Revista Eletrônica de Enfermagem - Vol. 01, Num. 01, 1999 - ISSN 1518-1944
Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO - Brasil).
 

QUEM É O ENFERMEIRO?

Jeanne Marie R. Stacciarini, Lourdes M. S. Andraus, Elizabeth Esperidião, Adélia K. Nakatani *


STACCIARINI, J.M.; ANDRAUS, L.M.S.; ESPERIDIÃO, E. NAKATANI, A.K. - Quem é o enfermeiro? Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.1, n.1, out-dez. 1999. Disponível: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen/index

RESUMO: Realizamos um estudo do tipo sondagem, com objetivo de identificar em determinado grupo, qual é a representação social do enfermeiro. A pesquisa foi realizada na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás. Para a coleta de dados utilizamos um questionário aplicado em uma amostra de vinte e oito sujeitos, que atendendo a um projeto de extensão da Universidade, "A Comunidade vai a UFG", visitaram a referida unidade. Os dados foram analisados a partir das descrições dos sujeitos, de acordo com os conteúdos, tentando alcançar os significados das comunicações. As representações mais freqüentes foram: "auxiliar do médico", "trabalha com doença", "exigências morais", "trabalho caritativo" e "reconhecimento social", dentre outras.
UNITERMOS: enfermeiro, representação social

SUMMARY: WHO IS THE NURSE? We developed a survey study to identify, in a determined group, what the social representation of the nurse is. The research was done in the Nursing Faculty of the Federal University of Goiás (UFG). To collect data we applied a questionnaire to a sample of 28 subjects that were visiting the Faculty at the time (they were attending a continuous education project: "The Community goes to the UFG"). The data analysis was based on the content of the subjects’ descriptions, trying to determine their meaning. The most frequent representations were "doctor’s assistant", "someone who works with illness", "moral demand", "charitable job", "social recognition" and others.
Key words: nurse, social representation

APRESENTAÇÃO

O trabalho do enfermeiro ao longo dos tempos, tem-se constituído em objeto de questionamentos e reflexões por parte dos profissionais e estudantes da área. Suas ações estão relacionadas com a prática da saúde, determinada pela totalidade social.

A enfermagem antiga se respaldava na solidariedade humana, no misticismo, no senso comum e em crendices. Atualmente, essa profissão procura aprofundar seus aspectos científicos, tecnológicos e humanísticos, tendo como centro de suas atividades, cuidar da saúde do ser humano. É uma ciência com campo de conhecimento fundamentais e práticas que abrangem do estado de saúde ao estado de doença.

Para a Associação Americana de Enfermagem (1979), " Enfermagem é o diagnóstico e o tratamento das reações humanas a problemas reais ou potenciais de saúde (IYER et al, 1993).

Segundo DANIEL (1981), a enfermagem é um " Processo" ou "Sistema" no qual se utilizam método, normas e procedimentos específicos, organizados e fundamentados em uma filosofia e objetivos definidos, visando conhecer e atender as necessidades básicas afetadas da pessoa humana.

De acordo com IYER et al (1993), as conceituações teóricas a cerca da enfermagem podem mudar de acordo com as posições ideológicas e filosóficas dos estudiosos da área.

Da mesma forma, a profissão da enfermagem, enquanto fenômeno histórico é influenciada pelas variáveis sócio-político e econômicas de cada época, estando sujeita portanto, a transformações em sua praxis no decorrer do tempo (SILVA, 1979).

Lima et al (1994) descreve as três fases distintas da evolução da enfermagem, sendo elas: a empírica ou primitiva, a evolutiva e a de aprimoramento.

Na fase empírica ou primitiva, não havia profissionais e a assistência aos doentes era prestada por leigos que usavam dos mais diversos meios de tratamento, mesmo sem recursos e conhecimentos.

Na fase denominada evolutiva, foi fundada a Escola de Enfermagem do Hospital Saint Tomas, que receberia após o nome de Escola de Enfermagem Nightingale, onde foram lançadas as bases de ensino com a preparação das primeiras enfermeiras.

Na fase de aprimoramento, a enfermagem passa a considerar o indivíduo como um centro de cuidados, com atendimento individualizado, visando salientar a inter-relação dos sistemas bio-psico-espirituais da pessoa humana.

No Brasil a enfermagem é exercida por três categorias profissionais: o enfermeiro com formação superior, o técnico e o auxiliar de enfermagem de nível médio.

CARVALHO & CASTRO (1979) referem que o profissional enfermeiro surgiu no Brasil, para atender a necessidade da saúde pública. No entanto, após 30 anos de crescimento institucional desordenado, sua prática foi dimensionada para assistência hospitalar, aspecto evidenciado em toda América Latina.

Apesar dos avanços técnico-científicos, observamos ainda uma tendência hospitalocêntrica com um "discreto" crescimento em outras áreas tais como na saúde coletiva, no ensino e na pesquisa. No entanto, esse "discreto" parece significar muito, se voltarmos os olhares para alguns anos atrás. Vivenciamos um processo de globalização, onde rápidas mudanças são exigidas, porém esse contexto parece não refletir na compreensão das pessoas acerca da enfermagem; visualiza-se que o espírito de solidariedade e religiosidade ainda permeia a percepção da sociedade em relação ao SER enfermeiro.

Segundo MOSCOVICI (1978), as representações sociais podem ser definidas como um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originados no dia a dia e no desenrolar de comunicações inter-individuais. Considera que são entidades quase tangíveis; circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, no universo cotidiano.

Em geral, nós enfermeiros, quando não somos "chefe" ou "enfermeira padrão", somos freqüentemente confundidos com outros profissionais da enfermagem ou classificados como "ajudantes" ou secretária de médico", descaracterizando a realidade profissional.

Uma característica muito forte também ligada a imagem do enfermeiro é a "doença" ou "ambiente hospitalar", talvez pela prevalente atuação do profissional na área curativa.

Explicando a idéia acima citada, GASTALDO & MEYER (1989) afirmam que a enfermagem profissional já nasce vinculada ao hospital, o que talvez justifique seu enfoque predominantemente curativo, que persiste até os dias de hoje.

Comentam ainda, outra questão que permeia a figura da enfermeira, que é a necessidade de supervalorização da postura e da moral dos profissionais em detrimento do conhecimento técnico. A profissão é feminina por excelência, sendo assim, o cuidado à saúde como atribuição da mulher, passa a ser uma extensão do trabalho doméstico. A valorização de uma moral rígida é devido ao tipo de mulher (bêbadas, desqualificadas e prostitutas) que prestavam cuidados aos doentes como atividade remunerada.

HORTA (1975), enfatiza que algumas representações sociais do enfermeiro são mencionadas, porém a autora descreve como mitos da enfermagem, os quais denomina: enfermeira-dama de caridade, enfermeira-ajudante do médico, enfermeira-executora de técnicas, enfermeira-cuida de doentes e enfermeira-administrador. A autora trabalha cada um dos mitos e defende a idéia de que se faz necessário reverter essas concepções.

Enquanto formadores de futuros profissionais é fundamental o entendimento crítico dos conteúdos, que podem produzir as representações sociais do enfermeiro e a realidade a que se referem, como forma de subsidiar a sua proposta de transformação da prática social.

A partir do reconhecimento de que estudos de representação social podem contribuir para conhecer a imagem profissional, o objetivo deste trabalho foi:

OBJETIVO

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa do tipo sondagem, que segundo CHIZZOTTI (1991), caracteriza-se pelo tamanho restrito da amostra, a fim de obter a custo módico e tempo breve, informações descritivas de uma população alvo ou avaliar relações entre fatores pré-definidos.

Atendendo ao projeto de extensão "A Comunidade Vai a UFG" da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal de Goiás, recebemos em datas previamente marcadas, pessoas da comunidade em geral a fim de conhecer as instalações e funcionamento do curso de graduação em enfermagem. Estes indivíduos que procuraram a referida Unidade de Ensino e que se dispuseram a responder o instrumento, formaram o universo do estudo.

Como instrumento, utilizamos um questionário (Anexo 1) constituído de alguns dados de identificação e uma questão aberta, interrogando sobre quem é o enfermeiro.

Optamos por este tipo de instrumento por oportunizar a livre expressão de pensamento e por obter informações que exigem reflexão acerca do tema proposto.

Em três dias consecutivos, as pessoas que chegavam à Faculdade de Enfermagem, foram convidadas para uma sala de aula e antecedendo a visita, a coleta de dados foi feita, com garantia prévia do anonimato.

Vinte e oito pessoas, visitaram a Unidade, dentre as quais todas aceitaram responder o questionário.

ANÁLISE DE DADOS

A análise de dados foi realizada a partir das descrições dos sujeitos, de acordo com os conteúdos, tentando alcançar os significados das comunicações.

"Análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens" (BARDIN, 1977, p.3).

Inicialmente a partir da organização do material elaborado pelos sujeitos, foram criadas categorias de representações sociais e em seqüência realizamos uma descrição analítica quanti-qualitativa. Salientamos que os resultados se reportam ao percentual de conteúdos apreendidos e não do número total de sujeitos.

Os dados pessoais dos sujeitos revelam que a amostra é predominante feminina (70%), com uma maior freqüência na faixa etária entre 20 à 30 anos (50%), encontrando indivíduos com menos de 20 anos (28%) e com mais de 30 anos (22%). Quanto a escolaridade, são universitários (39%), estão cursando ou possuem o segundo grau completo (39%), possuem formação superior (18%) e um indivíduo com primeiro grau incompleto (6%). Referente à profissão, a maioria (36%) se enquadra como estudante e como professor (21%), dentre outras.

A seguir, na Tabela 1, apresentamos as principais categorias identificadas:

Tabela 1 - Categorias identificadas na representação social do enfermeiro

Categorias identificadas

Freqüência dos conteúdos

 

N

%

Auxiliar de médico

17

18,5

Trabalha com a doença

16

17,4

Exigências morais

11

12,0

Trabalho caritativo

10

11,0

Reconhecimento social da profissão

09

9,8

Próximo ao paciente

08

8,7

Trabalha com saúde

05

5,4

Substitui o trabalho do médico

05

5,4

Graduado

03

3,2

Membro da equipe

03

3,2

Administra a enfermagem

02

2,1

Não tem papel definido

02

2,1

Outro

01

1,2

TOTAL

92

100

A representação mais freqüentemente mencionada nos conteúdos dos sujeitos foi a de "auxiliar de médico" (18,5%). Essa representação denota que o enfermeiro é submisso ao médico; alguém que atua mediante as ordens do médico.

Exemplificando:

Sujeito: "o enfermeiro é um tipo de auxiliar de médico"

Neste sentido, LANDMAN (1983), descreve um estudo realizado em hospitais públicos e particulares dos Estados Unidos, mostrando que persiste entre os profissionais da saúde a dominação médica e que a enfermagem, como outras profissões da área continua reverenciando o doutor e se subordinando a seus ditames, que sempre prevaleceram na área hospitalar.

Para SILVA (1986), as enfermeiras que freqüentemente possuem a mesma origem de classe social dos médicos e um nível de escolaridade semelhante encontram-se não obstante, numa posição subordinada em relação àqueles. Demonstra que alguns aspectos podem explicar esta situação, dentre eles: o retardamento do processo de profissionalização e do processo de cientifização da enfermagem e também o fato de ser uma categoria dominantemente feminina.

EPSTEN citado por SILVA (1979) também refere as dificuldades de postura do enfermeiro tendo como origem direta a posição da mulher na sociedade, onde sempre foi considerada intelectualmente inferior ao homem; essa atitude é constatada na relação médico-enfermeira.

De acordo com GAMANIKOW citado por MEYER (1993, p.48), "a enfermagem é distintivamente um trabalho de mulheres... mulheres estão peculiarmente adaptadas para a onerosa tarefa de cuidar hábil e pacientemente do doente, obedecendo fielmente ordens médicas. Habilidade para cuidar do doente é uma natureza distintiva da mulher. Enfermagem é servir de mãe a.…pessoas adultas quando muito doentes são como crianças"

A autora refere ainda que a enfermagem foi estruturada para não disputar espaço e poder com o médico, figura hegemônica na área da saúde (MEYER, 1993).

O status histórico garantido ao médico não admite a perda do poder sobre o doente.

Raramente o enfermeiro poderá ocupar o mesmo degrau da hierarquia, restando-lhe o "direito" de ser um auxiliar.

Apesar do enfermeiro ser um profissional autônomo, a atuação subsidiária é a mais prevalente.

Em seqüência com 17,4% nos conteúdos, desponta a representação "trabalha com doença". Significa que nos conteúdos apareceram afirmações que o enfermeiro é um profissional que desempenha suas funções em instituições hospitalares, com pessoas doentes, sendo reforçada também com a idéia de medicamentos e aparelhos hospitalares, que foram referidos.

Exemplificando:

Sujeito - "... responsável pelos cuidados ao paciente durante sua recuperação".

Quanto a representação "trabalha com doença", entendemos que ela simboliza o enfoque atual da enfermagem e sua assistência; estamos muito voltados para este sentido.

Segundo GERMANO (1983), enquanto os problemas de saúde encontram-se centrados no âmbito da saúde pública, os currículos da área da saúde tem concentrado uma densa carga horária nas disciplinas altamente especializadas no campo da medicina curativa.

Estamos ainda muito voltados para o ambiente hospitalar e neste sentido a autora defende que as políticas de saúde no Brasil, notadamente pós-64, vieram contribuir ainda mais para o privilegiamento das práticas médica curativa, individual, assistencialista, especializada e privatista, em detrimento de medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo.

A história da profissão do enfermeiro, não deixa dúvida de que somos "trabalhadores da doença". Mesmo quando foi criado o curso de Enfermagem no Brasil, ligado ao Departamento Nacional de Saúde Pública, com enfoques preventivos, visava-se atender as endemias e epidemias. Neste sentido, acompanhando uma estrutura da saúde, continuamos agentes curadores.

Em seguida observamos as "exigências morais" como representação, em 12,0% dos conteúdos. Aparecem interligadas ao profissional enfermeiro, quando a ele é associado entre outras características à pessoa boa, protetora e dedicada, como se fosse algo inerente à profissão.

Esta representação é bem próxima do momento que estamos vivendo, onde existe certa preocupação com os valores éticos.

Exemplificando:

Sujeito - "... precisa ser honesto e dedicado..."

Referente às "exigências morais", elas fazem parte da profissão, desde o seu início.

Em estudos de CARVALHO (1972) sobre o ensino de enfermagem, podemos identificar estas "exigências morais" quando descreve que durante o curso, as estudantes viviam em regime de internato, submetidas a uma disciplina rigorosa, com a finalidade de desenvolver nelas os traços de caráter considerados desejáveis a uma boa enfermeira tais como sobriedade, honestidade, lealdade, pontualidade, serenidade, espírito de organização, correção e elegância.

Segundo CASTRO (1982), quando as enfermeiras americanas foram convidadas a vir para o Brasil foram importados também seus valores, que estavam impregnados da abnegação em servir e evocavam a submissão e a vocação para a dedicação ao trabalho de enfermagem. Para tanto, eram cultivados certos rituais semelhantes à educação religiosa.

MEYER (1993) coloca que a estreita vinculação da enfermagem ao cristianismo, em função até da aura vocacional religiosa que a caracterizava, contribuiu grandemente para reprodução no interior da profissão dos valores cristãos.

GESTALDO & MEYER (1989) consideram outro aspecto explicativo à moral rígida. Para as autoras o tipo de mulheres (bêbadas, prostitutas, desqualificadas) que desempenhavam as atividades inicialmente, levou a uma conduta moral supervalorizada como forma de apagar a origem "baixa" da profissão.

A idéia de que as exigências morais se fazem necessárias ao desenvolvimento da profissão, parece estar sendo substituída pelo surgimento de pesquisas que respaldam o avanço técnico-científico e o reconhecimento profissional.

Identificamos que o "trabalho caritativo" em 11,0% dos conteúdos, é outra representação sobre a função do enfermeiro, mostrando que este profissional ainda está muito ligado a figura de alguém que se doa integralmente, mesmo nas relações profissionais. Sugere que este profissional deve ter a vocação para abrir mão de si em função do outro.

Exemplificando:

Sujeito - "... dedica a vida aos doentes"

O "trabalho caritativo", sempre fez parte da assistência de enfermagem, muito antes de seu surgimento como profissão no mundo.

De acordo com PIRES (1989), o trabalho caritativo também está associado à vertente religiosa, a qual foi muito importante e hegemonizou a ideologia e o trabalho da enfermagem por longo período após o advento do cristianismo. Descreve que na enfermagem essa influência foi tão grande que até hoje o seu trabalho é visto como parte da assistência caritativa e os profissionais de enfermagem, como exemplo de abnegação aos pobres desvalidos e necessitados de ajuda.

Esta representação pode ainda, estar relacionada com alguns cuidados prestados pelos profissionais de enfermagem, os quais muitas vezes até as pessoas próximas ao doente se negam executá-las, tais como: higienização, curativos, ouvir repetidas queixas, dentre outras.

A hospitalização com dependência de cuidados, deixa o ser humano fragilizado e aberto a ajuda, encontrada freqüentemente no pessoal de enfermagem, que atendendo-o nas

dificuldades é visto como um ser caridoso, delicado e desprendido.

O "reconhecimento social da profissão" foi mencionado por 9,8% dos conteúdos e esta surgiu como representação, exigindo ao papel do enfermeiro um determinado valor, colocando-o como elemento importante e requerendo valorização. Estes conteúdos demonstraram um apelo para aceitação do enfermeiro pela sociedade.

Exemplificando

Sujeito - "... precisa ser valorizado..."

Os sujeitos esboçam determinada preocupação, na medida em que levantam a necessidade do reconhecimento social.

A falta de reconhecimento por outros profissionais especialmente da área de saúde, é visto por ARDUINI (1964) pelo fato da enfermeira estar embuída do estereótipo da feminilidade, que não dá lugar para a liderança e ambição. Isso a leva a acomodação, temendo ser mal vista ao usar padrões de comportamento que para muitos são específicos dos homens.

O "Reconhecimento Social da Profissão", como uma exigência nos conteúdos de alguns sujeitos, pode conotar proximidade com os problemas vivenciados pelo enfermeiro.

O Enfermeiro, enquanto representação também foi citado como "pessoa próxima ao paciente" em 8,7% os conteúdos, pensando que este profissional ajuda as pessoas, atende as necessidades dos indivíduos e é receptivo com os doentes. O enfermeiro é colocado como alguém que está o tempo todo ao lado do paciente.

Exemplificando

Sujeito - "... pessoa direta com os pacientes".

Parece então, que o enfermeiro para a população, quando mencionado como aquele que está "próximo ao paciente", pode ser o técnico ou o auxiliar; não havendo distinção entre as diferentes categorias profissionais dentro da enfermagem.

Discutindo a representação "próximo ao paciente" citamos ALMEIDA (1984), segundo a qual a prática de enfermagem no sentido de execução direta da assistência junto ao paciente, não tem sido exercida em toda a sua extensão pelo enfermeiro que perdeu espaço ou que ainda não o conquistou

Encontramos a representação "trabalha com saúde" em 5,4% dos conteúdos: o termo saúde pode referir-se tanto às questões preventivas quanto curativa ou seja, à saúde em si e à doença.

Exemplificando:

Sujeito - "... capaz de orientar outras pessoas no aspecto de saúde em geral".

Alguns intelectuais da enfermagem mostram-se contrários a esta conotação de saúde, pois entendem que a atenção à saúde no Brasil, tem sido permeada por contradições, transformações e tendências, tendo como eixo norteador a instituição hospitalar centrada na doença (GERMANO, 1983; SILVA, 1986; NAKAMAE, 1987; PIRES, 1989; GERMANO, 1993).

Os conteúdos aqui encontrados, sugerem a visualização do enfermeiro cuidando das pessoas para que promovam sua saúde. Na verdade, a abordagem do auto cuidado valorizando os aspectos preventivos, vem sendo enfatizada pela atual vertente da assistência de enfermagem.

Neste sentido, acreditamos que esta representação pode ser advinda do reflexo dos meios de comunicação que atualmente, tentam salientar a necessidade da prevenção em detrimento dos cuidados com a doença já adquirida.

A representação "substitui o trabalho técnico do médico", citada em 5,4% dos conteúdos, pode manifestar-se como uma tentativa de igualar o enfermeiro ao médico. Visualizamos também a possibilidade desta associação ter surgido como forma de "engrandecer" o enfermeiro, ou até mesmo "elogiar" aquelas pessoas que lhes receberam na Universidade.

Exemplificando

Sujeito - "... faz o trabalho do médico, para ele ficar com status".

A proximidade técnica das ações destes profissionais favorece tal percepção e ainda o fato de muitos procedimentos serem executados por um ou por outro, contribue para a não distinção entre ambas profissões.

Outra representação identificada foi "graduado" em 3,2% dos conteúdos, que analisado mostra que o enfermeiro deve ter sua formação específica em nível superior. Por outro lado, inferimos que estas opiniões podem também ter acontecido em função de estarem em uma Faculdade e sendo recebidos por nós enfermeiras.

Exemplificando

Sujeito - "o enfermeiro é um profissional graduado...".

Um dos aspectos que pode justificar o baixo percentual dos conteúdos desta representação, pode ser o fato da enfermagem brasileira com formação em nível superior ser recente, pois sua passagem de fato ao 3° grau, ocorreu em 1962 e somente a partir de 1972 constituíram-se os primeiros cursos de pós graduação na área (SILVA, 1986).

Por outro lado, o tipo de trabalho desenvolvido pela enfermagem em geral, especialmente os que envolvem habilidade técnica podem parecer não exigir preparo específico inerente à formação universitária do enfermeiro.

A representação "membro de equipe" em 3,2% dos conteúdos, leva ao entendimento de que o profissional enfermeiro exerce suas atividades em conjunto com outros profissionais, como: médico, psicóloga, assistente social e outros. Denota alguém que tem função específica e interage com outros profissionais para prestar serviços integrais.

Também os sujeitos podem ter referido que o enfermeiro faz parte da equipe de enfermagem, distinguindo portanto as categorias que a compõe.

Exemplificando

Sujeito - "... ele deve fazer parte de uma equipe a qual,..."

A 8a Conferência Nacional de Saúde (1986) denunciou além de uma divisão técnica, uma divisão social do trabalho, determinando uma hierarquização dos profissionais da área. Neste sentido, recomenda que a produção de serviços de saúde se realize em bases coletivas, sendo a equipe de saúde a unidade produtora destes serviços.

Porém, o atendimento dessa recomendação, se processa gradualmente e possivelmente a comunidade em geral ainda desconhece uma assistência de saúde promovida por um grupo de profissionais.

Surge também a representação "administra a enfermagem" em 2,1% dos conteúdos, onde fica explicitado o conhecimento de que na enfermagem existem níveis profissionais diferentes e que o enfermeiro lidera os demais.

Exemplificando

Sujeito - "... elabora planejamento para ser executado por auxiliares..."

Segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) citado por CASTRO (1982) o crescimento institucional em número e tamanho, particularmente com o início da previdência social e ampliação dos recursos necessários a prática curativa, exigiu o deslocamento da enfermeira para atividades administrativas, que a distanciou do contrato direto do paciente. Esse movimento da enfermagem para o administrativo foi reforçado pela preferência da enfermeira por atividade mais intelectuais que manuais.

A representação de que o enfermeiro "não tem papel definido" em 2,1% dos conteúdos, simboliza um não reconhecimento da função deste profissional, atribuindo-lhes um pouco das funções de outros profissionais.

Exemplificando

Sujeito - "... exerce função de paramédico, farmacêutico, assistente social - pau para toda obra..."

Nesta representação, verificamos que os conteúdos descritos pelos sujeitos, demonstram certa clareza quanto o papel do enfermeiro, especialmente quando ao final do exemplo acima citado, refere que o profissional é "pau para toda obra".

Na prática evidenciamos essa indefinição, principalmente em serviços privados onde o enfermeiro concentra atividades de vários profissionais, seja substituindo-os ou mesmo facilitando em suas tarefas.

O "por quê" desse comportamento é algo que vem sendo estudado, tendo algumas variáveis assumindo relevância, tais como: é o profissional de formação superior que permanece mais tempo junto ao paciente, representa um elo entre a equipe e o cliente, indefinição do perfil profissional pelos órgãos formadores, exigências dos empregadores, características controladoras "inerentes" à mulher, dentre outras.

Além destas representações, encontramos um conteúdo que não pode ser enquadrado nestas categorias acima mencionadas, sendo portanto classificado como outro.

CONCLUSÃO

A prática da pesquisa aqui relatada, possibilitou analisarmos a representação social do enfermeiro junto a uma população que visitou a Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, durante um projeto de extensão intitulado "A Comunidade Vai à U.F.G.".

Mediante as respostas dos sujeitos ao instrumento utilizado, através da análise de conteúdo, as representações do enfermeiro, foram categorizadas em: "auxiliar de médico", "trabalha com doença", "exigências morais", "trabalho caritativo", "reconhecimento social da profissão", "próximo ao paciente"; "trabalho com a saúde", "substitui o trabalho do médico", "graduado", "membro de equipe", "administra enfermagem", "não tem papel definido" e outro.

As representações sociais mais freqüentes foram: "auxiliar de médico" (18,5%), "trabalha com doença" (17,4%), "exigências morais" (12,0%), "trabalho caritativo" (11,0%) e "reconhecimento social" (9,8%).

Destas, com exceção do "reconhecimento social", os conteúdos reportam certa inferioridade à profissão do enfermeiro. Pensamos que esses aspectos podem servir como alerta, no sentido de que precisamos melhor a imagem profissional junto à sociedade.

Embora a amostra estudada seja pequena, os dados revelaram representações sociais do enfermeiro, utilizando-se de aspectos que na atualidade ou sob forma de história, relacionam-se com este profissional.

As representações sociais do enfermeiro, identificadas pela análise de conteúdo das descrições dos sujeitos, referem-se na maioria às questões práticas da profissão. O aspecto científico da enfermagem (ensino-pesquisa) não foi contemplado. Em contrapartida, questões de cunho sócio-político aparecem implicitamente na representação "reconhecimento social" .

É fundamental relembrar MOSCOVICI (1978, p.58) descrevendo que "representar uma coisa, um estado, não consiste simplesmente em desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo; é reconstitui-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto. A comunicação que se estabelece entre conceito e percepção, um penetrando no outro; transformando a substância concreta comum cria a impressão de realismo..." Nesta visão, supomos que os aspectos encontrados na pesquisa podem colaborar na reflexão do exercício profissional, considerando as devidas contextualizações.

Ainda MOSCOVICI (1978, p.121) salienta que as representações sociais "fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser".

Este enfoque, sugere uma visualização crítica das representações sociais, surgidas dos conteúdos de pessoas da comunidade.

Enquanto formadores profissionais, vale sugerir que estes dados contribuem no possível redirecionamento do ensino.

Utilizando-se das idéias de LEOPARDI (1993, p.12), ressalta-se a importância "que possamos saber que não sabemos, ou pelo menos que o que sabemos pode não ser o que pensamos que seja", para a construção de uma enfermagem mais competente.

Entendemos que estudos de representação social podem efetivamente respaldar os questionamentos acerca da enfermagem rumo à transformação profissional.

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20. NAKAMAE, D. D. Novos caminhos da enfermagem. São Paulo: Cortez, 1987. 120p.
21. PIRES, D. Hegemonia médica na saúde e a enfermagem. São Paulo: Cortez, 1989, 155p.
22. SILVA, G. B. da. Desenvolvimento da Enfermagem - correlação dos problemas da profissão e da mulher na sociedade. In: CBEn. 31, Fortaleza. Anais. Fortaleza, 1979.
____________. Enfermagem profissional - análise crítica. São Paulo: Cortez, 1986. 143p.
23. SILVA, M.E.K. da; GONZAGA, F.R.S.R; PENHA, C.M. de M. Enfermagem e cidadania: reflexões acerca das políticas sociais. Rev. Texto Contexto - Enf., Florianópolis, v. l, n. l. p. 74-88, jan./jun. 1992.

ANEXO 1

  1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

    Sexo:___________________ Escolaridade:_______________

    Profissão:__________________

    Data de Nascimento: _____________

  1. Na sua opinião, que é o enfermeiro? __________________________________________________________________

         _____________________________________________________________________________________________________

Autoras

Jeanne Marie R. Stacciarini - Enfermeira Psiquiátrica, Doutora em Psicologia e professora na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG).
Lourdes M. S. Andraus - Enfermeira, Mestre em Enfermagem e professora na FEN/UFG
Elizabeth Esperidião - Psicóloga, Enfermeira, Mestranda em Enfermagem na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP) e professora na FEN/UFG.
Adélia K. Nakatani - Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Doutoranda na EERP/USP e professora da FEN/UFG.
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