixam de utilizar métodos de comunicação, como: escuta, fala, observação de forma individualizada e deixa então de perceber o paciente de uma forma global com seus medos, angústias, desejos e ansiedades, enfocando apenas as atividades rotineiras e administrativas.
Para TRAVELBEE (1979, P.156):
“(...) uma das características da relação de ajuda é que ambos, enfermeira e paciente, trocam ou modificam seus comportamentos. (...) se não se produzem mudanças em um ou ambos os participantes, supõe-se que a relação não tenha se estabelecido”.
Neste sentido pode-se observar o quanto a empatia e a interação podem proporcionar benefício para ambos entrevistado e entrevistador. A comunicação aponta caminhos para que o relacionamento terapêutico seja desencadeado, de maneira que se estabelece um mecanismo de enfrentamento e adaptação da situação real, evitando que o paciente procure refúgio em drogas lícitas e ilícitas, na tentativa de evitar também que a família negue o familiar doente ou se afaste dele. Das diversas tentativas em aplicar outras formas de terapias à paciente, notou-se que a terapia de ajuda terapêutica, foi a que apresentou melhores resultados. Em diversos momentos observou-se que a paciente procurou ensaiar novas formas em seu comportamento, isto é preconizado por TRAVELBEE, (1979).
A terapia expressiva foi utilizada na medida que foi explicado a paciente sobre a sua patologia, a qual a mesma “não aceitava” ou ainda “não aceita”. Foi também esclarecido sobre exames preventivos de câncer de colo uterino e de mama, porém sendo enfatizado o tratamento medicamentoso que deve ser contínuo após a alta, seguindo as orientações do psiquiatra. Esse tipo de terapia conforme KAPLAN & SADOCK (1997), inclui uma reorientação emocional e uma perspectiva mais amadurecida acerca destes determinantes, um aumento da capacidade e da força do ego e experiências corretivas mais especificas e centrais.
A paciente ficou interessada quando foi conduzida até o local onde se desenvolviam as atividades de terapia ocupacional, dizendo que gostaria de fazer crochê, sendo encaminhada para a terapeuta ocupacional, atendendo a necessidade da paciente, inserindo-a no convívio social.
Durante o percurso do estudo, percebeu-se a importância deste relacionamento, o qual não se destinou apenas a verificar os aspectos teóricos relacionados ao tratamento psíquico. Porém verificou-se também, os aspectos psicológicos influenciados pela patologia, a influência familiar, a auto-realização, onde o relacionamento de ajuda terapêutica, é uma ferramenta fundamental para a assistir com qualidade esta clientela.
Freqüentemente, a equipe de saúde não percebe este paciente como alguém que está em uma fase de intensas adaptações em suas vidas e que tanto as alterações fisiológicas quanto as psicológicas, causam muita revolta e ansiedade. Somando-se a isto, o pouco conhecimento sobre seu estado, resulta na não adesão ao tratamento e, muitas vezes, esta não adesão relaciona-se com a negação da doença como mecanismo de defesa, disfarçando assim suas angústias, tristezas e medos. Neste sentido, faz-se necessário o profissional assistir este paciente, estabelecendo empatia, adquirindo a confiança do mesmo.
O período das aulas práticas supervisionadas da disciplina de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental forneceu subsídios para maior compreensão e aceitabilidade das dificuldades humanas denominadas pela sociedade, muitas vezes de maneira estereotipada, como loucura.
Neste sentido, processo de enfermagem nos indica o caminho para sistematizar a assistência de enfermagem. A partir dos dados de identificação da paciente, das visitas domiciliares realizadas à família, foi estabelecido com a paciente no período das aulas práticas supervisionadas, o relacionamento interpessoal, facilitando assim a condução e compreensão deste viver com a doença mental.
BRASIL, Centro Nacional de Epidemiologia. Parecer n. 196/96 de 10 de Outubro de 1996. Pesquisa envolvendo seres humanos. In: Informe Epidemiológico do SUS – Suplemento 3, p. 278- 291. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 1996.
HORTA, W.A. Processo de enfermagem. São Paulo, EPU, 1979.
KAPLAN. Harold L.; SADOCK, Benjamim J. Compêndio de psiquiatria – Ciências Comportamentais Psiquiátria Clínica. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
KYES, J. J.; HOFLING, C.K. Conceitos Básicos em Enfermagem Psiquiátrica. 4a ed., Rio de Janeiro: Guanabara, 1985.
KOLB, L.C. Psiquiatria clínica. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1976.
MALDONADO, M.T. Psicologia da gravidez. Petrópolis: Editora Vozes, 7. ed., 1985.
MARANHÃO, R.M.C.S. “Marcas de um trabalho: cenário e recortes”.Cadernos I0PUB n. 19, v.6, 2000.
TRAVELBEE, J. Intervenciõn en enfermeria psiquiatrica. 2. ed. Columbia: Carvajal, 1979.
Texto original recebido em 14/08/2003
Publicação aprovada em 30/04/2004
1Enfermeira assistencial atuante na Prefeitura Municipal de Cascavel, pós-graduanda do curso de de enfermagem com ênfase em centro cirúrgico pela UNIOESTE, campus Cascavel. E-mail: smfran@ibest.com.br
2Enfermeira docente do curso de enfermagem – UNIOESTE, campus Cascavel e mestre em assistência de enfermagem.