Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 03, Num. 02, 2001 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

A ABEn NA DEFESA DOS PRINCÍPIOS ÉTICOS, POLÍTICOS E TÉCNICOS NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS.

Maria José Moraes Antunes*


ANTUNES, M. J. M. - A ABEn na defesa dos princípios éticos, políticos e técnicos na implementação do SUS. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.3, n.2, jul-dez. 2001. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen


A história da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn - diretoria nacional, seções e regionais), na defesa de princípios éticos, políticos e técnicos na implantação do Serviço Único de Saúde (SUS) está imbricada com a defesa de um novo paradigma para o setor saúde brasileiro, o da busca da saúde como resultante da qualidade do bem viver, como direito de cidadania universal. É uma história de uma dura luta cotidiana, para a anulação dos poderes que se estabeleceram ao longo dos 500 anos da história do Brasil e conformaram a oferta de serviços de saúde seletivos, excludentes, direcionados aos interesses da manutenção da indústria de medicamentos e equipamentos girando em torno da doença. O SUS não é proposta ou privilégio de nenhum partido político. É uma conquista da sociedade brasileira que tomou vulto e forma a partir do movimento de democratização do país vivido nos anos 80. Tem como marco histórico mundial a Conferência de Alma Ata em 1978, a nacional a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986 e marco jurídico legal os artigos 196 a 200 da Constituição Federal de 1980 e as leis 8080 e 8142/90. Falar de SUS no século XXI e das responsabilidades éticas, políticas e técnicas da ABEn no processo de sua consolidação, exige uma mirada, ainda que rápida, na realidade atual do Brasil, no SUS e na enfermagem que ajudamos a construir: O PIB brasileiro hoje é o menor da história nos últimos 50 anos. Isso significa desemprego, aumento da pobreza e da desigualdade social. Só perdemos para o Haiti na pior distribuição de renda; 53,1 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, com vencimentos per capta inferiores a R$ 84,00 (cerca de U$ 40,00) reais por mês. Por ano, morrem 108.000 bebês, por causas evitáveis - a morte anunciada. Todos os dias renovamos o sentimento coletivo de revolta ao tomar conhecimento de ações/atividades de representantes legislativos que nos roubam o erário público. Vivemos nas cidades sofrendo de dengue, doença tão velha quanto lampião de queresone, que corremos o risco de voltar a usar. Nos escondemos atrás de muros altos da violência urbana, fruto da impunidade e da falta de perspectiva de futuro dos nossos jovens. O SUS tem avançado no controle social, na descentralização dos serviços, especialmente na atenção básica, onde a Enfermagem brasileira mostra sua força, compromisso e competência. Disso, não há como negar. Majoritariamente, é a enfermagem brasileira que tem dado sustentação às ações de promoção à saúde e prevenção de doenças neste país, apesar das adversas condições de trabalho e do não reconhecimento oficial dos poderes oficiais e da imprensa brasileira. Aqui há que se fazer uma observação: no universo da atenção básica e do gerenciamento dos SUS, é preciso instrumentalizar e empoderar as enfermeiras e enfermeiros para os desafios gerenciais na organização do SUS, especialmente nas ações gerenciais necessárias para a implantação da NOAS/01 (Norma Operacional da Assistência à Saúde), o acompanhamento dos indicadores da Atenção Básica, da Programação Pactuada Integrada Epidemiológica e da Assistencial, o Cartão SUS, Agenda da Saúde, da Atenção Básica, entre outros instrumentos de gerência. Gerenciar, organizar serviços de saúde e de enfermagem para a atenção básica é extremamente complexo. É preciso portanto que as academias de enfermagem incorporem nos seus conteúdo curriculares de graduação conhecimentos da gerência da atenção básica, assim como, as seções da ABEn devem urgentes organizar grupos de discussão deste conteúdo, tão necessário a uma prática contextualizada e resolutiva no cotidiano do trabalho em saúde. Voltando ao tema, quero lembrar que há SUS e "SUS". Há exemplos, neste imenso país, de dignidade e honradez na organização de sistemas municipais voltados para a garantia do acesso, qualidade e integralidade da atenção. Mas há também, em boa parte dos municípios brasileiros, prefeitos que, além de não repassarem recursos do município para o SUS, ainda desviam o que recebem do Ministério da Saúde. Os Governos estaduais continuam, apesar da Emenda Constitucional 29 a desconhecerem suas responsabilidades financeiras com o SUS. Os gestores municipais vêm, cada vez com mais premência, vivendo o conflito de não conseguir gerenciar a rede de prestadores hospitalares e de serviços complementares, que continuam a auto-selecionar seus atendimentos e mandando ao SUS uma conta no fim do mês cada vez maior. A conta da atenção recuperativa e de exames complementares continua a levar cerca de 80% dos recursos da saúde. Agrava esta conta a incorporação de novas técnicas e procedimentos de alta complexidade, sem o devido suporte financeiro para cobrir as despesas... Com apenas 20% para a atenção básica os centros de saúde continuam sucateados, feios, desaparelhados, sem recursos humanos e infraestrutura suficiente para atender à população com resolutividade e qualidade. Neste cenário que a enfermagem exerce sua prática social, lutando para a construção da cidadania no trato a saúde ou contribuindo para a manutenção da iniquidade. A ABEn como, entidade civil, de associação voluntária e civil, deste 1986, em Porto Alegre, assumiu, no preâmbulo de seu Estatuto, o compromisso ético, político e técnico de propor e defender políticas e programas que visem a melhoria da qualidade de vida da população, maior grau de resolutividade dos seus problemas de saúde e que garantam acesso universal e equânime nos Serviços de Saúde. Cumprindo este compromisso a ABEn tem estado ao lado das instâncias de poder formal e informal, construindo e contribuindo criticamente para modificar a realidade. Para transformar a realidade é preciso se misturar nela envolvendo-se, expondo-se e ajudando a fazer. Neste sentido é preciso registrar as críticas, feitas nos bastidores da elite da enfermagem brasileira, à pretensa adesão da diretoria da ABEn nacional aos programas do Ministério da Saúde. Essas críticas são fruto da ignorância do trabalho que a ABEn tem desenvolvido, apesar de todas as dificuldades que vem do esforço voluntário e não remunerado de sua presidentes e diretoras por todo o país. Independente do partido político que assumiu o poder no Brasil em todas as instâncias, compete ao Ministério da Saúde, às Secretarias de Estado e Secretarias Municipais gerenciar o SUS. E se a ABEn não se aproximar destas instâncias, buscando defender os interesses da maioria da população excluída e os interesses da enfermagem, estará, no mínimo, abrindo mão do poder de intervir. Discursos metafísicos ou cartas de intenção não mudam a realidade. São marcos de referência ideológica. É preciso buscar poder para intervir nas decisões, em todos as instâncias, independente dos partidos políticos que democraticamente as governam, mas sem contudo romper com os compromissos éticos e políticos que norteiam a ABEn. É preciso portanto que a ABEn- nacional, seções e regionais avancem nas relações de poder e na prática política, socialmente comprometida, que se dá nos gabinetes dos Ministérios, do Congresso Nacional, nas secretarias estaduais e municipais de saúde, nas assembléias legislativas e câmaras de vereadores do país. Mas que se dá também e principalmente nos espaços de controle social, como as conferências de saúde e os conselhos de saúde, onde a presença da ABEn é fundamental para a construção da cidadania, não mais regulada, mas construída nas raízes da vida brasileira... Mais que atores que representam papéis precisamos ser autores da história da saúde pública brasileira. História, transformações, reformas não se fazem sem lutas, sem rompimentos, sem negociações, sem pactuações. As pessoas que assumem cargos na ABEn em todo o país não podem fugir da autoria de novos capítulos voltados para a transformação social que este país precisa. Fazer política, dentro e em nome da ABEn, não partidária, mas no estrito senso da palavra: defender democracia, igualdade, liberdade, fraternidade universal. Omitir-se, ficar de fora do processo político, é perder a oportunidade de ajudar a mudar o mundo, mesmo com todos os riscos a que se expõe. O SUS está aí, em construção... Cabe a ABEn, suas diretoras e associadas apoiar, transformar, concretizar programas e projetos que ampliem o acesso e a qualidade da atenção à saúde. Ou transformá-los, desde sua concepção e implantação. Sermos sujeitos e autores na construção mágica e ao mesmo tempo rude e crua da sociedade brasileira, que queremos voltada para a igualdade nos direitos sociais. Esta é a tarefa das associadas, diretoras e diretores da ABEn. Sermos pedreiras, lavradoras, costureiras e bordadeiras de serviços de saúde resolutivos e equânimes. Ajudar a adoçar a vida plena de todos, especialmente dos excluídos, que nos vem através do SUS. Esta é a nossa principal agenda política. E a favor dela temos de estar todos: intelectuais, docentes, enfermeiros assistenciais, estudantes, técnicos e auxiliares de enfermagem associados e diretores da ABEn. Envolver a comunidade de enfermagem nesta luta coletiva de construção da cidadania com ética e competência profissional é a tarefa da ABEn em todo o país. Ontem, hoje e sempre.

Maria Jose Moraes Antunes - Diretora de Assuntos Profissionais da ABEn Nacional-1996-1998, 1998-2001.

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