Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 01, Num. 01, 1999 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

OS ENFERMEIROS E A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM MUNICÍPIO DO INTERIOR PARANAENSE

Claci F. W. Rosso, Neusa Collet *


ROSSO, C.F.W.; COLLET, N. - Os enfermeiros e a prática de educação em saúde em município do interior paranaense. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.1, n.1, out-dez. 1999. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index


RESUMO: O objetivo deste estudo foi verificar a concepção de enfermeiras da rede básica municipal sobre educação em saúde, com vistas a compreender como as práticas educativas são desenvolvidas nessas unidades, assim como o envolvimento e a participação da comunidade nestas atividades. Realizamos entrevistas com enfermeiras que atuam há mais de dois anos em unidades básicas de saúde em um município do interior do estado do Paraná. Os dados empíricos foram organizados em três tópicos: a caracterização das unidades básicas, a organização do trabalho na concepção de educação em saúde e práticas educativas. Identificamos que no cotidiano as ações educativas são realizadas com a cooperação da equipe de saúde, contudo a enfermeira chama para si a responsabilidade do planejamento e avaliação, porém a educação em saúde é compreendida de forma restrita com enfoque na prevenção de doenças, almejando mudança de comportamento da população, trazendo com isso uma insatisfação nos resultados da prática cotidiana. Os resultados apontam a necessidade de transformações nas ações educativas desenvolvidas nas unidades básicas vislumbrando que a educação torne-se um dos instrumentos de emancipação dos sujeitos.
UNITERMOS : Educação, Enfermagem, Educação em Saúde.

SUMMARY: The objective of this study was to verify the Municipal Health Services nurses' conception about education in health, looking for an understanding about the way that educational practices are developed in those services, as well as the involvement and the community's participation in these activities. The data were collected through interviews with nurses that works more than two years at that services in a city of the State of Paraná, Brazil. It was possible to find three topics from data: the characterisation of the Municipal Health Service Unit, the organisation of the work in the education conception in health and the educational activities. We identified that educational actions are accomplished with the health team co-operation. However nurses calls for itself the responsibility of planning and evaluation but, health education is understood in a restricted way with focus in the prevention of diseases, longing for change of behaviour of the population, bringing with that a dissatisfaction in the results on daily practice. The results also point that transformations in the educational actions developed in the Health Services are necessary shimmering that the education becomes one of the instruments of emancipation of the subjects.
KEY WORDS: Education, Nursing, Health Education.

INTRODUÇÃO

A educação sanitária no Brasil é influenciada, no começo deste século, pela concepção de educação em saúde dos países da Europa e especialmente dos Estados Unidos.

Neste artigo, utilizaremos o termo educação sanitária, pois era a maneira de conceber a educação em saúde, voltada para as questões sanitárias e de higiene, principalmente nas áreas portuárias e no controle das epidemias. Somente mais tarde, com a criação de um curso de Educação em Saúde Pública na USP (1967) é que passou a ser utilizada a terminologia educação em saúde, no Brasil.

No inicio do século, o Brasil passava por transformações econômicas e sociais importantes iniciando um processo de industrialização precária, com aumento do comércio internacional e com correntes imigratórias que aumentavam o contingente populacional das cidades, de acordo com (Melo, 1987). Estes são alguns dos fatores que contribuíram para tornar complexa a estrutura social do país.

Para agravar o quadro, com o aumento da população urbana e as precárias condições de vida, o Brasil enfrentava, neste período, uma grave crise sanitária, com as epidemias de gripe, com o aumento do número de portadores e doentes da tuberculose, com a varíola e outros agravos à saúde.

No Rio de Janeiro, Osvaldo Cruz tenta controlar essa situação através da chamada polícia sanitária, obrigando as pessoas a receberem as vacinas, mantendo o controle e confinamento sanitário de leprosos, tuberculosos e portadores de doenças venéreas.

A higienização dos portos e da cidades consistia em principal alvo para o controle das endemias, com o desenvolvimento do capitalismo, o Estado sente a necessidade de se reaparelhar para as novas exigências de uma sociedade que está em constante mudança, surge assim, uma preocupação com o educar para a vida e para a saúde (Melo,1987).

Nota-se que essas mudanças na maneira de conceber a educação e a saúde, estão diretamente ligadas com a manutenção da força do trabalho e de um bom relacionamento com o comércio internacional.

Como os profissionais da saúde, mais especificamente os médicos, são reciclados nos Estados Unidos, fica mais evidente a influência norte-americana na concepção de educação em saúde que estará norteando essas atividades no Brasil, não somente no início do século, mas podemos dizer que até nos dias atuais. Em 1919, o termo educação sanitária é proposto numa conferência internacional sobre a criança, sediada nos Estados Unidos. As noções de higiene agora são propostas através de medidas preventivas, imunizações e cuidados individuais na prevenção. A educação sanitária, começa a fazer parte de currículos e programas de ensino, também no Brasil. (Melo,1987).

Entretanto, o movimento sanitarista mais científico e técnico que o movimento higienista, é introduzido no Brasil nos anos 20, assim como o movimento pela Escola Nova. A luta pela gratuidade e universalidade do ensino, somou-se à luta pela universalização dos centros de saúde, e de serviços preventivos assumidos pelo Estado. (Melo, 1987)

Na década de 20 deste século, os serviços de saúde pública, que tinham como objetivo o controle do ambiente, na proposta de Emílio Ribas e Osvaldo Cruz, passam por uma reformulação ocasionada pelas mudanças das necessidades que a sociedade apresentava e o enfoque volta-se à educação em saúde. Contudo, necessitava-se de pessoal preparado para atuar nas medidas de saúde que vinham sendo tomadas pelo Departamento Nacional de Saúde Pública, principalmente no controle das endemias que se instalavam no país e atingiam grande parte da população. Neste período, o Departamento Nacional de Saúde Pública, juntamente com a Fundação Rockfeller, organizou um serviço de enfermeiras de Saúde Pública, sob a direção de enfermeiras norte-americanas. É criada a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública-DNSP, pelo Decreto 15.799, de 10 de novembro de 1922, que em 1926 passou a denominar-se Escola de Enfermeiras Dona Anna Nery, no Rio de Janeiro (COLLET; ROCHA,1996).

O modelo americano de saúde é reforçado no Brasil. Uma nova frente para a educação sanitária é aberta, com inovações metodológicas e novas técnicas são introduzidas, tais como: a educação de grupos, recursos audiovisuais, o desenvolvimento e a organização de comunidades.

Essas técnicas e metodologias, parecem estar norteando os profissionais de enfermagem e demais profissionais da saúde, na sua prática de educação em saúde inclusive nos dias atuais.

Nos anos 70, muitos acontecimentos no Brasil irão influenciar e fazer repensar a prática de educação em saúde. O INPS entra em crise, cria-se o Ministério da Previdência e Assistência Social e o INAMPS. Ressurgem com mais força os movimentos sindicais e sociais urbanos, tanto da periferia como de centros maiores e a igreja reafirma seu compromisso com as comunidades carentes.

Pode-se dizer que a mudança de concepção e a maneira de realizar educação em saúde, teve início em 1975, com o fim do chamado "Milagre Brasileiro". Para diminuir as tensões sociais geradas pelo modelo econômico e pela crise que passa o País, o discurso oficial incorpora a participação comunitária.

Neste momento, muitas críticas são elaboradas em vários setores no que diz respeito a maneira como estão sendo conduzidas as intervenções sociais.

Melo (1987) salienta que é necessário pensar a educação e a saúde não mais como uma educação sanitarizada, localizada no interior da saúde, ou ainda educação para a saúde, como se a saúde pudesse ser um estado que se atingisse depois de educado.

E diz ainda, que é preciso recuperar a dimensão da educação e da saúde-doença e estabelecer as articulações entre esses dois campos e os movimentos sociais, e percebê-las como práticas sociais articuladas.

Embora esta concepção tenha sido uma proposta da década de 70 ela continua sendo muito atual, servindo para a reflexão do papel do profissional enfermeiro como integrante da equipe de saúde, bem como de sua prática profissional com o intuito de ter a possibilidade de interferir no processo saúde-doença.

A partir da nossa vivência como profissional enfermeiro em unidades básicas de saúde, em contato mais próximo com a comunidade e, posteriormente, atuando como docente da disciplina de enfermagem em saúde pública, percebemos que freqüentemente os objetivos propostos nas ações de educação em saúde, tinham uma perspectiva de mudança de comportamento que, na maioria das vezes, não era atingida ou o era parcialmente, apresentando efeitos imediatos e transitórios.

Acreditamos também que na enfermagem, na maioria das vezes, as ações educativas também ocorrem de forma acrítica, fazendo com que o enfermeiro torne-se um repassador de informações, sem ao menos fazer uma reflexão crítica a respeito das políticas oficiais de saúde, vinculadas à realidade local.

Ante estes aspectos, estabelecemos enquanto objetivo, verificar qual é a concepção de educação em saúde e como estão sendo implementadas as práticas de educação em saúde pelos enfermeiros que atuam na rede básica de saúde.

METODOLOGIA

O Caminho Metodológico, que utilizamos para investigarmos esta problemática, foi a opção de trabalhar com dados do município de Cascavel - PR por termos atuado no mesmo enquanto enfermeira da rede básica de saúde e por supervisionarmos estágios curriculares do curso de Enfermagem na disciplina de Enfermagem em Saúde Pública da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Fazem parte da nossa população, enfermeiros que atuam em unidades básicas de saúde da rede pública municipal de saúde. Optamos por trabalhar com este profissional, pois é este que na equipe de saúde normalmente, assume as ações de práticas educativas.

Não tendo disponibilidade de tempo para incluirmos, neste estudo, a totalidade de enfermeiros que atuam na rede básica municipal, selecionamos uma amostragem. Para tanto, estabelecemos alguns critérios para delimitarmos nossa amostra. Foram incluídos em nosso trabalho de campo, enfermeiros que atuam há mais de dois anos em unidades básicas de saúde do município de Cascavel. Dentre os 14 enfermeiros que desenvolvem suas atividades nas unidades básicas de saúde atualmente, selecionamos aqueles que trabalham em comunidades com diferentes características sócio-econômicas, a saber, aquelas em que a maioria da população tem melhores condições de acesso a serviços em geral e aquelas em que a maioria da população não tem esta facilidade de acesso aos serviços, como: transporte, saúde, educação, saneamento básico, emprego, condições de moradia, alimentação, dentre outros parâmetros de condições sócio-econômicas.

Assim, incluímos neste estudo duas comunidades em que a maioria da população tem uma melhor condição sócio-econômica e duas comunidades onde a maioria da população é carente. Portanto, fizeram parte do nosso estudo 4 enfermeiros que atuam há mais de dois anos em unidades básicas de saúde da rede pública municipal de Cascavel - PR. O período de coleta de dados compreendeu o mês de setembro de 1997.

Para a coleta de dados empíricos dessa investigação, utilizamos como instrumento a entrevista que, segundo MINAYO (1993, p. 107), faz "parte da relação mais formal do trabalho de campo em que intencionalmente o pesquisador recolhe informações através da FALA dos atores sociais".

Conforme a mesma autora, há diferentes formas de se estruturar uma entrevista. Nós optamos pela entrevista semi-estruturada, que combina perguntas fechadas (estruturadas) e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador. Este tipo de entrevista permite maximizar a apreensão da realidade empírica.

Para a realização da entrevista, elaboramos três questões norteadoras, a saber:

1 - Qual a sua concepção sobre educação em saúde?
2 - Quais os profissionais que realizam educação em saúde nesta unidade básica de saúde?
3- Como você tem desenvolvido as ações de práticas educativas?

As entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente. Após, foram feitas várias leituras dos depoimentos dos enfermeiros, a fim de procedermos a ordenação dos dados empíricos, na tentativa de identificarmos os aspectos de análise. Esta fase foi desenvolvida com a expectativa de obtermos subsídios para a interpretação a partir das falas dos sujeitos da pesquisa.

Para esta classificação, mantivemos uma relação interrogativa com os dados empíricos, a fim de apreender as estruturas de relevância dos sujeitos da pesquisa, as idéias centrais que querem transmitir e os momentos chaves de sua existência sobre o tema em foco.

Sabemos, no entanto, que a realidade empírica dificilmente será captada na sua totalidade e que sua apreensão não é simples, pois ela é muito mais rica e dinâmica do que qualquer forma de representá-la. Porém, buscamos captar o máximo do fenômeno estudado e a relação deste com o contexto social.

No decorrer da apresentação dos dados, os enfermeiros entrevistados foram identificados como (E.1), (E.2), (E.3) e (E.4) a fim de preservarmos a identidade dos mesmos, e as unidades básicas de saúde foram identificadas como (U.1), (U.2), (U.3) e (U.4).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As Enfermeiras que participaram das entrevistas ficaram bastante tranqüilas em participarem da pesquisa e demonstraram interesse em estarem sendo informadas dos resultados a partir da análise dos dados.

Todas as participantes da pesquisa estavam graduadas à dez anos ou mais, e nos últimos cinco anos atuam em unidades básicas de saúde, dividindo sua carga horária de trabalho de oito horas diárias, entre a assistência de enfermagem e serviços de gerência da unidade básica de saúde.

Os resultados obtidos a partir das entrevistas foram analisados e categorizados de acordo com:

1 - Caracterização das unidades

As unidades básicas de saúde do município de Cascavel - Paraná, possuem uma área geográfica de abrangência por número de bairros que se localizam nas proximidades da instalação do posto de saúde. Faremos uma caracterização das unidades básicas de acordo com o horário de funcionamento, a composição da equipe de saúde, os serviços oferecidos e as condições sócio-econômicas da população usuária da unidade a fim de contextualizarmos nosso trabalho de campo.

As quatro unidades têm o seu horário de funcionamento diário iniciando às 7:00 horas e finalizando suas atividades às 19:00 horas, perfazendo um total de doze horas diárias de trabalho, divididos em dois turnos de seis horas entre a equipe de saúde.

As equipes são multiprofissionais, incluindo enfermeira, assistente social, médicos, auxiliares de enfermagem, auxiliar de serviço social, auxiliar administrativo, agentes comunitários de saúde, zeladoras e vigias.

As unidades básicas ofercem serviços de atenção primária à saúde, não possuem atendimentos especializados ou de maior complexidade. Percebemos que os serviços oferecidos pelas unidades têm algumas particularidades, mas de maneira geral desenvolvem muitas atividades comuns, por exemplo, o serviço médico prestado se constitue em clínica pediátrica, clínica geral, clínica ginecológica e obstétrica. As enfermeiras realizam consultas de enfermagem para adultos e crianças e a puericultura é também uma atividade comum nas unidades.

Estas unidades trabalham muito com grupos da comunidade, em suas atividades educativas, e a formação destes grupos também depende da procura da população por este serviço. Talvez seja este o "maior espaço" da educação em saúde nos serviços de saúde pública municipais.

Das quatro unidades selecionadas para esta investigação, temos duas, a U1 e U3, cuja população apresenta condições sócio-econômicas considerada mista, incluindo a de baixa renda e a classe média-baixa. As outras duas, a U2 e U4, em que a população apresenta condições sócio-econômica consideradas em torno de 90% classe média e 10% classe com baixa renda.

As fontes de renda da população são variadas em todas as unidades. No entanto, nas U1 e U3 encontramos, mais freqüentemente, pessoas sem renda fixa, ou seja, aqueles que realizam "bicos", trabalham com serviços domésticos, pedreiros, serventes de pedreiro, zeladoras, diaristas, catadores de papel, bóia-fria, e alguns aposentados. Nas U2 e U4, essas atividades também são encontradas, mas além destas existe uma parcela da população que trabalha em serviço público, alguns autônomos.

É neste contexto que vivem as pessoas atendidas nas unidades básicas de saúde do município.

2 - Organização do Trabalho

Pelo relato das entrevistadas as equipes estão organizadas de forma que todos assumam o compromisso de fazer educação em saúde junto a comunidade, em ações diversas que vão desde uma orientação na entrega de fichas para consultas médicas, em procedimentos básicos como administração de injeções, vacinas e realização de curativos, até nas diversas ações realizadas com os grupos em sala de espera.

Além das ações do cotidiano, há momentos especificamente agendados para o desenvolvimento de ações educativas, com os grupos de gestantes, puérperas, planejamento familiar, grupos de hipertensos, orientações e informações diversas (E.1 e E.2).

As ações educativas, são realizadas nas unidades básicas de saúde, tanto individualmente como coletivamente, mas fica um destaque maior para educação em saúde visando o coletivo. As ações desenvolvida com grupos, tornam-se muito ricas em trocas de experiências e coletivamente as pessoas tem mais força de reivindicarem.

Grande parte dos assuntos trabalhados em grupos enfatizam a saúde da mulher como os temas de prevenção do câncer de colo de útero, câncer de mamas, orientação para gestantes e puérperas, planejamento familiar, entre outros.

A sala de espera ocupa hoje nas unidades básicas de saúde, um destaque nas ações de educação em saúde, pois de uma forma geral é onde se realizam a grande maioria das orientações à população.

Porém, as enfermeiras entrevistadas divergem de opinião quando se trata de educação em saúde realizada individualmente. Enquanto o posicionamento de algumas mostra que é uma oportunidade de melhor atingir os objetivos da orientação, pois fica uma ação individualizada respeitando as necessidades de cada um, outras enfermeiras não se mostram tão confiantes no trabalho educativo individualizado, acreditando mais no trabalho desenvolvido coletivamente.

Outro aspecto apontado pelas entrevistadas, diz respeito às ações de caráter curativo e preventivo e de sua insatisfação quando se percebem realizando muito mais ações curativas, pela grande demanda da população que hoje procuram as unidades básicas de saúde com esse objetivo:

"A nossa área é uma área tão preventiva e as pessoas não entendem e fazem trabalho curativo" (E.2). "Eu acho que a saúde pública deveria trabalhar mais com prevenção, mas hoje a gente tá trabalhando só com curativa e cada vez aumenta mais a clientela, na área curativa" (E.4).

As enfermeiras das unidades básicas de saúde, também enfrentam o "desinteresse da população" em participar das atividades educativas e, de acordo com o relato delas a comunidade muitas vezes mostra-se indiferente para com essas atividades de educação em saúde. Para as enfermeiras, isto interfere na organização e desenvolvimento destas atividades, desistimulando os profissionais diante desta realidade.

Os aspectos sócio, econômicos e culturais são vistos como obstáculos pelas enfermeiras, mais do que fatores que determinam e influenciam a maneira de conduzir e de fazer educação em saúde, Mendes (1996), coloca também que para se organizar um serviço deve-se pensar o processo saúde-doença articulando quatro dimensões: biologia humana, estilos de vida, meio ambiente e serviços de saúde.

3. Concepções de Educação em Saúde.

Podemos analisar pelas entrevistas feitas, que a grande maioria das enfermeiras das unidades básicas vêem a educação em saúde como uma forma de prevenção de doenças:

"Acho que o termo diz bem, educação em saúde é prevenção, para mim é o único meio pra se atingir a melhora da saúde da comunidade" (E.1). "A educação em saúde é pra gente educar mais para prevenir o problema de saúde". (E.4)

Este enfoque preventivo, em relação á educação em saúde, ficou evidenciado nas falas das enfermeiras e é também citado por STOTZ (1993), quando ele faz um destaque para o enfoque preventivo como sendo o enfoque dominante nos serviços de saúde.

O que se comprova, nos programas e ações educativas de saúde realizados nas unidades básicas, é realmente a tentativa de interferir no comportamento humano, que é visto pelos profissionais de saúde, aqui com destaque para a enfermagem, como fator de risco para a saúde.

Então, se o homem mudar ou adaptar seu comportamento, estará garantindo a sua saúde de maneira individualizada, como se a educação em saúde pudesse dar conta, e assumir para ela, a responsabilidade e a solução de questões que envolvem problemas de ordem econômica, social e cultural. Freire (1990), ao abordar esta questão afirma que "(...) a educação não é um processo de adaptação do indivíduo á sociedade. O homem deve transformar a realidade (...)".

As práticas educativas realizadas pelas enfermeiras com um enfoque visando mudança de comportamento estão alicerçadas em orientações e transmissão de informações.

Pelas falas das entrevistadas, podemos perceber que existe uma necessidade em culpabilizar a comunidade pelo insucesso das atividades educativas, ou até de justificar essa situação que nos parece comum a muitas unidades de saúde:

"(...)dez anos atuando e os progressos que a gente tem são tão poucos (...), diminuindo o nível de escolaridade você tem dificuldade para fazer as pessoas entenderem o que seria esta educação em saúde" (E.2), " Os obstáculos é a educação da comunidade que não vê isso como necessário" (E.3).

Nesta reflexão que estamos fazendo acerca da concepção das enfermeiras sobre educação em saúde, concordamos com as mesmas quando colocam que as ações educativas devem se dar em vários níveis de assistência à saúde e em diferentes instituições, tanto de saúde como educacionais, e não somente como uma atividade dos enfermeiros dos postos de saúde. As enfermeiras destas unidades, colocam que acreditam na educação em saúde desenvolvida com a participação da equipe de saúde e não como sendo de responsabilidade somente da enfermeira.

"A enfermeira não tem ela a responsabilidade de ser a educadora, porque somos uma equipe cada qual com sua função" (E.2). "Nesta unidade toda equipe realiza educação em saúde desde o médico até o auxiliar de enfermagem" (E.3).

Dentre as concepções de educação em saúde, as enfermeiras percebem a necessidade de resgatar e intensificar os momentos educativos nos serviços de atenção primária, acreditando ser este um compromisso da saúde pública, sendo considerado como "alicerce dos postos de saúde" (E.3).

Conseguimos perceber que os técnicos destas unidades, em suas ações, acabam representando os interesses da classe dominante, mesmo que em seus discursos isto seja negado, acabam reproduzindo esta concepção em seu cotidiano, no relacionamento com a equipe de trabalho, no relacionamento com a comunidade, em vários momentos da prática profissional, como exemplo disto, podemos perceber que o enfermeiro centraliza as informações, repassa-as como verdades absolutas e não permite que a equipe participe de forma mais efetiva nas decisões mas cumpra com as atividades pré determinadas.

4. Práticas Educativas

Como um dos nossos objetivos é o de verificar a maneira que as práticas educativas estão sendo implementadas pelas enfermeiras nas unidades básicas de saúde, buscamos, nas entrevistas, questioná-las como têm desenvolvido as ações educativas.

Estas ações de práticas educativas, conforme o relato das entrevistadas, são realizadas em momentos variados, porém, foram unânimes em afirmar que a "sala de espera" das unidades básicas é um dos momentos que se realiza educação em saúde.

Geralmente essas orientações acontecem em grupos e, após a exposição do assunto, o grupo tem a liberdade para questionar sobre o que foi abordado. Na sala de espera também são realizadas orientações individualmente, normalmente por solicitação das pessoas, ou após uma consulta médica, quando são encaminhadas para exames, como tomar um medicamento, cuidados em geral sobre higiene.

A clientela feminina é a grande freqüentadora das unidades de saúde e as práticas educativas acabam sendo voltadas para a saúde da mulher e da criança, que não deixam de ser uma mera reprodução dos projetos de saúde do governo.

Nas falas das enfermeiras podemos perceber a freqüência dos assuntos voltados para esta clientela:

"Dentro da unidade a gente tem vários programas, planejamento familiar, puericultura, grupo de mulheres, orientações à puérpera" (E.1). "Trabalho planejamento familiar, grupo de gestante, reunião do preventivo do câncer de mama e colo de útero" (E.3).

Isso nos leva a pensar que a mulher, na nossa sociedade, acaba assumindo a responsabilidade pela manutenção da saúde de sua família. Podemos dizer que esta influência é cultural e as unidades de saúde, de certa forma, contribuem para a perpetuação deste perfil da mulher na sociedade brasileira.

As palestras são uma das práticas educativas bastante usadas nos diversos momentos e grupos mantidos nas unidades básicas. As enfermeiras relatam que utilizam recursos audiovisuais, recursos demonstrativos, álbuns seriados, folhetos informativos, cartazes, entre outros:

"Nós aqui no posto temos palestras, nós trouxemos material como televisão e vídeo, retro-projetor, material para que a pessoa pegue na mão e veja" (E.2).

As enfermeiras colocam que para trabalhar com grupos realizam, primeiramente, uma identificação das pessoas que os compõem e, dependendo do nível de escolaridade das pessoas e os conhecimentos prévios do assunto, planejam suas ações, os conteúdos que vão trabalhar, os recursos que vão utilizar, tentam adequar ao grupo de acordo com as necessidades, como afirma nesta fala:

"No planejamento familiar, primeiramente nós identificamos o grupo para saber quantas pessoas sabem ler, quantas pessoas usam o método e a partir daí a gente levanta uma discussão" (E.3).

Percebemos que práticas educativas são realizadas de maneiras diferenciadas de acordo com o momento, pois na sala de espera se realizam ações normalmente sem este planejamento prévio, diferentemente ao que acontece com os grupos que são permanentes nas unidades básicas, podendo, com isto, realizar uma programação mais sistematizada para atender as expectativas da clientela.

As enfermeiras esperam que a população torne-se multiplicadora de informações recebidas nos postos de saúde para outros grupos da comunidade, que divulguem as atividades, auxiliando para aumentar o número de participantes em grupos e reuniões.

Percebemos que as enfermeiras das unidades básicas tentam de maneiras diversas utilizar métodos variados para realizar as práticas educativas, tornando-as mais atrativas e adaptadas à clientela. Mas não conseguimos perceber uma maior preocupação com as questões sociais, políticas e econômicas subsidiando suas práticas educativas.

Sabemos também das dificuldades encontradas pelas enfermeiras em trabalhar com a comunidade, principalmente na educação em saúde. Podemos citar como uma dificuldade a formação acadêmica das enfermeiras, que dá mais ênfase para os aspectos técnicos e científicos, proporcionando poucos momentos coletivos de discussões sobre questões políticas, sociais, econômicas, dando margem a um discurso dos profissionais já bem conhecido, "que a teoria abordada nas escolas não condiz com as práticas do cotidiano".

Valla e Stotz (1993), faz uma colocação a respeito dessa inversão nas academias:

"De certa forma, poder-se-ia dizer que, no campo da educação popular, a partir do problema formulado, busca-se uma metodologia adequada. O procedimento é frequentemente o inverso do da academia, onde a discussão da metodologia precede a escolha do problema".

Outra dificuldade encontrada é dentro das instituições de saúde, que nem sempre investem ou estimulam a participação de seus funcionários em cursos de atualização, de especialização ou outros, onde possam buscar novos conhecimentos para subsidiarem sua prática, principalmente na educação em saúde.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Apesar de percebermos que as práticas de educação em saúde, de uma ou outra forma, vêm sendo realizadas, ficou evidenciado também que o termo educação em saúde é compreendido de forma restrita, com enfoque na prevenção de doenças, através da mudança de comportamento da população.

A população é receptora de informações e deverá elaborá-las de tal forma que possam modificar seu comportamento considerado de risco para a saúde. Como se a saúde fosse um estado que se pudesse atingir depois de educado, independente da realidade social, econômica e cultural em que vivemos.

Se compreendemos que saúde não é simplesmente a ausência de doença, que novas concepções do processo saúde-doença estão norteando muitas das ações educativas ou pelo menos deveriam estar, então não podemos continuar realizando práticas educativas obsoletas. Faz-se necessário um saber mais sistematizado sobre educação em saúde, vislumbrando práticas que incluam o cidadão no processo enquanto ator social, reflexivo e instrumentalizado com seu saber, para contribuir no processo de mudança social. Não bastam informações, é preciso compreender a comunidade como unidade, criando, no coletivo, propostas capazes de atingir cada um de seus segmentos, segundo suas naturezas e carências.

Conforme abordado pelas enfermeiras, são realizadas um grande volume de ações curativas nas unidades básicas, deixando a desejar quando se trata de ações preventivas, e a educação em saúde localiza-se dentro destas ações preventivas. No nosso entender, as ações preventivas e curativas coexistem nos serviços, pois podemos estar realizando-as simultaneamente tanto em unidades básicas, como em serviços de alta complexidade, portanto, não seria esta uma razão para deixar de realizar educação em saúde.

No cotidiano as ações educativas são desenvolvidas com a cooperação da equipe de saúde multiprofissional. Contudo, a enfermeira chama para si a responsabilidade maior de planejamento, implementação e avaliação da educação em saúde, contando com a participação dos demais integrantes da equipe para momentos de execução das atividades.

Neste estudo, buscamos entender a inserção da educação em saúde na prática das enfermeiras de unidades básicas de saúde e compreendemos que a educação e a saúde são práticas sociais, que se articulam, e se modificam conforme as diferenças sociais, econômicas, culturais. Que, portanto, faz-se necessário repensarmos a nossa prática, não somente como enfermeira, mas como docente de enfermagem.

Neste estudo, empregamos o termo educação em saúde, no entanto, gostaríamos de ressaltar a necessidade de reflexões acerca da maneira de concebermos a educação e a saúde e as práticas educativas em saúde. Não entendemos aqui que a educação esteja localizada no interior da saúde, mas que são práticas sociais articuladas, e devem nortear as ações das classes sociais, a fim de que possam participar ativamente das decisões políticas e sociais com vistas a atender suas necessidades e de acordo com o interesse coletivo.

Pelas entrevistas não percebemos as enfermeiras vislumbrando novas concepções no que tange à educação em saúde, no entanto, percebemos uma insatisfação nos resultados de sua prática cotidiana, que pode talvez desencadear reflexões que venham a culminar com novas maneiras de fazer educação em saúde ou, em novas concepções para a educação e a saúde.

Pensamos que um caminho a ser seguido para sistematizar as ações educativas, deverá passar, necessariamente, por momentos de discussões, em parceria com outras instituições de ensino, assistência e demais segmentos da sociedade, colocando-nos ao lado da comunidade como profissional, mas também como cidadãos integrantes do grupo social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. COLLET, N. ; ROCHA, S. M. M. Transformações no ensino das técnicas em enfermagem pediátrica. Goiânia, AB. Editora, 1996.
2. FREIRE, P. O papel do trabalhador social no processo de mudança. In: Educação e mudança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 43-61,1990.
3. MINAYO, M. C. de S. e et al. Pesquisa social, Petropólis RJ, 5ed, Vozes, 1996.
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5. MENDES, E.V. Um novo paradigma sanitário: a produção social de saúde. In: Uma agenda para a saúde. São Paulo, Hucitec, p. 233-300,1996.
6. STOTZ, E. N. Porque a educação e saúde. In: Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro, Relume Dumará, p.13-22,1993.
7. VALLA, V.V; STOTZ, E. N. Educação popular e conhecimento: a monitoração civil dos serviços de saúde e educação nas metrópoles brasileiras. In: Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro, Relume- Dumará, p. 103-112, 1993.

AUTORES

Artigo baseado em monografia apresentada ao Curso de Especialização de Enfermagem em Saúde Pública da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Departamento de Enfermagem

Claci F. W. Rosso - Enfermeira, Professora Auxiliar da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. Especialista em Saúde Pública
Neusa Collet - Enfermeira, Professora Assistente do departamento de enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Doutoranda do Programa Interunidades de Doutorado em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
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