MOTIVAÇÃO, TEORIA DAS METAS DISCENTES E COMPETÊNCIA PERCEBIDA
Angélica Caetano*
Carlos Januário**
RESUMO
Com base no paradigma do pensamento do aluno, este artigo examina a literatura sobre teoria da motivação, teoria das metas discentes e competência percebida. Na área do ensino em Educação Física, os estudos mostram que o sentimento de competência do aluno influencia o seu envolvimento nas tarefas, logo a sua motivação intrínseca. O clima motivacional voltado para o domínio (task orientation) e atividades apropriadas ao nível de habilidade do aluno tendem a gerar, em alunos com alto e baixo sentimento de competência, maiores experiências positivas, alta motivação intrínseca, sentimento de competência estável e positivo e atitudes positivas nas aulas.
PALAVRAS-CHAVE: Motivação – Competência percebida – Orientação para a tarefa – Educação Física
INTRODUÇÃO
Atualmente, o ensino da Educação Física Escolar tem se tornado cada vez mais desafiante para o professor, principalmente no que diz respeito a como manter alunos de diferentes níveis de competência, provenientes de contextos e de históricos familiares diversificados, motivados, engajados e envolvidos nas aulas, sem que haja atitudes negativas e falta de esforço e de interesse em se envolver nas atividades.
Em Educação Física existe uma variedade de alunos de diferentes níveis de competência e de envolvimento nas aulas. Podemos observar que a aula pode ser muito rica para uns e pouco para outros, com grande envolvimento de alguns e nenhum interesse de outros que participam dela simplesmente por obrigação. O que pode responder a estes diferentes envolvimentos é o nível de motivação em que o aluno se encontra.
Além disso, pelo fato de o processo de aprendizagem e exposição dos alunos serem mais facilmente visíveis que em outras disciplinas escolares, a Educação Física transmite uma maior necessidade do professor em oferecer situações para manter todos os alunos motivados, sem que eles se sintam excluídos, diferente do que ocorre em outras disciplinas, em vista do comportamento não ser marcadamente visível. Numa revisão da literatura especializada, Silverman (2005) mostra que alunos de diferentes níveis de capacidade percebem de forma distinta as informações transmitidas durante o processo ensino-aprendizagem, reagindo de maneira diferente, alguns ficam altamente envolvidos e outros pouco envolvidos. Considerando o aluno como um indivíduo ativo na concretização de seu próprio aprendizado, fatores como personalidade, percepções pessoais, atitudes, crenças, valores e pré-concepções sobre a Educação Física influenciam e condicionam o comportamento e, consequentemente, o processo de aprendizagem e o nível de envolvimento do aluno nas tarefas.
Baseado no desenvolvimento da Psicologia Diferencial, a partir dos princípios do século XX, algumas correntes e autores têm considerado as variáveis psicológicas como antecedentes do comportamento dos alunos, tal como afirma o autor abaixo:
The development of children’s positive feelings about themselves has been a primary goal in most elementary and achievement settings, because it is considered to be an underlying factor determining their motivation, persistence and academic success.” (YAWLEY, 1980, apud KOKA; HEIN, 2006, p. 165).
As questões que envolvem a investigação sobre o pensamento do aluno e a sua contribuição no processo ensino-aprendizagem, como indivíduo ativo e não como sujeito passivo, assim como o questionamento de como manter o aluno motivado, com atitudes positivas frente ao ensino e a obtenção de um envolvimento discente com alto nível de sucesso não são esclarecedores para o cotidiano de muitos professores. E, ainda, mesmo sabendo de antemão o resultado de alguns processos de pensamento dos alunos, os professores não modificam substancialmente o perfil decisional pré-interativo, conforme a pesquisa de Pereira (2008).
Este artigo se preocupa com as variáveis psicológicas discentes enquanto antecedentes ao seu comportamento e reforça a necessidade de os professores refletirem sobre as características peculiares de alunos de distintos grupos de competência e, principalmente, intervirem de modo a elevar o sentimento de capacidade dos alunos ‘menos’ dotados e manter o interesse dos ‘mais’ dotados, sabendo nós que o sentimento de capacidade é uma variável mediadora dos estados motivacionais.
Sob a forma de revisão de literatura referente à teoria da orientação por metas, o presente artigo pretende promover reflexões sobre a aplicação prática de seus fundamentos para a resolução de problemas enfrentados por professores de Educação Física durante as aulas. Assim, consideramos as seguintes questões: (1) Como criar um clima motivacional visando à aprendizagem e ao consequente sucesso na atividade, mantendo, simultaneamente, alunos mais e menos competentes motivados, à luz da teoria das metas discentes? (2) Que efeitos práticos e psicológicos são desencadeados a partir da intervenção pedagógica que visa a atitudes volitivas positivas e à inclusão dos alunos com diferentes capacidades?
REVISÃO DA LITERATURA
Durante algum tempo, a investigação sobre o ensino foi baseada na observação do comportamento exterior. Esta abordagem comportamentalista foi perdendo a sua importância, visto não preencher por si só os requisitos necessários para a compreensão do fenômeno do ensino, pois, ao observar apenas o comportamento do professor, deixava-se de considerar os motivos e objetivos que orientavam suas ações.
Dessa forma, a análise do ensino passou a incorporar a vertente interior da conduta docente, valorizando os processos de pensamento e as decisões pedagógicas. Mais tarde, o pensamento dos alunos no processo ensino-aprendizagem também se tornou relevante, com vista a aprofundar o conhecimento sobre as suas variáveis cognitivas e perceptivas, o reflexo destas sobre seu comportamento e a influência sobre a aprendizagem.
O paradigma do pensamento, assim denominado e também conhecido como paradigma dos processos mediadores (GÓMEZ, 1985; HENRIQUE, 2004), ganha reconhecimento, ressaltando a importância de se considerar as percepções pessoais do professor e do aluno como fatores psicológicos antecedentes aos seus comportamentos. Desse modo, o ensino passa a ser visto pela concepção da causalidade múltipla e recíproca entre os comportamentos e as intenções docentes e discentes.
Sob a visão desse paradigma, as teorias motivacionais têm ressaltado o papel da percepção de competência como variável mediadora que o professor pode, de algum modo, controlar para elevar o envolvimento do aluno na tarefa. É de extrema importância o conhecimento do professor de Educação Física sobre o estado motivacional dos alunos, pois não lidamos diariamente nas aulas apenas com alunos altamente motivados – determinada atividade pode ser estimulante para alguns, mas desestimulante para outros, em face do nível de capacidade em que cada um se encontra.
A motivação pode ser compreendida pelo conjunto de variáveis que determinam a razão pela qual os alunos escolhem determinada atividade e persistem nela por um período de tempo com empenhamento (ALVES et al, 1996, apud CID, 2002), e pode ser desencadeada por dois fatores principais – intrínsecos e extrínsecos. O primeiro se traduz no envolvimento do aluno por sua própria volição, gerando satisfação, prazer e interesse em se manter envolvido (RUFINI; BORUCHOVICH, 2004). A motivação extrínseca pode ser caracterizada quando o aluno realiza algo em troca de uma recompensa, seja em forma de prestígio ou prêmio, e é determinada, muitas vezes, por variáveis sociais.
Para Tresca e Rose Júnior (2000), a motivação intrínseca é a forma mais desejada na educação, pois proporciona o desenvolvimento da autonomia e da personalidade. Recompensas extrínsecas podem iniciar e manter os alunos em algumas atividades, porém não garantem a consistência desejada, característica de um ato eminentemente volitivo que conduza ao esforço voltado para a efetiva aprendizagem.
A motivação tem sido avaliada como elemento fundamental no contexto da Educação Física, visto que influencia o envolvimento do aluno e a qualidade da execução da tarefa: “Um aluno motivado mostra-se ativamente envolvido no processo de aprendizagem, engajando-se e persistindo em tarefas desafiadoras, despendendo esforços, usando estratégias adequadas, buscando desenvolver novas habilidades de compreensão e domínio” (RUFINI; BORUCHOVITCH, 2004, p. 143).
Diversas teorias motivacionais se destacam, como as que buscam conhecer as causas atribuídas pelos alunos ao sucesso e ao insucesso (WEINER, 1985), as que buscam conhecer as fontes e efeitos do sentimento de autoeficácia (BANDURA, 1994) e, além destas, outra teoria que tem se mostrado bastante relevante nos estudos é a teoria das metas discentes (goal orientation) (NICHOLLS, 1984). Esta última promove uma explicação ou razão para os indivíduos se envolverem na atividade física e se caracteriza por duas orientações motivacionais: para o domínio da tarefa (task orientation) e para o reconhecimento social (ego orientation), também chamada de orientação motivacional voltada para a performance. Embora não seja uma qualidade imutável, é difícil para o educador ajudar a mudança de atitude e de orientação dos alunos ante a aprendizagem, a não ser que estes compreendam e adotem a vantagem da nova orientação, pois implica uma reorganização da filosofia de vida.
Na teoria das metas discentes (goal orientation) e independente da ação do professor, os alunos orientados para o domínio da tarefa possuem motivação intrínseca elevada, atitudes positivas frente ao objeto de ensino e um autoconceito de competência indiferenciado, ou seja, a percepção de competência se desenvolve com o esforço empreendido. Este conceito de competência está positivamente associado a alunos com alta motivação intrínseca e atitudes positivas diante das tarefas (LI; LEE; SOLMON, 2005). Para este tipo de alunos, o esforço leva ao progresso pessoal e ao domínio, isto é, quanto mais esforço empregarem na tarefa, mais capacidade vão adquirir e maior será sua competência percebida (VALENTINI; RUDISILL, 2006).
Além disso, alunos orientados para a tarefa estão preocupados com o domínio da atividade, portanto almejam a aprendizagem e buscam realização a partir do seu domínio, autorreferenciam a percepção de competência, demonstram mais otimismo e persistência por acreditarem no seu esforço, possuem estratégias de autorregulação no processo de aprendizagem e, deparando-se com situações de insucesso, encaram-nas de uma forma positiva, pois os erros encontrados no fracasso são considerados como referência para uma próxima etapa no desenvolvimento de sua competência (HIROTA; TRAGUETA, 2007; MARANTE; FERRAZ, 2006). Assim, procuram atividades que os desafiem, pois com o aprendizado adquirido estarão ampliando sua competência.
Ames e Archer (1988) relatam que crianças orientadas para a maestria demonstram usar estratégias efetivas de aprendizagem, possuem um papel importante nas decisões, automonitorando-se e autorreferenciando para qualquer julgamento e escolha de forma mais positiva que aqueles orientados para a performance.
A motivação de alunos voltados para o ego ocorre, em regra, a partir do momento em que se torna possível a demonstração de competência superior a do outro, ou seja, é sustentada basicamente pela motivação extrínseca (STEPHENS, 1998). Alunos orientados para o ego demonstram esforço, atitudes positivas e motivação para a prática apenas em atividades nas quais o sucesso é certo. Evitam as que são de médio a alto nível de dificuldade, pois nelas existe a possibilidade de insucesso, e escolhem com mais freqüência atividades de baixo e médio nível de dificuldade. O auto sentimento de incompetência pode aparecer quando o insucesso está associado a muito esforço, logo uma estratégia para preservar a autoestima é reduzir o esforço para minimizar a demonstração de fraqueza.
Para esses alunos, o sentimento de competência elevada é percebido quando conseguem realizar algo melhor que o outro e, para chegar ao sucesso, geralmente despendem pouco esforço; e, quando se deparam com o insucesso, a causa atribuída é a falta de competência e não a falta de esforço (TODOROVICHT; CURTNER-SMITH, 2002; VALENTINI; RUDISILL, 2006). Além disso, buscam reconhecimento de outros para obter julgamentos positivos e evitam os negativos, já que as causas negativas não vão contribuir para sua reflexão e o motivo não está em si propriamente, mas sim no fato de não ter competência ou capacidade maior que o outro.
Alunos orientados para o ego tendem, ainda, a demonstrar motivação extrínseca, isto é, apresentam-se motivados por fatores externos (demonstração de superioridade, reconhecimento social, busca de status) e baseiam-se nos parâmetros alheios de capacidade, sempre se comparando com o outro. Diferente dos alunos orientados para a tarefa, os alunos orientados para o ego tendem a não valorizar o esforço e não focam a evolução que podem ter tido durante aquele aprendizado, ou seja, a comparação do seu próprio nível de competência anterior com a atual.
Crianças que possuem uma visão negativa sobre suas capacidades acreditam que essa competência não pode ser melhorada através de seu esforço, elas tendem a desenvolver atitudes negativas diante da Educação Física e evitam a participação nas aulas (LEE; CARTER; XIANG, 1995). Inversamente, quando a criança percebe seu esforço como sendo valioso e importante para o aprendizado, ele se concretiza com mais facilidade, o que é característica de alunos orientados para a maestria.
A percepção pessoal de competência se refere ao julgamento individual feito pelo aluno sobre sua própria capacidade e também costuma ser denominado de autopercepção de competência, autopercepção de habilidade ou competência percebida. A competência percebida tem sido central nas teorias da motivação, por ser determinante para perceber o envolvimento do aluno na tarefa.
A teoria motivacional de Harter (1981) tem tido bastante impacto sobre a investigação no âmbito das atividades físicas. Fundado neste modelo teórico, o estudo da competência percebida advoga que a combinação da percepção de competência com a crença do controle interno sobre a competência percebida induz a níveis elevados de motivação intrínseca do indivíduo, levando-o a obter um bom desempenho numa determinada área ou domínio (WEISS, 2000, MCKIDDIE; MAYNARD, 1997, apud HENRIQUE, 2004).
O sentimento de competência se desenvolve de forma diferente de acordo com a idade e gênero. Para Weiss (2000), a competência percebida pode ser desenvolvida a partir de fontes sociais, incluindo o suporte de pais e professores, assim como proveniente da comparação com colegas ou amigos. Os pais atuam como transmissores de informações acerca do valor que postulam sobre determinada atividade, limitando ou restringindo a participação de seu filho. Influenciam tanto ao criarem estereótipos de atividades significativas ou não para seus filhos quanto ao estimularem seus filhos quando os consideram habilidosos ou ao desestimularem aqueles que não consideram habilidosos para determinada tarefa.
Os colegas influenciam no sentido da aceitação social e da relação amistosa estabelecida a partir da popularidade adquirida pelo envolvimento bem sucedido nas atividades. O aluno vê o esporte como uma arena onde pode desenvolver relações de amizade que permitem oportunidades para um suporte emocional e para a afirmação da autoestima (WEISS, 2000). Os professores influenciam a partir do feedback, instruções, críticas e elogios, e do clima motivacional transmitidos em aula. Mais ainda, a competência percebida pelo aluno é influenciada tanto pelo desempenho acadêmico como pelas expectativas do professor (HENRIQUE; JANUÁRIO, 2003).
Quanto ao gênero, no estudo de Lee et al (1999), os alunos reportam maior percepção de competência em relação às alunas, principalmente em atividades coletivas, como futebol, basquete, entre outras, quando questionados quais atividades se percebiam mais habilidosos. No mesmo estudo, as alunas afirmam possuir alta percepção de competência em atividades individuais, como dança e ginástica. Caetano, Souza e Henrique (2008) realizaram um estudo no Brasil, especificamente no Estado do Rio de Janeiro, com 540 alunos do 6º ao 8º ano e percebeu, por meio de questionários, que os alunos possuem sentimento de competência em Educação Física mais elevado que as alunas, relatando diferenças significativas. Estas diferenças podem ser explicadas pelo estereótipo de gênero, valorizando a capacidade física como a força nos homens e a capacidade expressiva nas mulheres.
A diferença de idade também contribui para o julgamento da própria competência. Crianças mais novas (5-9 anos) não possuem um autoconceito de competência normativo, concernente à comparação social. Além disso, acreditam que quanto maior o esforço, maior será sua competência, característica de um conceito de habilidade indiferenciado. Nessa faixa etária, o feedback dos pais é primordial para o desenvolvimento do auto sentimento de competência, já que nessa fase as crianças oferecem muito valor aos dizeres paternos. Para crianças entre 10 e 15 anos, o conceito de competência torna-se mais estável e diferenciado, mediante a crença de que o esforço não conduz necessariamente a uma maior capacidade. Também a competência percebida passa pelo caráter normativo, por meio de padrões criados pelas crianças e utilizados para fins de comparação com os colegas. Nessa fase, o sentimento de competência é desenvolvido principalmente pelo feedback verbal do professor, pois ele é visto como referência tão importante quanto a referência paterna (WEISS, 2000; LEE et al., 1995).
No estudo de Caetano, Souza e Henrique (2008), realizado com alunos entre 11 e 18 anos, verificou-se que há uma correlação negativa significativa entre a idade do aluno e o auto sentimento de competência, mostrando que, com a evolução da idade do aluno, menor era a percepção de competência. O que possivelmente explica esta situação é que, quando os alunos vão se aproximando dos anos escolares finais, ocorre um afastamento em relação à Educação Física Escolar, pois a decisão de carreira futura está perto e o conceito de competência tende a ser diferenciado, ou seja, o fato de se esforçar não acarretará necessariamente melhor habilidade e, se ela não existe, não será com o esforço que ela aparecerá.
Estudos citados por Henrique (2004) demonstram quanto o sentimento de competência pode influenciar o envolvimento do aluno nas atividades propostas pelo professor. Tais características podem ser mencionadas: alunos de baixa percepção de competência manifestam atitudes negativas em face do conteúdo da disciplina, demonstram baixo nível de empenho motor, sentem-se pouco motivados para a prática e experimentam poucas vezes o sucesso, enquanto sentimentos antagônicos caracterizam os alunos de alta percepção de competência.
Os efeitos motivacionais nos alunos podem se originar a partir do clima fomentado pelo professor (TODOROVICH; CURTNER-SMITH, 2002). Quando os alunos experimentam o sucesso na prática, tendem a desenvolver o sentimento de competência e autoconfiança (CLOES, 2005), pois o êxito leva a um sentimento de satisfação, enquanto experiências sucessivas de fracasso e frustração acabam por gerar uma sensação de incompetência que prejudica a aprendizagem. Portanto, o aluno que não possui experiências positivas, com nível satisfatório em situações esportivas, não desenvolverá um sentimento positivo de competência que o motive a se envolver nas tarefas. O sentimento de competência positivo é desenvolvido por meio da quantidade apropriada de oportunidades oferecidas pelo professor (LEE; SOLMON, 1992) e por meio do sucesso, este não atribuído como vitória ou pleno acerto, mas fazendo referência a sua própria aprendizagem anterior e a atual, ou seja, sua evolução adquirida com a prática. O aprendizado do aluno é, portanto, influenciado pela qualidade e quantidade de prática, assim como pela seleção de tarefas adequadas ao seu nível de desenvolvimento e conhecimento atual.
Fazendo referência ao nível de desenvolvimento, Vygotsky (2007) explica que, como fundamento do processo da aprendizagem e desenvolvimento, durante a aprendizagem, cria-se novas zonas de desenvolvimento proximal. Assim, quando experimenta comportamentos e posturas em níveis mais complexos e adequados ao seu nível de desenvolvimento, a criança avança. O mesmo autor determina dois níveis de desenvolvimento, o nível de desenvolvimento real, aquilo que já está aprendido, e o nível de desenvolvimento potencial, que representa aquilo que pode ser aprendido. A distância entre o que já está aprendido e o que pode ser aprendido se chama zona de desenvolvimento proximal. As zonas proximais são os exercícios de mediação com o auxílio dos professores, dos colegas e das interações possíveis e existentes. Assim, os contextos diversificados e climas motivacionais possibilitam o surgimento de novas zonas proximais.
Ademais, um clima motivacional voltado para o ego promove comportamentos negativos nos alunos, como a procura de tarefas mais fáceis, a redução do esforço empreendido, a desistência quando deparados com grandes desafios, o que cria, muitas vezes, sentimentos de incompetência, por estarem submetidos a atividades de alto nível de dificuldade. O oposto acontece com alunos submetidos a um clima motivacional voltado para o domínio da tarefa: eles mostram esforço contínuo, selecionam tarefas desafiadoras e persistem quando se deparam com desafios, pois o domínio da tarefa conduz, por si só, à satisfação pessoal e os erros fazem parte do aprendizado.
Os alunos orientados para a tarefa apreciam atividades desafiadoras e diversas, entretanto necessitam perceber a atividade como valiosa para eles se envolverem. As crenças positivas sobre a própria competência, em geral, estão associadas ao melhor aproveitamento das atividades, manutenção do interesse e envolvimento na tarefa, motivação intrínseca e atitudes positivas (WEISS, 2000; VALENTINI; RUDISILL, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil há ainda um caminho a percorrer no âmbito da investigação sobre os processos de pensamento do aluno e do professor, no sentido de percebermos as motivações e intenções que ocasionam a dimensão externa do comportamento durante a prática pedagógica. Este conhecimento é também necessário para a introdução de reformas e inovações curriculares, dado ser primordial conhecer o impacto das medidas nos agentes, não os considerando como sujeitos passivos e inertes.
Esta revisão da literatura buscou uma reflexão sobre as oportunidades oferecidas aos alunos, o clima enfatizado durante o processo ensino-aprendizagem e um olhar sobre as influências de alunos com sentimentos de competência opostos sobre sua aprendizagem. A literatura especializada sustenta a idéia de que alunos com diferentes competências possuem diferentes experiências e percepções sobre a Educação Física (HENRIQUE, 2004). Assim, apropriar as tarefas aos níveis de competência dos alunos pode promover neles experiências positivas, permitindo-lhes o sucesso. Para isso, é de vital importância o professor conhecer as capacidades de seus alunos, para criar tarefas desafiadoras e inovadoras que não sejam nem muito fáceis nem muito difíceis, a ponto de excluir o aluno do processo. Isso levará a um sentimento positivo de competência e baixa percepção de ameaça à sua autoestima, favorecendo a aprendizagem – “The more competent a student perceives him or herself to be in a PE setting, the less threatened he feels” (KOKA; HEIN, 2006, p. 166).
Se os alunos com baixo sentimento de competência não experimentarem o sucesso e não desenvolverem competências e atitudes positivas em Educação Física, a tendência é de evitarem as aulas, não se esforçando para a prática e não havendo efetivo envolvimento. A literatura enfatiza que, quanto mais competente o aluno se perceber, mais positivas serão suas reações e atitudes, e mais confortável ele se sentirá para manifestar comportamentos motivacionais intrínsecos e, consequentemente, maior será o seu envolvimento nas atividades (CLOES, 2005).
O aluno, quando orientado para o domínio e o aprendizado da tarefa, tenderá a possuir motivação intrínseca elevada, atitudes positivas frente ao ensino e mais esforço dedicado para a realização da tarefa, portanto um clima motivacional destinado para a maestria, que não objetive as comparações sociais, e enfatize o progresso pessoal a partir do esforço e participação dedicada, acarretará um aprendizado efetivo.
Para que se alcancem os objetivos da Educação Física na escola, considerando o professor como elemento essencial, é necessário entender que o clima motivacional nas aulas será determinado por meio do seu comportamento e das suas atitudes durante a prática (MARANTE; FERRAZ, 2006), e o que responde a isso são as concepções que o professor possui sobre a Educação Física, a maneira como ele enfatiza a competitividade em classe, se ele valoriza o desempenho e não a participação de todos, entre outros.
As implicações para o ensino oriundas desta revisão sugerem que o professor utilize estratégias que valorizem o esforço do aluno, promova um clima orientado para o domínio da tarefa em detrimento da ênfase ao ambiente de competitividade, proporcione mais oportunidades de sucesso ao aluno mediante a adequação de tarefas de acordo com o nível de competência encontrado na classe, enfatize no aluno a busca pela autossuperação como critério de sucesso, estimule a participação de todos e desenvolva a autonomia na interação com as oportunidades oferecidas, sempre posicionando o aluno como sujeito ativo e comprometido com sua própria aprendizagem.
Esse clima motivacional orientado para a tarefa pode ser visualizado em situações em que a comparação de competência com o outro não é realizada e é salientada a valorização do aprendizado da tarefa, em vez da obtenção da vitória. O reconhecimento da progressão do aluno é visto pela sua participação e esforço dedicado ao aprendizado e esta progressão é autorreferenciada, ou seja, não é baseada e nem comparada com o nível de competência do outro (TZETZIS et al, 2002).
Valentini e Rudisill (2006) enfatizam que, na promoção de um clima orientado para a tarefa, é importante que os professores encorajem os alunos a iniciarem as atividades, fazendo escolhas sobre qual a melhor atividade para si, no intuito de desenvolverem sua autonomia, crescimento intelectual e atitudes positivas.
Por fim, planejar um clima motivacional orientado para a tarefa parece ser um forte instrumento para aumentar a motivação intrínseca, o sentimento de competência e atitudes positivas em alunos nas aulas de Educação Física. Ressaltamos que, para um desenvolvimento de programa de Educação Física, não basta somente o professor conhecer os tópicos de planejamento e segui-los fielmente, tais como metodologia, conteúdos, avaliação e objetivos; mas é preciso considerar também a importância do conhecimento e da aplicação prática de conceitos motivacionais, que podem aperfeiçoar as oportunidades de aprendizagem e favorecer o desenvolvimento de atitudes positivas dos alunos sobre as práticas corporais. Desse modo, a percepção dos alunos, ou seja, o diagnóstico das suas capacidades, incluindo as suas autopercepções, deve ser incluído como tópico de planejamento, assim como o quadro teórico que o acompanha e que aqui debatemos.
NOTAS
* Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
** Universidade Técnica de Lisboa, Portugal.
AGRADECIMENTOS
Agradecimento ao professor Dr. José Henrique dos Santos pela orientação e ao Grupo de Pesquisa em Pedagogia da Educação Física e Esporte da UFRRJ.
MOTIVATION, GOAL ORIENTATION THEORY AND PERCEIVED COMPETENCE
ABSTRACT
This article reviews the literature on motivation theory, goal orientation theory, and perceived competence, based on the learner thinking approach. Studies in physical education teaching show that students’ feelings of competence influence their involvement in tasks and therefore their intrinsic motivation. A motivational atmosphere directed towards mastery (task orientation) together with activites which are appropriate to the students’ skills level tend to generate more positive experiences, higher intrinsic motivation, stable and positive feelings of competence and a positive classroom attitude, regardless of the students’ previously high or low feelings of competence.
KEYWORDS: Motivation - Perceived competence - Task orientation - Physical Education.
MOTIVACIÓN, TEORÍA DE LAS METAS DISCENTES Y COMPETENCIA PERCIBIDA
RESUMEN
Basado en el paradigma del pensamiento del alumno, este artículo examina la literatura sobre la teoría de la motivación, teoría de las metas discentes y competencia percibida. En el área de Educación Física, los estudios indican que el sentimiento de competencia del alumno influye su envolvimiento en las tareas, y enseguida su motivación intrínseca. El clima motivacional volcado para el domínio (task orientation) y las actividades apropiadas para el nivel de capacidad del alumno tienden a generar, en los alumnos alto y bajo sentimiento de competencia, mayores positivas, alta motivación intrínseca, sentimiento de competición estable y positivo, y actitudes positivas en las clases.
PALABRAS-CLAVE: Motivación – Competencia percibida – Orientación para la tarea – Educación Física
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Recebido em: 03/04/2009
Revisado em: 08/05/2009
Aprovado em: 22/05/2009
Endereço para contato: angelicarural@yahoo.com.br.
Angélica Caetano
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pós-Graduação em Educação Física - PPGEF
Centro de Desportos - CDS
Coordenadoria de Pós-Graduação em Educação Física
Campus Universitário - Trindade
88040-900 Florianópolis - S. C.
A/C da Mestranda: Angélica Caetano da Silva