O ENSINO DO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL ENFERMEIRO – PACIENTE: AVALIAÇÃO DOS ALUNOS |
Antonia Regina Ferreira Furegato, Maria Cecília Morais Scatena, Gabriela Campos Hespanholo, Leandra Terezinha Roncolato *
FUREGATO, A. R. F. ; SCATENA, M. C. M.; HESPANHOLO, G. C.; RONCOLATO, L. T. - O ensino do relacionamento interpessoal enfermeiro–paciente: avaliação dos alunos. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.3, n.1, jan-jun. 2001. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen
Resumo: Os
autores tiveram como objetivo avaliar o ensino do Relacionamento Interpessoal
Enfermeiro-Paciente aos pós-graduandos. Os instrumentos de coletas de dados
permitiram conhecer: 1) as leituras realizadas; 2) a opinião de dezenove alunos
sobre objetivos, distribuição das atividades, leituras, atividade prática e
metodologia do ensino; 3) os sentimentos dos alunos com relação ao tipo de ensino/aprendizado,
dinâmica desta vivência e profissão. Resultados: 1) os alunos lêem menos do
que se esperava; 2) requerem mais tempo para discussão das experiências práticas;
3) avaliaram seu desenvolvimento profissional; 4) experimentaram novas posições
diante do paciente; 5) concordam que o papel do enfermeiro pode ser terapêutico.
Palavras Chave: Relacionamento interpessoal, interação terapêutica,
ensino, enfermagem, avaliação.
Abstract: The authors aimed at evaluating the teaching of the
subject Nurse-Patient Interpersonal Relationships to graduate students. The
instruments for data collection made it possible to learn about: 1) the readings
done; 2) the opinions of a group of nineteen students on the objectives, distribution
of activities, recommended texts, practical activities and teaching methodology;
3) the students' feelings in relation to teaching/learning, the dynamics of
this experience and their profession. Results 1) the students read less than
what was expected; 2) they need more time to discuss about practical experiences;
3) they evaluated their professional development; 4) they experienced new positions
when facing patients; 5) they agreed that a nurse's role can be therapeutic.
Key words: Interpersonal relationship, therapeutic interaction,
teaching, nursing, evaluation
I – INTRODUÇÃO
A disciplina “Relacionamento Interpessoal Enfermeiro–Paciente” vem sendo oferecida desde 1989, atualizando-se ano a ano na busca de subsídios para o aprofundamento do conhecimento, da reflexão e da crítica quanto à atuação da enfermagem, pois é através da busca de novas posições que o profissional pode passar a apresentar uma postura humanizada, frente ao indivíduo que sofre.
Esta disciplina tem por objetivos que o aluno 1) conheça a evolução das relações de pessoa-a-pessoa e situe o modelo humanista de assistência; 2) conheça, reflita e discuta teoricamente sobre o relacionamento interpessoal enfermeiro–paciente; 3) aplique esses conhecimentos nos diferentes contextos de atuação profissional, submetendo os resultados à discussão, à reflexão e à publicação.
O conteúdo é aberto à participação de enfermeiros e profissionais afins, visto que os princípios da relação interpessoal são aplicáveis as mais diversas situações de interações terapêuticas na área da saúde.
Os procedimentos terapêuticos, segundo RODRIGUES (1996), compõem-se de ações através das quais uma pessoa (o profissional) tenta, conscientemente, ajudar a outra pessoa (o cliente/paciente) a aumentar a sua capacidade adaptativa e a buscar novos caminhos para solucionar o problema que enfrenta.
O ensino não é uma atividade com fins terapêuticos mas é uma atividade de ajuda para aqueles que desejam aumentar sua capacidade adaptativa ou sua competência profissional, através da aquisição de novos conhecimentos para atuar terapeuticamente.
Este ensino envolve o embasamento teórico, transmitido individualmente e em grupo, em estudos de interações terapêuticas centradas no aluno, sendo este um processo de facilitação, através do qual se permite que ele aprenda por sua experiência.
Para TORBERT (1944), o aprendizado pela experiência implica uma tomada de consciência das qualidades, formas e resultados de nossas experiências pessoais, na medida em que as vamos experimentando.
Como diz ROGERS (1978), um dos modos mais eficazes de promover a aprendizagem consiste em colocar o estudante em confronto experimental e direto com os problemas práticos. Desse modo, o aluno pode tomar consciência das qualidades e formas de tais experiências e aprender com seus resultados.
TORBERT (1975) afirma também que o aprendizado pela experiência é fundamental para a total realização do ser e do agir humanos. Reportando-nos a ROGERS (1978), temos que o trabalho em grupo compreensivo, onde se aprende experienciando, também é terapêutico.
Além da experiência pessoal, durante a interação selecionada, seu resultado disponibilizado para a discussão em grupo é mais bem aproveitado pela oportunidade de avaliar o que realizou, reelaborar seus conceitos e repensar sua prática.
A disciplina Relacionamento Interpessoal está estruturada em duas partes: teórica e prática. Os docentes contextualizam teoricamente o tema e propõem um programa onde os discentes fazem os estudos teóricos com aprofundamento nas referências bibliográficas indicadas, aplicando na prática esses conhecimentos. Tanto o conhecimento teórico como os procedimentos da prática são discutidos em sala. Cada aluno realiza pelo menos uma interação com pacientes ou outra pessoa que precisa de ajuda. Os resultados são apresentados em sala de aula e usados como material de discussão e análise.
Os alunos são avaliados de acordo com a participação nas discussões em classe, apresentação de seminários e apresentação da sua vivência terapêutica. No final do curso, também é feita uma avaliação dos diferentes aspectos deste ensino.
No processo avaliativo deste ensino foi necessária uma reflexão sistematizada para extrair subsídios que permitissem promover melhoras no ensino da disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente. Para isto, optou-se por aproveitar os instrumentos de avaliação, regularmente utilizados, e sistematizar uma análise de alguns aspectos deste ensino.
Avaliar a disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro–Paciente, através da percepção dos alunos sobre os objetivos, a estrutura, os recursos bibliográficos, a dinâmica, seus sentimentos e seu aproveitamento nesta disciplina.
Realizou-se uma pesquisa exploratória de um dos aspectos do ensino do relacionamento interpessoal em enfermagem, como parte de um Projeto subsidiado pelo CNPq e aprovado em Comitê de Ética.
A – População do estudo: pós-graduandos que cursaram regularmente a disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica, em 2000. Os alunos foram esclarecidos e concordaram que suas informações fossem utilizadas para este estudo.
B – Instrumentos de coleta dos dados: as professoras responsáveis prepararam um Questionário e uma Escala que foram distribuídos aos vinte e dois alunos, dos quais dezenove foram respondidos após devidamente esclarecidos. O questionário é composto por duas partes uma solicitando opiniões dos alunos sobre a disciplina e a outra contendo questões que avaliam os sentimentos dos alunos, em relação à profissão, à disciplina e ao ensino de enfermagem.
1 - Questionário
Parte a: Questões Gerais sobre a disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente:
1 - Os objetivos propostos estão de acordo com que se obtém ao final da disciplina?
2 - A distribuição das atividades permite o aproveitamento desejado?
3 - As leituras fornecem o material necessário para a) reflexões e b) aplicação prática?
4 - As interações com a pessoa selecionada, trazidas em sala para discussão, permitiram análise e discussão com base na teoria das relações centradas na pessoa?
5 - A metodologia de ensino foi coerente com a proposta?
Parte b: Questões Especificas
Descreva o que sentiu em relação aos professores, aos colegas, e à própria disciplina, assim como sobre a profissão e o ensino de enfermagem.
2 - Escala de Avaliação das Leituras Recomendadas (EALR).
Este instrumento continha as 46 referências recomendadas para estudo. Solicitou-se ao aluno que assinalasse, em cada uma, se leu totalmente o texto, se leu parcialmente ou se não o leu.
C - Procedimentos de análise
Os questionários respondidos foram lidos no seu todo. A seguir, foram agrupadas as respostas, dos 19 alunos, para cada questão.
Foram lidas e relidas as respostas da Parte a, referentes às opiniões dos alunos sobre a disciplina e feitas as análises subtraídas do conteúdo.
As questões da Parte b também foram agrupadas individualmente com as respostas dos 19 alunos em cada uma e avaliadas em seu conjunto.
O aproveitamento das leituras realizadas pelos alunos foi avaliado agrupando-se as respostas em ordem crescente. A análise do material foi então realizada a partir destas respostas.
QUADRO 1 – Descrição dos textos recomendados sobre relacionamento interpessoal enfermeiro-paciente e leituras realizadas pelos alunos.
TEXTOS RECOMENDADOS PARA LEITURA |
LEITURAS REALIZADAS |
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TOTAL |
PARCIAL |
NÃO LIDA |
|
01 - KALKMAN, M.E; DAVIS, AJ. New dimensions in mental health psychiatric nursing. USA: McGraw-Hill Books Company, 1974. |
0 |
0 |
19 |
02 - BALZER-RILEY, J. Comunications in nursing: Communicating assertively and responsibly in nursing: a guidebook. 1995. |
0 |
1 |
18 |
03 - KELLEY, H. H. Personal relationships: their structures and process. Lea, 1979. |
0 |
1 |
18 |
04 - SUDEEN, S.J.; STUART, G.W.; RANKIN, E.A .D.; COHEN, S.A . Nurse - Client Interacion: implementing the nursing process. 1994. |
0 |
1 |
18 |
05 - RUESCH, J.; BATESON, E . Comunicación. La matiz social de la psiquiatria. Buenos Aires: Paidós, 1965. |
0 |
2 |
17 |
06 - OZINAGA, V.L.M.; SCATENA, M.C.M.; RODRIGUES, A .R.F. Enfermeira interagindo terapeuticamente com paciente idosa em depressão crônica. Revista Brasileira de Enfermagem. v.51, nº2, P. 263-272, 1998. |
1 |
1 |
17 |
07 - ALLIGOOD, M.R. Empathy: the importance of recognizing two type. Journal of Psychosocial Nursing. v.30 n.3 p. 14-7, 1992 |
1 |
2 |
16 |
08 - MILLETTE, A . A entrevista psicológica na relação entre-ajuda. São Paulo: Paulinas, 1982 |
1 |
2 |
16 |
09 - BLEGER, J. Psicologia da Conduta. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. |
1 |
3 |
15 |
10 - GIORDANI, B. La Relación de Ajuda. De Rogers a Carkhuff Bilbao-ES: Desclée de Birouwer, 1997 |
1 |
3 |
15 |
11 - SULLIVAN, H.S. La entrevista psiquiátrica. Buenos Aires: Paidós, 1974. |
1 |
4 |
14 |
12 - MUCHIELLI, R. A entrevista não-diretiva. São Paulo: Martins Fontes,1978. |
1 |
6 |
12 |
13 - ROGERS, C.R.; WOOD, J.K.; O'HARA, M.M.; FONSECA, A .H.L. Em busca de vida - da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Summus,1983. |
1 |
8 |
10 |
14 - RODRIGUES, A.R.F. Dos maneras de ayuda terapéutica en enfermeria psiquiátrica. Revista Horizonte de Enfermeria. Chile, vol.7, nº2, p.15-21, 1996a. |
2 |
0 |
17 |
15 - ANDREOLA, B.A . Dinâmica de grupo: Jogo da Vida e Didática do Futuro. Petrópolis: Vozes, 1996. |
2 |
2 |
15 |
16 - CARVALHO, AS. Atitudes interpessoais e enfermagem. São Paulo: EPU, 1993 |
2 |
3 |
14 |
17 - ROGERS, C.R. Psicoterapia centrada en el cliente-prática, implicaciones y teoria. Buenos Aires: Paidós, 1999. |
2 |
3 |
14 |
18 - COLLIERE, M.F. Promover a Vida. Lisboa: Sind. Enf. Portugueses, 1989. |
2 |
6 |
11 |
19 - MAY, R. A arte do aconselhamento psicológico. Petrópolis: Vozes, 1982. |
2 |
6 |
11 |
20 - MOSCOVICI,F. Desenvolvimento interpessoal. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1885. |
2 |
7 |
10 |
21 - ROGERS, C.R.; ROSENBERG, R.L. A pessoa como centro. São Paulo: EPU e EDUSP, 1977. |
2 |
10 |
7 |
22 - TAVARES, J.L.; RODRIGUES, A .R.F.; SCATENA, M.C.M. Interação terapêutica enfermeiro - paciente deprimido. Rev. Esc. Enf. USP, v. 32, p 101-8, 1998. |
3 |
0 |
16 |
23 - LALANDA, P. A interação enfermeiro-doente. Uma abordagem bioantropológica. Nursing. v.8, n.88, p.28-32,1995. |
3 |
1 |
15 |
24 - SANTOS, L.H.P.; RODRIGUES, A .R.F.; SCATENA, M.C.M. Avaliação de um interação ansiogênica entre uma enfermeira e duas alunas. Rev. Camp. Enf. v. 2, nº 1, p. 11-16, 1999 |
3 |
1 |
15 |
25 - LITTLE-JOHN, S.W. Fundamentos teóricos da comunicação humana. Rio de Janeiro: Zahar,1982. |
3 |
3 |
13 |
26 - PAGÉS, A. Orientação não-diretiva em psicoterapia e psicologia social. São Paulo: Forense e EDUSP, 1976. |
3 |
5 |
11 |
27 - PEPLAU, H.E. Interpersonal relations in nursing. New York: G.P. Putnam's Sons, 1952. |
3 |
6 |
10 |
28 - MIRANDA,C.F & MIRANDA, M.L. Construindo a relação de ajuda. Belo Horizonte: Crescer, 1990. |
5 |
1 |
13 |
29 - CARVALHO, A.S. A metodologia da entrevista: uma abordagem fenomenológica. Rio de Janeiro: Agir, 1987 |
5 |
4 |
10 |
30 - STEFANELLI, M.C. Comunicação com o paciente - teoria e ensino. São Paulo: Robe, 1993. |
5 |
9 |
5 |
31 - BENJAMIN, A . A entrevista psiquiátrica. São Paulo: Martins Fontes, 1974. |
6 |
9 |
4 |
32 - TRAVELBEE, J. Intervention en enfemeria psiquiátrica. Colômbia: Carvajal, 1982 |
6 |
11 |
2 |
33 - STEFANELLI, M.C. Relacionamento terapêutico enfermeiro-paciente. Rev. Esc. Enf. USP, v.15, n.3, p.239-45, 1981. |
7 |
1 |
11 |
34 - STEFANELLI, M.C.; ARANTES, E.C. & FUKUDA, I.M.K. Aceitação, empatia e envolvimento emocional no relacionamento enfermeiro-paciente. Rev. Esc. Enf. USP, v.16, n.3, p.215-53, 1982. |
7 |
2 |
10 |
35 - LAZURE, H. Viver a relação de ajuda. Lisboa: Lusodidacta, 1994. |
7 |
3 |
9 |
36 - ROGERS, C.R. Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes, 1989. |
7 |
6 |
6 |
37 - ROGERS, C.R. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1982. |
7 |
8 |
4 |
38 - FUREGATO, A.R.F. Relações interpessoais terapêuticas na enfermagem. Ribeirão Preto: SCALA, 1999. |
7 |
11 |
1 |
39 - RODRIGUES, A.R.F. Pensando sobre o relacionamento enfermeiro-paciente. Rev. Paulista de Enferm. v.10, n.1, p.38-40,1991. |
8 |
0 |
11 |
40 - MINZONI, M.A . Atitudes do profissional de enfermagem frente à pessoa que requer ajuda. Arq.Clin.Pinel, v.6,n.4, p242-5,1980. |
8 |
1 |
10 |
41 - RODRIGUES, A.R.F. A comunicação intrapessoal em enfermagem. 2º SIBRACEn, ANAIS, Ribeirão Preto, p.73-85, 1980. |
8 |
1 |
10 |
42 - SILVA, M.J.P.; PEREIRA, L.L; Relacionamento interpessoal como base do processo educativo junto ao paciente e a equipe de enfermagem. 4ª ENFSUDESTE. |
8 |
1 |
10 |
43 - RODRIGUES, A.R.F. Enfermagem Psiquiátrica, Saúde Mental - Prevenção e Intervenção. São Paulo: EPU, 1996b. |
8 |
2 |
9 |
44 - MIRANDA, F.A; RODRIGUES, A.R.F.; SCATENA, M.C.M. Relacionamento interpessoal focalizando o elemento surpresa numa interação. Nursing, v.9,101,p.30-34, 1996. |
9 |
0 |
10 |
45 - RODRIGUES, A.R.F. Enfermeira adulta interagindo com mulher nem sempre adulta. Revista Gaúcha de Enfermagem, v.10, n.2, p.5-7,1989. |
9 |
0 |
10 |
46 - RUDIO, F.V. Orientação não-diretiva na educação, no aconselhamento e na psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1990. |
18 |
1 |
0 |
QUADRO 2 – Percepções dos alunos sobre a disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente.
1 - Os objetivos propostos estão de acordo com o que se obtém ao final da disciplina?
2 - A distribuição das atividades permite o aproveitamento desejado?
3 - As leituras fornecem o material necessário para: a) reflexões e b) aplicação prática?
4 - As interações com a pessoa selecionada trazidas em sala para discussão, permitiram análise e discussão com base na teoria das relações centradas na pessoa?
5 - A metodologia de ensino foi coerente com a proposta?
|
QUADRO 3 – Sentimentos e opiniões que o aluno expressa sobre aspectos específicos da disciplina Relacionamento Interpessoal enfermeiro-paciente.
1 – Professores da Disciplina
2 - Colegas
3 - Avaliação:
4 - Profissão
5 - Ensino de enfermagem
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No Quadro 1, apresentada em ordem crescente do número de leituras, observa-se que apenas uma das bibliografias indicadas não foi lida por nenhum aluno. Trata-se de um texto sobre enfermagem psiquiátrica muito extenso, em inglês e um tanto antigo Kalkman. Esta rejeição também aconteceu com outros que, embora mais recentes, estão escritos em inglês ou espanhol. No outro extremo, estão os livros mais lidos na íntegra ou em parte, com destaque para os de Rogers, Rodrigues, Travelbee e Rúdio.
Observando o conjunto das leituras realizadas pelos alunos, verificamos que embora todos tenham feito as leituras básicas e no conjunto houve 345 pontuações de leituras realizadas integralmente ou em parte, este total não é nem metade do que foi sugerido.
Este resultado foi uma surpresa que nos levou a refletir sobre o montante de referências indicadas assim como sobre as próprias indicações pelo seu conteúdo. Olhamos atentamente para cada uma das leituras recomendadas e concluímos que algumas poderiam ser retiradas e outras acrescentadas para os próximos grupos de alunos.
Nas manifestações discursivas dos alunos (Quadros 2 e 3), a questão das leituras apareceu com uma certa dose de culpa; este sentimento veio acompanhado de lamento pela falta de tempo ou desculpas por não terem lido tudo e até compromissos para ler nas férias ou completar essas leituras em momento oportuno.
Por outro, lado ficou bastante clara a adequação e a pertinência do conteúdo indicado para dar o suporte teórico ao trabalho proposto.
Houve unanimidade nas respostas dos pós-graduandos sobre o aproveitamento das leituras para reflexão e aplicação prática. Referem que as leituras foram bem escolhidas e orientadas apesar de serem em muita quantidade. Afirmaram que os textos fundamentaram as discussões, permitiram relacionar teoria e prática assim como para refletir profundamente sobre as ações profissionais e pessoais do dia-a-dia. Segundo os alunos, permitiram também o reconhecimento das limitações e da necessidade de transformações, afirmando que foram úteis para o desenvolvimento de suas dissertações, teses e outros estudos científicos.
É nossa opinião que conceitos e princípios contidos na bibliografia recomendada foram essenciais para a reflexão, para a orientação da conduta profissional assim como fundamentaram diversos questionamentos e propostas de mudanças na prática e no ensino da enfermagem.
Os alunos deram destaque para a utilização das leituras para o desenvolvimento dos seus estudos científicos e estudos pós-graduados.
O instrumento de avaliação das leituras incluía também uma avaliação do texto lido, pontuando de 1 a 10 as leituras. A manifestação dos alunos reforçou a importância de certos textos, em detrimento de outros. Este resultado levou as autoras a proporem um conjunto de textos para a leitura básica obrigatória e, como complementação, outros textos para aqueles que se dispuserem a maiores aprofundamentos e análise crítica das relações interpessoais.
Além disso, alguns textos que não foram lidos por estarem redigidos em inglês como o de Peplau (que consideramos de grande importância) passou a ser disponibilizado em espanhol.
No Quadro 2, reunimos os pontos de vista dos alunos sobre os objetivos, as atividades e a metodologia do ensino. Para os 19 alunos, os objetivos propostos estão de acordo com o que se obtém ao final da disciplina, tendo havido bom aproveitamento, levando-os a repensarem e a mudarem sua atitude, melhorando a abordagem, e a refletirem no quão terapêutico pode ser o enfermeiro, no desenvolvimento de suas funções.
A distribuição das atividades, segundo 89,4% dos alunos, permitiu o aproveitamento desejado. Para estes, a diversidade de autores e de leituras tornou as aulas bastante dinâmicas e com bom nível de discussões e trocas de experiências. Segundo eles, essa distribuição permitiu que vivenciassem gradativamente todos os passos da relação interpessoal terapêutica. Entretanto, houve uma pessoa que apontou problemas na distribuição de atividades, especialmente por que algumas entrevistas consumiram muito tempo na apresentação, prejudicando a discussão. Alguns alunos, sugeriram que não tivesse mais do que duas apresentações por período, facultando mais espaço para a discussão e para inclusão da teoria, na fase de apresentação das vivências práticas. Houve também um aluno que se mostrou preocupado quanto à forma aberta e livre da participação temendo que poderia favorecer os não-envolvidos e descompromissados.
As interações realizadas pelo aluno e colocadas em discussão em sala foram proveitosas, segundo a totalidade desses alunos. Foi mencionado que a centralidade da atuação da enfermeira não está nos clientes e que é mais fácil ser diretiva do que centrar-se na pessoa. Centrar-se na pessoa é considerado indispensável, porém, a enfermagem tem se orientado tradicionalmente pela crença nas seguintes premissas: “eu sei o que você precisa”, “eu sei o que é melhor para você”, “você faça o que eu digo/mando/imponho” e “você não me questione”.
Foi importante observar o discurso dizendo que enfermagem vê o individuo como um todo, que ele está no centro de suas atenções, que ele é visto como ser humano. TRAVELBEE (1982) é muito enfática, destacando essas questões como “mitos” pois, na prática, estes aspectos são absolutamente relegados para segundo plano. Durante a apresentação das interações fica nítida a incoerência entre o discurso e a prática do enfermeiro. Ficaram evidentes as falhas, as incoerências, as inconsistências na técnica de condução das interações, especialmente quando se pretende ser terapêutica e quando se pretende agir, ajudando de fato aqueles que sofrem. Nos estudos de RODRIGUES (1996a e b), FUREGATO (1999) e OSINAGA, RODRIGUES, SCATENA (1998) confirmamos a necessidade do conhecimento técnico e da fundamentação teórica pela inconsistência da prática profissional, nesta direção. Foi apontado que o enfermeiro pode ser terapêutico, valorizando a pessoa sem pré-julgamentos, ajudando-a no seu desenvolvimento e crescimento.
Tecnicamente, foi pontuada a necessidade de mais tempo para discussões, visando maior aprofundamento na discussão da dinâmica da entrevista e no tipo de abordagem do que no conteúdo.
Foi lembrado o quanto é importante não só realizar pessoalmente a interação, objeto da análise, mas o aproveitamento da experiência dos outros alunos e respectiva discussão.
Vale ainda ressaltar que todos concordam que o planejamento foi adequado e flexível, permitindo a participação de todos com respeito, confiança, responsabilidade, iniciativa e motivação, de forma tranqüila e agradável.
No Quadro 3, reunimos os sentimentos que o aluno expressou sobre a disciplina em relação aos professores, aos colegas, à avaliação, à profissão e ao ensino da enfermagem.
Referindo-se aos professores, percebe-se claramente a inexperiência dos alunos com atividades centradas no outro. ROGERS (1978) refere-se à dificuldade do aluno, em adaptar-se ao ensino centrado no aluno, por estar acostumado com o método tradicional de ensino. TORBERT (1975) enfatiza os benefícios e a importância da vivência com liberdade para o aprendizado. O aluno pode sentir no ensino o que se preconiza para suas relações interpessoais com seus pacientes, seus funcionários e seus alunos.
Para nós docentes, é muito gratificante receber uma avaliação que demonstra haver coerência entre a proposta de ensino e a postura profissional que pregamos.
Com relação aos colegas, os sentimentos referidos pelos alunos revelam entrosamento e respeito que favoreceram o compartilhamento das dificuldades e o processo de aprendizado. A convivência com pessoas com interesses diversos, em diferentes fases de sua experiência profissional, foi apresentada como positiva. Foi uma oportunidade ímpar para conhecer, interagir e trocar experiências.
A avaliação foi sentida de forma positiva visto que ofereceu oportunidade para o aluno ler o que queria, falar o que pensava, agir sinceramente e sem medo, receio ou repressão. A informação de que todos teriam a nota A a ”priori”, segundo os alunos, foi uma maneira construtiva, terapêutica e inteligente de fazer com que os alunos se envolvessem, motivando-os sem estresse. Uma aluna ressaltou que a avaliação continuará durante toda a sua vida profissional.
Os sentimentos do aluno em relação à profissão evidenciaram a profunda reflexão provocada pela leitura e pela prática trazidas para análise. Admitem que saem diferentes de como entraram, que têm longo caminho na construção da humanização da assistência, tanto na revisão de sua própria conduta como na difusão desse conhecimento entre colegas, assim como na responsabilidade de implementar essa técnica na prática. Houve quem relatasse a confirmação de sua convicção de ter feito a escolha profissional acertada, a necessidade constante de reavaliação e o repensar as falsas verdades sobre as quais está construída a prática da enfermagem.
Finalmente, quanto ao ensino da enfermagem, ficou evidente que as escolas estão preparando técnicos, distantes da pessoa que sofre. A oportunidade de refletir sobre o profissional que estamos formando reforça a importância que temos pela formação do profissional assim como pela educação continuada, acompanhando os avanços científicos e as mudanças de paradigmas como é o caso da valorização do ser humano que se infiltra não só na área da saúde mas como uma mudança nos costumes mundiais.
Os alunos são enfáticos sobre a necessidade de inserir este conteúdo nos cursos de graduação, na formação básica do enfermeiro. Foi também ressaltada a importância deste aprendizado como instrumento de ensino para promover mudanças e da valorização do “cuidado” como a razão de ser da enfermagem.
VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da avaliação dos pós-graduandos sobre a Disciplina Relacionamento Interpessoal em enfermagem, verifica-se que os objetivos propostos foram atingidos, a metodologia de ensino foi adequada levando a mudanças de conduta, na direção da humanização da assistência.
Verificaram-se muitos pontos positivos neste tipo de ensino e foram feitas sugestões para aperfeiçoamento deste processo. O destaque é para a necessidade de restringir o número de alunos por turma para se obter melhores resultados no aprendizado.
Ficou evidente a adequação e a pertinência do conteúdo indicado para suporte teórico do curso. Apesar disso, verificou-se que os alunos lêem menos do que era esperado pelos docentes. A análise dos textos procurados ou rejeitados para o estudo teórico deu elementos para os docentes responsáveis implementarem as alterações pertinentes.
Os sentimentos expressos pelos alunos, após terem cursado esta disciplina, revelam que foram estimulados à reflexão sobre si e sobre a profissão; foram estimulados a realizarem interações mais saudáveis e terapêuticas, assim como, foram estimulados a serem mais flexíveis e a reavaliarem seu desempenho profissional. Com relação ao ensino e à profissão de enfermagem, manifestaram a necessidade de rever conceitos e reavaliar condutas e posições até então cristalizadas.
OSINAGA, V.L.M.; SCATENA, M.C.M.; RODRIGUES, A.R.F. Enfermeira interagindo terapeuticamente com paciente em depressão crônica. Rev. Brasileira de Enfermagem, v. 51, nº 2, p.263-272, 1998.
RODRIGUES, A.R.F. Dos maneras de ayuda terapeutica en enfermeria psiquiatrica. Revista Horizonte de Enfermeria, v.7, n.2, p.15 – 21,1996a.
RODRIGUES, A.R.F. Enfermagem psiquiátrica – saúde mental: prevenção e intervenção. São Paulo: EPU, 1996b.
ROGERS, C.R. Grupos de encontro. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
ROGERS, C.R. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1978.
TORBERT, W. Aprendendo pela experiência. São Paulo: EDUSP, 1975.
Este estudo faz parte do NUPRI, projeto subsidiado pelo CNPq.
Antonia Regina Ferreira FUREGATO - Prof. Titular do DEPCH da EERP – Universidade de São Paulo. furegato@eerp.usp.br
Maria Cecília Morais SCATENA - Prof. Doutor do DEPCH da EERP – Universidade de São Paulo. cila@eerp.usp.br
Gabriela Campos HESPANHOLO - Bolsistas de Iniciação Científica do NUPRI.
Leandra Terezinha RONCOLATO - Bolsistas de Iniciação Científica do NUPRI.