Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 05, Num. 02, 2004 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 
SCHMITZ, S.M.; PICCOLI, M.; VIERA, C.S.. - A utilização do brinquedo terapêutico na visita pré-operatória de enfermagem à criança. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5 n. 2 p. 14 – 23, 2003. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen

 A UTILIZAÇÃO DO BRINQUEDO TERAPÊUTICO NA VISITA PRÉ-OPERATÓRIA DE ENFERMAGEM À CRIANÇA

THE UTILIZATION OF THE THERAPEUTIC TOY IN THE NURSING OPERATORY VISIT TO THE INFANT
LA UTILIZACIÓN DEL JUGUETE TERAPÉUTICO EN LA VISITA PRE-OPERATORIA DE LA ENFERMERÍA A LOS NIÑOS

Silvana Machiavelli SCHMITZ1, Marister PICCOLI2, Cláudia Silveira VIERA3

RESUMO: A sistematização da enfermagem perioperatória ocorre nos momentos pré,trans e pós-operatório e também acontecem  em crianças, adolescentes, adultos e idosos. Sendo assim, o nosso objetivo foi verificar os benefícios da utilização do brinquedo terapêutico na visita pré-operatória feita pelo enfermeiro de centro cirúrgico.
PALAVRAS - CHAVE: criança, enfermagem perioperatória, procedimento cirúrgico.

ABSTRACT: The systematization of the peroperative nursing occurs in the moments pre, trans and postoperative and also they happen in children, adolescents, adults and elders.  Being like this, ours objective went verify the benefits of the utilization of the therapeutic toy in the visit preoperative by the nurse of surgical center.
KEY WORDS: child, per operative nursing, chirurgic procedure.

RESUMEN: La sistematización del oficio de enfermería del peri operatoria ocurre en los momentos pre, trans e y después de la quirurgia y también ellos suceda en los niños, envejecidos, adolescentes y adultos. Siendo así, nuestro objetivo fue verificar las ventajas del uso del juguete terapéutico en la visita pre -operatoria hecha por la enfermera del centro quirúrgico.
PALABRAS CLAVES: Niños, enfermería del peri operatoria, procedimiento quirúrgico

INTRODUÇÃO

A necessidade de brincar não deve ser eliminada quando as crianças adoecem ou são hospitalizadas, ao contrário, o fato da criança poder brincar desempenha papéis importantes para o trans-operatório, dentre eles, a capacidade de sentir-se mais segura em um ambiente estranho com pessoas estranhas.

De acordo com VAUGHAN e MCKMAY (1977), as crianças ficam amedrontadas quando deixam a segurança e o ambiente do lar, especialmente aquelas que são incapazes de compreender o propósito da hospitalização. As experiências durante a indução da anestesia ou no período pós-operatório imediato podem produzir alterações psicológicas como pesadelos, enurese e mau humor.

Os referidos autores colocam ainda que quando a criança é internada para realização de procedimento cirúrgico, sua rotina sai do normal podendo vir a desenvolver distúrbios psicológicos, provenientes do desconforto, ansiedade e alterações do sensório (turvação da consciência, alucinações, ilusões e desorientação), devido ao medo do desconhecido.

Esta realidade pode ser verificada em instituições de saúde que realizam procedimentos cirúrgicos, onde não é tratado o medo e os anseios da criança, sendo este um fator relevante na assistência de Enfermagem perioperatória.

Isto fez com que a nossa atenção se voltasse para este assunto, ou seja, os motivos que fizeram-nos escolhê-lo foram principalmente as experiências vivenciadas frente às crianças que passaram por procedimentos cirúrgicos, em que percebíamos o medo e o desespero muitas vezes estampado no rosto da criança. Utilizando como mecanismo de defesa o choro.

Nossa motivação para estudar e trabalhar com o brinquedo em crianças que seriam submetidas a procedimentos cirúrgicos, baseou-se na crença de que a assistência de enfermagem à criança, deve ultrapassar a prestação de cuidados físicos e o conhecimento que o profissional de enfermagem deve ter a respeito de doenças e de intervenções cirúrgicas, tanto no âmbito preventivo, como curativo, que venham a ser realizadas. Para que a criança seja realmente atendida, o cuidado de enfermagem deve considerar também suas necessidades emocionais, sociais e abranger a utilização de técnicas adequadas de comunicação e de relacionamento, entre as quais encontra-se o brinquedo, que tem se mostrado um efetivo instrumento de intervenção de enfermagem.

Portanto, o desenvolvimento do presente trabalho visou a utilização do brinquedo terapêutico com crianças internadas para realização de procedimento cirúrgico, mais especificamente à utilização de uma boneca paramentada adequadamente para a unidade de centro cirúrgico (gorro, máscara, calça, camisa e pro-pés) e a utilização de estetoscópio, cubas e alguns instrumentais de brinquedo, observando suas reações no momento de sua recepção na unidade de centro cirúrgico, pois segundo HARKINS et al (1997), por ser o foco da preparação operatória mais psicológico que farmacológico, a criança geralmente chega consciente e alerta ao centro cirúrgico, permitindo que seus sentimentos, tais como medo e ansiedade, sejam expressos.

OBJETIVO

Verificar os benefícios da utilização do brinquedo terapêutico na visita pré-operatória realizada pelo enfermeiro da unidade de centro cirúrgico.

METODOLOGIA

O presente estudo foi realizado em um Hospital Público do Oeste do Paraná, com atendimento geral, de médio porte, com crianças de 03 a 09 anos internadas para realização de procedimento cirúrgico.

A direção do serviço de enfermagem do hospital foi consultada através de oficio e esclarecido quanto a viabilidade do estudo e do compromisso do anonimato, assim como, os participantes que fizeram parte do estudo foram esclarecidos e consultados (neste caso o responsável pelo menor) através de termo de consentimento por escrito (Anexo A – Termo de Consentimento) garantindo o direito de desistência, assim como o completo anonimato. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, UNIOESTE, Protocolo: CR.3010/2001.

O estudo foi desenvolvido em duas etapas distintas. Na primeira etapa foi realizada uma visita pré-operatória de enfermagem à criança submetida ao procedimento cirúrgico na qual foi demonstrado através do brinquedo terapêutico e em linguagem acessível como a assistência se desenvolve na unidade de centro cirúrgico. Na Segunda etapa optamos pela observação como técnica de coleta de dados. De acordo com POLIT & HUNGLER (1995, p. 178), “as técnicas de observação podem ser utilizadas para mensurar uma gama de fenômenos [...] que constituem uma abordagem bastante versátil para a coleta de dados”.

Esta etapa se deu no momento da recepção da criança na unidade de centro cirúrgico até sua chegada na sala de cirurgia, sendo duas clientelas distintas: com a criança que recebeu a visita pré-operatória e com criança que não recebeu a visita pré-operatória.

Para direcionarmos a observação, construímos um instrumento de coleta de dados, que foi submetido a um teste piloto, para verificarmos o alcance do nosso objetivo e outras adequações.

O número de crianças acompanhadas foi suficiente quando, de acordo com MINAYO (1998) houve reincidência de informações e análise foi operacionalizada conforme pelas fases: Ordenação dos dados coletados; classificação dos dados e análise final.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Caracterização da amostra

Na presente investigação três pacientes (50%) receberam a visita pré-operatória de enfermagem e três (50%) não receberam a visita pré-operatória de enfermagem. Em relação ao sexo, três crianças (50%) eram do sexo masculino e três (50%) eram do sexo feminino. Em relação a idade, quatro crianças (67%) eram da faixa etária de 03 a 05 anos e dois (33%) eram da faixa etária de 06 a 09 anos. A especialidade que obteve maior freqüência foi a ortopedia (67%). Dos pacientes cirúrgicos acompanhados, a maioria (83%) chegou ao centro cirúrgico acompanhada pelo familiar.

Observação da criança na unidade de centro cirúrgico

Quadro 1 – Relação das crianças cirúrgicas acompanhadas (n = 06), segundo a presença ou não do choro na recepção da mesma na unidade de centro cirúrgico. Cascavel, 2001.

 CHORO 

COM VISITA(1)

%

SEM VISITA(2)

%

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança encontrava-se chorando

0

0

2

67

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança não estava chorando

3

100

1

33

TOTAL GERAL

3

100

3

100

FONTE: Pesquisa de campo
NOTAS: (1) Com relação ao recebimento da visita pré-operatória de enfermagem.
             (2) Com relação ao não recebimento da visita pré-operatória de enfermagem

Segundo CARPENITO (1997), o choro é uma manifestação verbal do medo expressado pelas crianças.

Na criança, o choro é representado como um mecanismo de defesa, pois pelo fato dela não poder reagir contra possíveis agressões que está sofrendo no momento, sente-se então no direito de que chorando poderá ser ouvida ou atendida sua vontade.

Percebemos no desenvolvimento deste trabalho, que as crianças ao sentirem-se ameaçadas reagiam com o choro, algumas tinham medo de chorar, pois acreditavam que iriam atrapalhar o desenvolvimento do procedimento.

Todas as crianças que choraram, acreditamos que sabiam da importância em se dar continuidade ao procedimento, por isso seu choro era representado de uma forma mais discreta, apenas para expressar o medo que estavam sentindo, ou seja, nenhuma das crianças chorou intensamente.

Elas choravam, pois naquele momento sentiam-se sozinhas, cercadas por muitas pessoas estranhas e principalmente vestidas estranhamente. Não entendiam aquele lugar e queriam voltar para junto da mãe, que também em algumas ocasiões ficavam chorando.

A partir da realização da visita pré-operatória de enfermagem, observamos que o choro tornou-se ausente no momento da chegada da criança ao centro cirúrgico e o tempo que se passou até ela ser anestesiada, pois já sabia que iria a um lugar diferente do que estava acostumada e que sua mãe não poderia estar junto.

Vivenciamos portanto, junto com essas crianças a importância em se realizar a visita pré-operatória de enfermagem, pois só assim poderemos diminuir ou até então cessar, este mecanismo de defesa o qual as crianças utilizam que é o choro

Quadro 2 – Relação das crianças cirúrgicas acompanhadas (n = 06), segundo a expressão apresentada na recepção da mesma na unidade de centro cirúrgico. Cascavel,  2001.

EXPRESSÃO                                                                                                                                                                                                           

COM VISITA(1)

%

SEM VISITA(2)

%

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança apresentava-se com medo

0

0

1

33

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança estava muito atenta/ apreensiva

1

25

1

33

No momento da recepção da criança no centro cirúrgico a mesma encontrava-se ansiosa

0

0

1

33

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança estava tranqüila, pois sabia o que iria lhe acontecer

3

75

0

0

TOTAL GERAL

4

100

3

100

FONTE: Pesquisa de campo
NOTAS: (1) Com relação ao recebimento da visita pré-operatória de enfermagem.
             (2) Com relação ao não recebimento da visita pré-operatória de enfermagem.

O medo pode ocorrer como uma resposta a uma variedade de problemas de saúde, situações ou conflitos. Conforme a NANDA - NORTH AMERICAN NURSING DIAGNOSIS ASSOCIATION (2000, p.149), o medo é definido como: ...”resposta à ameaça percebida que é conscientemente reconhecida como um perigo”.

Para CARPENITO (1997), nos pré-escolares e escolares o medo pode estar relacionado à situações maturacionais como: separação dos pais e dos amigos; não ser amado; estar só; estar com estranhos; danos ao corpo.

A mesma autora afirma que os comportamentos de medo nas crianças são consistentes e imediatos à exposição ou à menção de um estressor específico. Seguem uma seqüência de desenvolvimento e são influenciados pela cultura, ambiente e pelos medos dos pais.

Para WHALEY & WONG (1989), os medos dos pré-escolares evoluem de situações reais ou imaginárias, por exemplo, trauma ou mutilação, fantasmas, demônios, monstros, escuro, ralo da banheira e do vaso, ficar só, sonhos, ladrões.

Para o mesmo autor, os medos dos escolares (6-12 anos) são numerosos e incluem as máquinas grandes, trauma ao corpo, perda de autocontrole, não ser amado, separação dos pais e amigos e fracasso.

O fato de a criança sentir medo é muito comum, principalmente em situações que não fazem parte de sua rotina, como é o caso , a presença em um centro cirúrgico.

Durante o tempo em que acompanhamos a criança no centro cirúrgico, percebemos que o ambiente fazia com que elas se sentissem incomodadas e que ao olharem aquele monte de equipamentos e luzes, principalmente por terem que ficar deitadas em uma mesa, sentiam-se amedrontadas e que de alguma forma causar-lhe-iam um mal, pois aquele monte de gente, vestida daquele jeito não lhe dava atenção, nem conversavam com elas o suficiente.

Acreditamos que o medo sentido pela criança seja diferente do medo sentido pelo adulto, pois o adulto tem medo do real, sabe o quê está se passando. A criança ao contrário, tem medo do irreal, ou seja, aquela situação é nova para ela e portanto, não sabe qual será as conseqüências após o procedimento.

Portanto, devemos estar atentos, em relação à realização da visita pré-operatória de enfermagem, pois só assim poderemos tranqüilizar as crianças, explicando o que irá acontecer a ela, permitindo que a partir de então o seu medo seja menos traumático pois saberá porquê está passando por isso.

Outro ponto percebido em algumas das crianças acompanhadas, foi que elas estavam atentas a tudo o que acontecia ao redor. Em situações diferentes, expressavam verbalmente a sua vontade em saber o que estava acontecendo.

Acreditamos que devido ao fato da criança passar por situações novas, que fogem de sua rotina acabam desenvolvendo um senso grande de atenção, o que as tornam inteligentes a ponto de percebermos, por exemplo, no caso da cirurgia, que apesar do medo, estavam atentas a tudo o que estava acontecendo, como se fossem impedir que pudesse ser feito contra ela.

As crianças orientadas pareciam ainda mais atentas, querendo confirmar se tudo o que foi dito na orientação pré-operatória era verdade e nada pudesse acontecer no centro cirúrgico.

A ansiedade percebido em algumas crianças acompanhadas, que segundo NANDA (2000, p. 131), é definido como “um vago e incômodo sentimento de desconforto ou temor, acompanhado por uma resposta autonômica; a fonte é freqüentemente não-específica ou desconhecida para o indivíduo; um sentimento de apreensão causado pela antecipação de perigo. É um sinal variável que alerta para um perigo iminente ao indivíduo tomar medidas para lidar com a ameaça.”

Para CARPENITO (1997), a ansiedade poderá ser desencadeada por qualquer fator que interfira nas necessidades humanas básicas de alimentação, ar, conforto e segurança. Pode ser manifestada por sintomas de cada categoria – fisiológicos, emocionais e cognitivos. Os sintomas variam de acordo com o grau de ansiedade.

Para a mesma autora, nas crianças a ansiedade pode estar relacionada à fatores maturacionais como: separação; ao ambiente e às pessoas desconhecidas; às mudanças no relacionamento com os companheiros.

A autora afirma ainda que, a ansiedade envolve um sentimento vago de apreensão e intranqüilidade, em resposta à ameaça ao sistema de valor ou ao padrão de segurança da pessoa.

A pessoa pode ser capaz de identificar a situação mas, na realidade, a ameaça relaciona-se com a intranqüilidade e a apreensão envolvidas na situação. Em outras palavras, a situação é a origem das ameaças, mas não é a ameaça em si mesma.

Ansiosos todos somos por natureza, mas devemos levar em maior consideração a ansiedade sofrida pelas crianças, pois se torna, assim como o medo, ainda mais difícil de ser trabalhada, pois essa ansiedade é gerada a partir de uma situação que até então era irreal para a criança, ou seja, ela não havia passado por situação parecida.

Para WHALEY & WONG (1989), os sinais de ansiedade em crianças variam grandemente, dependendo do estágio de desenvolvimento, do temperamento, de experiências passadas e do envolvimento dos pais. Os sinais de ansiedade podem ser vistos como parte do desenvolvimento, podendo refletir-se das seguintes formas: nos pré-escolares, a principal fonte de ansiedade é o medo do dano ao corpo; acreditar que o mau comportamento provoca a ocorrência de coisas ruins. Podendo elevar-se com modificações na rotina usual, ambientes estranhos, procedimentos dolorosos e ansiedade dos pais.

CARPENITO (1997), afirma que as crianças precisam de oportunidade e incentivo para expressar a raiva de forma controlada e aceitável. As crianças que não tem permissão para expressar sua raiva podem desenvolver hostilidade e perceber o mundo como sendo não-amigável.

Acreditamos que o momento para ser trabalhado a ansiedade aconteça durante a realização da visita pré-operatória de enfermagem, pois a partir da mesma poder-se-ia tentar diminuir  e explicar os motivos que poderiam estar gerando a ansiedade ou medo.

Um ponto percebido durante a realização deste trabalho, foi que uma das crianças estava muito ansiosa, mas o motivo era por terem demorado em chamá-la para o centro cirúrgico. A  ansiedade neste caso, foi gerada devido a uma situação em que a criança sabia que ia passar e que não entendia o que iria acontecer a ela, portanto, ficou ansiosa para que acontecesse rápido tal situação e que ela pudesse voltar novamente para sua mãe.

Através da realização da visita pré-operatória de enfermagem, pode-se explicar à criança e à família todos os procedimentos pelo qual a criança irá passar e porquê as pessoas estarão vestidas diferentes, permitindo portanto, que estejam familiarizadas com o acontecimento.

Outro tipo de manifestação da expressão facial que foi observado durante o acompanhamento das crianças ao chegarem no centro cirúrgico após terem recebido a visita pré-operatória de enfermagem, foi a expressão de tranqüilidade que as mesmas transmitiam, pois se sentiam seguras e principalmente, percebiam que tinham alguém conhecida em que podiam confiar.

A tranqüilidade nestes casos só foi possível, após trabalhar com a criança através da utilização do brinquedo terapêutico na visita pré-operatória, a situação pela qual ela iria passar e principalmente pelo fato de se usar a honestidade, transmitindo a possibilidade de acreditar em alguém no meio de tantas pessoas desconhecidas.

Como sabemos, o brincar como instrumento para ações de ensino e aprendizagem na infância já é de utilização corrente. Neste estudo, foi possível fazer uso dos brinquedos e materiais hospitalares para orientação às crianças diante das indagações apresentadas pelas mesmas durante a visita pré-operatória. O brinquedo foi um meio que também possibilitou a comunicação das crianças. Através do brincar, as crianças expressaram seus problemas de uma forma generalizada, e não somente as peculiaridades anatômicas que seriam corrigidas através da cirurgia. Muitas vezes, não é por vontade própria que as crianças expressam que estão tranqüilas, mas pelo fato de terem recebido a visita pré-operatória de enfermagem chegam menos ansiosas e conseqüentemente mais tranqüilas ao centro cirúrgico.

Quadro 3 – Relação das crianças cirúrgicas acompanhadas (n = 06), segundo a cooperação exercida pela mesma com a equipe cirúrgica na unidade de centro cirúrgico. Cascavel, 2001.

COOPERAÇÃO

COM VISITA(1)

%

SEM VISITA(2)

%

A criança permitia que fossem realizados os procedimentos nela, cooperando desta forma com a equipe cirúrgica.

3

100

1

33

A criança não permitia que fossem realizados os procedimentos nela, não cooperando desta forma com a equipe cirúrgica.

0

0

2

67

TOTAL GERAL

3

100

3

100

FONTE: Pesquisa de campo
NOTAS: (1) Com relação ao recebimento da visita pré-operatória de enfermagem.
             (2) Com relação ao não recebimento da visita pré-operatória de enfermagem.

Quadro 4 – Relação das crianças cirúrgicas acompanhadas (n = 06), segundo a aceitação em ficar deitada na mesa cirúrgica na unidade de centro cirúrgico. Cascavel, 2001.

ACEITA FICAR NA MESA

COM VISITA(1)

%

SEM VISITA(2)

%

A criança aceitava ficar deitada na mesa cirúrgica como se estivesse com medo de contrariar.

3

100

3

100

A criança não aceitava ficar deitada na mesa cirúrgica.

0

0

0

0

TOTAL GERAL

3

100

3

100

FONTE: Pesquisa de campo
NOTAS: (1) Com relação ao recebimento da visita pré-operatória de enfermagem.
             (2) Com relação ao não recebimento da visita pré-operatória de enfermagem

A cooperação que a criança oferece só é possível conseguir após transmitir-lhe confiança, pois caso contrario, elas não permitem até onde lhes cabe, que causem algum dano físico a ela.

Neste estudo, a cooperação foi com a equipe que estava acompanhando.

Algumas das crianças ao chegarem na porta da unidade não queriam adentrar pois achavam que a equipe não permitiria que ela voltasse para junto de sua mãe. O quê tornava-se um grande transtorno a todos, pois, a criança usava de toda sua força para impedir que a equipe continuasse com seu trabalho e principalmente pelo estresse causado a criança.

Então, a equipe usou do diálogo para tentar convencer a criança a adentrar ao centro cirúrgico. Observamos que esta não era a melhor hora para estabelecer diálogo com a criança, pois a mesma encontrava-se  temerosa com o que iria acontecer dali para frente, e procurava agarrar-se o mais forte possível em sua mãe. SCHMITZ (1989), coloca que neste momento, a criança não assimila nada do que lhe é falado.

Este tempo na recepção do paciente no centro cirúrgico é muito importante, além de trazer vários transtornos, os quais poderiam ser evitados se a visita pré-operatória de enfermagem fosse realizada, ele torna-se ainda mais traumático para a criança, e quando, mesmo que forçada, ela resolve entrar ao centro cirúrgico, parece que a mesma fica estarrecida com o que irá acontecer, sendo evidenciado em todas as crianças cirúrgicas acompanhadas, pelo fato de aceitarem em ficar deitada na mesa cirúrgica.

Acreditamos que essa aceitação seria um mecanismo de defesa, pois se elas ficarem quietas e deitadas, a equipe irá causar menos danos que se elas ficarem agitadas. Isso tudo de acordo com suas concepções e experiências de vida, pois como já colocado, os pré-escolares, sentem a intervenção cirúrgica como uma punição a respeito de algo que tenham cometido.

Mas, temos que deixar claro, que o fato delas concordarem em ficar deitadas na mesa, não significa que concordem também com os procedimentos realizados nela, principalmente ao serem anestesiadas, pois das crianças que não receberam a visita pré-operatória de enfermagem e portanto não sabiam o quê era aquilo, expressavam verbalmente que não queriam pois “tinha um cheiro ruim.”

Quadro 5 – Relação das crianças cirúrgicas acompanhadas (n = 06), com relação ao reconhecimento do acadêmico na unidade de centro cirúrgico, após a realização da visita pré-operatória de enfermagem. Cascavel , 2001.

RECONHECE O ACADÊMICO

COM VISITA

%

A criança reconheceu o acadêmico no momento em que foi recepcionada pelo mesmo na unidade de centro cirúrgico.

3

100

A criança não  reconheceu o acadêmico no momento em que foi recepcionada pelo mesmo na unidade de centro cirúrgico.

0

0

TOTAL GERAL

3

100

FONTE: Pesquisa de campo

Quadro 6 – Relação das crianças cirúrgicas acompanhadas (n = 06), com relação ao  reconhecimento do ambiente cirúrgico de acordo com o que foi orientado na visita pré-operatória de enfermagem. Cascavel, 2001.

RECONHECE O AMBIENTE CONFORME O ORIENTADO

COM VISITA

%

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança verbalizou que reconheceu o ambiente de acordo com as orientações que recebeu na visita pré-operatória de enfermagem

3

100

Ao chegar ao centro cirúrgico a criança não reconheceu o ambiente de acordo com as orientações que recebeu na visita pré-operatória de enfermagem

0

0

TOTAL GERAL

3

100

FONTE: Pesquisa de campo

O reconhecimento por parte da criança é importante no sentido de observar a importância da visita pré-operatória de enfermagem.

O fato das crianças que receberam a visita pré-operatória de enfermagem reconhecerem o ambiente de acordo com o que lhe foi orientado e reconhecerem o acadêmico, torna-se um ponto relevante na prestação dos cuidados operatórios a elas.

Através da verbalização, afirmavam que sabiam o que a equipe estava fazendo e que confiavam neles, pois “estavam fazendo o melhor para me curarem.”

Um ponto importante observado, foi relacionado a uma das crianças que recebeu a visita. Pelo fato do acadêmico demorar a recepcioná-la na porta do centro cirúrgico, a criança não queria adentrar pois queira a “tia Silvana”, que tinha prometido estar ali quando ela chegasse. E a mesma  só concordou em entrar quando o acadêmico chegou e pegou-a nos braços e levou-a até a sala de cirurgia.

Através destes e de outros atos de confiança demonstrados pelas crianças que receberam a visita pré-operatória de enfermagem é que ressaltamos quão importante é para a criança quando chega a um lugar estranho mas já foi preparada para passar por aquilo.

CONCLUSÃO

Ao término deste estudo, verificamos o quão importante foi a relação direta estabelecida com os pacientes (crianças), os quais foram primordiais para a obtenção dos resultados alcançados.

Entendemos que o procedimento cirúrgico pode acarretar ao paciente complicações, muitas vezes emocionais, principalmente, devido ao fato, dos sentimentos muitas vezes não serem considerados como significativos.

Observamos que a hospitalização é para a criança uma situação estressante, os resultados de uma hospitalização, mesmo que não haja comprometimento físico, poderá causar em algumas crianças traumas futuros e muitas vezes com conseqüências imprevisíveis.

A enfermagem tem participação significativa na diminuição deste estresse, através da utilização do processo comunicacional, estando atenta a alterações emocionais sofridas pela criança.

Para tornar a hospitalização da criança menos traumática e para humanizar a assistência de enfermagem prestada a ela, são necessárias medidas que venham a minimizar o trauma causado pela mudança brusca de rotinas e de pessoas. Para tanto, consideramos necessário uma mudança na assistência prestado a criança. E para isso, a utilização do brinquedo terapêutico como uma das principais medidas para prevenção das possíveis seqüelas decorrentes da hospitalização pode ser, conforme os autores citados anteriormente, uma técnica indispensável sendo que, o brinquedo pode ter várias outras funções para a criança, como: recreação, estímulo e uma forma de liberar os sentimentos relacionados ao medo e angústia. No hospital, o brinquedo pode ser usado como forma de terapia alternativa e auxiliar no tratamento.

A utilização do brinquedo terapêutico foi fundamental durante a realização da visita pré-operatória de enfermagem, pois através dos mesmos, as crianças expressaram seus sentimentos quanto ao procedimento cirúrgico, brincando.

Também verificamos que através do brinquedo, estabelecemos um elo com a criança, ao esclarecer o que iria acontecer, ela passou a depositar confiança em nossa pessoa e estabelecer um vínculo.

Portanto, a realização da visita pré-operatória e conseqüentemente, a utilização do brinquedo terapêutico durante a mesma, é uma ferramenta que os profissionais de enfermagem podem utilizar para amenizar a ansiedade e o medo que o procedimento cirúrgico possa acarretar pela proximidade com o desconhecido.

A visita pré-operatória de enfermagem possibilitou-nos um maior conhecimento da criança, permitindo que obtivéssemos informações a respeito do procedimento cirúrgico além de estabelecer um relacionamento de confiança. Permitindo também o estabelecimento de um processo de comunicação, que gerou uma relação interpessoal baseada na confiança, favorecendo que elas expressassem seus sentimentos em relação ao contexto do procedimento cirúrgico e também à vida pessoal.

Acreditamos ser esse o tipo de comunicação empática, baseada no interesse em ajudar o outro, disponível para ouvi-lo, que permite o estabelecimento de um relacionamento efetivo entre a enfermeira e a criança.

Essa conduta pode ser uma das metas da assistência de enfermagem a criança hospitalizada realizada pelo enfermeiro da unidade de centro cirúrgico, tornando, por meio da realização da visita pré-operatória, o relacionamento menos distante entre ambos, tendo como objetivo o bem estar da criança na unidade de centro cirúrgico, e uma das formas é com a utilização do brinquedo terapêutico durante a realização da mesma.

Quanto ao conhecimento das crianças que não receberam a visita pré-operatória em relação à cirurgia, houve relacionamento entre a causa da internação com a presença de um sintoma decorrente de alguma alteração fisiológica, e também mencionaram o fato de “ficar bom” e “melhorar”.

As expressões usadas pelas crianças mostraram-se como conceitos dos quais se utilizavam sem, no entanto, conseguirem explicar seu significado, apontando para o fato que essas expressões são as únicas informações que as crianças receberam de seus pais, ou mesmo dos profissionais de saúde, como justificativa para a necessidade de enfrentarem as cirurgias.

Os conhecimentos ligados à cirurgia, se constituíram numa incógnita para as crianças que não receberam a visita pré-operatória. As informações que detinham, basicamente se resumiam ao fato de que eles iriam operar e ficar bons. Nada de mais consistente lhes foi dito ou orientado. As crianças foram internadas como sujeitos passivos que iriam sofrer uma intervenção cirúrgica.

Essa situação pode ser mudada, pois, pelos aspectos mencionados através da comunicação com as crianças deste estudo, elas possuíam muitas dúvidas em relação ao contexto que envolve a intervenção cirúrgica, desejavam e necessitavam de orientações e informações, que são passíveis de serem fornecidas mediante o uso de estratégias que permitam a compreensão dos aspectos relacionados à hospitalização e à cirurgia em todas as suas etapas.

 Após a análise dos dados, verificamos que nossos objetivos foram alcançados, pois de uma maneira simples, cujo procedimento deveria ser normal, ficou evidenciado a necessidade, ou melhor dizendo, a obrigatoriedade da visita pré-operatória de enfermagem, tendo como principal beneficio a tranqüilidade da criança, que gerou uma tranqüilidade também, por parte da família que a acompanha, a qual através de confirmação verbal, expressavam sentir-se mais seguras e menos ansiosas com o sofrimento da criança, pois sabiam que ela encontraria alguém conhecida na unidade de centro cirúrgico, no caso, o próprio enfermeiro da unidade.

Frente a isso, o presente trabalho nos levou a ampliar conhecimentos e, com certeza a mudança de visão, a qual anteriormente estava limitada pelas poucas experiências vivenciadas e, com este estudo pudemos perceber que humanizar a assistência de enfermagem à criança como paciente cirúrgico pelo enfermeiro de centro cirúrgico é possível.

O maior desafio que este estudo nos deixou foi colocar em prática. Entretanto, estas atitudes que parecem ser simples, mas que na maioria das vezes não é praticada, é fundamental para tornar a assistência de enfermagem mais humana,  para tanto, temos que mudar o modo de pensar e de agir em nosso dia-a-dia, e em todas as ações que vamos desenvolver em unidade hospitalar ou não.

A realização do presente estudo, veio confirmar a idéia inicial de que, para tornar a assistência prestada à criança hospitalizada humanizada, seria necessária uma assistência de enfermagem e de saúde centrada na criança. Nesse sentido, o brinquedo pode e deve ser usado, pois, é um dos instrumentos que mais se adequa à fase que a criança se encontra, ou seja, a infância.

Acreditamos que há muito para se estudar sobre esse tema, assim, o trabalho não acaba aqui, ele poderá ter continuidade em outros estudos a serem desenvolvidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARPENITO, L. J. Diagnósticos de enfermagem: aplicação à prática clínica. 6. ed. Porto Alegre: Artes médicas, 1997.

HARKINS et al. Cirurgia pediátrica. In: Alexander/ Cuidados de enfermagem ao paciente cirúrgico. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 5. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC – ABRASCO, 1998.

NORTH AMERICAN NURSING DIAGNOSIS ASSOCIATION (NANDA). Diagnósticos de enfermagem: definições e classificações – 1999/2000. Trad. Jeanne Liliane Marlene Michel. Porto Alegre: artes médicas, 2000.

POLIT, D. F.; HUNGLER, B. Fundamentos da pesquisa em enfermagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

SCHMITZ, M. E. et al. A enfermagem pediátrica e puericultura. São Paulo: Atheneu, 1989.

VAUGHAN, V. C.; McKAY, R. J. Pediatria de Nelson. 10. ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1977.

WHALEY, L. F.; WONG, D. Enfermagem pediátrica – elementos essenciais à intervenção efetiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.

AUTORAS

1 Enfermeira, Aluna do Curso de Especialização em Saúde da Família da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e Ministério da Saúde.
2 Enfermeira, Mestre em Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. Professora da Disciplina Assistência de Enfermagem III- Enfermagem em Centro Cirúrgico na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil, e-mail: maristerpiccoli@aol.com. Endereço para correspondência: Rua Paraná, 2447, ap.18- 85812011- Cascavel – Paraná – Brasil.
3 Enfermeira, Mestre em Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. Professora da Disciplina Assistência de Enfermagem VI- Enfermagem em Pediatria na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil, e-mail: claudiavictor@terra.com.br

Endereço para Correspondência:

Marister Piccoli
Rua Paraná, 2447 – Ap. 18
Galeria Paschoal
85812-011      Cascavel Paraná
maristerpiccoli@aol.com

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