Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 03, Num. 01, 2001 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

O CUIDADO HUMANO COMO PRINCÍPIO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM À PARTURIENTE E SEUS FAMILIARES

 Silvia Regina Ceccato, Isabel Cristina Pacheco van der Sand *


Ceccato, S. R. ;  van der Sand, I. C. P. - O cuidado humano como princípio da assistência de enfermagem à parturiente e seus familiares. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.3, n.1, jan-jun. 2001. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen


RESUMO - Este estudo buscou entender a percepção dos membros da equipe de enfermagem do Centro Obstétrico, acerca das necessidades da mulher internada para parto em um hospital com os títulos de Amigo da Criança e Maternidade Segura. A população em estudo compôs-se de sete membros da equipe de enfermagem do Centro Obstétrico sendo uma enfermeira, uma parteira e cinco auxiliares de enfermagem. Para a coleta dos dados utilizou-se a técnica da entrevista semi-estruturada e a proposta de observação-participação-reflexão recomendada por LEININGER (1991). Os dados foram registrados em diário de campo e gravados em audiotape. Para a análise considerou-se a proposta de BARDIN (1977). Constatou-se segundo a ótica das comunicantes que as necessidades apresentadas pelas parturientes são: atenção, carinho, diálogo, acompanhante, orientação, e esclarecimento. Os resultados demonstram a importância de dar “voz” à equipe de enfermagem para a construção de novos conhecimentos, ou mesmo, à afirmação de conhecimentos já apontados na área da enfermagem.

UNITERMOS: enfermagem, cuidado, humanização, assistência

ABSTRACT This research has gone for understanding that the perception of the members from Obstetrical Center group is, regarding the necessities of interned woman for parturition in a hospital titled as Child’s Friend and Safe Maternity. The population examined comprehended seven members from nursing staff of Obstetrical Center, a nurse, an accoucheuse and five nursing assistants. To collect the data it was used the technic of semi-structured interview and the proposition of observation-participation-reflection recommended by LEININGER (1991). The data collected were registered in a daybook and recorded in an audiotape. For analysis it was taken into consideration the proposition of BARDIN (1977). Following the communicators’ view, it was noticed that the necessities presented for the parturient women were: attention, kidness, dialogue, companion, guidance, and explanation. The results show the importance on give opportunity to nursing staff to produce new acquirements, or even to confirm the ones that have already pointed out in the nursing field.

 KEY WORDS:  nursing, care, humanization, attendance.

1- INTRODUÇÃO

A Enfermagem vem buscando seu reconhecimento como ciência, enfatizando que o cuidado é a essência de sua prática, seu ideal. Porém, o cuidar com o advento do modelo biomédico, arraigado no propósito de curar, meramente constitui-se como o cumprimento da prescrição médica, caracterizando-se como rotineiro e burocrático.

Concorda-se com CARVALHO (1987) quando aponta como ideal, o eixo norteador da existência humana responsável pela congruência de esforços, para a exteriorização das aspirações, ou melhor, dos desejos subjetivos, de forma concreta na realidade. O autor enfatiza ainda que as imposições constantes contra a efetivação dos ideais, tornam os esforços repetitivos e intoleráveis. Então, a insatisfação revela-se ao indivíduo, tornando-o indiferente às injustiças, antes desprezíveis. Assim, a banalização efetua-se, adormecendo a sensibilidade do indivíduo frente às atrocidades vivenciadas. Na enfermagem, a banalização se desenvolve quando há o abandono do ideal da humanização da assistência.

Acredita-se que o cuidado como foco central da enfermagem, deverá constituir-se na interação, no contato com o paciente, no resgate do cuidado humano. Para resgatá-lo, a enfermagem precisará desenvolver uma relação interdependente, recíproca com o ser cuidado, propiciando condições de crescimento, de aprendizagem para seu restabelecimento. O que poderá contribuir para a consolidação de novas experiências, enriquecendo a sua capacidade de cuidar, evitando um contexto reducionista.

Cumpre salientar, parafraseando WALDOW (1999), que o cuidado acompanha a vida desde o princípio. Assim, torna-se imprescindível tanto na higidez como na enfermidade e morte, representando o estímulo de gozar a vida, satisfazendo as carências humanas de relacionamento.

Todavia, o processo de cuidar não deve se pautar somente na identificação dos sinais e sintomas clínicos da doença, mas nas modificações que ocorrem na estrutura dos seres humanos as quais abalam a sua totalidade.

Observa-se que o cuidar não comporta somente a excelência na execução das intervenções de enfermagem. Mas, também a condição de que a cuidadora deverá em suas ações expressar a sua sensibilidade fazendo com que o ser cuidado perceba seu interesse e respeito, transmitindo-lhe segurança.

Conforme WALDOW (1999)

“o cuidar parece deixar de ser um procedimento, uma intervenção para ser uma relação onde a ajuda é no sentido da qualidade do outro ser ou de vir a ser, respeitando-o, compreendendo-o, tocando-o de forma mais afetiva.”

Entendendo o cuidar como cuidado humano e, que a situação de parto desperta as mais variadas reações de ansiedade na parturiente, observa-se que a equipe de enfermagem precisa estar preparada e ciente das complicações que sucedem cada reação.

De acordo com as colaboradoras estudadas por GUALDA (1993), durante o período do parto há fatores como dor, sofrimento, solidão, o próprio parto, hospitalização, estado do bebê, etc. que amedrontam a parturiente, resultando na falta de controle das situações vivenciadas. Porém, as orientações contínuas, por parte dos profissionais da enfermagem, fornecendo explicações sobre as condições de evolução do parto, são estratégias apontadas para a superação destas dificuldades. Se a equipe de enfermagem não desenvolver um manejo correto, a experiência do parto poderá ser traumatizante, havendo  maior probabilidade de complicações obstétricas.

Muitas maternidades não dispõem de meios adequados para a assistência humanizada que priorize a individualidade, a cultura, os costumes de cada mulher. Por conseguinte, ao necessitar da internação hospitalar será submetida às rotinas padronizadas desta organização, e muitas vezes, em virtude da sua  situação socioeconômica dentre outros fatores, ser-lhe-á impossibilitado o direito à privacidade.

Por isso, o cuidado além de princípio da assistência de enfermagem, necessita ser a filosofia da instituição, permitindo as condições indispensáveis para desenvolvê-lo. Essas condições, são recursos humanos qualificados, materiais e tecnologia, bem como a apropriada estrutura física.

É de fundamental importância considerar, que o significado do parto está intimamente relacionado com a subjetividade e a cultura de cada mulher, sendo vivido diferentemente entre as mesmas.

MALDONADO (1980) diz que

“se considerarmos que cada sociedade ou cada época apresenta à grávida determinados modelos de gravidez, parto e relacionamento materno-filiais, a avaliação do que constitui um bom parto está forçosamente condicionada a um determinado contexto cultural numa dada época. (...) e a própria experiência de dor é vivida de maneiras diversas (...).”

Verifica-se então que a vivência do parto está intimamente relacionada à cultura, que pode ser entendida  como

“o conjunto de comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas  através de um processo de aprendizagem, e transmitidas ao conjunto de seus membros” (LAPLANTINE 1988).

Cabe também destacar a definição de HELMAN (1994) para quem a cultura é o conjunto de princípios (explícitos e implícitos) herdados por cada membro de uma sociedade em particular, que representam a forma de ver o mundo, de vivenciá-lo emocionalmente e de comportar-se em relação a outras pessoas. Portanto, a cultura exerce influência em muitos aspectos na vida dos sujeitos (crenças, comportamentos, percepções, imagem corporal, etc.), influenciando a questão saúde e a forma de assisti-la.

O parto hospitalizado tornou-se regra, atingindo resultados importantes para a Obstetrícia na redução da morbi-mortalidade materna e neonatal. Porém, a supervalorização técnica do nascimento, a ênfase exagerada à sua fisiologia, negligencia seus aspectos psicoemocionais e sociais, sendo negado à parturiente, seu direito de experienciá-lo de acordo com os seus significados adquiridos culturalmente (GUALDA,1993; HELMAN,1994).

GUALDA (1993) afirma que

“o parto constitui um ponto importante no processo da maternidade. Dar a luz a uma criança não é nunca simplesmente um ato fisiológico, mas um evento definido e desenvolvido num contexto cultural”.

Uma mulher grávida encontra-se num estado de vulnerabilidade e ambigüidade social, estando em transição entre dois papéis sociais – o de esposa e o de mãe (HELMAN, 1994). Neste sentido, MONTICELLI (1997) observa que

“especialmente durante o processo do nascimento, a enfermeira colabora na transição dos papéis sociais desempenhados pelas mulheres, apoiando-as na definição de novos papéis (o de mãe) e na redefinição de outros já existentes (como o de esposa)”.

Porém, para uma interação eficaz e congruente a enfermeira precisa considerar a cultura de cada parturiente, se preocupando em investigar e compreender sua interpretação sobre o significado de sua atual condição. E, conseqüentemente, a repercussão dessa influência em seu comportamento, atitudes, crenças e práticas (MONTICELLI,1997).

“Cada instituição exibe sua própria cultura que se constitui em ROTINAS que fundamentam a prática assistencial. Estas rotinas ou rituais, caracterizam-se por procedimentos técnicos (enteroclisma, jejum, afastamento da família, indução, estimulação e analgesia...), ou seja, assistência às necessidades físicas da mulher “(GUALDA, 1997).

LEININGER (1991) expõe que o cuidado humano é universal, sendo experienciado diferentemente nas diversas culturas, e, em sua Teoria sobre a Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural, preconiza que o conhecimento do mesmo é necessário para o desenvolvimento da prática assistencial  de enfermagem (GEORGE, 1993).

Essa autora foi quem definiu o termo “Enfermagem Transcultural” como sendo um comparativo e análise de culturas em relação às práticas de cuidados da enfermagem, visando um atendimento significativo e eficaz às pessoas de acordo com seus valores culturais e seu contexto saúde-doença.

LEININGER (1991) apresenta três tipos de interação entre enfermeiro/cliente: a) preservação do cuidado cultural – as ações da enfermeira precisam apoiar, facilitar ou capacitar o cliente para o restabelecimento da saúde ou enfrentamento da morte; b) ajustamento do cuidado cultural – assistência profissional visa à adaptação , ajustamento ou negociação do cliente, almejando um resultado de saúde benéfico ou satisfatório; c) repadronização/ reestruturação do cuidado cultural -  intervenções profissionais que necessitam modificar os padrões de saúde do cliente para alcançar adequada qualidade de vida, respeitando os valores culturais, crenças do cliente. Deste modo, a assistência de enfermagem será adaptada à cultura do cliente não havendo incongruências entre cliente e cuidador (GEORGE, 1993).

Frente a esse quadro teórico e almejando uma adequada assistência de enfermagem e a garantia de um parto humanizado este estudo buscou entender a seguinte questão: “qual a percepção dos membros da equipe de enfermagem acerca das necessidades da mulher internada para parto em um Hospital com os títulos de Amigo da Criança e Maternidade Segura?”

Assim, os objetivos que nortearam a realização do estudo foram:

  1. Entender a concepção que a equipe de enfermagem possui sobre o processo do cuidar;
  2. verificar quais são as necessidades da mulher internada para parto sob o ponto de vista dos membros da equipe de enfermagem; 
  3. identificar as intervenções realizadas pela equipe de enfermagem ao assistir a mulher no trabalho de parto e parto; 
  4. observar qual é o foco da assistência de enfermagem durante os períodos clínicos do parto e,
  5. conhecer qual é ou quais são os ideais que norteiam a assistência da equipe de enfermagem à mulher internada para parto.

2 - O PERCURSO METODOLÓGICO

Tendo em vista o propósito do estudo e considerando a percepção como o resultado de conhecimentos adquiridos pela compreensão, vivência, cultura, ou seja, a subjetividade do sujeito, optou-se pela metodologia qualitativa - estudo de caso do tipo etnográfico, cujos dados foram coletados junto a sete membros da equipe de enfermagem do Centro Obstétrico (C. O.) de uma maternidade - uma enfermeira, uma parteira, cinco auxiliares de enfermagem.

A maternidade onde foi desenvolvido o estudo é pública de médio porte localizada no litoral catarinense, com capacidade total de 155 leitos, mantendo uma média de 20 partos/dia, 7000 partos/mês; com um índice de parto normal igual a 72,38%.

Para a coleta dos dados utilizou-se a técnica da entrevista semi-estruturada e a proposta de observação-paticipação-reflexão(O-P-R) recomendada por LEININGER (1991). Almejando contemplar os objetivos do estudo, as questões  norteadoras que balizaram a coleta dos dados foram: - descreva-me um dia típico de suas atividades como (enfermeira, auxiliar, parteira) na assistência de enfermagem à mulher internada para parto; - o que é cuidar para você? - de acordo com o seu ponto de vista, quais são as necessidades apresentadas pelas mulheres internadas para parto? - como você gostaria de ser cuidada se estivesse internada na maternidade para ganhar seu bebê?

Os dados coletados pela O-P-R, foram registrados na forma de diário de campo e as entrevistas gravadas em audiotape. Para a análise dos dados utilizou-se da análise temática, por entender-se conforme salienta MINAYO (1994, p. 204) que, ao lado da análise de enunciação, é uma das “formas que melhor se adequa à investigação qualitativa do material sobre Saúde”. O tema para BARDIN (1977, p.105) é a “unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”.

Para a análise seguiu-se as orientações metodológicas preconizadas por BARDIN (1977, p.95), em suas três etapas: “pré-análise; exploração do material; e, tratamento dos dados obtidos e interpretação”.

Respeitando-se os princípios éticos da pesquisa foi utilizada a declaração de consentimento livre e informado de acordo com a Resolução 196/1996, bem como garantido anonimato dos sujeitos e utilização dos dados somente para fins científicos. O projeto de pesquisa foi enviado para a instituição hospitalar que, por não contar com comitê de ética, foi examinado e aprovado pela equipe responsável pelo setor de educação continuada.

 3 - DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

Após leitura exaustiva e repetida das falas das comunicantes e, considerando os objetivos do estudo e as questões teóricas até aqui apontadas, ordenou-se e classificou-se o conteúdo dos textos, emergindo vários temas, que após enxugamento, resultaram em três.

TEMA 1: O significado do cuidar: híbrido entre corpo e mente

Ao solicitar para os membros da equipe de enfermagem uma descrição de um dia típico de suas atividades na assistência à mulher internada para parto, evidencia-se o foco do seu trabalho, ou seja, o bem estar físico e psicológico das clientes. Examinemos as falas a seguir:

 “Quando a paciente chega a gente, (...) preenche papéis, né, do RN com os dados da mãe e..., e prepara, faiz tricotomia é... faiz enema e após, a gente encaminha ela pro banho e... arruma o leito, e aplica a medicação que... prescrita. (...) nossa assistência é... se ela qué i ao banhero a genti conduz; é... auxiliá no banho; é dá né, apoio moral... também psicológico... daí a gente conversa com a paciente a, a gente chama os familiares né, no horário de visitas (...).” (ENT. 02)

“Nós recebemos a pacienti é... já vem pronto do partograma (...) a genti leva a pacienti pra sala di... onde a genti vai fazê os primeiros preparos... que é de parto normal, que é fleet enema e uma ficha que é do bebê né, se a mãe não tem nenhum problema pro pediatra avaliá, como foi a gestação da mãe e depois é dado uma toalha né, ela vai tomá o bainho. E depois o médico vai avaliando as mãe, (...) fazê alguma medicação, (...) alguma atenção Que a mãe queira em especial. (...) É conversá com a mãe, é ficá mais perto dela né, é explicá pra ela a... as contrações como ela deve respirá né, dá um apoio pra mãe”. (ENT. 06)

Compreende-se como bem-estar físico neste tema a realização do fazer técnico, isto é, a rotina da admissão obstétrica, composta neste serviço pelo preenchimento da ficha de controle do recém-nascido e partograma, bem como tricotomia, realização de clister e, higiene corporal da paciente.

Uma das comunicantes ressalta a importância de a maternidade adotar dietas brandas durante o trabalho de parto o que evitará o jejum prolongado que interfere negativamente no primeiro e segundo períodos clínicos do parto.  Verifica-se aqui uma tendência à reorganização de um padrão cultural de cuidado, visto que em muitas maternidades brasileiras entre suas rotinas está o jejum durante todo o trabalho de parto.

“(...) i a paciente ficá em jejum, porque também já em otros lugares Casa de Parto na verdade, a paciente pode tê uma dieta líquida (...)” (ENT. 07)

Quanto ao bem-estar psicológico verifica-se a preocupação da equipe de enfermagem de estar ao lado da parturiente, ajudando-a a superar este momento com diálogo, apoio moral e psicológico, atentar às orientações acerca de suas preocupações, ou ainda possibilitar a presença da família ao seu lado por alguns instantes. O grupo cultural estudado explicita que em sua concepção de assistência está imbricado o significado que advém da etimologia do termo latino “obstare” – estar ao lado ou em face de (REZENDE, 1974).

Percebe-se que o cuidar para esse grupo não se resume aos procedimentos técnicos necessários à assistência obstétrica. Cuidar para além do técnico é preocupar-se com as necessidades psicoemocionais da parturiente. É mantê-la, sempre que possível, com a cama limpa, auxiliá-la no banho, apoiá-la durante as contrações realizando massagens para o alívio da dor em função da compressão da musculatura lombar, ou capacitando-a  na busca do autocontrole frente às situações vivenciadas.

“(...) cuidar significa o conforto dessa paciente. Ela esta com dor, (...) a preocupação maior é o BCF né, é como está esse bebê (...). É também o cuidado técnico, a cama sempre limpa, confortável, se tá muito quente né, mantendo ela sempre limpa e confortável (...)”. (ENT. 01)

“cuidar é assistir né, (...) todos os momentos dela (...) dando apoio, ajudando, é tudo o que ela necessitá. Por exemplo, se ela pede até um..., desde o mais simples: “eu estou com sede!” (...) cuidar é assistir ela em tudo né, é desde o banho,  das dores, é fazê uma né, até uma massage, alguma coisa assim”. (ENT. 02)

Nas falas que seguem observa-se que cuidar é estar disposta a atender o mais trivial desejo da cliente, com empenho e dedicação, demonstrando interesse em assisti-la. Deste modo, a equipe de enfermagem ao transmitir à parturiente a segurança de que está sendo cuidada, através do apoio e orientações do que esta acontecendo com ela, expressa sua sensibilidade e respeito diante da expectativa do parto.

A concepção de cuidado pautado em questões técnicas e psicoemocionais, que pode ser observada no dia-a-dia, através da observação-participação-reflexão em campo, resgatam os ensinamentos de Florence Nightingale os quais ainda dão suporte à cultura do cuidar em enfermagem.

“cuidar? É explicar pro paciente tudo o que vai sê feito com ele i dá um carinho especial. É fazê com que o paciente fique seguro, que ele vai sê bem atendido (...)”. (ENT. 06)

“cuidar é tanta coisa, cuidá é educá, é orientá né, é dá assistência que ela precisa, que a mãe né, (...) tá ali presente né, se a mãe chamá, qué i no banhero, a gente podê levá. Ou mesmo, si ela qué esclarecê uma dúvida (...) não ficá ali desamparada. Já tá ali no meio de estranho (...)”. (ENT. 05)

O apoio caracteriza-se também, na ótica das comunicantes, por estar ao lado da  mulher atendendo seus pedidos, sendo eles os mais banais; diálogo para vir a saber algum fator preocupante através da sua história; orientação acerca do nascimento, ou mesmo, possibilitar a presença do familiar ao seu lado por alguns instantes. Observa-se que o “fazer” da enfermagem simboliza a base para o sucesso da assistência, isto é, a felicidade de mãe e filho entendida como a segurança de boas condições do binômio.

Uma das comunicantes acredita que o cuidar é desenvolver empatia colocando-se no lugar da parturiente, procurando vivenciar seus sentimentos para poder responder as suas expectativas. Pois, ao interagir, ao “doar-se” à cliente desenvolver-se-á uma relação de ajuda que primará pela qualidade da assistência.

“cuidar pra mim é doar-se. Cuidar é uma coisa assim que você se tem que doar-se à paciente. Â se colocá no lugar dela que eu acho muito importante, (...) é fundamental se colocar no lugar da paciente, daí você sabe o que ia querê naquele momento, vai senti com ela, o que tá sentindo (...)”. (ENT. 03)

A equipe colaboradora  ao ser indagada de como gostaria de ser cuidada quando da sua internação nesta maternidade para parto demonstra preocupação com a empatia. As falas revelam que as comunicantes esperam dos cuidadores atenção, carinho, liberdade, orientação e tranqüilidade.

“(...) com carinho né, que elas me explicassem o que tava acontecendo, bem que a gente sabe o que vai acontecendo né, mais assim que tivesse alguém mais junto comigo, eu gosto muito da M. ela passa a tranqüilidade dela né, de que tá tudo bem, que vai dá tudo certo né, (...)”.(ENT. 06)

“ah, com respeito né! Assim, não grossa que seja, que não fosse grosso né, as funcionárias. (...) que me recebesse bem né, com calma, com até que me explicasse o que ia acontece comigo aqui dentro (Centro Obstétrico), onde é que eu ia ficá (...)”. (ENT. 04).

ah! eu gostaria que tivesse mais atenção sabe, (...) conversá assim...”. (ENT. 04)

Cumpre salientar, que uma das depoentes expõe que mesmo conhecendo os acontecimentos referentes aos períodos clínicos do parto, os prestadores de cuidado e o serviço se sentiria assustada e desamparada diante do parto.

“(...) com atenção né, com carinho, toda mulher grávida, até nós que somos auxiliares de enfermagem, também temos depressão, ficamos asustados na hora do parto, também precisamos de carinho, a gente tem crise de desamparo, de solidão, depressão pós-parto (...)”. (ENT. 01)

Outra questão levantada é o desrespeito com a paciente, quando desconsidera-se sua dor, ou seja, sua subjetividade, bem como, sua privacidade ao ser examinada ou em sala de parto.

Deve-se considerar que a maternidade é uma instituição-escola e há discentes preocupados com sua  aprendizagem, buscando presenciar as diferentes situações clínico-obstétricas. Porém, a postura dos profissionais e dos alunos é questionada pela equipe de enfermagem em prol da humanização do atendimento e honra aos direitos das clientes, independentes de suas condições sócio-econômicas.

“(...) eu acho que o dizê pra paciente, ô como eu odeio quando dizem isso que é pra ninguém gritá, não sabia que ia doê pra ganhá? Pra cada um dói de um jeito(...)”. (ENT. 01)

“(...) eu acho falta di respeito com a paciente porque tem um monte de gente na hora que tão examinando, na hora do parto (...).” (ENT. 07)

“(...) as veiz a gente vê uma colega ou outro né, que são mais istúpido com a mãe, que a gente recebe pessoas de todos os níveis sociais né, (...).”(ENT. 06)

Duas das comunicantes indicam que a presença do familiar completaria as suas exigências para uma assistência qualificada.

“eu queria alguém da família junto comigo, (...) eu ia me sente bem mais protegida (...)”. (ENT. 02)

“que me desse atenção, me deixasse a vontade, que eu pudesse ficá com o meu marido principalmente né, (...)”. (ENT. 03)

Destaca-se que a filosofia da maternidade incentiva a participação do familiar na assistência ao trabalho de parto. Essa idéia, deriva do fato de que possui os títulos de Hospital Amigo da Criança e Maternidade Segura e também, devido a busca da humanização da assistência.

A participação do familiar ocorre quando a parturiente está no jardim com a indicação de deambulação para evolução do trabalho de parto; em alguns momentos no pré-parto, quando está sob indução de parto; e, na hora do nascimento.

Outras comunicantes consideram importante a participação de um acompanhante, mas fazem dicotomia entre familiar e parturiente, evidenciando importar-se somente com o respeito à cliente; ou ao familiar que demonstra interesse em ofertar apoio à futura mãe. Deste modo, estereotipam o pai como aquele que tem somente a curiosidade de assistir o parto e o faz por esta finalidade, e por isto, condenam-no. Aqui evidencia-se que a cultura institucional tem influência de padrões culturais externos ao ambiente de trabalho propriamente dito, pois na cultura ocidental ao homem e à mulher são estipulados algum comportamentos específicos de gênero e, nesse sentido, é vedado ao homem/pai envolver-se com ações e sentimentos “próprios do feminino”, tais como o parto.

“(...) dificilmente eu magoá uma pacinte né, (...) falá alguma coisa assim pra magoá é muito difícil, agora quanto ao acompanhante pra mim é indiferente se eu magoá né, (...) “. (ENT. 02)

“eu acho importante sabe, pra muitas pessoas, que nem o assistir o parto né. Eu acho assim ó, que tem pessoas que são preparadas pra assistir o parto, o pai tá preparado, porque tem pais que não, que vem pra vê como é que é a coisa, i não é aquele carisma de vê o nascimento da criança, de tá junto da mãe porque é imortante pro casal. (...) na hora não é aquilo, ele qué i lá pra vê como é, pra depois contá pros otros(...) e que deveria ser diferente (...)”. (ENT. 06) 

Como a maternidade é um centro de referência sua demanda é, em média, 20 partos/dia, e muitas vezes há sobrecarga de tarefas resultando em uma assistência prejudicada. Então, em situações que se tem dez ou mais parturientes, nos diferentes períodos clínicos do parto, que requerem igualmente maior atenção, o reduzido número de funcionários impossibilita a excelência na prestação do serviço. É o que nos falam as entrevistas 05 e 02.

“o certo teria que tê ou mais funcionárias, ou ali maior né, pra gente podê cuidá da mãe por inteiro assim, não só a mãe (...) eu acho que não sei as veiz a gente não trata bem né, porque as vezes a gente qué fazê as coisas rápido pra dá conta e, as veiz a gente ofendi, até eu acho as vez é muito estúpida, muito grossa assim, porque a gente têm que dá conta de todas elas...”. ( ENT. 05)

“teria que ser feito (assistir a parturiente no que ela necessita) todos os dias, em todas as horas, mas como nós temo com poca enfermagem né, então não tá conseguindo fazê...”. (ENT. 02)

A entrevistada 04 frisa a necessidade de redimensionamento de pessoal para a enfermagem, mesmo para a realização das tarefas consideradas indispensáveis na assistência obstétrica.

“o cuidar delas é pra elas não ter hemorragia, tem que vê pressão, verificá sangramento, que no corre-corre as vezes não dá, falta funcionária né.” (ENT. 04)

O conteúdo dessas falas evidenciam que as comunicantes percebem a inadequação da assistência à parturiente, que ocorre em momentos específicos, e ao mesmo tempo sabem indicar a causa e as soluções para mudanças da situação vivenciada.

 

TEMA 2: Percepção da equipe de enfermagem sobre as necessidades das parturientes

De acordo com as falas das comunicantes, durante o trabalho de parto as futuras mães demonstram desconhecimento do que se constitui o parto, e manifestam sentimentos de medo, insegurança e desamparo, mantendo até mesmo atitudes agressivas.

“(...) sozinha ela se sente desprotegida num lugar estranho, assim principalmente quando é primero filho né, é se sente bem desamparada... é lugar estranho, pessoas estranhas né.(...)”. (ENT. 02)

“(...) a mãe ela vem, a mãe que nunca teve filho ela tá apavorada, (...) aquilo ali dá um medinho né, tu chega ali apesar que hoje eles tem né, entra o marido, entra a mãe, mais sempre fica aquela insegurança nada como o desconhecido né, (...)”. (ENT. 04)

“(...) algumas vêm assustadas, não sabem o que vai acontecê e aí elas ficam mesmo, algumas agressivas, outras choram (...)”. (ENT. 01)

 “ela tem a sensação de que vai morrê, porque a genti escuta muito os relatos das mães que é uma dor assim insuportável que elas... a sensação é de que elas não vão aguentá e vão morrê. Eu acho que isso é mais insegurança, medo né”. (ENT. 06)

Esses sentimentos também podem derivar da idéia difundida pelos meios de comunicação ou pela própria cultura de que parir é sinônimo de padecimento; do fato de estar em um lugar desconhecido tendo que confiar em pessoas estranhas e também, por temer alguma complicação que coloque em risco a sua vida ou pior, do filho que espera.

A equipe revela que durante a internação obstétrica as parturientes encontram-se carentes necessitando de atenção, diálogo, segurança, orientação ou esclarecimento, para auxiliar nas diferentes situações experienciadas nos períodos clínicos do parto.

A entrevistada 04 salienta a importância da orientação às parturientes para o controle das situações vivenciadas. Assim, determina que com sensibilidade escolhe-se o melhor momento pra esclarecê-la de que, por exemplo, ao gritar não estará respirando adequadamente, sendo prejudicial para o concepto. Deste modo, a cliente terá consciência e condições de entendimento e consequentemente, responderá com maior aceitação.

“as vezes a mãe tá muito (descontrolada), eu quando ela vem aqui e começa a gritá muito eu sempre falo pra ela não gritá nuito né. Tem otras que já chegam e gritam também com a mãe né. As vezes, a pessoa na hora até grita né, as vezes até por falta de orientação, porque eu acho que se orienta-se bem, que não é bom pro bebê quando ela grita, mais orienta-se numa hora tipo quando ela não está com dor, eu acho que ela ia assimilá melhor (...)”. (ENT. 04)

Em virtude de a equipe considerar a participação da família como elemento fundamental do processo de cuidar na parturição verifica-se que as comunicantes enfatizam a presença do acompanhante como uma das necessidades da mulher no trabalho de parto.

Tanto para uma primípara quanto para uma multípara, o trabalho de parto representará uma nova experiência e terá suas respectivas particularidades, neste sentido a equipe de enfermagem reporta-se à possibilidade da presença da família, amigo ou de uma pessoa conhecida, como indispensável para a garantia de maior segurança e bem-estar da parturiente.

“(...) eu acho que os familiares junto né, é o que mais, mais assim a dificuldade delas, se tivesse alguém sempre acompanhante, acompanhando ela”. (ENT. 02)

“elas querem muito a família eu acho que é uma necessidade delas (...). “(ENT. 03)

“mais assim na verdade o maior da paciente é assim ó, falta de uma pessoa da família ou um amigo, uma pessoa conhecida, uma pessoa que dê segurança a ela do lado”. (ENT. 07) 

É importante destacar que as comunicantes afirmam que a enfermagem não pode deixar de assumir suas responsabilidades delegando o cuidado da parturiente aos familiares. Estes, são considerados como colaboradores na assistência, facilitando a interação parturiente-equipe. Veja o que nos falam as seguintes comunicantes:

“necessidade de apoio psicológico, moral (por parte da equipe de enfermagem à paciente). Não interessa porque ela veio, se ela veio sozinha, ou se veio acompanhada [...]” (ENT. 01)

“(...) então o maior (a presença do familiar), seria assim o básico de tudo sabe. E mais assim né, mais aquela nossa assistência de apoio (...)”. (ENT. 02)

“(...) é lógico ela tem que tê a segurança de tê alguém ali, algum profissional por perto que elas possam chamá, mais a família tando por perto ela já tá bem, bem mais tranqüila (...)”. (ENT. 07)

 

TEMA 3: Estratégias apontadas pela equipe de enfermagem para humanizar o cuidado à parturiente

Possuindo domínio em relação à assistência a ser prestada à clientela, neste hospital especializado, as comunicantes ressaltam que o trabalho da enfermagem não é homogêneo e censuram certas atitudes de alguns colegas. Percebe-se nas falas das comunicantes, que há ocasiões em que a parturiente não recebe amparo da equipe. Isto é, estão presentes, mas não se importam em estar ao lado satisfazendo as carências que apresentam.

“(...) esses dias atrás a gente tava mais, mais cuidadosa até a gente fazia mais massage, tem aquele bichinho  (equipamento para massagem) né, ou a gente ia assisti a ela (parturiente) né, (...)”. (ENT. 02)

“(...) ela não levantô daquele sofá pra fazê isso (auxiliá-la para ir ao banheiro), ou pelo menos ajudá, entendeu? Foi uma coisa, que são pequenas coisas que não ia fazê mal ajudá né (...) “. (ENT. 01)

Evidencia-se que a banalização está, muitas vezes, aderida no fazer cotidiano da enfermagem. Em uma das falas abaixo, salienta-se a necessidade de estar continuamente investindo em educação continuada para (re)sensibilizar os funcionários (equipe), evitando que a rotina da assistência de enfermagem transforme-os em pessoas insensíveis.

“(...) falta bastante melhoria né, a gente tá deixando muito o pessoal, tá muito a desleixar, o pessoal da enfermagem são mais antigo e eu acho que não são muito humano (...), as coisas repetidas né, que fazem a gente perdê a calma (...)”. (ENT. 02)

“eu acho que as vezes a gente é meio relapso com a paciente sabe, mas é porque as coisas acabam virando rotina, então as vezes você vê que você tá assim no meio do plantão e vê assim que poderia fazê algo mais sabe. É verdade, a gente poderia se doar mais, mais um pouquinho, mas a coisa são tão automática que acabam tornando rotina sabe, mais mecanicamente. O emocional a gente deixa pra trás o que não deveria né, por isso que eu acho que deveria mais, ter mais trabalho em grupo assim sabe, a maternidade deveria promovê mais trabalhos em grupo, palestra, conscientização e não dexá as pessoas mais antigas se tornarem rotinas né, e tratá as paciente bem”.(ENT. 06)

A banalização da assistência, que emergiu dos dados coletados, permitiu a uma das comunicantes a reflexão sobre sua prática, que talvez resulte em mudança no seu modo de cuidar. É importante destacar que esta ocorrência é possibilitada pela metodologia de pesquisa utilizada no presente estudo. Observe o que nos fala a entrevistada 06:

“(...) aquilo se torna tão rotineiro que esses dias alguém me disse pra mim assim, que a gente faiz  aquelas perguntinhas ali né, se teve alguma doença, i a gente faiz tão rápido, i a gente não percebe sabe, que as vezes, me disseram assim, que  mãe não tem tempo de pensá de uma pergunta pra outra né, (...) Sabe por que? Porque pra nóis já é mecanicamente, tu vai fazendo aquilo ali sabe i eu comecei a me auto analisá com isso (...)”. (ENT. 06)

Outra estratégia para humanizar o cuidado à parturiente centra-se no acompanhamento pré-natal, que caracteriza-se na assistência realizada à gestante antes do nascimento do concepto. Nele, a enfermeira ou médico pré-natalista deverão promover a saúde do binômio mãe-filho, para as mudanças advindas da gravidez, e também preparo para o parto. Porém, o grupo cultural estudado aponta que a maioria das dificuldades encontradas pelas parturientes, derivam do despreparo para o parto, já que à gestante não são oferecidos esclarecimentos sobre como, provavelmente, ocorrerá o nascimento de seu filho. Assim, desconhecendo a realidade do parto ao vivenciá-lo desespera-se, manifestando sentimentos de medo, insegurança e desespero (já referidos) através de atitudes agressivas, hostis e embaraçosas.

Por outro lado, há ainda um grande número de gestantes que não realizam o pré-natal e, que além de não se prevenirem contra possíveis agravos à saúde materna e fetal, perdem a possibilidade de amenizar suas ansiedades frente ao trabalho de parto.

“olha esse preparo adequado eu acho que deveria vir de fora, que tá havendo alguma falha no pré-natal, principalmente deveria ser feito no pré-natal, desde o início da gestação né, o médico já i preparando a paciente pro momento do parto né, dizê a verdade do que vai acontecê, do que vai se passá com ela, da modificação (...) do organismo dela né, que vai mudando i pro parto mesmo em sí, pra tá preparadinha (....) ou por outro lado também paciente que nem procura o pré-natal, não faiz pré-natal, (...) de repente seria uma solução pra ter mais conhecimento, pra não chegá aqui tão assustada, como quantas né, que nunca foram ao pré-natal e ficam apavoradas diante de um, do trabalho de parto”. (ENT. 03)

“eu acho assim que muitas não têm a orientação que deveriam no pré-natal. O pré-natal é errado, eles não orientam as mães como é um trabalho de parto, como pode acontecê né, como que pode doê. Tem algumas que vem e não adianta porque ela não tá preparada né, as veiz aquela que tão preparada já é difícil né, então eu acho que no pré-natal já deveria tê uma orientação”. (ENT. 02)

Comprova-se, ao analisar as falas, que embora com uma assistência adequada no Centro Obstétrico, que possibilita o diálogo com a parturiente sobre as manifestações do parto, ou seja, preocupando-se com seu estado físico e emocional, muitas vezes igualmente a paciente se desespera.

Para que a humanização da assistência seja efetiva, muitas clientes consideram indispensável a participação de algum familiar na assistência ao parto. Neste sentido, a entrevistada 04 aponta que o parto compartilhado entre parturiente e familiar deverá ser incentivado durante o pré-natal, para que ambos desfrutem do nascimento do filho se desejarem, planejando com antecedência esta experiência, e fazendo dela uma vivência positiva para ambos.

“(...) eu acho que pra esse parto humanizado tinha que tê um preparo, devia tê, assistir palestra e sê preparado (...) no pré-natal já pra eles vim pra cá assim preparado, sabê o que é, né. Dá aquele apoio assim pra mãe. (...) O significado de parto humanizado é a participação da família só que não tem esse preparo, eles criaram, eles fizeram o parto humanizado só que não, acho que tinha que investir mais assim, tipo tinha que prepará a família né”. (ENT. 04)

4 - INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Ao analisar os dados coletados observa-se concordância entre as falas das comunicantes e as colocações de HELMANN (1994), NAVAJAS FILHO (1997) e CURRY (1997) quando afirmam que a gestação para a mãe que deseja ou não o filho, representa uma crise, um turbilhão emocional com o aparecimento de ambigüidades e dúvidas, estando submetida a diversos transtornos somáticos. Diante do nascimento estes transtornos estão agudizados e as parturientes, de acordo com as comunicantes manifestam sentimentos de medo, insegurança e desamparo. Segundo a OMS (1996, p.4) uma das tarefas dos prestadores de serviço é “apoiar a mulher, seu companheiro e família durante o trabalho de parto e parto”.

Confirmando a concepção da equipe entrevistada CRANLEY e ZIEGEL (1996) apontam que durante o trabalho de parto a enfermeira (equipe de enfermagem) que assiste a parturiente precisa atentar para os cuidados fisiológicos e técnicos, bem como, ao que se refere ao calor humano e sensibilidade, sendo capaz de determinar as necessidades físicas e emocionais individualizando o cuidar/cuidado.

GUALDA (1997) ao caracterizar as necessidades físicas da mulher apontadas pelas parturientes em seu estudo de doutoramento, o faz à semelhança das comunicantes, isto é, representadas através das rotinas da prática assistencial (enteroclisma, jejum, tricotomia, higiene corporal etc.).

MONTICELLI (1997), ao pontuar que a enfermeira durante o processo do nascimento exerce papel fundamental, auxiliando a parturiente neste período crítico de sua vida - de transição dos diferentes papéis sociais, de esposa e mãe - enfatiza a questão cultural para uma interação terapêutica eficaz.

NAVAJAS FILHO (1997) exemplifica colocando que

“o que se fala, como se fala, quando se fala, as expressões faciais, as posturas, os silêncios etc., produzem sempre algum resultado ou conseqüências e, dependendo de como são feitos, podem ser tanto desejáveis, pertinentes e terapêuticos, como iatrogênicos e desastrosos...”. 

As comunicantes ao atentar para esse fato, condenam algumas posturas dos colegas no atendimento das mulheres que estão em trabalho de parto ou em parto. Observa-se concordância das falas com CORDEIRO; SABATINO (1997) que apresentam ser comum encontrar expressões verbais ou atitudes desrespeitosas por parte da  equipe de saúde em ambientes hospitalares ou maternidades.

WALDOW (1999), à semelhança das comunicantes, revela que o cuidar, não se constitui somente num procedimento ou intervenção, mas uma relação de ajuda respeitando e compreendendo o outro. NAVAJAS FILHO (1997 p.30) lembra que “Obstetrícia vem do verbo obstare, que em latim significa estar ao lado, observando e atendendo pessoas nem período crítico de suas vidas”. E, as comunicantes enfatizam, como também CRANLEY; ZIEGEL (1986), que o encorajamento e a tranqüilização da puérpera por parte da enfermagem diminui o estresse emocional e o desconforto físico do trabalho de parto.

A OMS (1996) apresenta que os profissionais da assistência obstétrica precisam estar familiarizados com as tarefas médicas e de apoio, lembrando que uma delas é dar todas as informações e explicações que a parturiente desejar ou necessitar.

Igualmente, as comunicantes afirmam que uma das formas de a mulher enfrentar o parto é informando-a sobre todo e qualquer acontecimento, através do apoio e orientação. Expressando, a sensibilidade e respeito da enfermagem, demonstrando à parturiente a certeza de que esta sendo cuidada.

Porém, as comunicantes revelam em suas falas, que a carência de profissionais qualificados e em quantidade suficiente resulta, muitas vezes, numa assistência desqualificada e desumana. GAIDZINSKI (1991) refere que “a inadequação numérica e qualitativa dos recursos humanos da enfermagem lesa a clientela dos serviços de saúde no seu direito de assistência à saúde livre de riscos”. Fica evidente que o grupo cultural estudado aponta para a necessidade de repadronização do cuidar/cuidado no que tange ao número de elementos a constituir a equipe de enfermagem que assiste à parturiente.

A equipe entrevistada entende que o processo de parir é um período de dor e sofrimento e que a enfermagem atua como facilitador desta experiência, sendo a base fundamental para a assistência obstétrica. Tal percepção é corroborada pela OMS (1996) que expressa ser o apoio o fator mais importante para o alívio da dor e por DOVERA et alli ao afirmarem que:

 “o profissional enfermeiro fornece apoio emocional, consistindo de elogios, reafirmação, medidas para aumentar o conforto materno, contato físico como friccionar as costas da parturiente e segurar suas mãos, explicações sobre o que esta acontecendo durante o trabalho de parto e uma presença amiga constante”  (DOVERA et alli, 2000, p.2).  

As comunicantes possuem o conhecimento de que a parturiente apresenta grande carência emocional frente ao parto. Deste modo, apontam como necessidades da mulher na parturição: atenção, diálogo, segurança, orientação e esclarecimento, carinho, presença da família, amigo ou pessoa conhecida, bem como nutrição adequada no primeiro período clínico do parto.

CRANLEY; ZIEGEL (1986) salientam que ao informar os futuros pais a respeito da assistência à saúde obstétrica, a enfermagem está capacitando-os para que assumam participação ativa na assistência ao parto.

Todavia, o pré-natal também considerado pela equipe de enfermagem estudada, assume importante referência para o parto humanizado. Isto porquê, os aspectos que merecem atenção da equipe de saúde, destacando-se a enfermagem, acompanham a paciente e família ao longo do ciclo gravídico-puerperal. Assim, nesta oportunidade a enfermagem deverá fazer proveito para a manutenção da saúde e da educação da paciente, tendo em vista de que esta é uma situação em que não envolve necessariamente doença, oportunizando-se trabalhar efetivamente com promoção da saúde. (CRANLEY; ZIEGEL,1986;  OMS 1996; NAVAJAS FILHO,1997).

A adoção de dietas branda para repor as fontes de energia requeridas no trabalho de parto, previne a desidratação e a cetose, garantindo o bem-estar fetal e materno. Portanto, a oferta de líquidos e alimentos leves por via oral à parturiente não interfere com o processo natural do parto, assim não devemos privar a parturiente do desejo de comer e beber neste período (OMS, 1996). A equipe ao explicitar concordância com a preconização da OMS aponta para a necessidade de acomodação do cuidado cultural relativo à dieta no trabalho de parto.

Finalmente, para completar a humanização da assistência obstétrica, a equipe de enfermagem estudada e também CRANLEY; ZIEGEL (1986); OMS (1996) colocam a importância da participação do pai, familiar ou amigo, como recurso de ajuda sob a forma de amparo emocional ou moral, desde que também sejam preparados para a participação na assistência durante o pré-natal.

PIOVESAN; SONEGO (2000) enfatizam a importância da participação do pai na gestação e no processo de parturição lembrando que o casal deve expressar o desejo de compartilhar o parto.  

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu identificar que para a equipe de enfermagem a concepção sobre o processo de cuidar centra-se no bem-estar físico e psicoemocional das parturientes, através do estabelecimento de relações empáticas, respeitando a cliente, permitindo a presença de um acompanhante, e principalmente, tendo uma equipe de enfermagem qualificada e em número suficiente para a excelência da assistência.

Evidencia-se que o foco da assistência de enfermagem é promover as condições necessárias para o cuidado do híbrido corpo e mente, realizando as intervenções pertinentes, ou seja, manter a cama limpa, auxiliá-la no banho, apoiá-la durante as contrações realizando massagens para o alívio da dor.

O ideal que norteia a assistência de enfermagem prestada pelo grupo estudado à mulher internada para o parto é promover as condições que se fazem indispensáveis, no seu ponto de vista, para a felicidade do binômio mãe-filho. Desta forma, as comunicantes verbalizam a necessidade de atenção, carinho, diálogo, acompanhante, orientação e esclarecimento, para a superação deste momento, visto como sinônimo de dor e sofrimento.

Emergiu dos depoimentos das comunicantes algumas estratégias que se fazem necessárias para a humanização da assistência. Estas são: educação continuada para evitar a banalização do atendimento; preparo adequado da gestante e familiar para o parto já na assistência pré-natal.

Com o presente estudo ressalta-se a importância de se dar “voz” para a equipe de enfermagem, mostrando que sua percepção muitas vezes entendida como do senso comum, possibilita a construção de novos conhecimentos, ou mesmo, a validação de conhecimentos já apontados na área da enfermagem

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

CORDEIRO, S. N.; SABATINO, H. A Humanização do Parto. In: TEDESCO, José J.; ZUGAIB, Marcelo; QUAYLE, Julieta. Obstetrícia Psicossomática. São Paulo: Editora Atheneu, 1997. p. 280 – 317.

DOVERA, T.M.D.S.; SILVEIRA I.M.D.; MEDEIROS, G.A. Sistematização do cuidado humanizado com a parturiente no pré-parto e a avaliação do grau de colaboração da mulher no período expulsivo. Congresso Brasileiro de Enfermagem, 52. Recife (PE), 21 a 26 de outubro de 2000. Anais. ABEn (PE).

GAIDZINSKI, R. R. Dimensionamento de pessoal de enfermagem. In: Administração em Enfermagem. Paulina Kurcgan (coord). São Paulo: EPU, 1991. p. 91 – 96.

GEORGE, Julia e cols. Teorias de Enfermagem: os fundamentos para a prática profissional. Tradução de Regina Machado Garces. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, cap.20.

GUALDA, D. M. R. Eu conheço minha natureza: um estudo etnográfico da vivência do parto. São Paulo: 1993. 238p. Tese (Doutorado), Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.

HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. Trad. Eliane Mussmich. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

LEININGER, M. M. Culture care diversity: a theory of nursing. New York: National League for Nursing Press, 1991.

MINAYO, M. C. de S. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4o ed. São Paulo: Hucitec – Abrasco, 1994.

MONTICELLI, M. Nascimento como rito de passagem: abordagem para o cuidado às mulheres e recém-nascidos. São Paulo: Robe Editorial, 1997.

NAVAJAS FILHO, E. Obstetrícia e Psicoterapia. In: TEDESCO, José J.; ZUGAIB, Marcelo; QUAYLE, Julieta. Obstetrícia Psicossomática. São Paulo: Editora Atheneu, 1997. p. 318 – 323.

OMS. MATERNIDADE SEGURA. Assistência ao Parto Normal: um guia prático. Brasília: Ministério da Saúde, 1996.

PIOVESAN, E. S.; SONEGO, J. “Pai é pai, tem que acompanhar”: o pai no processo de nascimento sob a ótica de uma equipe de enfermagem de um hospital geral. Congresso Brasileiro de enfermagem, 52. Recife (PE), 21 a 26 de outubro de 2000. Anais. ABEn (PE).

WALDOW,  V. R.  Cuidado humano: o resgate necessário. 2.ed.  Porto Alegre: Sagra Luzzato,1999.

ZIEGEL,  E.; CRANLEY,  M. Enfermagem Obstétrica. 8 ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan  S.A., 1986.

Texto baseado em Trabalho de Conclusão de Curso da autora, elaborado para obtenção do título de Bacharel em Enfermagem pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ

 Autoras:

Silvia Regina Ceccato - Acadêmica do oitavo semestre do curso de Enfermagem da UNIJUÍ.

Isabel Cristina Pacheco van der Sand - Professora orientadora do curso de Enfermagem da UNIJUÍ, enfermeira mestre em Enfermagem Obstétrica.

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