RESENHA

FAZENDA, Ivani. Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 2001.

VALÉRIA MARIA CHAVES DE FIGUEIREDO*

O trabalho organizado pela profª Ivani Fazenda é resultante dos cursos sobre metodologia da pesquisa educacional oferecidos no programa de pós-graduação da PUC-SP em 1988 e coordenados juntamente com o prof. Antônio Chiazzotti. Participaram vários pesquisadores e especialistas da temática, nas diversas abordagens metodológicas, os quais deixaram contribuições importantes para a área da educação. O local comum escolhido na produção dos textos foi a escola, seu cotidiano e a reivenção de possíveis caminhos.

De fato é uma obra importante para o entendimento da construção do conhecimento na escola, com a escola e a partir da escola. Trata-se de um livro de referência, bastante relevante e atual para se discutir a pesquisa educacional e seus contextos, não apresenta apenas o como se fazer pesquisa, mas principalmente o porquê se fazer a pesquisa educacional. Somam-se nesta 7ª edição, onze diferentes artigos que serão a seguir apresentados em síntese.

O primeiro texto é de autoria da própria profª Ivani Fazenda intitulado "A dificuldade comum entre os que pesquisam educação". Nesse texto, ela aborda as dificuldades do ato de escrever, dificuldades estas que acompanham o aluno desde o 1º grau, pois sua contribuição na sala de aula é pouco solicitada e a expressão da escrita requer apropriação do objeto da escrita. A autora sugere que a escrita pressupõe leitura e a leitura, compreensão.

Certamente uma das maneiras de se verificar as dificuldades de escrita e de leitura é o referencial teórico. São os pressupostos teóricos que darão sustentabilidade ao raciocínio, portanto, segundo a autora, antes de se decidir o caminho é necessário saber a concepção de Educação e a ideologia determinante do processo. Escrever é um hábito aprimorado e contínuo de exercícios. A primeira proposta da autora é a formação de grupos de estudos orientados, pois em suas palavras "Somos produtos da escola do silêncio" (p.15). Outro conjunto de problemas se encontra na escolha do tema, na problematização e no encaminhamento da pesquisa. De maneira clara, a professora apresenta elementos fundamentais para a reflexão da pesquisa educacional e sua construção. Saber lidar com a pesquisa é antes de tudo entender o contexto em que se vive.

O segundo texto: "O falso conflito entre tendências metodológicas", de Sérgio V. de Luna, traz uma interessante discussão entre questões que se considera como o positivismo de ontem e o hoje. A idéia central é discutir as bases epistemológicas para se travar então um possível debate, já que a metodologia não tem status próprio e precisa ser definida em contexto teórico-metodológico. O autor também ressalta para os cuidados de não se transformar uma pesquisa em prestação de serviço; a ausência de problema e de confiabilidade na resposta coloca em risco todo esforço do pesquisador e seu estudo.

A seguir o texto: "A pesquisa no cotidiano escolar", de Marli E. D.

A. André, aborda situações do cotidiano escolar e apresenta uma pesquisa que se aproxima do trabalho de campo. Essa autora ressalta, no entanto, a divergência da abordagem participante proposta por Carlos Brandão e Borda e também as diferenças da pesquisa-ação. A pesquisa do tipo etnográfica, como denomina, poderá ter vários tipos de ação e intervenção, porém, caracteriza-se por um esquema flexível, tem como características básicas o contato direto e prolongado com os sujeitos e busca a obtenção de dados descritivos. É um esquema aberto e artesanal, podendo utilizar diferentes formas de coletas e fontes. A autora prioriza o cotidiano escolar visando a compreendê-lo em suas contradições, seja no âmbito institucional, da sala de aula ou na dimensão da história de cada sujeito.

O texto de Joel Martins sobre "A pesquisa qualitativa" aborda a pesquisa na trajetória das ciências humanas e o recurso da descrição. De acordo com Martins, todo texto é construído a partir deste ponto: a descrição e suas diferenças e conflitos. Em suas palavras "a descrição é tão melhor quanto mais facilite ao leitor reconhecer o objeto buscado" (p. 56).

O texto de número cinco é o "Enfoque fenomenológico de pesquisa em educação" de Elcie F. Sazano Masini. A autora recupera de Husserl o conceito de homem animal racional e acende novo debate sobre a racionalidade. Ela aponta o cogito discutido também por Husserl como uma volta ao mundo da vida e, para tal, apresenta a fenomenologia como proposta de totalidade, no qual o método é uma questão de atitude e a compreensão deverá ser de não separação do sujeito e do objeto. A raiz da análise metodológica em fenomenologia é o círculo hermenêutico: compreensão - interpretação e nova compreensão.

O próximo texto: "O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional" é de Gaudêncio Frigotto. O autor ressalta questões sobre a "arte do diálogo" e faz um recorte proposital entre as diversas propostas para o materialismo histórico ou dialética materialista histórica, demarcando aquilo que entende como ruptura entre a ciência da história e as análises metafísicas de diferentes matizes como: empirismo, positivismo, idealismo... Na construção do conhecimento e nos caminhos percorridos existem diferenças, para ser materialista e histórica há que se dar conta da totalidade, do específico, do singular e do particular, e para tal, a mediação e a apropriação são necessárias e trazem a realidade objetiva e suas relações conflitantes. Já a metafísica é organicista e fisicalista, orienta os métodos de forma linear, a-histórica, lógica e harmônica, é neutra e objetiva. No materialismo histórico, o conhecimento se dá na e pela práxis, a reflexão teórica tem função da ação para transformar, então o autor cita Marx em sua tese XI: "Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras e o que importa é transformá-lo" (p. 82).

Silvio A. S. Gamboa escreve sobre "A dialética na pesquisa em educação: elemento de contexto" e faz uma análise epistemológica da produção da pesquisa em educação no sentido de caracterizar a dialética como tendência efetivamente crescente hoje. A dialética se apropria e apresenta novas sínteses para os problemas e conflitos e é uma outra forma de se abordar e organizar as possíveis categorias. Gamboa aponta em seu estudo as principais convergências e divergências do tema na perspectiva do campo técnico, teórico e epistemológico entre as tendências empírico-analíticas, fenomenológicas-hermenêuticas e crítico-dialéticas.

O autor trata como fundamental o entendimento das abordagens para a discussão epistêmica. Em síntese, nas pesquisas empírico-analíticas, o conceito é da casualidade, o tratamento funda-se nos testes e nos instrumentos de coleta; já na fenomenologia o indispensável é a interpretação-compreensão e na dialética-crítica o conhecimento se faz a partir de um processo cognitivo-transformador. Depois do confronto, o autor trata do pressuposto gnosiológico, que reflete as concepções de objeto e sujeito e as relações com o conhecimento, assim, nas empírico-analíticas a noção de homem está centrada no tecnicismo e no funcionalismo, na fenomenologia pela visão existencialista e na dialética pelo ser histórico e social. Finaliza apontando a dialética como método apropriado, que aproxima o campo da escola ao entendimento crítico trazido pelo confronto do concreto, da interrelação, do todo e as partes, dentre outras categorias.

O texto nº. 8, de Dea Fenelon, intitulado "Pesquisa em história: perspectivas e abordagens", analisa a pesquisa histórica contextualizada e sem perspectiva neutra e faz crítica à história apresentada até então nos colégios, cheia de "vilões e heróis", de "causas e conseqüências". Esta perspectiva positivista da história é questionável, pois adota os documentos como fonte exclusiva, a casualidade do acontecimento como fato, a história cronológica como ideal e asséptica. Novos caminhos são apresentados para a historiografia, como o enlace com o materialismo histórico ancorando os novos "supostos teóricos".

A autora faz uma breve retrospectiva da pesquisa histórica brasileira, como os anos 60 em que se debatia a revolução brasileira. Porém, a derrota política fez os historiadores se voltarem para a produção acadêmica. É interessante a crítica que levanta sobre os riscos de se fazer falsas problematizações, fruto do modelo reprodutivista, onde cada vez mais se produz devoradores de livros e se constroem apenas produções intelectuais, sem problemáticas reais à sociedade.

Para Fenelon, a idéia de fontes históricas deve ser entendida como "evidências", recuperadas e trazidas à nova perspectiva. Ela cita Walter Benjamim para vislumbrar um novo caminho: "O campo da história é o campo de possibilidade que irá ser trabalhado com os agoras a serem investigados" (p. 126).

A idéia de presente é o importante e não apenas se reconstruir o passado como tal.

Olinda Maria Noranha escreve sobre a "Pesquisa participante: repondo questões teórico-metodológicas". Esta autora analisa a pesquisa participante e suas possibilidades de transformar, porém, alerta ao grande risco desta ser esteio dos anseios de uma população estudada, ou seja, apenas a denúncia do próprio status quo. Suas reflexões e críticas dirigem-se à maneira de se compreender a produção do conhecimento e de como transformar a "verdade prática" em "verdade teórica", articulando a historicidade do cotidiano à história do movimento social, fazendo análise crítica da produção capitalista a favor da luta de classes e a favor da tomada de consciência.

O penúltimo texto "Reflexões metodológicas sobre a tese: Interdisciplinareidade-um projeto em parceria", é também da profª Ivani Fazenda. A autora escreve sobre um breve resumo de sua tese de livre docência, trazendo a idéia de Ego-História, ou seja, uma nova metodologia que nasce da interseção de abalos dos referenciais clássicos da objetividade histórica e o presente olhar do historiador. Aos poucos a autora elucida o significado de Ego-História, uma história das histórias e explica também ser a compilação e apropriação de textos já produzidos e recuperados em nova síntese. Serve-se da memória, seleciona do passado o que o presente pretende devolver, portanto é uma proposta seletiva e indicadora de novos caminhos.

Finaliza este livro o texto: "A escola pública como local de trabalho ou a tese do livro-tese" de Celestino Alves da Silva Junior. O autor também traz uma síntese de sua última experiência na elaboração de tese e a sua preparação para um concurso de livre-docência. A escola pública foi o tema escolhido para ser trabalhado, no sentido da investigação sobre "educação e trabalho" e encaminha a discussão conectando a escola e esta inserida no mundo do trabalho, sendo um local de trabalho e um local hoje degradado pelas relações impostas aos trabalhadores. A crítica que o autor faz à estereotipia do academicismo reflete em seu próprio estudo já que se propõe elaborar um livro-tese como resultado da pesquisa. Para tal, reforça a idéia de que ser escrito ou não por um acadêmico, o livro é um produto cultural de origem e com característica mais democrática que uma tese. A partir da pesquisa qualitativa, se utilizando depoimentos e sistematização posteriores destes, levanta as percepções e representações dos trabalhadores da escola pública paulista que suscitam basicamente duas vertentes: a questão do trabalho assalariado sob a determinação do capitalismo e a administração da escola pública, com seus equívocos e implicações.

Toda esta discussão apontada pelos autores deste livro nos possibilita ampliar reflexões e discussões para se pensar a Educação Física Escolar, bem como, as questões do ensino das Artes nas escolas. Os dois campos de conhecimento passam por momentos importantes de reformulações epistemológicas, metodológicas, entre outras, e buscam diferentes caminhos para refletir a sua ação na sociedade e a possibilidade de transformação. Áreas relativamente novas no campo da produção de conhecimento e abrangentes, esses campos trazem a perspectiva de um arejamento dos diversos lugares do olhar, mas principalmente a discussão crítica, sendo necessário, deverá estar ancorada na divergência e na pluralidade dos saberes. Também este livro poderá ser uma inicial discussão epistemológica, apontando as similaridades e as diferenças existentes entre os campos do conhecimento e é referência para se discutir a pesquisa educacional e se conhecer um pouco das abordagens teórico-metodológicas que ancoram cada autor em cena. Eis a questão!

Recebido: 30 de abril de 2004
Aprovado: junho de 2004
Endereço para correspondência:
Rua José Augusto da Silva, 761, aptº 22 Bairro Santa Cândida - Campinas – SP
CEP13087-570
E-mail: valeria@fef.ufg.br

TOPO