Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 03, Num. 01, 2001 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

MORTALIDADE NEONATAL: UM DESAFIO PARA OS SERVIÇOS DE  SAÚDE

 Claci Fátima Weirich,  Maria Hermínia Marques da Silva Domingues *


WEIRICH, C.F.; DOMINGUES M.H.M.S. Mortalidade Neonatal um desafio para os Serviços de Saúde. Revista Eletrônica de Enfermagem –FEN/UFG. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.3, n.1, jan-jun. 2001. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen


RESUMO - No Brasil, as ações desenvolvidas para a promoção da saúde da criança, promoveram um declínio na taxa de mortalidade infantil nas várias regiões do país. É preocupante o fato de que 90% da mortalidade de recém nascidos no mundo ainda ocorram em países em desenvolvimento, onde há poucos recursos, e a disponibilidade tecnológica da saúde tem diferentes prioridades. A redução da mortalidade infantil neonatal é ainda mais difícil pois esta associada tanto a fatores biológicos como à assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido; e sua prevenção envolve principalmente investimentos em serviços hospitalares de tecnologia mais complexa bem como em ações educativas e de saúde pública. Levando-se em consideração o fato da cidade de Goiânia ser a capital do Estado de Goiás, com grande demanda aos serviços de saúde,  faz-se necessário uma maior qualidade dos serviços prestados, tanto nas unidades básicas de saúde bem como nas unidades hospitalares, buscando implementar programas de melhoramento dos serviços para garantir um atendimento de qualidade. Consideramos que as ações de educação e saúde são fatores importantes de intervenção para a redução e controle das taxas de mortalidade infantil, principalmente o seu componente neonatal e que toda relação profissional de saúde e paciente é uma relação pedagógica.

Palavras Chaves: mortalidade infantil, neonatal, assistência pré-natal, recém nascido

SUMMARY: In Brazil, the children health promotion actions develop a decline in the infant mortality rate in the several areas of the country. It is preoccupying the fact that 90% of the neonatal mortality of the world still happens at countries in development, where there are few resources, and the technological readiness of the health has different priorities. The reduction of the neonatal mortality is still more difficult because this associated as to biological factor as to the prenatal, to the childbirth and the newly born attendance; and its prevention involves mainly investments in health services of more complex technology as well as in educational and public health actions. Considering the fact that Goiânia (capital of the State of Goiás) has great demand to the health services, it is necessary a larger quality of the rendered services as much in the basic units of health services as in the hospital, looking for to implement programs of improvement of services to guarantee the quality of attendance. We considered that the education actions and health are important factors of intervention for the reduction and control of the infant mortality rates, mainly your component neonatal and that all professional relationship of health and patient is a pedagogic relationship. 

Key words: infant mortality, neonatal, prenatal, newly born

INTRODUÇÃO

A Mortalidade infantil pode ser considerada como um dos melhores indicadores da qualidade da assistência à saúde, bem como do nível sócio-econômico de uma população. Ela é composta pelo componente neonatal, que compreende os óbitos ocorridos até 27 dias de vida, e o pós-neonatal ou infantil tardio, que abrange os óbitos ocorridos do 28º dia até um dia antes de completar um ano de vida (Maranhão et al., 1999).

O componente pós-neonatal é o responsável pela maior parte da redução da mortalidade infantil nas últimas décadas, porém o componente neonatal representa a maior parcela da taxa de mortalidade infantil (Maranhão et al. 1999). Bastante preocupante é o fato de que 90% da mortalidade de recém nascidos no mundo ainda ocorram em países em desenvolvimento, onde há poucos recursos, e a disponibilidade tecnológica da saúde tem diferentes prioridades. 

No Brasil, as ações desenvolvidas nos últimos anos para a promoção da saúde da criança tais como campanhas de vacinação, enfrentamento das doenças diarréicas e a desnutrição; resultaram em queda na taxa de mortalidade infantil nas várias regiões do país. Mesmo prevalecendo a tendência declinante, dados do IBGE (1995) indicam períodos de estabilização e, até mesmo, de reversão desta tendência, com estabilização das taxas em algumas regiões e elevação em outras (Simões & Monteiro, 1995).

 No início dos anos 80, a mortalidade infantil no Brasil apresentava uma taxa de 85 óbitos por mil nascidos vivos, passando em 1996, para cerca de 37,5 por mil nascidos vivos, significando uma redução de 44,1% entre 1980/1990 e de 21,5% entre 1990/1996 (Maranhão et al.,1999). Além de alterações nas taxas de mortalidade infantil, houve também alteração no seu perfil, sendo que as causas perinatais e anomalias congênitas assumiram maiores proporções quando comparadas às doenças infecciosas e parasitárias e às doenças do aparelho respiratório (Morais Neto, 1996).

O Brasil faz parte do grupo de países com grandes diferenças regionais, com mais de 170 milhões de habitantes, e uma estimativa de mortalidade perinatal, óbito ocorrido na primeira semana de vida, de 35 mortes por 1000 nascimentos, uma das mais altas na América Latina e área do Caribe. ( Zullini et al. 1997). 

A redução da mortalidade infantil neonatal é mais difícil pois está associada, tanto a fatores biológicos como à assistência pré-natal,  parto e ao recém-nascido.  Sua prevenção envolve, principalmente, investimentos em serviços hospitalares de tecnologia mais complexa.

Estudos epidemiológicos nos países desenvolvidos realizados nas últimas décadas observaram que a sobrevivência de recém-nascidos, em condições de risco, aumentou significativamente quando eles foram atendidos nas unidades de cuidados intensivos neonatais. Em decorrência, houve um aumento no custo dos cuidados e no risco pela excessiva manipulação e tratamento sendo necessário, portanto, maior concentração no avanço da tecnologia da saúde na área de cuidado perinatal, juntamente com uma adequação na utilização e qualidade dos cuidados recebidos e na melhor distribuição regional de serviços de alto nível (Zullini, et.al. 1997).

Na década de 60, com a expansão das Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal (UCINs),  principalmente nos países desenvolvidos, houve um decréscimo importante na mortalidade infantil neonatal, principalmente para crianças de baixo peso. Segundo Eggimann (1994), indicando a recomendação para a regionalização e  melhor disponibilização na utilização das UCINs.

 Percebe-se, no entanto, que no Brasil há uma concentração de tecnologias mais avançadas nas capitais dos Estados e em cidades maiores. Tal fato gera dificuldades para os municípios que recebem os recém nascidos, pois sobrecarrega os serviços especializados criando dificuldades para administrar o sistema de saúde, sem contar que as famílias migram temporariamente para esses grandes centros para acompanhar os tratamentos de saúde. Portanto acarretando com isso, uma má distribuição da assistência com qualidade e de recursos necessários para o atendimento de recém nascidos de risco.

Se houver uma otimização na utilização dos serviços de saúde que prestam assistência ao recém-nascido, aliado aos avanços da tecnologia, com certeza teremos quedas nas taxa de mortalidade neonatal muito próximo aos países da Europa de 13 óbitos por mil nascidos vivos e da América do Norte de 9 óbitos por mil nascidos vivos (OMS, 1996).

Portanto alguns estudos vêm sendo realizados no sentido de avaliar a assistência prestada aos recém nascidos, internados em UCINs. Entre eles destaca-se a pesquisa de Bastos (1997), que indica a melhora gradativa na qualidade de assistência se deve principalmente ao avanço da tecnologia, a um melhor conhecimento da fisiopatologia e a introdução de novas terapêuticas na medicina pré-natal, como na neonatologia.

Apesar dos consideráveis avanços já obtidos na assistência ao recém-nascido, no período neonatal,  existem outros fatores que afetam a sobrevivência de recém nascidos nas UCINs. Com essa preocupação de conhecer não somente taxas de mortalidade neonatal o estudo apresentado por Zullini (1997), decorrente de pesquisa realizada em nove UCINs na cidade de São Paulo, encontrou uma mortalidade de 59 óbitos por mil neonatos, uma melhora na sobrevivência à medida que aumentava a idade gestacional e o peso ao nascer, os dados indicam a importância do pré-natal ser realizado o mais precocemente possível.

 Em um outro estudo, realizado por Richardson (1999) em seis UCINs, em Massachusetts, verificou que existe uma diferença de morbidade e mortalidade entre as unidades de cuidados intensivos neonatais, principalmente pelas diferentes características obstétricas e práticas de cuidados perinatais que podem afetar a severidade das doenças dos recém-nascidos. O estudo de Nava (1998) descreve vários fatores de risco para a mortalidade neonatal, alguns inerentes ao período da gestação, outros ao parto, outros relacionados com alterações e assistência do recém-nascido e indica como a segunda causa da mortalidade neonatal, as infecções, principalmente a septicemia, que contribuiu para o aumento da mortalidade nas UCINs.

 Mesmo com a melhora no conhecimento dos microorganismos infectantes, da fisiopatologia das doenças infecciosas mais comuns nas UCINs, e de  melhores possibilidades terapêuticas, há dificuldade na redução da mortalidade causada por infecções específicas do período neonatal. Como nos coloca Freddi (1994), existem fatores que aumentam o risco para infecções como a idade (dias de vida), maior tempo de permanecia nas UCINs, procedimentos invasivos, com maior tempo de persistência desses procedimentos e maior manipulação dos recém nascidos.

Embora se têm dados da mortalidade neonatal no Brasil e outros países, poucos estudos foram realizados  na região centro-oeste e mais propriamente no município Goiânia que conta com nove UCINs, em hospitais públicos e privados,  que recebem recém nascidos de todo Estado de Goiás e de municípios de outros Estados, no entanto conhecemos  pouco a respeito da utilização dessas unidades, bem como a taxa de  mortalidade neonatal e os vários fatores relacionados à gestação, à assistência pré- natal, ao parto e à assistência recebida durante o período neonatal.

 Os óbitos neonatais representam a maior parcela da mortalidade infantil, podendo ser considerados como evitáveis e passíveis de intervenção através do conhecimento das causas e da melhoria na qualidade do cuidado prestado nos serviços de saúde, com destaque para a assistência nas UCINs (Taucher,1979).

Em Goiânia, em 1996, dos 342 óbitos infantis (crianças que foram a óbito antes de completar um ano de vida), 231 óbitos  (67,5%) ocorreram no período neonatal (Morais Neto, 1996).  É Preocupante o fato da transição da mortalidade infantil passar do seu componente pós-neonatal para o neonatal, tornando-se necessário conhecer melhor a realidade das UCINs, já que a grande maioria dos recém nascidos  que necessitam de atendimento médico no período neonatal,  utilizam esses serviços. Somente desta forma será possível concentrar esforços na redução da mortalidade neonatal.

Algumas considerações: Ações de educação e saúde como fatores de intervenção.

Um aspecto a ser analisado no serviço de saúde é a adoção crescente de novas tecnologias, permitindo a sobrevivência de crianças cada vez mais prematuras, assistidas em UCINs, mas com uma preocupação em relação ao acesso e qualidade do atendimento prestado sendo necessário a capacitação e atualização das equipes de saúde.

Levando-se em consideração o fato da cidade de Goiânia ser a capital do Estado de Goiás, uma região em pleno desenvolvimento, com grande demanda nos serviços de saúde, certamente se faz necessário conhecer com maior propriedade a qualidade dos serviços prestados, tanto nas unidade básicas de saúde bem como nas unidades hospitalares, a fim de implementar programa de melhoramento dos serviços para garantir um atendimento de qualidade.

Se houvesse uma adequada assistência da mulher durante o período gestacional, identificando e reduzindo os riscos na gravidez e no parto, a demanda por tecnologia sofisticada poderia ser otimizada.

A redução da mortalidade neonatal requer portanto, medidas mais específicas, como: identificar gestações de alto risco e tratar precocemente as suas complicações; melhorar a qualidade de atendimento ao parto, tanto á gestante quanto ao RN; prevenir a incidência de RN de baixo peso e, ainda dar o suporte adequado aos RN patológicos através das UCINs (Araújo, 1999).

Para enfrentar a mortalidade neonatal se faz necessário o desenvolvimento de ações que garantam, para as gestantes, acesso às informações sobre fatores de risco na gravidez, orientação alimentar e sobre a amamentação, a preocupação para o momento do parto. Estas ações podem ser desenvolvidas durante o atendimento do pré-natal  estimulando inclusive, a formação de grupos de gestantes, tanto para a mulher como para o companheiro.

Essas ações, por sua vez, para terem impacto devem contar com o comprometimento dos profissionais de saúde, estes sendo vistos como trabalhadores sociais cuja prática é pedagógica.

Entende-se, que toda a relação entre profissional de saúde e paciente é uma relação pedagógica, o qual deverá ser construída reconhecendo que os participantes do processo, sejam eles trabalhadores de saúde ou usuários do serviço devem ser considerados portadores de conhecimentos, e com capacidade crítica e portanto sujeitos da ação.

Com essa preocupação, Silva (1994) ressalta que é no cotidiano que se constroem relações pedagógicas permanentes em movimentos de construção e desconstrução cultural. Porém, muitas dificuldades são encontradas para o desenvolvimento desse trabalho educativo: a questão da disponibilidade de tempo, o envolvimento da equipe de saúde, práticas educativas tradicionais que não estimulam a participação, modelo de saúde vigente voltado principalmente para ações curativas. Quanto a isto, Chiesa (1995) coloca que a superação da problemática das práticas educativas não ocorrerá em curto prazo, porém é importante que se pense nas possibilidades de atendimento, se realmente considerarmos que a assistência pré-natal é um fator importante na redução das taxas de mortalidade neonatal, e consequentemente, entendendo esta redução como uma melhora dos indicadores de saúde do Município de Goiânia.   

  Referências Bibliográficas:

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EGGIMANN, S. B. e SHAPIRO S. Neonatal Intensive Care Units: Is the level of utilization still paralleled by infant mortality? International Journal of Epidemiology,  v. 23, n.03, p.528-532, 1994.

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MARANHÃO, A.G.K.: JOAQUIM M.M.C.; KALUME, P.; CASTILLO, O.;LEAL, M. C. Mortalidade perinatal e neonatal no Brasil. TEMA. Radis,  v.17, p. 6-17, 1999.

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 Autoras:

Claci Fátima Weirich - Professora da Faculdade de Enfermagem, mestranda em Epidemiologia no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública/UFG.

Maria Hermínia Marques da Silva Domingues - Professora Doutora em Psicologia de Educação (PUC/SP), Docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.

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