Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 01, Num. 01, 1999 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

AUTO-IMAGEM NA ADOLESCÊNCIA

Maria Aparecida Tedeschi Cano, Maria das Graças Carvalho Ferriani, Marcelo Medeiros, Romeu Gomes. *


CANO, M.A.T.; FERRIANI, M.G.C.; MEDEIROS, M.; GOMES, R. - Auto-imagem na adolescência. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.1, n.1, out-dez. 1999. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index


RESUMO.  A adolescência tem sido nos últimos anos tema de várias de nossas pesquisas e nestas, a sexualidade emerge com bastante significado, associada as intensas transformações físicas desta idade. A construção da identidade pessoal neste período inclui, necessariamente o corpo. Objetivo: conhecer e analisar os aspectos do corpo mais valorizados e importantes para o adolescente. Metodologia: Estudo referencial qualitativo fundamentado em MINAYO (1993), propondo uma compreensão particular e profunda dos fenômenos sociais em questão, ancorado nos dados levantados através das interações interpessoais e analisados a partir da significação que os atores envolvidos atribuem aos seus atos. A população de estudo constituiu-se de 40 adolescentes da 8ª série entre 14 e 16 anos, de ambos os sexos, em uma escola da rede pública de ensino de Ribeirão Preto-SP. Neste trabalho elegemos as técnicas de dramatização, tendo como tema: "O corpo nosso de cada dia", e cartazes, que foram elaborados através de colagem. Analisamos o material coletado através da técnica de análise de conteúdo, modalidade temática proposta por BARDIN (1979) e identificamos os seguintes núcleos de sentido: "corpo perfeito" e o "ficar". De maneira geral, esses núcleos nos mostraram a preocupação dos adolescentes com as questões da sexualidade representadas pelo namoro, a transa e os esteriótipos de beleza veiculados pela mídia. Os profissionais da área da saúde e educação precisam conhecer a preocupação dos adolescentes com relação ao corpo e a sexualidade aflorada, para ajudá-los a vivenciar as experiências com mais esclarecimentos para a formação de uma auto-imagem aceitável.
Palavras Chaves: Adolescência; Auto-imagem; Enfermagem.

SUMMARY - SOLEMNITY-IMAGE IN THE ADOLESCENCE. The adolescence has been in the last years theme of several of our researches and in these, the sexuality emerges with plenty meaning, associated to the intense physical transformations of this age. The construction of the personal identity in this period includes necessarily the body. Objective: to know and to analyse aspects of the body more valued and important for the adolescent. Methodology: Study qualitative study referenced to MINAYO (1993), that proposes an private and deep understanding about social phenomena, anchored in data collected through personal interactions and analysed from the significance that the involved actors attribute to your acts. The study population was constituted of 40 adolescents between 14 and 16 years, of both sexes, in a Public School in Ribeirão Preto-SP, Brazil. In this work we chose the theatrical techniques, about " The body ours of every day " as a theme, and posters, that were elaborated through collage. We analysed the material collected through the technique of content analysis, thematic modality proposed by BARDIN (1979) and we identified the following "sense nucleus": " perfect body" and "being". In a general way, those nucleuses showed us the adolescents' concern with the subjects of the sexuality represented by the courtship; it plans her and the beauty stereotype transmitted by media. The health and education’s area professionals need to know the adolescents' concern with relationship to the body and sexuality, to help them to live the experiences with more explanations for the formation of an acceptable solemnity-image.
Key words: Adolescence, solemnity image, nursing.

I. INTRODUÇÃO

A adolescência tem sido nos últimos anos tema de várias de nossas pesquisas e nestas, a sexualidade emerge com bastante significado, representada pelas questões de gravidez, namoro, contracepção. (CANO, et al., 1992; NEVES et al., 1995). Percebe-se por outro lado que os adultos que cercam o adolescente, pais e professores, tem dificuldade para abordar essa temática no dia-a-dia. ( CANO et al., 1995; CANO, 1997).

Em geral referir-se à adolescência significava apresentá-la como uma fase de transição entre a infância e a idade adulta, podendo esta idéia de transitoriedade, imprimir-lhe erroneamente uma importância menor.

Atualmente, a adolescência é compreendida como um período extremamente relevante dentro do processo de crescimento e desenvolvimento humano, período cujas transformações físicas-biológicas da puberdade associam-se àquelas de âmbito psico-social-cultural, delas resultando a realização do jovem e posteriormente do adulto.

Segundo OUTEIRAL ( 1994), o corpo físico assume dimensão significativa na vida do adolescente; uma vez iniciadas as transformações corporais, o jovem passa a viver todo esse processo passivamente, sem poder interferir, o que determina intensa ansiedade e cria inúmeras fantasias, ocasionando situações ou momentos de afastamento ou isolamento social.

Para CHIPKEVITCH (1987), não se pode falar de adolescência sem falar do corpo; e do corpo sem falar da mente. Assim, as intensas transformações físicas desta idade, influenciam todo o processo psicossocial de formação da identidade do adolescente. A construção de uma identidade pessoal neste período, inclui, necessariamente, a relação com o próprio corpo.

Um assunto, portanto comum entre adolescentes é o corpo. Ao longo da vida, este cresce e se transforma, parecendo algumas vezes um novelo embaraçado sem ponta para puxar. Segundo SUPLICY et al. (1995), o corpo do adolescente é uma casa em construção, alguns cômodos estão prontos e outros por terminar e essa construção vai ser definida de formas diversas segundo a história de cada um, as experiências, perdas e conquistas.

COLLI et al. ( 1995), colocam que a imagem corporal já está estabelecida muito antes da adolescência. No entanto, o período da adolescência exige sucessivas reconstruções e reformulações da imagem do próprio corpo.

A imagem corporal segundo OSÓRIO (1992), é uma representação condensada das experiências passadas e presentes, reais ou fantasiadas, conscientes ou inconscientes; ela a idéia que o indivíduo tem seu próprio corpo.

Existe uma grande dificuldade do adolescente em integrar todas as alterações que vêm ocorrendo em seu corpo, às vezes este lhe dá a sensação de não lhe pertencer, pois são freqüentes os sentimentos de estranheza do próprio "self" do eu. Porém, não é somente a imagem do físico, mas toda a representação de si mesmo, que passa a se constituir na adolescência em um tema fundamental. Então imagem corporal e identidade estão fortemente associadas.

A identidade se organiza através de identificações, inicialmente com os pais, professores e ídolos, mas depois com o "grupo de iguais" que se constitui sem um importante modelo de identificação. Pois, é na turma que o adolescente compartilha e troca experiências. Por falarem e fazerem coisas comuns, se reconhecem pelas roupas, atos e linguagem utilizada. Na turma, os adolescentes são uniformemente originais, (TIBA, 1986).

Segundo OUTEIRAL (1994), o corpo nesse momento, assume um importante papel na aceitação ou rejeição por parte da turma. O adolescente começa a perceber, se seu corpo corresponde ou não ao corpo idealizado para si e também para o grupo de iguais, e via de regra, é através da identificação e comparação com outros adolescentes, que ele começa a ter uma idéia concreta de seu esquema corporal.

Os aspectos relacionados ao crescimento e desenvolvimento corporal que são alvos freqüentes de comparação entre os adolescentes são, a baixa estatura, tamanho do pênis, quantidade de pelos e força muscular, no caso dos meninos. Para as meninas são, o excesso de peso, ausência ou atraso da menstruação, tamanho dos seios, acne, estrias e celulite.

Até a puberdade, as relação afetivas mais importantes são as familiares. Essas relações no entanto, começam a se modificar com o desabrochar das características sexuais secundárias, que provocam uma modificação dos sentimentos e também do objeto afetivo.

Para TIBA (1986), esta é a fase de encantamento, um pré-namoro, um período de amadurecimento, de preparação, vivenciado pelo adolescente para chegar ao namoro. Pode ser caracterizado como uma etapa em que o interesse e a satisfação sexual, predominam sobre outros interesses e relacionamentos afetivos. Quem particularmente vive e manifesta esta fase que precede o namoro são os rapazes. Neste momento, suas energias voltam-se para o despertar físico e sexual e suas fantasias são basicamente preenchidas por esses conteúdos. É a fase do surgimento do impulso sexual desenfreado e de grande atividade masturbatória. Muitos rapazes procuram ter sua primeira relação sexual nesta fase do pré-namoro, geralmente com prostitutas. As garotas começam despertar seus interesses afetivo-sexuais a partir da menarca. Diferentemente dos rapazes não manifestam de maneira tão forte e clara esse impulso, as necessidade e as atividades sexuais. Elas freqüentemente, direcionam suas energias em vestir-se bem, maquiar-se, enfim há todo um esforço em ficar bonita, atraente, evidenciando ainda mais a preocupação com a auto-imagem.

TIBA (1986), considera que o namoro é uma etapa importante no desenvolvimento do ser humano. Trata-se de um relacionamento social afetivo-sexual, resultante de uma série de modificações físicas e intrapsíquicas e que traz à tona a auto-imagem, a auto-estima, a importância atribuída ao corpo, o modelo de relacionamento dos pais (homem-mulher) e a expectativa de um futuro.

Diante do exposto compreendemos que o adolescente investe muito de sua energia na busca de uma identidade através de sua aceitação no grupo de iguais ou turma, na sua relação afetiva, tendo como pano de fundo seu corpo, sua imagem corporal.

Desta forma nos interessamos em conhecer e analisar os aspectos do corpo mais valorizados e importantes para os adolescentes no seu cotidiano. Acreditamos que esse conhecimento contribui para uma promoção da saúde mais adequada à realidade da adolescência.

II. PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO

No desenvolvimento deste estudo, a metodologia escolhida foi qualitativa, por ser aquela que trabalha com o universo de significados, motivos, crenças e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis quantitativas. (MINAYO, 1996).

Este estudo foi realizado no município de Bonfim Paulista, distrito de Ribeirão Preto-SP, localizado a 10 km do centro da cidade, que conta com 02 escolas da rede publica de ensino, sendo uma para crianças de 1ª a 4ª série e outra para adolescentes de 5ª a 8ª série e que funciona em 03 períodos ( manhã, tarde e noite).

A escolha da escola de 5ª a 8ª série deste município, foi indicação da coordenação do Programa de Saúde do Escolar – PROASE, de Ribeirão Preto, ao qual a escola está ligada e onde a enfermeira responsável não havia iniciado atividades de orientação à grupos de adolescentes.

Procuramos a Direção da escola, expusemos nosso projeto e recebemos o aval para desenvolvê-lo com os adolescentes, contando com a participação da professora de ciências.

Nosso trabalho foi realizado durante 03 meses, às 6ª feiras, durante 50 minutos, no horário da aula de ciências, perfazendo encontros de 50 minutos.

Participaram deste estudo 40 adolescentes de 14 a 16 anos, que freqüentavam a 8ª série do período da tarde, residentes naquele município, na área próxima à escola, e pertencentes em sua maioria às classes populares. Não encontramos no grupo, adolescentes carentes.

No primeiro encontro com a classe, explicamos nosso objetivo e desenvolvemos algumas "brincadeiras" visando nos aproximar e nos conhecer melhor. A partir daí, nossos encontros se centraram na discussão "do corpo", tendo como fio condutor as orientações propostas por SUPLICY et al (1995 ) para grupos de adolescentes.

A coleta de dados ocorreu durante nossa permanência com a classe e utilizamos duas técnicas, a de cartazes elaborados por todos os adolescentes da classe, através de colagem, tendo como tema "o corpo" e uma dramatização: "O corpo nosso de cada dia", com texto elaborado pelo grupo e com encenação por 08 deles, que quiseram participar e considerados pela classe como mais desinibidos. Esta última atividade foi filmada

III. ANALISE DOS DADOS

Para análise e interpretação dos dados deste estudo, utilizamos a técnica de análise temática proposta por BARDIN (1977).

A análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença signifique alguma coisa para o objetivo analítico visado (MINAYO, 1996).

IV. RESULTADOS

Após a confecção dos cartazes, solicitamos que nos fosse explicado o porque das figuras, como uma forma de conhecer as idéias e valores sobre a temática. Identificamos nesta atividade alguns traços comuns:

Corpo Perfeito

"O Ronaldinho tem um corpo lindo, gostoso".

"A Gabriela Duarte é bem magrinha, delicada, uma beleza simples".

"as meninas do Tcham tem o corpo perfeito, chamam a atenção".

"Essas duas querem tirar o lugar da Globeleza, elas também tem corpo bonito".

As figuras de corpos colocadas nos cartazes são de ídolos da música, atrizes das novelas e craques do esporte, que os adolescentes consideram como ideais de beleza, são bonitos, perfeitos, delicados.

SUPLICY et al. (1995), apontam para a questão da influencia de padrões de beleza ditados pela mídia e de esteriótipos de perfeição física que o adolescente busca para si, numa fase da vida de intensas transformações e nos quais eles não se enquadram, o que acaba por gerar angustia e insegurança, quando o assunto é o corpo.

SANTOS (1997) aponta que a sociedade atualmente valoriza o modelo de corpo feminino esguio e esbelto, que se torna objeto de desejo entre as adolescentes.

Com relação aos rapazes, RAPPAPORT (1995) coloca que há uma cobrança social muito grande quanto a masculinidade e esta em nossa sociedade está associada entre outras à força muscular.

Desta forma os adolescentes de nosso estudo, demonstram através das figuras seu ideal de beleza de acordo com os padrões ditados pela sociedade atual.

Eles também realçam a importância de algumas partes do corpo, como podemos ver a seguir:

"Eu gosto dos olhos da Luana, verdes".

"Ah! Eu colei os bumbuns que eu achei, claro os bonitos, gostosos!".

"O rosto e os olhos do Leonardo de Capri, são muito bonitos".

"Eu queria ter o cabelo e pele dela".

"Esse nenê é para mostrar a pele fofinha, delicada".

Peito de homem, porquê? Acho sexy".

Nestas falas podemos verificar que a parte do corpo mais apontada é a cabeça, através do rosto, olhos, cabelos. Este fato é até compreensível uma vez que esta fase da vida pode ser complicada para o rosto e os cabelos de um adolescente. No rosto um dos maiores problemas é a acne, que aparece devido a mudança do nível hormonal, que estimula as glândulas sebáceas a produzirem uma quantidade excessiva de substância oleosa. Como essas glândulas estão em maior quantidade nesta região, a face e os cabelos vão estar sempre com maior oleosidade. Segundo MAYLE (1985) "é realmente muito chato, porque geralmente as espinhas começam a aparecer bem na hora em que o adolescente começa a se interessar pelo sexo oposto."(p.38)

Segundo BEE (1997) esta preocupação está muito associada ao conceito de "eu", que no inicio da adolescência se refere às características físicas, a aparência pessoal, ao externo, enquanto que mais no final da adolescência, os jovens adquirem uma definição do "eu" mais abstrata, com maior ênfase nas ideologias, crenças e padrões morais.

Essa questão da beleza física, vai estar presente também nas falas da dramatização, quando os personagens colocam: "nossa você é uma garota de sorte, ele é tão bonito, sensual" e "Ele é lindo mesmo e muito legal".

Na realidade a preocupação com o corpo está presente no dia-a-dia do adolescente. Para CHIPKEVITC (1987), não se pode falar de adolescência sem se falar do corpo e do corpo sem se falar em mente. A construção da identidade pessoal neste período, inclui, necessariamente, a relação com o corpo.

Quanto a dramatização, analisamos as falas do texto elaborado pelos adolescentes. Ressaltamos que houve muita discussão no grupo porque os meninos queriam organizar um texto separado do das meninas.

A pesquisadora e a professora de ciências sugeriram então que eles tivessem como fio condutor um dia na escola, em classe, para que o trabalho fosse conjunto.

A partir daí os adolescentes resolveram contar estória de Abigail, Ney e seu grupo de amigos, chegando à escola na 2ª feira. Apesar desta aparente associação, as meninas elaboraram seu texto e se apresentaram primeiro na dramatização e os meninos se organizaram e falaram no fim da apresentação.

Estas atitudes dos dois grupos nos mostram a princípio uma questão de divergência de interesses quando o assunto é sexualidade e corpo. Para TIBA (1986) nesse momento da vida, chamado de pré-namoro, os meninos tem suas energias mais voltadas para o despertar físico e sexual. As meninas, direcionam suas energias para vestir-se, maquiar-se, evidenciando a preocupação com a auto-imagem.

Apesar dos textos estarem separados alguns aspectos são comuns a ambos e um núcleo de sentido que aparece é o "ficar", evidenciando nas seguintes falas das personagens:

Abigail: "Fiquei com o garoto mais bonito da classe".

Sabrina: Nossa Abigail, você é uma garota de sorte, ele é tão lindo!

Alexandra: "Ele tentou se aproveitar de você?"

Abigail: "Sim, mas eu não deixei".

Abigail: "E o papo foi e o papo vem e aí saiu um beijo".

Ney: "Fiquei com uma menina ontem, a Abigail"

Rato: "Ela é legal, tem cara de ser virgem".

Segundo TIBA (1994), a prática do " ficar" surgiu na metade da década de 80 sem obedecer a nenhuma regra conhecida de namoro até então. Ela se estendeu rapidamente aos shoppings e festas. Quem vê um casal de adolescentes que se beija e se acaricia, pensa que estão namorando, mas na verdade estão ficando. É um relacionamento sem o compromisso do dia seguinte.

O ficar é o namoro corporal sem o compromisso social. Em geral nas regras do ficar não esta previsto o relacionamento sexual, este só vai acontecer se a menina permitir ou se já tiver vida sexual.

Um aspecto que pudemos perceber nas falas das personagens femininas, refere-se ao corpo como objeto de desejo sexual. Para SUPLICY et al. (1995), a expectativa das relações sexuais provoca grande interesse nas adolescentes e há uma série de duvidas, sentimento e fantasias ligados a esse assunto.

Segundo esse autores as garotas receiam perder a virgindade e tem medo de uma gravidez ou doença sexualmente transmissível e colocam uma série de condições que, de uma certa forma sinalizam o receio de uma experiência nova. Essas preocupações aparecem nas seguintes falas:

Raquel: "Você está certa, você não pode se deixar levar por atração... os garotos querem se aproveitar de um simples momento".

Samanta: "... você tem que cuidar muito bem do seu corpo. Só você deve saber quem vai ou não relar nele".

Raquel: "É, esses carinhas só querem saber de dar uns beijinhos e levar você logo para a cama".

Em outro texto, SUPLICY (1991) refere que a decisão de assumir ou não a vida sexual, especialmente para a mulher, implica em resolver o conflito entre o desejo sexual e o sentimento de culpa. Além desse conflito, existem outras preocupações secundárias que são: não saber ou não ter acesso a meios de contracepção, o medo social da perda da virgindade e a possibilidade de ser abandonada pelo companheiro.

Com relação aos personagens masculinos a preocupação com o corpo como objeto de desejo sexual é distinta da das personagens femininas, como podemos verificar nas seguintes falas:

Rato: "Se pintar um clima assim, ela tem cara de ser virgem".

Malim: "Leva ela prum canto, tira a roupinha dela e rola o que rolar".

Segundo TIBA (1994), no contexto do "ficar", mesmo os meninos, que parecem estar sempre acesos e prontos para qualquer coisa, no fundo preferem que a relação sexual não se consuma, pois admitem secretamente que não saberiam bem o que fazer". (p.90)

Na realidade, esses jovens de 14, 15 anos estão apresentando através dos personagens os papéis sexuais que são esperados deles. EGYPTO et al. (1991) colocam que na sociedade a demarcação dos papéis sexuais ainda se faz de forma rígida. A expressão da sexualidade ainda depende muito do papel que se espera de homens e mulheres. O tabu que pesa sobre a iniciativa sexual da mulher tem muito a ver com o papel de subordinação ao homem.

Esse autores acrescentam que novos padrões de comportamento para homens e mulheres começam a ser ensaiados pelas gerações mais jovens, mas ainda há predominância de velhos valores sexuais. "O rapaz pode - e dever - ter experiências sexuais variadas. A moça se guarda para o casamento" (p.51). Esta realidade ainda é válida para um grande número de famílias na sociedade brasileira.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificamos através das falas de nossos atores sociais que a grande preocupação está em buscar a beleza física, representada principalmente pelo rosto, cabelos e olhos. Os meninos estão atentos as nádegas femininas e as meninas aos músculos masculinos. De uma forma geral essas expectativas estão dentro do padrão de beleza ditado pela mídia.

Outro aspecto importante das falas, refere-se ao ficar, mostrando a preocupação com o corpo erótico. As meninas buscam preservar esse corpo, até encontrar o parceiro ideal. Os meninos buscam avançar no relacionamento íntimo até onde for possível.

Concordamos com SUPLICY et al. (1995) que há uma onda de genitalização, na mídia especialmente, que estimula uma vivência sexual e uma preocupação com desempenho, para um jovem com o corpo em intensa transformação e transbordando de dúvidas. Ao mesmo tempo, mergulha o adolescente num reducionismo que dificulta a valorização de outras formas de prazer tão importantes num relacionamento a dois: ouvir música, praticar esporte, emocionar-se com um filme, dançar; enfim, sentir-se por inteiro.

Entendemos que os profissionais de saúde e educação, na medida do possível, devem oferecer aos adolescentes espaço para discussão destas questões na escola ou nas Unidades de Saúde.

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977.
2. BEE, H. O ciclo vital. Trad. De Regina Jorcy. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.
3. CANO, M.A.T.; FERRIANI, M.G.C.; NOCCIOLI, M.M. Encontro de escolares adolescentes em Ribeirão Preto –SP. Rev. Bras. Saúde Esc., v.2, n.3, p.140-42, 1992.
4. CANO, M.A.T.; FERRIANI, M.G.C; MUNARI, D.B. O trabalho de enfermeiras junto a pais de adolescentes através de atividades grupal. Rev. Bras. Sexual. Humana, v.6, n.1, p.36-44, 1995.
5. CANO, M.A.T. A percepção dos pais sobre sua relação com os filhos adolescentes: reflexos da ausência de perspectivas e as solicitações de ajuda. Ribeirão Preto, 1997. 142p. Tese ( livre-Docência) Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
6. CHIPKEVITCH, E. O adolescente e o corpo. Pediatria Moderna, v.23, n.6, p.231-37, jul./ago., 1997.
7. COLLI, C.; PALAÇIOS, J.E.; MARCHEZI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. Porte Alegra, Artes Médicas, 1995. cap. 22.
8. EGYPTO, A.C. et al. Papéis sexuais. In: BARROSO, C; BRUS CHINI,C. Sexo e juventude: como discutir a sexualidade em casa e na escola. 4 ed., São Paulo: Cortez, 1991.
9. MAYLE, P. O que está acontecendo comigo? São Paulo, MOSAICO, 1975.
10. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4 ed., São Paulo: Hucitec, 1996.
11. NEVES, F.R.A.N.; FERRIANI, M.G.C.; CANO, M.A.T. Sexualidade Humana: uma abordagem pedagógica. Rev. Bras. Sexual. Humana, São Paulo, v.8, n. 1, p.85-96, 1997.
12. OSÓRIO, L.C. Adolescente hoje. 2 ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
13. OUTEIRAL, J.O. Adolescer: estudo sobre adolescência. Porto Alegre: Artes médicas, 1994.
14. RAPPAPORT, C. Encarando a adolescência. São Paulo, Ática, 1995.
15. SANTOS, M.F. O sentido de existir de adolescentes que se percebem obesas: uma abordagem à luz de Merleu-Ponty. Ribeirão Preto, 1996. Tese (Doutorado) , Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
16. SUPLICY, M. Conversando sobre sexo. 17 ed., Petrópolis, Rio de Janeiro: Edição da Autora, 1991.
17. SUPLICY, M. et al. Sexo se aprende na escola. São Paulo: Olho d’agua, 1995.
18. TIBA, I. Adolescência: o despertar do sexo. São Paulo: Gente, 1994.
19. TIBA, I. Puberdade e Adolescência: desenvolvimento biopsicosocial. São Paulo: Ágora, 1986.

AUTORES e Pesquisa

        Pesquisa realizada com apoio da FAPESP. Projeto Temático: "Sexualidade e Adolescência".

  1. Maria Aparecida Tedeschi Cano - Doutora em Enfermagem. Prof. Associado junto ao Depto. de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto- USP/Avenida Bandeirantes, 3900-Campus Universitário. CEP: 14040-902 - Ribeirão Preto-SP. E-mail: decano@netsite.com.br
  2. Maria das Graças Carvalho Ferriani  - Doutora em Enfermagem. Prof. Titular do Depto. de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto- USP. /Avenida Bandeirantes, 3900-Campus Universitário. CEP: 14040-902 - Ribeirão Preto-SP. E-mail: caroline@glete.eerp.usp.br
  3. Marcelo Medeiros - Doutor em Enfermagem. Prof. Adjunto da Faculdade de Enfermagem – Universidade Federal de Goiás. E-mail: mdrph@ih.com.br
  4. Romeu Gomes - Doutor em saúde Pública e pesquisador do IFF/FIOCRUZ. E-mail: romeu@netrasun.iff.fiocruz.br

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