ENCANTO E FASCÍNIO: DIMENSÕES DA SEDUÇÃO NA EDUCAÇÃO

Carlos Aberto Figueiredo da Silva*

Sebastião Josué Votre**

RESUMO

O objetivo deste estudo é descrever o fenômeno da sedução na relação pedagógica. Utilizou-se a etnometodologia como referencial teórico-metodológico na análise dos dados. Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa. A amostra foi intencional e constituída de três alunos universitários. Conclui-se que o fenômeno ocorre incessantemente na área educacional. Os dados evidenciaram duas categorias polares. Identificou-se uma dimensão de encantamento, em que os indivíduos interagem e edificam uma relação baseada na autonomia e outra, entendida como fascínio, em que o discernimento de uma das partes fica comprometido.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Física – Poder – Violência.

INTRODUÇÃO

No livro Etnometodologia e Educação, Coulon (1995b) faz referência à primeira obra interacionista em educação: um estudo realizado por Waller (1932) em Chicago. O objetivo era estudar o cotidiano da escola e as interações sociais que ali aconteciam.

Waller (1932) observou o contexto em que a escola estava inserida e verificou os elos que se estabeleciam entre ela e a comunidade. Utilizou técnicas tais como a história de vida, estudos de caso, diários íntimos, cartas e diversos documentos pessoais. Dentre as várias constatações, uma delas referia-se às incessantes interações que colocavam o jogo da sedução num contexto ativo, tanto por parte de professores como de alunos.

Além das considerações de Waller (1932), que serviram de impulso inicial para as questões levantadas neste estudo, Gauthier e Martineau (1999, p. 50) advertem que

O ensino, como trabalho interativo, precisa que se recorra continuamente a jogos de sedução. Esses jogos podem apresentar consequências positivas ou negativas e, por conseguinte, merecem um exame minucioso.

Segundo Postic (1989, p. 27), para o aluno, o professor apresenta “o conhecimento dos segredos da vida e um poder sobre os acontecimentos. O mestre lhe aparece envolto num halo de mistério e de magia. Daí a atração e a sedução que este exerce”.

Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa. O referencial teórico-metodológico apoiou-se na etnometodologia1. Assim, buscou-se compreender como os agentes2 sociais viam, descreviam e propunham em conjunto uma definição do fenômeno.

Este estudo, de natureza etnográfica, buscou realizar uma descrição densa, a partir das interações surgidas nas entrevistas. De acordo com os relatos colhidos, verificou-se que o professor lida com o aluno num ambiente que favorece a integração e a expansão de emoções intensas, com modos de apreensão cognitiva e reações afetivas específicas. Desta forma, buscou-se descrever relações de sedução exercidas entre professores e alunos de um curso de formação de professores de Educação Física.

Todos os nomes utilizados neste trabalho são fictícios. As reproduções das entrevistas foram feitas com a autorização dos entrevistados. Após a realização das análises, um segundo encontro foi efetivado a fim de aliar as análises ao ponto de vista dos entrevistados, alterando-as quando necessário.

Optou-se por não trabalhar com uma hipótese definida a priori. A conduta do pesquisador foi a de participante-como-observador3. O grupo entrevistado constituiu-se de três alunos.

A coleta básica dos dados deu-se por meio de entrevistas abertas, de forma a elaborar uma narrativa de vida, que permitisse ao pesquisador apreender experiências que foram marcantes para os entrevistados (MACEDO, 2006). Valorizou-se a linguagem comum, pois ela diz, descreve e constitui a realidade, que se encontra descrita nas pessoas, tendo em vista a capacidade de relatabilidade e reflexividade que possuem (GARFINKEL, 1992).

A proposta etnometodológica entende que o conhecimento se constrói na ação. Portanto, a própria entrevista, ou seja, a maneira como ela transcorreu, o fator de imprevisibilidade, os descentramentos, as reconstruções do discurso, constituem objetos de estudo e não apenas os dados colhidos por ela. Procurou-se interagir com os entrevistados de maneira que as categorias, as definições, as propostas de intervenção, os problemas etc. fossem construídos em conjunto.

Em relação às entrevistas, aproveitaram-se apenas aquelas que trouxeram material significativo para entrarem no estudo e serem analisadas. Como observa Postic (1989, p. 51):

As entrevistas não trazem material para a análise a não ser que os sujeitos aceitem entrar no jogo diante de um interlocutor que os instiga, e a não ser que sintam o desejo de formular para si mesmos o que estão sentindo.

Coulon (1995a) comunga com Postic (1989), ao afirmar que:

Contrariamente ao que às vezes se pretende, os etnometodólogos não tomam como descrições da realidade social os relatórios dos seus atores. A análise desses relatos ou relatórios não lhes é útil a não ser na medida em que mostra como os atores reconstituem permanentemente uma ordem social frágil e precária, a fim de se compreenderem e serem capazes de intercâmbio. (COULON, 1995a, p. 46).

Dessa maneira, foram selecionadas as entrevistas em que houve envolvimento e participação efetiva do entrevistado na busca de si, nas quais o entrevistado retomava sua forma de expressão e se reconstruía à medida que falava e interagia com o entrevistador.

Privilegiou-se a abordagem microssocial, levando-se em consideração que as interações surgidas nas entrevistas inserem-se em quadros institucionais mais amplos, são influenciadas por eles e ao mesmo tempo os modificam.

SEDUÇÃO E PODER

Nassar (1994), Silva (1994) e Couto (2003) exaltam a sedução e a paixão como processos importantes na relação pedagógica para que a aprendizagem ocorra de forma efetiva. Silva (1994) crê na força da paixão na relação entre professor e aluno para que a aprendizagem ocorra de forma significativa. Nassar (1994) crê na sedução como um fator essencial na relação entre professor e aluno para alcançar os objetivos pedagógicos. Couto (2003) ratifica a inevitabilidade da sedução na relação pedagógica e procura vê-la como uma maneira de atrair o aluno para o conhecimento.

Entretanto, Santos (1993) considera o discurso da paixão e do amor como uma busca de equilíbrio interno para as tensões ocasionadas pela demanda moral e pelo sistema escolar perverso. Morgado (2002) diz que o aluno se deixa dominar para ser amado, visto que, nas relações originais da criança com seus pais, há um viés de autoridade superegoica, que se reatualiza na relação com os professores. Para esta autora, a sedução compromete os resultados pedagógicos; essa relação deveria ser rompida por uma autoridade competente, pois é um obstáculo para que o processo ensino-aprendizagem ocorra adequadamente.

Para Lafon (1992), é importante que não se deixe a sedução no campo do impensado; diz ser necessário que o docente reconheça a posição de poder que ocupa e a possibilidade de manipulação dos alunos. Gauthier e Martineau (1999) afirmam que seria um erro recusar a sedução no campo educacional e destacam que “não somente o professor deve estar consciente dos perigos da sedução, mas deve também conhecer e explorar as enormes possibilidades que ela oferece” (p. 50).

Diante de tais posicionamentos, perguntamos: até que ponto a sedução influencia no desenvolvimento da capacidade crítica e da autonomia? O aluno tem capacidade de analisar criticamente o conteúdo que lhe é transmitido ou deixa-se influenciar pela personalidade do professor sedutor? Será que para ensinar é necessário seduzir?

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As entrevistas ratificaram que o fenômeno da sedução acontece incessantemente na relação pedagógica. Para os alunos entrevistados, existe uma dimensão positiva e outra negativa, boa ou ruim, saudável ou negativa, direcionada ou espontânea. Ficou demonstrado também que um componente de sensualidade e sexualidade está presente nas interações. Os entrevistados disseram que alguns professores possuem um poder de atraí-los e que essa atração se dava principalmente pelo jeito de falar, pelos gestos, pelo olhar, pelo charme.

Entretanto, um dilema apresentou-se: se por um lado o professor que não seduz seus alunos tem dificuldade para despertar o interesse por sua disciplina, por outro, aquele que o faz pode induzir e manipular.

Duas categorias principais foram então construídas após a análise das entrevistas, a saber: o encanto e o fascínio. O encanto é entendido, neste estudo, como um fenômeno em que existe liberdade e desprendimento entre professor e aluno, surgindo dessa relação uma autonomia. O aluno tem condição de se mover dentro da relação e de se diferenciar do objeto de encanto. O fascínio é entendido, neste estudo, como um fenômeno ligado a uma supervalorização intelectual ou sexual, na qual o professor é idealizado e torna-se um objeto de fascinação. De fato, são categorias difusas. O fascínio e o encanto estão como que entrelaçados. O esforço em torná-las categorias discretas foi no sentido de tentar descrever o fenômeno.

O fenômeno possuiria então uma dimensão estética que se prenderia ao despertar de uma sensibilidade que estaria adormecida; por outro lado, como entende Mezan (1988), a sedução possuiria uma dimensão ética, que se refere ao processo no qual o seduzido é portador de um “a menos”, ou seja: “seduzir é assim proceder com perfídia, a fim de ganhar um poder sobre o objeto de sedução, e colocar este último a serviço das finalidades do sedutor” (p.90).

Essas duas dimensões da sedução são compreendidas como oriundas das identificações4 que se processaram no decorrer da vida do indivíduo. Segundo Laplanche (1988, p. 226), numa identificação o que

está em jogo é ser como o outro a quem se está identificado, ou seja, o indivíduo assimila um aspecto ou qualidade do outro e “transforma-se”, total ou parcialmente, segundo o modelo desta pessoa.

Freud (1921/1950) analisou o fenômeno da supervalorização sexual, no caso do enamoramento, dizendo que ao seguir um líder a massa estará sujeita a esse mesmo mecanismo:

O ego se faz cada vez menos exigente e mais modesto e, em troca, o objeto se torna cada vez mais magnífico e precioso, até apoderar-se de todo o amor que o ego sentia por si mesmo, processo que leva, naturalmente, ao sacrifício voluntário e completo do ego. Pode-se dizer que o objeto devorou o ego (p.57).

Nesse caso, o sujeito se anularia em função do outro. Freud (1921/1950) diz ainda que a “consciência não se aplica a nada que seja feito por amor ao objeto” (p.57), isto é, quando uma considerável quantidade de libido narcísica5 transborda para o objeto e o objeto amado passa a ser tratado como o próprio ego; pois que nós

o amamos por causa das perfeições que nos esforçamos por conseguir para nosso próprio ego e que agora gostaríamos de adquirir, dessa maneira indireta, como meio de satisfazer nosso narcisismo (p.57).

Todas as características do objeto amado são então levadas à perfeição e a tendência que falsifica o julgamento, segundo Freud (1921/1950) , neste caso, é a idealização6.

Freud (1920/1950) faz uma distinção entre a identificação e o estado de enamoramento:

É fácil agora definir a diferença entre a identificação e esse desenvolvimento tão extremo do estado de estar amando, que podem ser descritos como “fascinação” ou “servidão”. No primeiro caso, o ego enriqueceu-se com as propriedades do objeto, “introjetou” o objeto em si próprio (...). No segundo caso, empobreceu-se, entregou-se ao objeto, substituiu o seu constituinte mais importante pelo objeto (p.57).

Entretanto, Freud (1920/1950) diz que esse tipo de descrição cria categorias que se contradizem e não possuem existência real. Para ele, não se trata de empobrecimento ou enriquecimento, e de modo a atender melhor à essência da questão diz:

No caso da identificação, o objeto foi perdido e abandonado; assim ele é novamente erigido dentro do ego e este efetua uma alteração parcial em si próprio, segundo o modelo do objeto perdido. No outro caso, o objeto é mantido e dá-se uma hipercatexia7 dele pelo ego e às expensas do ego (FREUD, 1920/1950, p.57).

No encanto, o objeto não é idealizado, mas perdido e abandonado para ser reconstruído pelo sujeito, com alguns traços do objeto. No caso do fascínio, o objeto é idealizado e, à custa e sacrifício do próprio ego, é alvo de uma hipercatexia.

A entrevista com Loir

Vejamos um exemplo colhido nas entrevistas. Uma aluna entrevistada, nomeada como Loir, diz:

E: Teve algum professor que foi importante pra você?

Loir: Teve.

E: Por que ele foi importante?

Loir: Ah!, não sei!, o jeito, a simpatia; super carismático.

E: Ele é o cara que você assim (interrupção brusca)

Loir: Idolatro!

E: Idolatra!?

Loir diz que idolatra o professor. Idolatrar tem o sentido de venerar, adorar ídolos, ou seja, um amor excessivo; uma paixão exagerada. Ratifica a imagem com a figura do rei. O rei é a pessoa que exerce autoridade absoluta, é o soberano. Loir demonstra que o professor está idealizado, conforme o conceito de idealização. Assim, as qualidades e o valor do professor foram levados à perfeição.

Nessa fase, Loir admite que nunca parou para pensar.

E: Já parou pra pensar nisso?

Loir: Não!

E: Nunca parou? Por quê?

Loir: Porque, sei lá! Ele passa assim uma, um domínio do conhecimento.

E: Ele te seduz?

Loir: É, pode ser.

E: O que nele te seduz?

Loir: Olha só! a passagem do conhecimento, o porte dele.

Loir refere-se à transmissão do conhecimento e ao porte (físico) do professor. A seguir, diz que ele é bonito e “pintoso”. Faz uma categorização. Para ela, o sedutor pode ser consciente e inconsciente de suas ações. Com relação ao sedutor inconsciente, diz que, neste caso, o aluno pode até sair da sedução.

E: Você diz que o professor que seduz inconscientemente é super válido e o consciente é o perigoso?

Loir: É, eu acho que sim. Porque o inconsciente, aí de repente o aluno até ô... ô... ele pode sair fora da sedução, ele aí opa! Será que isso tá certo? Agora o consciente acho que não leva o aluno... a refletir não. Às vezes, acho que leva mais a guiá-lo.

Ao final da entrevista, parece tomar consciência da influência exercida pelo professor.

E: Então essa pessoa é tão poderosa que consegue mexer nas tuas estruturas?

Loir: Com certeza.

E: Você seria capaz de mudar o rumo de sua vida por causa dele?

Loir: (Silêncio)... (Risos). Acho que não, também, Ah!, não sei (risos). Olha só! Acho que mudaria sim. Muda sim, muda tudo.

E: Que poder é esse? Como você explica esse fenômeno?

Loir: É inexplicável (risos). Ah! Não sei (risos).

Nesta sequência, Loir surpreende-se consigo mesma e, a partir de reconstruções do discurso, vai rememorando experiências. Isto pode ser observado pelas pausas, silêncios, risos e pelo discurso contraditório, por exemplo: quando lhe foi questionado se haveria alguma possibilidade de mudar o curso de sua vida por causa do professor, Loir inicia dizendo: “Acho que não”, e depois: “também, Ah!, não sei (risos)”. A seguir tenta enfraquecer a resposta modalizando: “Olha só! Acho que mudaria sim”. Mas no final, sua resposta é enfática: “Muda sim, muda tudo”.

Para Loir o fenômeno diferencia-se da motivação (dar motivos, causar, ocasionar) no sentido de que, no encanto/fascínio não existem razões ou objetivos previamente definidos, o que se passa é um jogo, um desafio, um lançar-se ao desconhecido, ao mistério, ao enigma.

A visão que Loir tem do professor é positiva, sem ressentimentos. Seu olhar revela um carinho, apesar de não ser correspondida em seus sentimentos amorosos. Isso porque entende que a sedução do professor é inconsciente. A influência do professor é significativa em seu comportamento. Chegou a dizer que já mudou concepções em virtude destas serem conflitantes com as do mestre.

Loir valoriza muito o saber do professor. Valoriza a tal ponto que entende esse saber como uma propriedade dele e que generosamente é transmitido. Dessa maneira, crê que o saber é apenas descoberto e não vislumbra que ele também é construído na interação; por isso idealiza o professor.

A entrevista com Tom

Tom estava à época com 33 anos de idade. Era o seu segundo curso superior. Ele fala basicamente de dois professores: o professor Fox e o professor Oscar. Tom conviveu com o professor Fox desde a adolescência. O professor Oscar fazia parte de um grupo de professores que passou a conviver mais recentemente com Tom.

Tom faz questão de assumir logo de início a responsabilidade pelo discurso; utiliza o pronome “eu” várias vezes. Assim, a voz pronominal prevalece sobre a voz passiva e ativa.

Tom descreve o quadro em que se encontrava a faculdade naquele momento: a instituição não tinha condições para desenvolver o curso, faltavam instalações, as que existiam estavam em precárias condições, faltava material, os alunos reivindicavam melhorias; o professor Oscar tendo que dar conta das pressões do alunado sem poder se incompatibilizar com a direção da escola. Havia, também, uma pressão por parte dos professores. Tom diz que alguns desses professores se “endeusavam” e conseguiam iludir os alunos, mas com o tempo alguns alunos foram descobrindo a verdade.

A experiência de Tom guarda similitudes com a de Loir, apesar de ele ter vivenciado o fenômeno com um professor do mesmo sexo. Em Tom, o processo de sedução pode ser compreendido na esfera do fascínio. Ele considera o professor Fox consciente de suas ações. Para Tom, Fox é um ser que luta desesperadamente para fazer predominar a sua maneira de entender a vida e enquadrar o outro em sua dependência, em suas palavras: “Ele sempre usa de filosofia de vida, mas as filosofias da vida dele. Era aquela filosofia de eu sou o melhor, eu sou muito bom, eu fiz curso disso em tal país [...]”.

Há um grande ressentimento por parte de Tom, talvez isso se deva ao entendimento que ele possui hoje de que as ações de Fox eram conscientes. Ao contrário de Loir, que entendia o professor como inconsciente de suas ações.

Para Loir não há ressentimento. Entretanto, Tom sente-se magoado, usado e manipulado. O mais importante no discurso de Tom refere-se ao grau de irrealidade que sedutor e seduzido apresentam. Por diversas vezes, Tom disse que existem pessoas que estão dormindo e não acordam.

Tom: Muitos vão se formar, se formam, estão no campo de trabalho e continuam dormindo (...) continuar dormindo é você não se deparar com a realidade (...) têm pessoas que dormem e não acordam (...) acho que é falta de responsabilidade ou então é alguma deficiência mesmo.

Para Tom, a pessoa pode ter uma deficiência. Lowen (1983) descreve o narcisismo como uma condição psicológica e cultural: “Em nível individual, indica uma perturbação da personalidade caracterizada por um investimento exagerado na imagem da própria pessoa à custa do self” (p. 9).

Para Lowen (1983), os narcisistas estão mais preocupados como se mostram e se apresentam do que com o que sentem. São egoístas, preocupados apenas com seus próprios interesses. “Agindo sem sentimento, tendem a ser sedutores e ardilosos, empenhando-se na obtenção de poder e de controle” (LOWEN, 1983, p. 9).

Há, portanto, uma sobrevalorização da imagem. O narcisista identifica-se com a imagem idealizada, perdendo a noção de sua autoimagem real, porque essa lhe é inaceitável. Como num espelho, não vê seu verdadeiro eu, e sim um simulacro, uma imagem.

Para Tom, as pessoas que se deixam fascinar e que fascinam, e não fazem nada para mudar isso, estão doentes; têm uma deficiência. Lowen (1983) diz que “o narcisismo denota um grau de irrealidade no indivíduo e na cultura. A irrealidade não é apenas neurótica, ela toca as raias da psicose” (p.10).

O discurso de Tom condena veementemente o fascínio.

Tom: (...) isso pode ser bom ou pode ser ruim...tá entendendo. Normalmente, é ruim, no meu ponto de vista, porque...você não precisa seduzir a ninguém pra ... parecer, pra aparecer ou pra se fazer presente. Você simplesmente existe e, nessa sua existência, você vai conquistar as pessoas, caso você tenha mérito.

Tom sentia-se incapaz de lutar com as forças simbólicas presentes na sua relação com o professor Fox. O contato com o professor Oscar ajudou-o a enfrentar o problema e não mais aceitar a dominação e a dependência.

A entrevista com Ester

Ester estava à época com 38 anos de idade, e se identificou com o tema da pesquisa, mostrando-se muito disposta a colaborar com a construção das ideias a respeito do fenômeno.

Ela diz que existe uma proximidade muito grande entre o professor e o aluno, e que o fenômeno é uma constante nessas relações. Disse que vivenciou o processo várias vezes e de diferentes formas. Para ela, que se refere ao fenômeno como sedução, deixa as pessoas mais vulneráveis e que essa vulnerabilidade não significa fraqueza, mas sim pureza. Vejamos o que Baudrillard (1992, p. 94) diz a respeito:

Seduzir é fragilizar. Seduzir é desfalecer. É através da nossa fragilidade que seduzimos, jamais por poderes ou signos fortes. É essa fragilidade que pomos em jogo na sedução, e é isso que lhe confere seu poder. Seduzimos por nossa morte, por nossa vulnerabilidade, pelo vazio que nos persegue. O segredo é saber jogar com essa morte a despeito do olhar, a despeito do gesto, do saber, do sentido.

Ester também criou duas categorias. Disse que existe o lado positivo (sedução saudável) e o negativo. Há uma dimensão sensual/sexual presente em seu discurso sobre o fenômeno; por várias vezes mencionou-a. Seu juízo de valor passa pela ideia dos fins a que se destina o processo. Se o professor estiver apaixonado, diz ela, deve se entregar a essa paixão, porque é um ser humano e não deve reprimir algo puro e verdadeiro. Entretanto, é importante que tenha a capacidade de saber a diferença, a fim de poder direcionar a sedução.

Ester insiste em dizer que a figura do professor é muito importante. Várias vezes ela o focalizou com o ethos de: “o professor” e “um professor”. Existe um poder que lhe é outorgado pelo sistema, mas também existe o poder simbólico. Assim, pode-se utilizar desse poder de diferentes formas. Ester diz também que há professores que se utilizam de sua posição, hierarquicamente superior, para assediar sexualmente os alunos, chegando mesmo a ameaçá-los com reprovações. Apesar deste relato, o assédio sexual não foi considerado como encanto ou fascínio, pois nele não existe o jogo da sedução, tampouco a persuasão; apenas a coerção.

Para Ester, a sedução é inevitável. O que se pode fazer é superá-la e utilizá-la para o crescimento pessoal. Para Ester:

1. o fenômeno existe na relação pedagógica, pois que esse contexto proporciona um grande envolvimento entre as pessoas;

2. as pessoas, no âmbito educacional, ficam mais vulneráveis, e por isso mais sedutoras, em virtude da “pureza” que se desenvolve nas relações, pois existe uma intensa atividade lúdica. As pessoas encantam e fascinam não por sua força e poder, mas por suas fragilidades;

3. o professor seduz, mas os alunos seduzem também. Professor e aluno se deixam encantar ou fascinar; não é uma relação unilateral;

4. o professor só deve erotizar a relação se realmente estiver apaixonado pelo aluno; caso contrário, deve sublimar a pulsão libidinal presente na relação e direcioná-la para algo positivo;

5. não há como evitar o encontro com a sedução. O professor deve então ser capaz de avaliar seus reais sentimentos e decidir por se lançar ao desafio e ao mistério, mas consciente e responsável pelos atos aí praticados.

Ester conclui seus pensamentos dizendo: “Se for algo saudável, eu acho que é maravilhoso; tem que existir não só na educação física, mas em todos os campos da vida humana”.

CONCLUSÃO

Como?, procuras algo?, gostarias de te decuplicar, centuplicar?, procuras adeptos? - Procura então zeros! (NIETZSCHE, 1985, p.17).

Este estudo buscou, por meio da reflexividade de três alunos de um curso de Educação Física, identificar e descrever o fenômeno da sedução na relação pedagógica. A partir das entrevistas, duas categorias foram construídas: encanto e fascínio.

Verificou-se que no encanto existe equilíbrio; as partes se desafiam, a dominação é intercambiada, os indivíduos envolvidos no processo crescem emocionalmente e intelectualmente, surgindo daí uma relação autônoma. Já no fascínio, uma das partes fica tão poderosa que a outra é incapaz de desafiá-la, de provocar dúvidas, de descentrá-la. Neste caso, o discernimento de uma das partes fica comprometido.

Há que se refletir sobre o desejo que aproxima e gera mundos, e pensá-lo assim é vê-lo como potência para o conhecimento, o que abre horizontes para se (re)pensar a erotização das relações humanas no campo educacional. Educação entendida como edificadora de Eros, de realização plena e gratificação instintiva. Assim, o encantamento entre professores e alunos formaria a base de uma educação não dessexualizada, e, sobretudo, prazerosa e responsável.

A razão humana não pode servir de instrumento para o cerceamento da felicidade, do prazer, do encantamento. Logos e Eros, na tradição ocidental, sempre foram postos em oposição. Há em cada um de nós essa questão: o processo civilizatório implica necessariamente um processo racional e repressivo? Os limites históricos do sistema racional impõem-nos essa incessante tentativa de ultrapassá-lo e de superá-lo. Esse desejo vem de Eros e não de Logos; assim, Logos só existe, pois surge de nossa erotização para o saber.

Para finalizar, fica-se com a frase de um dos entrevistados: os grandes professores dividem e fragmentam seus alunos para que estes se reconstruam mais fortes, e não para dominá-los (Ester).

NOTAS

*Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

**Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, Brasil

1 A etnometodologia analisa as crenças e os comportamentos de senso comum como os constituintes necessários de “todo comportamento socialmente organizado” (COULON, 1995a, p. 30). Substitui a hipótese da constância do objeto pela de processo. A aparente constância e estabilidade social são, de fato, processos continuamente criados pelos agentes sociais em interação.

2 A etnometodologia, quando fala em ator social, refere-se a ator/autor ou agente social. Para ela, o indivíduo não representa um papel que lhe é imposto pela sociedade. De fato, cria seu próprio mundo social; é um sujeito/autor e não apenas ator, pois o papel que representa é escrito por ele próprio.

3 Cf. Cicourel (1995, p. 93), o observador total “retira completamente o pesquisador de campo da interação social com os informantes” e o participante total pode se envolver demasiadamente e perder a noção de visão em perspectiva.

4 “Processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p. 226).

5 “Esta pode tomar como objeto a própria pessoa (narcísica), ou um objeto exterior (objetal)” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p. 267).

6 “Processo psíquico pelo qual as qualidades e o valor do objeto são levados à perfeição” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p. 224).

7Catexia ou Investimento. Laplanche e Pontalis (1992, p. 257) reproduzem as idéias de Freud, dizendo que o sujeito tem à sua disposição uma determinada quantidade de energia, que repartiria de forma variável na sua relação com os seus objetos e consigo mesmo.

ENCHANTMENT AND FASCINATION: THE SEDUCTION DIMENSIONS IN EDUCATION

ABSTRACT

The aim of this study was to describe the phenomenon of seduction in the educational relationship. The ethnomethodology was utilized as a theoretical and methodological referential for data analysis. This is a case study, with a qualitative approach. The sample was intentional and consists of three university students. The study concludes that the phenomenon occurs incessantly in the educational area. The reports revealed two polar categories. There is a dimension of enchantment, where individuals interact and constructing a relationship based on autonomy. There is also a dimension of fascination, where the discernment of a party is compromised.

KEYWORDS: Physical Education – Power – Violence.

ENCANTO Y FASCINACIÓN: DIMENSIONES DE LA SEDUCCIÓN EN LA EDUCACIÓN

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue describir el fenómeno de la seducción en la relación educativa. Se utilizó la etnometodología como referencial teórico y metodológico para análisis de los datos. Es un estudio de caso, con un enfoque cualitativo. La muestra fue intencional y se compone de tres estudiantes universitarios. El estudio concluye que el fenómeno se produce sin cesar en el área educativa. Los informes revelaron dos categorías polares. Existe una dimensión de encanto, donde los individuos interactúan y edifican una relación basada en la autonomía. Sin embargo, también hay una dimensión de la fascinación, donde el discernimiento de una de las partes se ve comprometida.

PALABRAS-CLAVE: Educación Fisica – Poder – Violencia.

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Recebido em: 23-07-2009

Revisado em: 23-07-2009

Aprovado em: 05-11-2009


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Sebastião Josué Votre

Universidade Gama Filho

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