TREINAMENTO DE EQUIPES MIRINS E INFANTIS FEMININAS: A CONCEPÇÃO DOS TREINADORES DE VOLEIBOL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Guilherme Locks Guimarães*

Ludmila Mourão**

Alexandre Palma de Oliveira***

Roberto Ferreira dos Santos****

RESUMO

Este estudo sobre treinamento de equipes mirins e infantis femininas filiadas à Federação de Voleibol do Estado do Rio de Janeiro (FVR) tem como objetivo mapear a concepção dos treinadores sobre a formação das atletas e identificar o(s) fundamento(s) teórico(s) que os subsidia(m) no desenvolvimento dos seus programas de treinamento. Ao analisar o discurso de dez treinadores, percebe-se que eles relatam dificuldades para trabalhar com adolescentes púberes femininas e entendem que a divisão mirim e infantil representam o primeiro estágio de um processo de treinamento a longo prazo.

PALAVRAS-CHAVE: Voleibol – Treinamento – Equipes femininas – Mirim e infantil

INTRODUÇÃO

Este estudo versa sobre o treinamento de equipes mirins e infantis femininas filiadas à Federação de Voleibol do Estado do Rio de Janeiro (FVR). Ao realizar uma revisão da literatura, nos deparamos com um artigo de Tschiene (2001), que explica não existir uma “verdadeira” teoria de treinamento esportivo e justifica tal posição ao apresentar, como evidência, o fato de nenhuma delas indicar modelos/soluções para o treinamento de crianças e adolescentes. Pontuamos, porém, que esta questão, embora seja problematizadora na área do esporte para crianças e jovens, não é motivo de impedimento para as práticas do esporte de rendimento nessas etapas de desenvolvimento humano, mas, em relação a esta pesquisa, dificulta a elaboração de hipóteses.

No âmbito do voleibol fluminense, observamos que os campeonatos da FVR tentam diminuir, através da modificação da regra oficial, a intensidade das cargas a que são submetidas as atletas a ela filiadas nas divisões iniciais1. Cumpre esclarecer que a expressão "carga" neste contexto significa os estímulos físicos e psíquicos gerados pelo treinamento e pela competição. Mas, Pelaes et al (2005), em estudo realizado com as equipes femininas das divisões mirim e infantil desta Federação, demonstraram que os treinadores apresentam lacunas no conhecimento sobre os diferentes estágios de maturação humana e suas conseqüências para a atividade esportiva.

Segundo Verchošankij (1987, p. 9) o treinamento esportivo

é um processo pedagógico complexo, com aspectos muito variados, e que possui uma forma específica de organização que o transforma em uma ação sistemática, complexa e global sobre a personalidade e sobre o estado físico de um indivíduo.

A "Lei Pelé" (BRASIL, 1998) dispõe que o esporte de rendimento tem caráter competitivo e visa a resultados. Isto significa que é uma atividade com características marcantes de agonismo e, segundo Caillois (1990, p. 35), "supõe uma atenção persistente, um treinamento apropriado, esforços assíduos e uma vontade de vencer", indicando que o nosso adolescente, para se tornar um atleta desse modo de esporte, deverá se inscrever em um processo de treinamento a longo prazo (TLP), que, segundo Böhme (2000, p. 7), "varia entre as diversas modalidades esportivas, em média, a duração é de seis a dez anos". A mesma autora sugere que o treinamento para o esporte de máximo rendimento se divide em três estágios: formação básica geral, treinamento específico e treinamento de alto nível.

A literatura especializada em psicologia do desenvolvimento destaca a temática da adolescência (ERIKSON, 1976; LIDZ, 1983; PALÁCIOS, 1995) como um período psicossocial que se prolonga por vários anos, caracterizado pela transição da infância para a vida adulta (PALÁCIOS, op. cit). É também um tempo de busca, tanto interna, para saber quem é, quanto externa, para localizar o lugar que se tem no mundo (LIDZ, 1983).

Tendo em vista as situações referidas acima, nas quais o adolescente é apresentado como uma pessoa que está construindo sua identidade para colocar-se na sociedade como adulto, pode-se afirmar que a sua participação em uma equipe desportiva poderá contribuir para esse momento de transição. Para fundamentar este argumento, baseamo-nos em um estudo que considera a equipe esportiva como um microcosmo social, complexo e dinâmico, graças à organização, à coordenação e à racionalização das ações individuais e das interações (TEODORESCU, 1981).

Segundo Fragoso e Vieira (2000), a etapa da adolescência, como fenômeno psicossocial, caracteriza-se, também, por profundas modificações biofísicas no ser humano. Assim, nesta fase da vida, ocorre a passagem para a puberdade, independentemente da história ou cultura onde se dá, e que faz parte do calendário maturacional da espécie humana. Esta é responsável, na segunda década da vida, por significativas transformações endócrinas e no aparelho locomotor ativo e passivo, que pode sofrer danos crônicos caso a aplicação de forças inerentes ao processo de treinamento não seja adequada (FRÖHNER, 2000, 2001; MALINA, 2002).

Por parecer haver uma dissonância entre a intervenção dos treinadores nas sessões de treinamento, as intenções da FVR e os conhecimentos que constituem referencial do treinamento desportivo na literatura para esta faixa etária, orientamos este estudo no sentido de responder a seguinte questão: qual a concepção de treinamento apresentada pelos treinadores acerca da formação de atletas nas divisões iniciais do voleibol feminino de clubes pertencentes a FVR?

Para tanto, mapeamos as concepções apresentadas pelos treinadores sobre a formação das atletas de voleibol nas divisões mirim e infantil, identificamos e analisamos qual(ais) fundamento(s) teórico(s) subsidia(m) os treinadores no desenvolvimento dos seus programas de treinamento e verificamos qual a avaliação que os treinadores têm sobre as regras adotadas nos campeonatos mirim e infantil da FVR e como estas implicam no seu trabalho.

Assim, tem-se a perspectiva de com a pesquisa trazer subsídios à discussão acerca da intervenção dos treinadores junto às divisões iniciais do voleibol de rendimento. Para isso, esperamos reunir conhecimentos para contribuir na atualização dos programas da disciplina de Voleibol nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física e despertar uma tomada de consciência (decisão) por parte dos treinadores, ao promover uma reflexão crítica sobre o treinamento nas divisões iniciais.

MATERIAIS E MÉTODOS

Tipo de pesquisa

O referencial metodológico orientador foi de abordagem fenomenológico-hermenêutica (GAMBOA, 1994), na medida em que ela estuda obras, palavras, gestos, ações, textos, símbolos e discursos que precisam ser desvendados em seus sentidos e denotam interesse na conscientização dos sujeitos envolvidos na pesquisa, que contempla a razão maior de nosso estudo.

Sujeitos

Os sujeitos do estudo foram dez, em uma população de treze treinadores desportivos de equipes mirins e infantis femininas filiadas à FVR, no ano de 2006, período em que estes dados foram coletados.

Procedimentos

Para a coleta de dados dos discursos dos treinadores, empregou-se como instrumento de pesquisa a entrevista não diretiva (THIOLLENT, 1985; QUIVY; CAMPENHOLDT, 1992) instrumento que permite aprofundar a dimensão qualitativa da investigação e se adapta à pesquisa.

Aplicou-se, também, um questionário para levantar dados referentes à vivência e o perfil dos treinadores, no âmbito do voleibol. Este foi apresentado aos participantes em dois modelos, um para aqueles que têm o curso de licenciatura em Educação Física e outro para aqueles que não possuem tal habilitação. Solicitou-se, também, por escrito o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido2, para utilizar os dados oriundos das entrevistas e preservar a identificação dos participantes.

Para tratar os dados recolhidos das entrevistas, optou-se pelo referencial teórico metodológico da Análise do Conteúdo. Diante do fato de estarmos realizando uma análise de significados, optamos pela análise temática, que, como nos aponta Bardin (2004), consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença ou freqüência de aparição significa uma relação com o objetivo analítico escolhido. O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças e de tendências.

Os seguintes grupos temáticos foram extraídos para nortear esta etapa analítica da pesquisa: i) o voleibol no Brasil, dividido em três temas: a idealização, a representação e o fazer; ii) a regra como instrumento de massificação e motivadora do desempenho de uma atleta de voleibol; iii) as implicações do fenômeno da adolescência no comportamento do treinador na condução do processo de treinamento; e iv) as implicações do processo pubertário na escolha dos procedimentos de treinamento.

APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Do total de treinadores investigados, nove são do sexo masculino e um do feminino. Dois não são Licenciados em Educação Física, um deles é estudante universitário e o outro graduado em Administração de Empresas. Apenas dois têm curso de especialização, um na área de Ensino Superior e o outro em Finanças. Observa-se que, na área do treinamento de equipes iniciantes, um dos treinadores não possui formação em Educação Física. E a especialização realizada por dois deles não é na área do Treinamento Desportivo, o que nos revela um conjunto de treinadores com muita experiência empírica na direção de equipes e baixa preparação acadêmica na carreira.

No que tange à vivência profissional no voleibol, os treinadores têm doze anos, em média, de exercício da profissão, o que caracteriza uma acentuada experiência na área do treinamento. Dois deles não conquistaram títulos e não dirigiram seleções estaduais, um dos treinadores, mesmo conquistando 16 vezes o título do campeonato estadual, jamais dirigiu uma seleção em virtude de manter outros vínculos profissionais que o impediam de assumir este tipo de compromisso.

O VOLEIBOL NO BRASIL

O Ideal para os treinadores

Criamos, aqui, um espaço discursivo para que os treinadores declarassem as condições ideais para exercerem a sua função e, como bem explicitou um dos nossos entrevistados, “vamos falar da utopia, do sonho”. Eles declararam as seguintes categorias para revelar as suas utopias: formar comissão técnica interdisciplinar (n=5)3, ter material adequado e disponível (n=4), freqüência do treinamento (n=4), criar condições para treinamento a longo prazo (n=2), massificação do esporte (n=2) e remuneração compatível (n=2).

As categorias que alinhavam os discursos dos treinadores apontam para dois entendimentos em relação à comissão técnica numa equipe de voleibol. O primeiro é aquele em que os treinadores empregam como paradigma de formação de atleta que o iniciante "pertence à ordem dos fins e não dos meios" (MONDIN, 1998 p. 43). Para tanto, apontam para a construção de um grupo cuja ação tenha como objetivo o bem estar do adolescente que inicia a sua trajetória desportiva. Como evidência deste fato, chamamos a atenção para a forma de composição destas comissões, anunciadas pelos treinadores. São nomeados para compô-las profissionais de diferentes formações, por exemplo, fisiologistas, psicólogos, preparadores físicos, psicoterapeutas e nutricionistas.

Ao que nos é dado parecer, esses treinadores entendem o treinamento esportivo como definido por Verchošankij (1987), e consideram, como Guimarães (2000, p. 85), “que a ação interdisciplinar que envolve a preparação de um ato desportivo é muito complexa para ser domínio de uma só pessoa”.

O segundo entendimento é representado por aqueles que utilizariam os membros da comissão apenas para melhorar as condições do treinamento no tocante ao aproveitamento do tempo de treino, isto é, nas ações que dizem respeito ao desempenho e formação para o rendimento máximo e imediato do atleta.

Para continuar a descrever o cenário da idealização dos treinadores sobre o treinamento, vimos citada por quatro dos entrevistados outra categoria, as condições do material utilizado no exercício da sua função, aparecendo como “insuficiente e inadequado”.

A freqüência do treinamento foi outra categoria nominada pelos treinadores (n=4) e, ao que nos é dado parecer pela análise das entrevistas, no que se refere à equipe mirim, existe uma tendência para a realização de três treinamentos por semana, mais o dia da partida de campeonato. Já para a equipe infantil, são preconizados quatro treinamentos, mais o jogo oficial.

Para avançar em nossa análise, pensamos que seja interessante declarar que os entrevistados (n=2) entendem que as equipes mirins e infantis devem representar para as suas integrantes o início de um processo de treinamento a longo prazo para a construção e formação da sua maestria esportiva, como preconizado por Böheme (2000).

Observamos também que, ao enunciar "obriga o cara que não tem as condições ideais a forçar os atletas", um dos informantes trouxe para a nossa discussão a questão da intensidade do treinamento tanto no campo biofísico quanto no psicossocial, o que nos levou a incluir a categoria do treinamento precoce. Outro treinador reforça esta posição quando em uma de suas falas informa “que desde nove, dez anos elas jogam ...”. Assim, a partir do relato desses entrevistados, pensamos que seja adequado intuir que alguns treinadores (n=2) admitem que possa haver no treinamento das atletas da divisão mirim e infantil o que tem sido denominado de treinamento precoce.

Outra categoria que surge nas falas de dois treinadores (n=2) permite-nos pensar que a necessidade de massificar o esporte para detectar jovens com talentos não pode se limitar àquelas que vêm ao clube procurar a possibilidade de se desenvolver nesta atividade. Para ampliar o número de atletas filiados ao voleibol, são sugeridas parcerias com instituições fora do clube, sobretudo com as escolas.

A questão da remuneração do treinador (n=2) também surgiu na análise das entrevistas e aparece como motivação ao maior envolvimento com sua função, o que permitiria, no discurso deles, um trabalho mais qualificado.

A reunião destas opiniões nos leva a afirmar que instados a pensar sobre as condições ideais, os treinadores, em vários casos, denunciaram as condições adversas existentes nos seus ambientes de trabalho e a possível implicação destas na qualidade de suas intervenções.

Representação dos treinadores sobre a formação do atleta brasileiro

Com o intuito de levantar pistas que nos levem a responder aos questionamentos acerca da formação do atleta brasileiro, cada treinador deu a sua opinião, o que gerou as seguintes categorias que formam as suas representações a este respeito: formação adequada (n=3); formação inadequada (n=5); formação através dos clubes (n=4) e o treinador como gerador de resultados (n=3).

A análise das opiniões, tendo como síntese esta fala “[...] a atleta brasileira de voleibol é top de linha, sempre disputando títulos”, nos permitiu perceber que a afirmação de que a preparação do atleta brasileiro é adequada tem por base os resultados desportivos alcançados pelas seleções e pelas atletas representantes do voleibol brasileiro no cenário internacional. Entretanto observamos que esta é uma experiência da minoria absoluta das atletas de voleibol no Brasil, dessa forma, entendemos que estes treinadores (n=3) ancoram sua representação em situações de exceção.

Em oposição a este pensamento, outros treinadores (n=5) declararam que a formação dos atletas de voleibol brasileiro é inadequada. Pensamos que a afirmação de dois deles, a de que "o voleibol do Brasil vai muito bem, o voleibol no Brasil vai muito mal", possa revelar o que ocorre atualmente na prática deste esporte. As seleções nacionais de voleibol têm atingido as melhores posições nas competições internacionais, mas a formação do atleta nos clubes apresenta as maiores dificuldades, já assinaladas pelos treinadores nas respostas anteriores. Falta material, apoio, interesse e mais profissionalismo dos clubes no tratamento e na condução do treinamento para iniciantes.

A análise destes discursos nos conduz para a compreensão de que os treinadores na sua maioria são críticos em relação à formação do atleta brasileiro e atribuem o êxito dos atletas à dedicação pessoal do treinador, que supera todas as barreiras que lhes são impostas pela má administração dos clubes e o descaso com as divisões iniciais e, ainda assim, conseguem realizar um trabalho eficiente.

O fazer dos treinadores

Para iniciar esta discussão, pedimos que os treinadores refletissem sobre a diferença de objetivos na intervenção nas divisões mirim e infantil. A análise das respostas nos demonstra que eles qualificam o processo de treinamento destas equipes como um continuum, já que os objetivos da divisão mirim são pressupostos para os declarados em relação à infantil. A primeira é tratada como a entrada no processo de TLP e a segunda o prosseguimento da preparação do atleta para alcançar o alto rendimento. Isto nos fez entender que para melhor compreensão em nosso estudo do fazer dos treinadores, este devia ser dividido em duas partes, uma que contemplasse o treinamento da equipe mirim e, outra, o da infantil.

A maioria dos treinadores (n=8) se expressou no sentido de que na divisão mirim a construção da habilidade motora específica para o jogo do voleibol é o objetivo mais importante do seu trabalho. Isto também é reforçado pela importância da execução destas uma vez que a execução errada é uma infração à regra, o que, neste esporte é punido com a perda do ponto. Além disto, entendemos que o emprego nas respostas das expressões "preparação geral", "coordenação", "lúdico" e "recreativa", demonstrem que outra intenção deste momento do treinamento é o desenvolvimento das capacidades coordenativas (n=4) da atleta, o que segundo Weineck (1999, p.551), "servirá de base para o aprendizado de outros movimentos, mais específicos e complexos".

Outra categoria apontada é a formação do grupo social (n=3), que, segundo Abagnano (2003, p. 492), "é um conjunto de pessoas caracterizadas por uma atitude comum ou recorrente". Pensamos que a esta definição sociológica devemos acrescentar a expressão esportivo, já que a motivação desta reunião é a construção de uma equipe de voleibol do esporte de rendimento.

A partir da análise das falas dos treinadores, podemos afirmar que o fazer destes, relativo à categoria mirim, se enquadra no primeiro estágio da taxonomia proposta por Böhme (2000) para o treinamento a longo prazo, que tem por objetivo desenvolver as capacidades coordenativas, despertar o interesse e melhorar as ações de desempenho em treinamento e competição e o conhecimento do desporto escolhido.

Segundo os treinadores, a partir da divisão infantil inicia-se o processo de especialização dos atletas (n=4). Assim se expressam ao se referir às funções táticas, da levantadora, da atacante de ponta e meio, isto é a tática individual, o que nos remete, também, à preparação tática da equipe (n=4), como sugere um dos informantes: “no infantil, passa-se a dar mais ênfase na preparação mais tática e o conhecimento específico do desporto”.

As categorias especialização do atleta, a tática individual e coletiva de jogo (esta decorrente da primeira) levam ao aparecimento de outra categoria, a preparação física especial (n=2), simbolizada pelo início de exercícios contra a resistência. Esta categoria marca o tempo do desenvolvimento das capacidades condicionais, o aumento do volume, isto é, maior número de sessões de treinamento durante a semana e da intensidade do treinamento (n=3), representada, principalmente, pelo aumento do número de repetições das ações.

Assim, a análise das respostas dos treinadores nos permitiu classificar a categoria infantil no estágio denominado por Böhme (op. cit.) de treinamento específico, que tem por objetivo desenvolver, a longo prazo, o desempenho da modalidade escolhida, estabilizar a motivação e a participação em competições apropriadas às suas possibilidades de rendimento. A esse respeito, recordamos que a regra modificada pela FVR para o campeonato mirim e infantil foi uma das motivações para esta pesquisa.

A REGRA COMO INSTRUMENTO DE MASSIFICAÇÃO, VIVÊNCIA E MOTIVADORA DA AÇÃO DO TREINADOR E DO DESEMPENHO DA ATLETA

A opinião sobre as regras do voleibol adaptadas aos campeonatos mirins e infantis revelou que os treinadores (n=10) não só estão de acordo como entendem que, por obrigar a participação de um maior número de atletas em todas as partidas, elas favorecem a vivência em competir (n=4) e, consequentemente, podem interferir sobre a inclusão e massificação do esporte (n=9).

A análise das respostas de nossos entrevistados nos leva a entender que a regra motiva a formação do atleta (n=2), por ter o treinador que ampliar o número de atletas em condições de jogar (n=5) para manter o nível técnico da equipe no momento das substituições obrigatórias. Além deste fato, a proibição de empregar o ataque da atleta que está na linha de trás faz a responsabilidade desta técnica distribuir-se por todos que exercem a mesma função. Este foi outro ponto positivo declarado: o aprimoramento das habilidades motoras específicas do voleibol e da sua aplicação como técnica durante o jogo (n=9).

Visto que as modificações à regra são entendidas como elementos que auxiliam o desenvolvimento do desempenho do atleta, pensamos ser possível afirmar que existe entre os treinadores entrevistados a intenção de superar uma posição reducionista em relação ao treinamento de iniciantes. Isto é, todas as suas atletas devem ser preparadas para o esporte de alto nível de rendimento e para serem profissionais de voleibol.

IMPLICAÇÕES DA ADOLESCÊNCIA E DA PUBERDADE NO FAZER DOS TREINADORES

A maioria dos entrevistados (n=7) respondeu que o fenômeno adolescência implica no fazer deles. Apresentamos a opinião de um dos treinadores: “influencia sim... e como... porque, nessa idade, elas são muito influenciáveis pela família, pelos amigos, pelo meio social que elas convivem”.

Essa opinião permitiu-nos perceber que os discursos apresentados pela maioria dos treinadores acompanham o que aponta a literatura especializada em psicologia do desenvolvimento; segundo Erikson (1976, p.130), “o adolescente está ansioso por se afirmar entre os seus pares, confirmado pelos seus professores e inspirados por modos de vida que valham a pena”. Julga-se importante destacar que este comportamento dos treinadores, na maioria das vezes, não está associado a uma análise da etapa psicossocial vivenciada por suas atletas, e, sim, pelo fato de serem mulheres, como afirma um dos entrevistados: “como todo mundo sabe, a mulher é muito mais sensível que o homem”.

Quanto ao processo pubertário, os treinadores (n=7) defenderam não levar em consideração o estágio do processo maturacional nas suas intervenções. As explicações para isto são variadas, vão desde a falta de estrutura do ambiente de trabalho à percepção de que as cargas físicas aplicadas no treinamento estão aquém da capacidade das atletas de absorvê-las. Importante ressaltar que nenhum dos treinadores entrevistados, ao defender esta posição, negou que a observância deste fato não seja relevante para a construção do rendimento esportivo.

Os treinadores (n=3) que afirmaram considerar a interferência do processo pubertário para escolher suas tarefas de treinamento, o fazem sem base científica, empregam como parâmetro principal a faixa etária. Como exemplo, utilizamos a seguinte fala, “meu grupo, metade dele é pré-infantil, primeiro ano infantil, tenho três mirins, apesar de não estar jogando mirim este ano e tenho duas... três que são segundo ano infantil. Então, a carga de trabalho desses três grupos é diferente”. Ressaltamos que a faixa etária não é um parâmetro confiável, já que no grupo de idades que compõe a divisão mirim e infantil (11 a 15 anos) encontram-se diversos estágios de maturação humana.

Desse modo, a análise das opiniões manifestadas pelos treinadores a respeito da adolescência e da maturação humana nos conduz à conclusão de que existem lacunas que necessitam ser preenchidas por estudos mais aprofundados no que corresponde ao conhecimento do treinamento de voleibol de adolescentes púberes femininas, já que as equipes, na sua grande maioria, não contam com profissionais especializados, o que leva o treinador a atuar também como psicólogo, nutricionista, assistente social, entre outros, para apoiar suas atletas.

CONCLUSÃO

Com base na análise feita, conclui-se que os treinadores consideram precária a formação das atletas brasileiras, e atribuem o sucesso delas à dedicação deles, embora avaliem como ruins as condições de trabalho que têm nos clubes onde atuam na cidade do Rio de Janeiro, o que implica na qualidade de seus treinamentos.

Os treinadores entrevistados entendem que as atividades desenvolvidas nas divisões mirim e infantil são etapas iniciais de um processo de treinamento a longo prazo, para o máximo rendimento esportivo. Eles ainda relatam dificuldades para trabalhar com adolescentes púberes femininas, sobretudo em relação a temáticas específicas da puberdade das atletas, apontando a formação de uma comissão técnica interdisciplinar como uma alternativa para superar tais dificuldades.

Sugerimos novos estudos que aprofundem mais o conhecimento sobre treinamento de adolescentes púberes femininas, de modo a subsidiar a atuação dos treinadores destas divisões.

NOTAS

* Professor Assistente do Instituto de Educação Física e Desportos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Departamento de Educação Física da Universidade Gama Filho.

** Professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Gama Filho e pesquisadora na área dos Estudos de Gênero e Atividades Físico-Esportivas.

*** Professor Adjunto da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

**** Professor e Coordenador do Curso de Pós-graduação em Ciências da Atividade Física da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO-NITERÓI) e Professor Adjunto aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

1 http://voleirio.com.br/base.asp?pag=ne_Mirim-Infantil.html

2 BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. RESOLUÇÃO Nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos.

3 O n representa a freqüência de aparecimento da categoria nos discursos dos treinadores.

TRAINING OF UNDER-13 AND UNDER-15 FEMALE TEAMS: BELIEFS OF VOLLEYBALL COACHES IN THE STATE OF RIO DE JANEIRO

ABSTRACT

This study on the training of under-13 and under-15 female teams from the Rio de Janeiro State Volleyball Federation (FVR) aims at mapping coaches beliefs on athlete education and identifying the theoretical bases that inform the development of their training programs. The discourse analysis of ten coaches reveals their difficulty in working with female adolescents and shows their understanding that the division between under-13s and under-15s represents the first stage of a long-term training process.

KEYWORDS: Volleyball – Training – Female Teams – Under-13s and Under-15s

ENTRENAMIENTO DE EQUIPOS SUB 13 Y 15 FEMENINAS: EL CONCEPTO DE LOS ENTRENADORES DE VOLEIBOL DEL ESTADO DE RÍO DE JANEIRO.

RESUMEN

Este estudio sobre entrenamiento de equipos alevines (sub-13) e infantiles (sub-15) femeninas afiliadas a la Federación de Voleibol del Estado de Río de Janeiro (FVR) tiene como objetivo mapear el concepto de los entrenadores sobre la formación de las atletas e identificar el (los) fundamento(s) teórico(s) que los subsidia(n) en el desarrollo de sus programas de entrenamiento. Al analizar el discurso de diez entrenadores, éstos relataron dificultades para trabajar con los adolescentes púberes femeninas y entienden que los equipos alevines e infantiles deben representar para sus integrantes la primera etapa de un proceso de entrenamiento a largo plazo.

PALABRAS-CLAVE: Voleibol – Entrenamiento – Equipos femeninas – Alevín (sub-13) e Infantil (sub-15)

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Recebido em: 24/02/2009

Revisado em: 16/04/2009

Aprovado em: 17/04/2009

Contato: guilocks@yahoo.com.br.

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