Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 02, Num. 02, 2000 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

O ADOLESCENTE E A HOSPITALIZAÇÃO

Christine Ranier GUZMAN; Maria Aparecida Tedeschi CANO *


GUZMAN, C. R. ; CANO, M. A. T. -   O adolescente e a hospitalização. Revista. Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.2, n.2, jul-dez. 2000. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen


RESUMO: A enfermagem busca nas últimas décadas desenvolver pesquisas sobre adolescência visando a subsidiar o ensino e a assistência. Nesta pesquisa elegemos como objeto de estudo o adolescente internado. Objetivo: conhecer e analisar sua percepção com relação à equipe de enfermagem e as interferências que a internação provoca em sua vida. Metodologia: abordagem qualitativa, fundamentada em MINAYO (1996). População de estudo: quatro adolescentes, entre 13 e 17 anos, internados na clínica de ortopedia de um hospital geral, de nível terciário, em Ribeirão Preto, SP. Coleta de dados: entrevista semi-estruturada tendo como principal questionamento: "O que você acha de estar internado?". Analisamos o material coletado segundo GOMES (1994) e identificamos os núcleos de sentido: O adolescente no espaço hospitalar e A equipe de saúde. Esses núcleos nos mostraram a preocupação com a imagem corporal; desagrado com a alimentação oferecida; ociosidade; falta de recreação; descontentamento pela internação com pessoas mais velhas e falta de acolhimento pela equipe de saúde.
Palavras-chave: adolescência, hospitalização, enfermagem.

SUMMARY: Nursing is trying, in the last years, to develop researches about adolescence aiming to support teaching and assistance. In this study the object was the adolescent as in-patient and our goal was to know and to analyze his or her perception in relation to the nursing staff that was in charge to assist them and the interference provoked on his life by hospitalization. The methodology chosen is qualitative approach based in MINAYO (1996). The population studied was four adolescents , 14 to 17 years old, both sexes, in-patients of a n orthopedist unit of a third level hospital in Ribeirão Preto, SP. Semi-structured interview was the technique used to collect data; the main question was: "What do you think about hospitalization? (How is this experience for you)". The collected material was analyzed following the steps proposed by GOMES (1994) and the following study nuclei were identified: The adolescent in the hospital space and The health staff assisting the adolescent. In a general manner those nuclei showed preoccupation of the adolescents with their body images; dissatisfaction with the served food; ociosity; lack of recreation; discontent with older people in the same ward and the lack of acceptance by the health staff.
Key-words: adolescence, hospitalization, nursing.

INTRODUÇÃO

A adolescência nas últimas décadas vem se tornando objeto de estudos de diferentes pesquisadores das áreas da saúde e educação. Da mesma forma pais, educadores e Instituições governamentais ou não, têm discutido a adolescência na busca de maiores conhecimentos sobre esta fase da vida, no sentido de melhor orientar a formação dos jovens na atual sociedade.

Os adolescentes hoje representam 30% da população mundial e, portanto um contingente bastante significativo de indivíduos que vivem um dos momentos mais frágeis e decisivos de suas vidas.

Os adolescentes são curiosos, idealistas, contestadores e com este estilo de vida, se tornam susceptíveis a vários riscos pessoais e sociais. 

Conhecidos pela rebeldia, flutuações no estado de humor e irresponsabilidade, os jovens buscam na adolescência, alcançar um único objetivo: uma identidade própria. No entanto, tendem a pagar um alto preço por ela. São inúmeras as questões que envolvem a vida de um adolescente: as drogas, a violência urbana, a sexualidade, entre outras, todas elas passíveis de serem analisadas e estudadas sempre se levando em conta os aspectos biopsicossociais da vida de cada jovem.

E, o que é a adolescência?

Adolescência é a etapa em que ocorrem as maiores transformações no ser humano durante toda a vida, do nascimento à morte. Ao conjunto de transformações físicas e biológicas dá-se o nome de puberdade. A puberdade é a responsável pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, força física duplicada e aceleração do crescimento linear, entre outros. A adolescência é a responsável pelas modificações psicossociais que acompanham a puberdade, portanto, embora possuam definições distintas, o fenômeno puberdade-adolescência não pode ser estudado separadamente. A puberdade se conclui em torno dos 18 anos com o fim do crescimento linear e amadurecimento gonadal (OSÓRIO, 1992). Já a adolescência, embora também um fenômeno universal, possui características bastante particulares, que variam de indivíduo para indivíduo, sofrendo influência do ambiente social, cultural e econômico. A redefinição da imagem corporal, o estabelecimento de uma escala de valores próprios e a fuga do relacionamento com a geração precedente são algumas das características mais comuns e marcantes deste período (OSÓRIO, 1992; TIBA, 1986).  

Na adolescência, "o jovem amplia sua percepção do mundo, manipula idéias, percebe os pais de forma diferente, questiona poderes e normas e não aceita mais o que os outros julgam ser melhor. A proteção dos pais pode gerar revolta quando se sentem autônomos" (TIBA, 1986, p.39).

A começar pela perda definitiva de sua condição infantil, seguem-se alguns anos de "cataclismos" internos e externos, onde só há uma certeza "ser adolescente é, antes de tudo, ser um incompreendido" (PROJETO KIDS, 1996, p.100).  

Segundo o Serviço de Assistência ao Adolescente - SASAD (1993) "a adolescência inaugura uma nova visão de si e do mundo, em busca de definições de caráter social, sexual, ideológico e vocacional" (p.7).

Nosso enfoque neste estudo é o adolescente vivenciando a experiência de uma internação hospitalar. A vontade em explorar o tema adolescência x hospitalização surgiu à medida que pudemos apreender através de observação empírica, a "deslocação" do adolescente frente à internação. Tanto a falta de um espaço físico quanto o despreparo dos profissionais da saúde frente a um adolescente, são problemas facilmente evidenciáveis no dia-a-dia de muitos hospitais. Nosso objeto de estudo, portanto, é o adolescente hospitalizado. 

CANO et al (1996) em pesquisa realizada com Instituições que prestam assistência à adolescentes na cidade de Ribeirão Preto - SP, constataram que na área hospitalar, não existem leitos próprios para adolescentes, sendo estes internados ora com adultos, ora com crianças.

Para o adolescente a hospitalização o coloca em uma situação angustiante e, às vezes até dramática, pois sua imagem corporal principal alvo de suas preocupações nessa fase, provavelmente estará modificada e, em algumas situações até deteriorada, dependendo da patologia que convalesça. Ora internados na pediatria, ora em clínica de adultos, eles ainda têm que se deparar com a falta de conhecimento dos profissionais que tendem a tratá-los como crianças ou como adultos esclarecidos.

Essa carência de informações dos profissionais em relação às questões da adolescência deve-se, em grande parte, pela contemporaneidade do assunto. Há algumas décadas atrás, a adolescência era uma fase tratada até com indiferença, por outro lado, a disciplina Saúde do Adolescente só foi incluída no Currículo Mínimo de Graduação em Enfermagem a partir de 1994. (CANO et al, 1996)

Diante desta realidade que envolve a adolescência, a enfermagem que presta assistência a indivíduos em diferentes fases da vida, necessita conhecer a adolescência e suas implicações biológicas, físicas, emocionais e sociais, a fim de entender melhor os adolescentes e, assim, prestar uma assistência efetiva e com qualidade, seja nas escolas, Unidades Básicas de Saúde ou hospitais.

O adolescente hospitalizado

As primeiras publicações na área do conhecimento científico envolvendo a questão da adolescência foram feitos por G. Stanley Hall em 1911. Nas décadas de 40 e 50, alguns médicos começaram a estabelecer um método científico para estarem avaliando o crescimento e desenvolvimento do adolescente. Contudo, foi após a 2ª guerra mundial, que o interesse pelos problemas de saúde do adolescente aumentou entre a classe médica, destacando-se como principais problemas: as enfermidades crônicas, os transtornos psicossociais, os problemas de farmacodependência e gravidez na adolescência. O 1ª programa de medicina do adolescente foi estabelecido em Boston, Massachusetts (EUA) pelo Dr Roswell Gallajher. Na Argentina e no Chile também houve a implantação de programas similares (SILBER, 1985).

Após esses primeiros passos, a classe médica passou anos discutindo sobre a possibilidade em se criar uma nova especialização médica: a medicina do adolescente. Ainda hoje, no Brasil, inexiste tal especialização médica. SILBER (1985), coloca que os adolescentes deveriam continuar recebendo assistência de clínicos gerais, pediatras, ginecologistas e outros especialistas, bem como de outros profissionais da saúde, desde que todos eles recebam capacitação para tal, seja em "centros de adolescência", em Universidades e cursos de pós-graduação. No entanto, a realidade brasileira quanto a essa situação é bem outra.

A necessidade de hospitalização de um adolescente, na grande maioria das vezes, acaba deixando tanto o adolescente quanto sua família, perplexa e assustada. Essas hospitalizações são, muitas vezes, inesperadas, uma vez que a adolescência é considerada uma das fases mais saudáveis na vida do ser humano. Esta afirmação é facilmente evidenciável quando analisamos as principais causas de mobimortalidade nesta etapa da vida, onde as causas externas (como os acidentes, por exemplo) lideram em primeiro lugar.

A inserção do adolescente numa Instituição hospitalar gera mudanças bruscas e dolorosas em, praticamente, todos os aspectos da vida do jovem. Por um certo período de tempo, seja ele curto ou prolongado, o jovem se deparará com normas e rotinas hospitalares que antes inexistiam em sua vida.

O isolamento social e o afastamento dos amigos parecem ser um dos primeiros problemas causados pelas normas hospitalares, uma vez que impedem a visita de conhecidos que não sejam da família ou exigem que estes compareçam nos horários restritos de visita (BESSA, 1997).

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito de um acompanhante durante a hospitalização de crianças e adolescentes, no entanto, esse direito lhes é negado em muitos hospitais. A falta de um espaço físico próprio para idade impede que esse direito seja respeitado. O jovem é internado, muitas vezes, em enfermarias com adultos, não havendo um espaço para acompanhante. No caso de adolescentes grávidas que internam para "dar a luz", em hospitais públicos, a família é dispensada assim que ocorre a internação e é comunicada do nascimento do bebê por telefone (BOCARDI, 1997).

Na maioria dos hospitais, em especial os de rede pública, há uma padronização nas vestimentas dos pacientes. A não possibilidade de escolher a própria vestimenta e a falta de privacidade acaba incomodando o adolescente, que nesse momento, preocupa-se excessivamente com sua aparência física. Há também a questão dos horários impostos pela rotina hospitalar. Horário para alimentação, para dormir, para levantar, horário para visita e outros, algumas vezes diferem dos seus horários antes da internação; gerando muitos conflitos, principalmente, com a equipe de enfermagem.

BESSA (1997) constatou que diante de tantas mudanças e normas, o adolescente tende a contestar as regras, burlando as leis e desafiando os limites impostos. Outra atitude pode ser a apatia e o completo desinteresse em seu tratamento.

É necessário a criação de programas específicos que discutam e venham a tratar das questões relacionadas ao adolescente internado com uma certa urgência. Esses programas devem ser voltados a toda equipe multiprofissional que mantenha qualquer tipo de contato com o adolescente e, principalmente, à equipe de enfermagem que presta assistência 24 horas a esses indivíduos.

Diante dessas considerações o nosso objetivo é estudar a questão do adolescente internado, buscando conhecer sua percepção com relação à equipe de enfermagem que o assiste e as interferências que a internação provoca em sua vida de jovem.

Pretendemos com este estudo trazer subsídios para que a enfermagem possa entender melhor o adolescente internado e oferecer uma assistência mais adequada à sua faixa etária.

METODOLOGIA

Quando nos propusemos a estudar a percepção do adolescente em relação à sua hospitalização, escolhemos a abordagem qualitativa, por entendermos que através dela poderíamos perceber os sentimentos e o significado das ações e relações humanas presentes em uma internação, no momento da vida de um indivíduo que está passando por profundas transformações físicas, emocionais e sociais.

Segundo MINAYO (1996), os sujeitos sociais que detém os atributos que pretendemos conhecer, perderiam muito do seu significado se fossem abordados quantitativamente.
Nosso estudo é de natureza descritiva e, como a própria nomenclatura sugere, estamos nos referindo àqueles que pretendem descrever e analisar fatos e fenômenos da realidade escolhida e delimitada.

Este estudo foi realizado no município de Ribeirão Preto - São Paulo, em um hospital geral, de nível terciário, que recebe para internação pacientes do município, da região e até de outros estados. Dentro do hospital escolhemos a Clínica de Ortopedia devido à freqüente internação de adolescentes.

Fizeram parte deste estudo 4 adolescentes, sendo 2 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, entre 13 e 17 anos, internados na Clínica de Ortopedia.

Técnica de Investigação

O presente trabalho baseou-se no discurso de adolescentes internados, referente às suas vivências dentro e fora do Hospital. Os adolescentes foram entrevistados individualmente, em dias diferentes.

Priorizamos a entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados; segundo MINAYO (1996), é a que permite captar a informação desejada, além de possibilitar ao entrevistado liberdade e espontaneidade para expressar-se sobre o tema.

O questionamento principal baseava-se na seguinte questão: O que você acha de estar internado?(Qual sua experiência?).

Optamos pela conversa mais informal, sem gravação; uma vez que percebemos que os dois primeiros adolescentes mostraram-se inibidos diante do gravador. Quando desligamos o aparelho, eles ficaram mais tranqüilos e conversaram com mais naturalidade; apesar de terem consentido anteriormente com a gravação da entrevista.

Em vista do ocorrido, optamos por transcrever toda a entrevista, logo após sua realização, no diário de campo, onde também registrávamos as principais impressões obtidas de cada entrevistado com especial atenção para os sinais não verbais como pausas, irritações, tristeza entre outros.

Todas as entrevistas foram realizadas na enfermaria em que o adolescente se encontrava internado e tiveram duração mínima de 30 minutos e máxima de uma hora. Também consultamos os dados nos prontuários para obter mais informações sobre os sujeitos da pesquisa.

Para que pudéssemos iniciar a coleta de dados, recebemos o aval do Comitê de Ética em Pesquisa do referido Hospital em abril de 1998 e os pais após os esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A coleta de dados ocorreu nos meses de junho e julho de 1998.

ANÁLISE DOS DADOS

Para esta etapa de nossa investigação, seguimos os passos propostos por GOMES (1994), de ordenação dos dados, que realizamos através da transcrição das entrevistas; leitura repetida dos textos; após várias leituras, classificando os dados e organizando os núcleos de sentido. A seguir realizaremos a análise final, utilizando os fragmentos das falas de nossos adolescentes - atores sociais, estabelecendo articulações entre estas e a teoria.

Segundo este autor, através dessa análise podemos encontrar respostas para as questões que formulamos e, também, confirmar ou não as afirmações estabelecidas antes do trabalho de investigação.

De acordo com a leitura repetida das entrevistas foi possível organizar os seguintes núcleos de sentido: O adolescente no espaço hospitalar e A equipe de saúde no atendimento ao adolescente.

Verificamos que os adolescentes internados que participaram de nossa investigação são estudantes de 1º grau, moram com a família e não trabalham. Dois deles Apenas um dos adolescentes estava internado em enfermaria com outro adolescente, os demais, ou estavam com crianças ou adultos. Fora do hospital eles têm amigos, irmãos ou namorados. O lazer é realizado basicamente através de televisão, música, videogame, futebol e grupos de amigos. (Anexo I)

RESULTADOS

O adolescente no espaço hospitalar

Configurando-se em um núcleo de sentido desta investigação, a partir das falas de nossos atores sociais, verificamos que os adolescentes estão vivenciando sentimentos e atitudes próprias dessa fase da vida em uma realidade com normas, rotinas e horários pré-estabelecidos, levando-os a vários questionamentos e insatisfações. Os adolescentes estão descontentes com sua imagem não apenas devido ao problema de saúde, mas também pelas roupas oferecidas pelo hospital e que eles precisam usar durante a internação. Como exemplo citamos as seguintes falas:

"As roupas daqui são tudo feia, né? Olha essa camisola, é doida (sorri); abre pra todo lado". (R.).
"Você já viu o shorts daqui? É todo desengonçado e fica curto pra mim... fica horrível". (C.).
"É até bom que meus amigos não venham, assim não me vê desse jeito. Eu morro de vergonha quando tenho que descer no ambulatório com essa roupa". (T.).
"Eu também pedi pra ela (namorada) não vir. Sabe né (passa a mão no rosto e sorri), eu não estou na minha melhor forma. Primeiro eu quero me recuperar um pouco. Eu emagreci. A minha mãe vai falando pra eles (amigos e namorada) como eu estou". (C.).
"As roupas podiam mudar, né? (D.).

Essa demasiada preocupação com a aparência física (imagem corporal) verificada através das falas é colocado por OSÓRIO (1992) como universal na vida dos jovens que passam a perceber as mudanças constantes e abruptas do corpo. Essa situação pode levar a um sentimento de rejeição do corpo atual que nem sempre condiz com o idealizado. Neste sentido, as vestes (assim como o corte e o penteado dos cabelos) adquirem um significado muito especial para o jovem, pois pode alterá-las, modificá-las e escolhê-las de acordo com sua vontade.

A vestimenta, além de ser facilmente mutável pode ainda servir para identificar certos grupos de indivíduos. Os "punks" e os "hippies", por exemplo, têm maneiras particulares de se caracterizar, o que os torna facilmente identificáveis, mesmo quando separados do seu grupo de iguais (OSÓRIO, 1992; TIBA, 1986).

Um outro aspecto marcante na fala dos adolescentes é o desagrado pelo alimento oferecido, pois há uma certa resistência em aceitar a alimentação fornecida pelo hospital, o que podemos exemplificar através de alguns fragmentos de suas falas:

"A comida daqui também não gosto muito não; mas eu acabo sempre comendo um pouco, senão é pior". (R.).
"Eu pedi batata frita e salsicha. Eu peço isso sempre, só que a batata sempre vem murcha e fria". (C.).
"Minha mãe trouxe bolacha, chocolate e uma latinha de coca-cola que eu adoro". (T.).
"... eu detesto a comida daqui, tem dia que não desce mesmo. Só consigo comer a salada e a fruta que vem". (C.).
"... podia Ter refrigerante no lugar do suco, o suco daqui é ruim". (T.).
"Como muito pouco". (D.).

O crescimento rápido do adolescente exige maior absorção de alimentos, daí a importância de uma alimentação mais equilibrada. Apesar disto, diversos fatores emocionais acabam interferindo nos hábitos alimentares dos jovens. Tendem a refletir na alimentação seus penosos conflitos, o que poderá levar o adolescente a repulsa do alimento ou, ao contrário, a comer compulsivamente. Essas situações podem se agravar e exigir maior cuidados e atenção.

Segundo RAPPAPORT (1997), "a necessidade de desafiar os pais e outras figuras de autoridade, o sentimento de onipotência e indestrutibilidade, as características de sua inteligência, a desorganização da personalidade se manifestam também na alimentação. A irreverência, a necessidade de experimentar e de acatar hábitos do grupo de amigos são mais fortes". (p.28)

A variação nas preferências alimentares também decorre de mudanças fisiológicas. Como o gosto depende muito do aroma sentido através do olfato, o crescimento de uma rede de pêlos nas narinas do adolescente faz com que o alimento que na infância parecia ser gostoso agora se torne sem graça que nem chega a despertar o apetite (HURDOCK, 1979).

A dieta deve levar em conta as preferências alimentares de cada um, lembrando sempre que a apresentação dos alimentos os tornam menos ou mais atrativos.

Os adolescentes também reclamaram da falta de atividade e da ociosidade durante o período de internação; alguns ficam irritados, outros mesmo sem necessidade passam o dia na cama dando a impressão de estarem apáticos:

"É duro... o tempo não passa aqui (passa a mão na cabeça). (C.).
"Ah, eu vejo televisão e vou na outra enfermaria conversar com a Dona V... O resto do tempo eu fico sem fazer nada, nadinha". (D.).
"Eu tenho que ficar só na cama e isso, às vezes, dá desespero". (R.).
"Podia ter alguma coisa pra gente fazer, sei lá, qualquer coisa... aqui é muito parado, o dia não passa de jeito nenhum". (T.).

As recreações são diversões que relaxam o indivíduo tanto física quanto mentalmente, essas atividades preenchem uma necessidade na vida do adolescente, assim como as brincadeiras na vida da criança. "A recreação proporciona saídas socialmente aceitas para a agressividade, oferece oportunidades para auto-expressão e desenvolvimento de criatividade e ainda proporciona relaxamento. É uma oportunidade para auto-avaliação e para lançar os alicerces que servirão de base para as recreações adultas". HURDOCK (1997)

A escassez de atividades recreativas e o pouco tempo despendido a elas, podem não satisfazer às necessidades dos adolescentes e os prazeres e as satisfações que deveriam advir da recreação transformarem-se em estresse e ansiedade. Não se pode esquecer que as necessidades recreacionais variam de um indivíduo para outro e, no mesmo adolescente, de uma ocasião para outra.

Formas alternativas de distração e lazer devem ser pensadas e oferecidas aos jovens internados o mais rápido possível. Pudemos presenciar o trabalho de uma voluntária que usava o desenho livre e terapêutico como distração; foi uma alternativa bem aceita pelos adolescentes e que trouxe bons resultados.

A equipe de saúde no atendimento ao adolescente

Um outro núcleo de sentido que se configurou em nossa investigação é o descontentamento do adolescente por estar internado com pessoas mais velhas, conforme podemos verificar nesses fragmentos de falas:

"Eu não tenho problema para dormir, mas só que (abaixa o tom de voz), aquele senhor tem noite que fica reclamando e não deixa a gente dormir. Quando estou pegando no sono, ele começa... é um saco! (T.).
"Não tinha gente nova internada na época que eu internei".(C.).
"Eles podiam colocar gente mais velha, assim, que dá trabalho de noite, em outro lugar, longe de quem dorme bem".(T.).

Os grupos de amigos dominam o mundo social do adolescente e são a mais poderosa força social em sua vida. Durante o período de internação, o adolescente se afasta de seu grupo de amigos, que neste momento é sua fonte de segurança emocional.

Vê-se, então, voltando à condição de "filho" e, contra ou a favor de sua vontade, estreitando o relacionamento com os pais. Ao mesmo tempo, passa a relacionar-se dentro do hospital quase que somente com pessoas adultas e heterogêneas que, na maioria das vezes, não cria vínculo algum com o adolescente. HURDOCK (1997) coloca que "um grande grupo heterogêneo não satisfaz à necessidade do adolescente de companheirismo íntimo". (p.112)

Frente a essa situação, fica evidente que o jovem sente-se muito mais acolhido quando se encontra entre o grupo de iguais. Já que todos eles estão no mesmo "barco", podem entender os problemas mútuos e oferecer simpatia e conselhos que não seriam apreciados se viessem dos pais ou de qualquer outro adulto.

A falta de acolhimento e atenção, estão presentes nas falas dos adolescentes e dizem respeito ao atendimento de enfermagem prestado. Verificamos que há uma certa crítica quanto a postura de alguns profissionais e que o relacionamento com a equipe de enfermagem é tumultuado e, às vezes, ambíguo:

"Às vezes eles (os profissionais) aparecem onze horas pra ajudar a gente no banho. Tem dia que chega a ter umas quatro enfermeiras e ninguém aparece aqui. Quem trabalha aqui é folgado, parece que não são muito chegados no serviço".(C.).
"Hoje é que eles trouxeram a T.V., até ontem não tinha... senão tinha que ir no refeitório e eu não posso porque tem que ficar de repouso, né? As pernas não podem ficar mais que meia hora pra baixo e às vezes não dava pra ninguém me levar lá. Então eu nem ia".(R.).
"Outro dia eu falei pra enfermeira que estava na porta do quarto colocar o café na minha mesinha. Ela disse que ia falar pra uma pessoa fazer isso e sumiu, não voltou mais".(C.).
"Eles tratam a gente bem, só que eu fico muito sozinha".(R.).
"Tem uns (profissionais) que a gente tem mais contato, mais conversa... são mais legais".(T.).
"Eu gostei do pessoal que trabalha aqui, eles são bons, conheço todos".(D.).
"Toco a campainha e eles nada, aparecem aqui uma hora depois, aí eu já tô irritado e você sabe, né?...mas logo passa." (T.).

Por todas as peculiaridades que fazem parte da adolescência, não é raro encontrarmos profissionais de saúde que relutem em assistir adolescentes. Segundo GAUDERER (1991), quando um adolescente é atendido por alguém que não goste dele obviamente sofrerá mais danos, direta ou indiretamente, do que por alguém com real interesse por ele.

A indiferença sentida pelos jovens por parte dos profissionais reflete o despreparo dos mesmos frente a essa situação. A fuga e o aparente desinteresse pelo jovem internado acaba trazendo uma relação conflitiva, com cobranças e perdas para ambas as partes, principalmente para o adolescente que nesse momento necessita de amparo e sente-se ainda mais solitário.

O ideal seria que o profissional que se dispusesse a atender e assistir adolescentes reunisse um conhecimento sobre as três áreas: física, psíquica e social, através de capacitação profissional; no entanto, a realidade é outra e o adolescente internado não se sente acolhido.

VITIELLO (1988) coloca que é importante "lembrar um necessário aclaramento da visão que se tem do adolescente, visto que certas falsas expectativas, arraigadas em vários profissionais, podem levar a condutas inadequadas e a resultados negativos. Outro ponto é a dificuldade dos adolescentes de pensar em termos de futuro; para eles, o importante é o aqui-agora, fato que pode mudar o enfoque de atuação do profissional". (p.93)

O profissional que presta qualquer tipo de assistência, direta ou indiretamente ao adolescente, deve Ter sempre bem claro que à enorme multiplicidade de fatores que influem sobre o jovem "é necessário somar as variáveis pessoais, o que faz de cada adolescente um ser único, como são, aliás, todos os seres humanos em qualquer fase de sua vida. Por isso mesmo, generalizações sobre as necessidades ou sobre as condutas dos adolescentes devem ser vista com muitas restrições, pois não há atributos absolutos para a adolescência". (VITIELLO, 1988, p.93)

Sendo assim, somente a equipe que permitir e auxiliar o desenvolvimento do adolescente, através de cada um de seus membros, estará realmente prestando uma assistência eficaz, de qualidade e de valor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidenciamos no início deste estudo a intenção de estudar a questão do adolescente internado, buscando conhecer sua percepção com relação à equipe de enfermagem que o assiste e as interferências que a internação provoca em sua vida de jovem.

Por meio da metodologia, onde se buscou ouvir o adolescente, verificamos que a internação interfere no seu cotidiano mudando muitos aspectos de sua vida, através de rotinas e normas hospitalares.

No que se refere à imagem corporal, esta se apresentou afetada não apenas pela patologia de que são portadores, mas também pelas roupas hospitalares que usam como uma exigência, uma norma do hospital.

Não podemos deixar de lembrar que o adolescente está em uma fase da vida de busca de identidade, onde o grupo de amigos é importante; todos esses aspectos podem levar o adolescente a se tornar apático, desanimado ou mesmo irritado e rebelde, uma vez que suas necessidades básicas estão sendo frustradas.

Quanto à alimentação e ao lazer todos os adolescentes queixaram da falta de gosto pela comida e da ausência de atividades no dia a dia, levando-os a não se alimentarem e a permanecerem a maior parte do tempo em seus leitos. Sabemos através da literatura que estas atitudes não são próprias da adolescência. O adolescente é um ser ativo, criativo, curioso, contestador, idealista; atitudes estas que dão o cunho de identidade com a fase da vida.

No que se refere à equipe de enfermagem que presta assistência ao adolescente, verificamos a falta de acolhimento, decorrente da desinformação com relação as características dos adolescentes, tornando mais difícil sua adaptação ao hospital.

Esta investigação permitiu-nos olhar a internação do adolescente a partir da ótica deles e constatar, de uma certa forma, que os serviços de saúde e os profissionais de enfermagem, especialmente, necessitam percorrer ainda um longo caminho para melhorar a assistência à saúde do adolescente, levando em conta toda a mudança que está ocorrendo em sua vida pessoal, física e emocional.

ANEXO I

Caracterização dos atores sociais

Caso 1.
C., sexo masculino, 16 anos, procedente de Ribeirão Preto - SP. Diagnóstico: retirada de pinos em joelho direito. Seqüela de acidente de moto (dezembro de 1996). É o segundo filho de 4 irmãos. Mora com a mãe e os três irmãos. Os pais são separados. É estudante, cursa a 7ª série do 1º grau. Tem namorada. Gosta de sair à noite com o tio, o irmão e os amigos. Esta é sua terceira internação, está no Hospital há 14 dias. C. está internado no isolamento protetor com mais uma pessoa, do sexo masculino, de 45 anos. Vestia moletom próprio.

Caso 2.
R., sexo feminino, 17 anos, procedente de Uberaba - MG. Diagnóstico: Lúpus Eritematoso - Escleroderma de Metatarso. É a quarta filha de cinco. Mora com os pais e os irmãos. É estudante, cursa a 7ª série do 1º grau. Não tem namorado. Como lazer gosta de visitar a madrinha e ver televisão. Afirma ter sido submetida à uma internação anterior, há alguns anos. Está internada há 4 dias. Na enfermaria em que se encontrava, há um leito vazio e três ocupados: leito 1 - paciente do sexo feminino (70 anos); leito 2 - paciente do sexo feminino (12 anos), leito 4 - paciente do sexo masculino (9 anos). Vestia uma camisola do hospital.

Caso 3.
T., sexo masculino, 14anos, procedente de Ribeirão Preto - SP, Diagnóstico: Cifoescoliose. É o segundo filho de 3. Mora com os pais, os irmãos e a avó. É estudante, cursa a 6ª série do 1º grau. Ajuda, esporadicamente, o pai (mecânico) na oficina. Tem namorada. Suas atividades de lazer prediletas são jogar futebol e jogar vídeo game. É sua terceira internação. Está internado há 8 dias e os outros 2 pacientes da enfermaria são do sexo masculino, com idade de 41 e 68 anos. Vestia roupa do hospital.

Caso4.
D., sexo feminino, 13 anos, procedente de Mogi-Guaçú - SP. Diagnóstico: Escoliose. É a mais velha de três irmãos. Mora com a mãe, o padastro, os irmãos, a avó e dois tios. Os pais são separados. É estudante, cursa a 5ª série do 1º grau. Às vezes ajuda o tio na funerária que possui. Não tem namorado. Gosta de ver televisão e ouvir música. É sua primeira internação, está no hospital há 10 dias. Divide a enfermaria com uma paciente do sexo feminino de 18 anos. A mãe a acompanha desde o primeiro dia de internação. Vestia uma blusa própria e calça do hospital.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AUTORES:

Christine Ranier Guzman - Aluna do 8o. semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. Bolsista PET/CAPES.
Maria Aparecida Tedeschi Cano - Professor Associado do Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP. Orientadora.

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