Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 04, Num. 01, 2002 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

PRIMARY NURSING”: PRESSUPOSTOS E IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA

Luciana Mahnis Pereira Carmona1
Maria Cristina M. Capel Laluna2


CARMONA, L. M. P.; LALUNA, M. C. M. C. “Primary nursing” : pressupostos e implicações na prática. Revista Eletrônica de Enfermagem (on-line em formato pdf), v. 4, n. 1, p. 12 – 17, 2002. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen


“PRIMARY NURSING”: PRESSUPOSTOS E IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA

RESUMO: As autoras apresentam o método “Primary Nursing”, que tem como princípio elevar a autonomia do enfermeiro, onde ele é responsável pelo paciente nas 24 horas do dia. Apresentam ainda, a função de cada enfermeira envolvida nesse processo, apontando as vantagens do método e as implicações na prática. Em sua análise crítica, apresentam resultados de 07 trabalhos atuais realizados com a implantação do “Primary Nursing”. Como considerações finais, afirmam que o “Primary Nursing” eleva a qualidade de assistência prestada pelo enfermeiro, e sua implementação dependerá principalmente do interesse dos enfermeiros em mudar o referencial em direção à competência profissional.

UNITERMOS: Assistência centrada no paciente. Cuidados de enfermagem. Equipe de assistência ao paciente. Modelos de enfermagem.

PRIMARY NURSING IMPLICATIONS ON NURSING CARE ASSISTANCE

ABSTRACT: The authors present the method “Primary  Nursing”, which has as principle the elevation of the nurse’s autonomy, in which he is responsible for the patient 24 hours a day. The also present the function of each nurse engaged in that process, pointing out the advantages of the method and its implications in the practice. In its review, they put results of 07 present works accomplished with the introduction of the “Primary Nursing”. As final considerations, the state that the “Primary Nursing” improves the quality of assistance given by the nurse, and its performance will mainly depend on the nurse’s interest, on changing the reference system towards the professional competence.

KEY WORDS: Centered patient care. Nursing care. Staff patient care . Nursing models.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a apresentar o sistema de aplicação de cuidados de enfermagem, “Primary Nursing” , como uma forma de organizar o trabalho da enfermagem, garantindo a autonomia e responsabilidade do enfermeiro.

Usualmente, a organização dos serviços de saúde assenta-se no modelo da fragmentação e do parcelamento do homem e está centrada no modelo clínico de atenção à saúde.

Nesse sentido, o trabalho de assistência à saúde é ainda, em sua maior parte, realizado no ambiente hospitalar por uma equipe multiprofissional, cujo comando é feito pelo médico, que detém o controle sobre o processo de trabalho de assistência ao indivíduo com agravo à saúde. Portanto, aos outros profissionais cabe cumprir as ordens delegadas por ele.

No modelo de saúde individual, o enfermeiro, como membro da equipe de assistência à saúde, desenvolve suas ações no processo de trabalho de cuidar e no seu gerenciamento.

Para KRON & GRAY (1994), há quatro formas de organizar a assistência: o método funcional, o método de equipe, o “Primary Nursing” e o método de casos ou atendimento total.

Atualmente a enfermagem tem revisto, através de análise crítica, as formas que predominam na organização da assistência, objetivando identificar qual delas conduz à obtenção da autonomia, à humanização do atendimento ao indivíduo e à competência profissional.

A escolha de um dos métodos de organização da assistência depende da visão de mundo que o corpo de enfermagem tem e do contexto sócio-político-econômico da instituição no qual está inserido, e, conseqüentemente, como compreende a enfermagem, o homem, a sociedade e o processo saúde-doença.

Diante do exposto, como um meio de contribuir para a enfermagem conquistar seu espaço, autonomia, e para que a forma de intervir no processo saúde-doença tenha impacto, acreditamos que, dentre os métodos de organização da assistência, o sistema de aplicação de cuidados “Primary Nursing” pode representar uma opção, por se tratar de um modelo personalizado que envolve conhecimento científico e que proporciona autonomia e responsabilidade.

Segundo MANTHEY (1980), “Primary Nursing” “é um sistema para aplicação de cuidados de enfermagem num estabelecimento de internação para doentes hospitalizados”. A autora refere ainda que a “Primary Nurse” é responsável e presta conta pela direção de cuidados de um paciente ou um grupo de pacientes, elabora o plano de cuidados e garante sua implementação nas 24 horas.

Segundo IYER et al. (1993, p. 196), o Primary Nursing  enfatiza:

“(1) a responsabilidade e a prestação de contas da enfermeira pelo manejo do cuidado, (2) a descentralização da tomada de decisões sendo que a autoridade repousa na enfermeira primária, (3) a importância de um levantamento, um diagnóstico e um planejamento precisos e completos, (4) o envolvimento do cliente no asseguramento e no estabelecimento de metas, (5)  a necessidade de comunicação entre a enfermeira primária  e outras enfermeiras, membros da equipe de saúde, clientes e familiares, e (6) a preparação da alta, por meio de orientação ao cliente e à família, de identificação dos recursos disponíveis e do encaminhamento a outros sistemas, quando necessário.”

MARX & MORITA (2000) ainda complementam que a chave do “ Primary  Nursing” é a autonomia que o enfermeiro tem para o cuidado integral de todos os pacientes que são assistidos por ele e sua equipe, no dia-a-dia, desde a sua admissão até a alta.

Com isso, acreditando na humanização da assistência e autonomia do enfermeiro dentro da equipe de saúde, nos preocupamos neste momento em realizar uma revisão bibliográfica e conhecer essa modalidade de assistência de enfermagem – “Primary Nursing”.

OBJETIVOS

q    Conhecer o sistema de atendimento “Primary Nursing”.

q    Relatar os pressupostos que norteiam essa modalidade.

q    Discutir seu significado na prática de enfermagem, através de análise crítica.

DESENVOLVIMENTO

1.  Evolução histórica do “Primary Nursing”

Conceito originado nos Estados Unidos da América (EUA), no final dos anos sessenta e início dos anos setenta. Teve destaque na Inglaterra durante o início dos anos oitenta.

Segundo BOWERS (1989), o termo “Primary  Nursing”  foi mencionado por Russel Barton em 1959, em seu trabalho para combater neuroses institucionais, porém, ganhou destaque quando foi aplicado e descrito por Marie Manthey em 1970, 1973 e 1980, no hospital da Universidade de Minnesota  nos EUA.

A própria evolução da prática de enfermagem, que se desenvolveu da realização no domicílio dos pacientes à prática do tratamento da saúde realizada em instituições mais complexas, ocasionou o direcionamento de seu caminho (MANTHEY, 1980).

A mesma autora afirma que, no início dos anos sessenta, evidenciou-se a insatisfação dos pacientes para com o tratamento hospitalar, os profissionais médicos encontravam-se insatisfeitos com a enfermagem, e as enfermeiras consigo mesmas e com o mundo, resultado das mudanças oriundas do processo histórico das práticas de enfermagem. Acrescenta ainda que nessa época observou-se que os hospitais apresentavam altas taxas de rotatividade de profissionais de enfermagem, sendo que, em alguns casos, estas representaram 300%, ou seja, três enfermeiras num  cargo em um ano.                                                      

Além disso, dois problemas de enfermagem  eram da ordem de :

A designação da responsabilidade por 24 horas /dia de um pequeno número de casos, para todas as enfermeiras de equipe, foi alternativa encontrada  para resolução desses problemas. Essa forma de realizar as metas do cuidado ao indivíduo definiu que as enfermeiras de equipe deveriam providenciar para que suas decisões tivessem efeito, mesmo quando estivessem de folga. Tal  forma de prover atendimento foi denominada então de “Primary Nursing” (MANTHEY, 1980).

Na década de noventa, houve um incremento  na produção de literatura internacional sobre a aplicação de “Primary Nursing” a vários contextos de enfermagem, destacando seus produtos e sua importância para a prática de enfermagem. Encontramos vários artigos provenientes de vários países: Estados Unidos (09 artigos), Inglaterra (06 artigos), Irlanda (03 artigos), Holanda (03 artigos), Finlândia (02 artigos), Singapura (02 artigos), Alemanha (02 artigos), Noruega (02 artigos), Austrália (01 artigo) e Iceland (01 artigo).

Portanto, esse trabalho é um dos primeiros na literatura brasileira de enfermagem.

2.  Pressupostos que norteiam o Primary Nursing

O “Primary Nursing” é um método sistemático de organizar o trabalho de enfermagem  através da designação de um grupo de pacientes a um enfermeiro. Este   será então  responsável por realizar a avaliação inicial, diagnóstico, planejamento, prescrição, implementação e avaliação final dos cuidados de enfermagem dispensados a este grupo de pacientes, bem como será responsável por supervisionar os cuidados implementados.  Cada “Primary Nurse” pode ser auxiliada por enfermeiros associados, que ficam responsáveis pela implementação dos cuidados por ela planejados. A “Primary Nurse” ainda pode desempenhar o papel da enfermeira associada (BOWERS, 1989).

Manthey em 1973 apud BOWERS (1989)  relatou os princípios que norteiam o “Primary Nursing”, quais sejam:

MANTHEY (1980) destaca os  quatro elementos estruturais do Primary Nursing”:

Sendo assim, o referencial teórico administrativo que embasa o “Primary Nursing” é   a tomada de decisão descentralizada. Isso significa que a administração valorizará o indivíduo em todos os níveis hierárquicos como também lhe atribuirá o controle de suas ações e a prestação de contas (MANTHEY, 1980).  

            3. Funções de cada enfermeira no método “Primary Nursing”

No método  de atendimento “Primary Nursing” verificam-se 4 designações e/ou papéis das enfermeiras membros da equipe:

“Primary Nurse” : seleciona seus próprios pacientes, planeja e oferece o atendimento, administra medicação e tratamentos, interage com os médicos e outros profissionais da saúde e relata o estado do paciente.  Precisa possuir um conhecimento vasto sobre o processo de enfermagem, sobre habilidades aperfeiçoadas de comunicação,  desenvolver técnicas de solução de problemas, e firmar um compromisso de atendimento centrado no  paciente.

Enfermeira associada : ela segue o plano de cuidados que foi delegado a ela pela “Primary Nurse” na ausência desta. Tem como função  seguir as instruções da “Primary Nurse” para o paciente  e, quando o paciente tiver alguma alteração no quadro clínico, ela pode intervir e modificar o planejamento realizado pela “ Primary Nurse”.

Enfermeira chefe : exerce o papel de liderança com competência técnica e contínua responsabilidade pela administração geral. É responsável, também pela qualidade do tratamento ministrado a todos os pacientes internados na unidade. Pode assumir o papel de “Primary Nurse” em um pequeno número de casos, geralmente um ou dois indivíduos conforme sua disponibilidade de tempo, desempenhando também cuidado direto ao paciente.

Enfermeira especialista :  possui maiores conhecimentos clínicos num campo mais específico do que o da “Primary Nurse”. A contribuição da especialista é dada sempre  que uma enfermeira está cuidando de um indivíduo cujas necessidades de cuidado exigem conhecimentos clínicos num nível de especialista.   

4. Vantagens

IYER et al (1993) apresentaram algumas vantagens do método “Primary Nursing”:

· possibilita a    promoção    de   cuidados coerentes e totais ao indivíduo, em virtude da qualidade e freqüência das interações entre o paciente e a enfermeira;

·aumenta a autonomia e a responsabilidade na prática da enfermagem individual. A enfermeira poderá sentir-se mais satisfeita pelo fato de ver aumentado seu envolvimento no atendimento direto e ter seu papel na recuperação do paciente definido com maior clareza. Além disso, a enfermeira presta mais contas, uma vez que as responsabilidades pelo atendimento têm seu foco no atendimento total de um pequeno número de pacientes, ao invés de um atendimento parcial a vários deles;

·oferece oportunidade de crescimento profissional. O envolvimento da enfermeira em todos os aspectos do atendimento ao paciente,   particularmente  no   componente de tomada   de decisões, facilita a aquisição de novos conhecimentos e habilidades. Com freqüência, as enfermeiras  tendem  a  ser  mais  eficientes  no  “Primary Nursing”,  porque  possuem uma visão global das necessidades do paciente e da família;

· os pacientes   geralmente  ficam mais satisfeitos, devido ao aumento da freqüência  das interações com uma só enfermeira que possui conhecimentos específicos sobre eles. Isso permite que o paciente identifique claramente a “ Primary Nurse” e que crie uma atmosfera de confiança e comunicação aberta;

·outros profissionais da saúde, tais como médicos, terapeutas e nutricionistas, valorizam também a habilidade de interagir com uma enfermeira em particular que esteja informada acerca do  paciente.    

5. Implicações na prática

MANTHEY (1980) analisa o “Primary Nursing” e destaca quatro implicações para a prática, observadas na operacionalização deste método. São elas:

·Implicações educacionais

     Muitos podem ser os benefícios advindos da educação na prática realizada por uma “Primary Nurse”. Isto decorre devido ao conhecimento que ela pode estar transmitindo a um aluno de graduação sobre os complicados fatores inter-relacionados do cuidado ao paciente. Uma apresentação de 10 a 15 minutos sobre o quadro clínico do paciente e os aspectos inter-relacionados do tratamento é um uso muito mais eficiente do tempo do que uma hora de aula teórica.

     Afirma ainda que o “Primary Nursing” “é a opção mais lógica para preparar as  alunas para a complexidade do mundo real da prática da enfermagem profissional”.

·Implicações curriculares

     O currículo da graduação do curso de enfermagem , neste caso com a modalidade “Primary Nursing”, deve desenvolver profundas habilidades básicas de tomada de decisões, proporcionar realidades de estabelecimento de prioridades  e judiciosa criação de atalhos para resolução de problemas, sendo assim essencial para a competência nesta modalidade. Deve também  ser ajustado para  fornecer o estabelecimento de um relacionamento terapêutico com o paciente.

     Para a aquisição de habilidades de tomada de decisão, os professores devem “soltar” os alunos para criarem independência na resolução de problemas.

·Implicações na assistência

      A “Primary Nurse” deve dominar e possuir habilidades de tomada de decisões clínicas e  de tomada de decisão administrativa, bem como a  de relacionamento terapêutico com o paciente. Administrar um grande número de pacientes requer planejamento, inclusive estabelecimento de prioridades, julgamento seguro em  situações de aplicação do cuidado e avaliação de sua eficiência.

     A tomada de decisões clínicas requer um profundo conhecimento e domínio sobre as doenças e sobre o paciente em seu contexto sócio-bio-psico-espiritual. Este conhecimento, por sua vez, vem da experiência prática do enfermeiro.

     Uma outra implicação na prática  do “Primary Nursing” é de que a enfermeira deve administrar vários casos simultaneamente. Isto requer um grande domínio de estabelecimento de prioridades para atender a todos os pacientes em seus graus de necessidades.

     Com o desencadeamento da aquisição dessas várias habilidades, de uma maneira ou de outra, o “Primary Nursing” encaminha os enfermeiros a se especializarem em determinados grupos de pacientes ou terapêuticas. A autora  cita que,  em sua experiência em implantação desta modalidade, ocorreram várias especializações de enfermeiros, tais como : cuidados com doentes terminais, cuidados com pacientes oncológico e cuidados  com parturientes e puérperas.

·Implicações sobre o conhecimento (poder) adquirido

     A enfermagem está 24 horas ao lado do paciente. Ela, mais do que qualquer outro profissional da saúde, conhece as suas necessidades, suas angústias, estado físico e mental. Isto pode incomodar outros membros da equipe de saúde se a modalidade “Primary Nursing” der certo, pois o conhecimento de todos esses fatores proporcionam ao  enfermeiro uma autonomia profissional, conquistando reconhecimento e prestígio no meio de pacientes e familiares.

Esse sistema de cuidados abrange em profundidade as mudanças de poder do grupo de enfermagem, e é um trabalho de descentralização do poder e de centralização das ações de cuidado ao paciente.

     Portanto, a “Primary Nurse” que aprecia e respeita a importância do seu conhecimento terá uma maior sensação de auto-estima e do verdadeiro valor da sua contribuição para o tratamento do paciente.     

6. Análise crítica

Estaremos relatando, neste momento, alguns artigos da literatura atual de enfermagem sobre o método “Primary Nursing”. Do levantamento bibliográfico realizado, encontramos apenas artigos na literatura internacional (como já mencionado), onde apresentaremos, a seguir,  o resultado de 7 artigos selecionados:

þ  HOLMES (1987) publicou um artigo apontando os fatores de estresse que podem ser identificados na “Primary Nurse”: a) o medo de culpa pelo resultado do atendimento ao paciente, gerando um sensação de estar sendo diminuída ou rejeitada; b) o peso da responsabilidade de assumir o paciente nas 24 horas, sendo responsável tanto pelo êxito como pelo fracasso sozinha; c) ansiedade  no relacionamento com as enfermeiras associadas e, quando há desconfiança, a “Primary Nurse” telefona muitas vezes de sua casa para o hospital para saber como está o paciente; d) a competência e o desempenho da “Primary Nurse” e da enfermeira associada são avaliados gerando tensão; e) o relacionamento com o  médico gera conflitos, principalmente se o médico é incompetente e ela tem que denunciar; f) o envolvimento com o paciente é tão grande que, às vezes, a emoção da “Primary Nurse” se torna vulnerável; g) a “Primary Nurse” torna-se sensível a todos estes problemas, sendo que isto deve ser trabalhado com terapia de grupo.

þ  MANTHEY (1988) expressou valiosas vantagens sobre o método “Primary Nursing”em suas discussões: a) o relacionamento entre pacientes, enfermeiros e familiares desenvolveu-se de maneira muito especial; b) ocorreu um maior envolvimento empático entre o paciente e o enfermeiro quando o enfermeiro prestava cuidados diretos considerando sua individualidade e suas necessidades; c) a equipe reconheceu que o objetivo da divisão de enfermagem era o cuidado individualizado, prestado com competência, compreensão, compaixão e com continuidade. Assim sendo, pôde concluir que assumir a responsabilidade pelo paciente é a chave para o sucesso da profissão de enfermagem, fazendo assim emergir o poder e a autonomia do enfermeiro.

þ  McMAHON (1990) realizou um estudo comparativo entre 02 hospitais, onde um adotava a modalidade “Primary Nursing” e o outro um método tradicional. Em seus resultados, observou-se que, no método tradicional, o poder estava centralizado na mão da enfermeira chefe, responsável pelo plantão, onde ela dirigia as ações e checava se estavam sendo realizadas de forma satisfatória, centralizando assim a comunicação em si própria . No hospital em que adotaram o “Primary Nursing”, o poder era distribuído sobre todos os membros da equipe. A pessoa que sabia mais sobre o paciente era a que se tornava o centro de comunicação sobre ele, independentemente de sua posição na hierarquia do método. As enfermeiras eram mais autônomas e, na passagem de plantão, eram identificados e discutidos os problemas de enfermagem, ao contrário do método tradicional, onde raramente se discutiam problemas de enfermagem e a melhor forma de resolvê-los. O poder e o modelo de comunicação observados no método tradicional retratavam canais de comunicação com altas demonstrações de poder. O hospital que adotou o “Primary Nursing” transmitia comunicações profissionais mais significativas e colaboradoras do que as experimentadas no método tradicional. Com estas evidências o autor confirmou que as diferenças encontradas afetam a qualidade do cuidado prestado e o envolvimento do “staff”.

þ  WATKINS (1992) explicou em seu estudo como as barreiras organizacionais  têm sido vencidas e como as equipes estão se adaptando às mudanças após a introdução do “Primary Nursing” em um hospital. Verificou que: a) a enfermeira ganhou reconhecimento e respeito quando implementou o planejamento do cuidado; b) o plano dos cuidados é estabelecido juntamente com o paciente, sendo que este plano permanece ao lado do leito do paciente; c) os outros profissionais da saúde reconheceram  o grande valor e profundidade da contribuição das “Primary Nurses”; d) com as “Primary Nurses”, o poder da Coordenadora Hospitalar já não se faz mais necessário. Como conclusão, a autora afirma que o “Primary Nursing” significa avanço e desenvolvimento da enfermagem.

þ  ARCHIBOND (1999) realizou um estudo de avaliação comparativa sobre o impacto do “Primary Nursing” na qualidade dos cuidados de enfermagem em pacientes de uma clínica médico-cirúrgica do leste da Nigéria, onde utilizou a Escala de Qualidade de Cuidado Oferecido ao Paciente (QUALPACS). Os seus resultados mostraram um significante progresso na qualidade do cuidado de enfermagem com a prática do “Primary Nursing”. Notou-se um avanço nos cuidados relacionados às áreas psicossociais, onde eram priorizadas as necessidades individuais do paciente. Os achados resultam concluir numa melhor qualidade no cuidado de enfermagem relacionado ao modelo organizacional do “Primary Nursing” do que ao modelo tradicional.

þ  WALTERS & EASTON (1999) desenvolveram um estudo etnográfico avaliando a realidade de um tentativa de distribuição do cuidado de enfermagem individualizado numa unidade de internação, onde foi usada uma mistura do método de equipe com “Primary Nursing” . Os resultados indicaram que ao paciente era oferecida a oportunidade de escolha no tratamento, sendo que em outros tempos o paciente entrava na rotina. A supervisão da dieta assistida foi uma questão que melhorou. A comunicação entre as enfermeiras melhorou assegurando a continuidade do cuidado. Houve dificuldades na distribuição do cuidado individualizado devido à “mistura” dos modelos de equipe e o “Primary Nursing” e a falta de suporte da equipe. Como conclusão, salientou que a prática atual do cuidado individualizado depende, e muito, das enfermeiras possuírem habilidades, conhecimento, experiência e filosofia de trabalho.

þ  PONTIN (1999) fez uma análise verificando se o “Primary Nursing” é uma modalidade de assistência ou uma filosofia de enfermagem. Em sua revisão de literatura, verificou que o termo “Primary Nursing” era utilizado por vários autores com diferentes significados. Após esta análise e discussão com a própria Marie Manthey, o autor concluiu que  “Primary Nursing” constitui um modo de distribuição do cuidado de enfermagem utilizado em uma unidade de internação hospitalar.                 

Em última análise, poderíamos dizer que a modalidade “Primary Nursing” sem dúvida encaminha a profissão da enfermagem para um futuro de maior reconhecimento e prestígio profissional, causando impacto na recuperação da saúde.

Estudos  atuais enfocam  que a enfermagem deve desempenhar o seu papel que lhe é de direito - o cuidado ao paciente – refletindo  uma enfermagem que sabe onde quer chegar. “Primary Nursing” nos dá esta esperança de uma autonomia e satisfação por desempenhar especificamente o nosso papel (o cuidar).

Muitas ainda são as limitações. Pensando em saúde brasileira, onde a lógica da relação custo-benefício desconsidera o qualitativo em detrimento do quantitativo, o “Primary Nursing” ainda é muito dispendioso, pois demanda um número maior de profissionais enfermeiros. Outro aspecto a ser considerado é o preparo técnico-científico do profissional que, como sabemos, carece de conhecimentos e, para a aplicação desse método, o enfermeiro tem que ser competente para tomar decisões sobre as ações que devam ser implementadas.  Por vezes nos pareceu que esse método se assemelha ao modelo médico de atenção à saúde, necessitando então de uma análise mais aprofundada sobre o mesmo.

MARX & MORITA( 1998) relata que o “Primary Nursing”  não se trata de  cópia do modelo médico,  mas sim, ser responsável pelo paciente com qualidade, proporcionando-lhe um cuidado individualizado com envolvimento da família em todo o processo de tratamento.

Acreditamos na profissão que busca a competência profissional através do conhecimento científico, o “Primary Nursing”, sem dúvidas, constitui  uma opção a ser estudada  e adaptada   à realidade brasileira.     

Quanto à implantação do “Primary Nursing”, não resta dúvida de que este sistema faz as boas enfermeiras parecerem boas e as más enfermeiras serem normalmente excluídas desse processo.    

CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Na formação do trabalho e com uma tendência constante para acumular idéias e conhecimentos, podemos dizer que o “Primary Nursing” é essencial não somente do ponto de vista do paciente, mas colocando a responsabilidade dos cuidados de enfermagem onde deve estar – com a enfermeira.

Ao realizar este estudo, percebemos que o “Primary  Nursing” é uma modalidade de cuidados de enfermagem, que tem como objetivo tornar holísticos os cuidados aos pacientes e minimizar a fragmentação da assistência, evitando a pirâmide de distribuição de tarefas.

Segundo Rosamond Gabrielson, escrevendo a introdução do livro de MANTHEY (1980), existem três pontos essenciais no “Primary Nursing” a serem considerados:

EVANS (1998) também aborda sobre as qualidades do “Primary Nursing” enfocando sobre o cuidado holístico, individualizado e profissional que gera autonomia aos enfermeiros

Portanto, os enfermeiros envolvidos devem possuir níveis elevados de conhecimento,  habilidades e atitudes para avaliar, diagnosticar, planejar, implementar e reavaliar os cuidados totais fornecidos aos pacientes.

Uma das principais razões para o contínuo sucesso do “Primary Nursing” é a importância da adoção do processo de enfermagem, na tentativa de fornecer um cuidado individualizado ao paciente, melhorar o relacionamento terapêutico entre enfermeiro e paciente, tudo isso com autonomia e  responsabilidade.

Acreditamos que essa modalidade eleva a qualidade de assistência prestada pelo enfermeiro, e sua implementação dependerá, não só, do interesse da administração da  instituição ,  da solicitação do mercado de trabalho, mas principalmente do interesse dos enfermeiros em mudar  o referencial  em direção à competência profissional, investindo em seu conhecimento científico, em suas habilidades e atitudes para com o ser humano, resgatando a cidadania, a solidariedade e a ética.     

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARCHIBOND, U. E. Evaluating the impact of primary nursing practice on the quality of nursing care: a Nigerian study. Journal of Advanced Nursing, v.29, n. 3, p. 680-689, 1999.

BOWERS, L. The significance of primary nursing. Journal of Advanced  Nursing, v. 14, n.1, p. 13-19, 1989.

EVANS, L. Primary nursing – na alternative approach for midwives. Aust. Coll. Midwives Inc. J., v.11, n.1, p.7-10, 1998.

HOLMES, S. W. Managing the stress of Primary Nursing. Nursing Management, v.18 , n. 1, p.62-66, 1987.

IYER, P.; TAPICH, B. J.; BERNOCCHI-LOSEY, D. Processo e diagnóstico de enfermagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. p. 193 – 203.

KRON, T.; GRAY, A. Administração dos cuidados de enfermagem ao paciente. 6ª ed., Rio de Janeiro: Interlivros, 1994. p. 11-27.      

MANTHEY, M. A prática de primary nursing (enfermeira principal). 1ª ed. Minneapolis: Creative Nursing Management, 1980. 85 p.

MANTHEY, M. Can primary nursing survive? Am. Journal of Nurs., p. 644-647, 1988.

MARX, L.C.; MORITA,L. C. Competências gerenciais na enfermagem: a prática do Sistema Primary Nursing como parâmetro qualitativo da assistência. 1 ed. São Paulo: BH Comunicação, 2000.130p.

MANTHEY, M. Manual de gerenciamento de enfermagem. 1. ed. São Paulo: Rufo, 1998. 157 p.

MCMAHON, R. Power and collegial relations among nurses on wards adopting primary nursing and hierarchical ward management structures. Journal of Advanced Nursing, v.15, p.232-239, 1990.

PONTIN, D. Primary nursing: a mode of care or a philosophy of nursing? Journal of Advanced Nursing, v. 29, n. 3, p. 584-591, 1999.

WATERS, K. R.; EASTON, N. Individualized care: is it possible to plan and carry out? Journal of Advanced Nursing, v. 29, n.1, p. 79-87, 1999.

WATKINS, S.  Primary Nursing : tried and tested. Nurs. Times, v. 88, n. 48, p. 66-68,1992.
 


1Mestre em Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP. – e-mail: lumah9704_@hotmail.com.br

2Mestranda da Área de Enfermagem Fundamental – EERP- USP. Docente-assistencial da Faculdade de Medicina de Marília.

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