ESTILOS DE ENSINO E A INICIAÇÃO DA CAPOEIRA PARA CRIANÇAS DE 7 A 10 ANOS DE IDADE

Vinícius Heine*

Michele Viviene Carbinatto**

Myrian Nunomura***

RESUMO

O presente estudo é uma revisão crítica de literatura cujo objetivo é analisar a aplicabilidade do espectro de estilos de ensino proposto originalmente por Muska Mosston no processo de iniciação da Capoeira para crianças de 7 a 10 anos de idade. Desta forma, procura-se ampliar a base teórica que orienta os profissionais que estão à frente desse processo. Verificou-se que os principais estilos de ensino – comando, tarefa, recíproco, individualizado, descoberta orientada e solução de problemas – são aplicáveis ao processo de ensino-aprendizagem da iniciação à Capoeira e que oferecem elementos consistentes para a orientação da prática de ensino dos professores que atuam com essa atividade.

PALAVRAS-CHAVE: Capoeira – Estilos de Ensino – Infância

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a Capoeira vem passando por um processo de forte expansão da sua prática nas mais diversas instituições da sociedade, como escolas, academias, Universidades, clubes, centros comunitários e projetos sociais. Conseqüentemente, o número de adeptos tem crescido de forma vertiginosa. Em respeito a esse aumento de praticantes da Capoeira, as bases pedagógicas daqueles que estão à frente desse processo têm como referência a tradição, a boa vontade e a sensibilidade.

Normalmente, a formação dos profissionais que atuam no ensino da Capoeira ocorre no âmbito interno das Associações ou Grupos de Capoeira, e é direcionada pelo Mestre de Capoeira que lidera aquela instituição.

Cada Mestre possui uma filosofia, um critério, uma metodologia e um tempo mínimo para a formar seus instrutores e professores. Assim, as estratégias de ensino, os conteúdos, o processo de avaliação, a filosofia, o trato com relação à violência, a postura e a ética profissional, o respeito às tradições, entre outros temas essenciais na formação dos profissionais, são tratados de maneira bastante diferenciada em cada Associação e/ou Grupo de Capoeira.

Muitas vezes, não existe um processo formal e específico de formação desses profissionais. O praticante-aluno passa para a condição de professor através de critérios subjetivos adotados pelo Mestre.

Assim, não raras vezes, as oportunidades que têm surgido no mercado de trabalho são atendidas por profissionais com pouca qualificação e com formação deficiente, especialmente no aspecto pedagógico. Na maioria das vezes, são práticos, que sabem como fazer e dominam os conteúdos técnicos da modalidade. No entanto, o processo de ensino exige muito mais conhecimentos, além do técnico.

Dentro dessa realidade, um processo de tentativas e de erros se inicia, o qual pode colocar professor e alunos em risco. O primeiro poderia se desmotivar ou perder a oportunidade de trabalho devido às práticas incoerentes e, os alunos, poderiam perder o interesse pela prática, sofrer lesões físicas e psicológicas, e até criar aversão pela modalidade. Desta forma, a Capoeira como um todo poderia ter sua imagem desgastada frente à instituição e à sociedade em geral.

Assim, associar conteúdos teóricos tradicionais à prática de ensino da Capoeira é uma tarefa essencial para o desenvolvimento dessa modalidade dentro das instituições que, a cada dia, abrem suas portas e oferecem oportunidades para a Capoeira demonstrar o seu potencial como instrumento de melhoria das condições sociais, educacionais, culturais e da saúde da sociedade.

Nesse sentido, a base teórica desenvolvida por Muska Mosston e, mais especificamente, o espectro de estilos de ensino é um instrumento significativo para a elaboração e diversificação das estratégias de ensino utilizadas pelos profissionais da Capoeira.

A INICIAÇÃO NA CAPOEIRA

Como deveríamos orientar o processo de iniciação na Capoeira para crianças entre 7 e 10 anos de idade?

Certamente, deve-se pensar no desenvolvimento integral dos alunos, em que os domínios motor, físico, afetivo, cognitivo e social sejam contemplados. Da mesma forma, é importante proporcionar uma ampla base de experiências nos diversos conteúdos que integram a Capoeira (movimentos, músicas, ritmos, instrumentos, história, tradições, rituais, entre outros), para que os alunos desenvolvam a apreciação e o envolvimento com a modalidade a curto, médio e, principalmente, a longo prazo (SILVA, 1993).

Os aspectos de motivação também são importantes, principalmente em se tratando de crianças entre 7 e 10 anos de idade, o aspecto lúdico, a aprendizagem de habilidades e o contato com os amigos são fatores determinantes da motivação dos alunos (HANLON, 1994).

Os praticantes devem experimentar satisfação e prazer nas atividades desenvolvidas. Para tanto, o professor trabalhará como elemento motivador e facilitador. De igual importância são as estratégias de ensino selecionadas, as quais visam facilitar a aquisição do conhecimento por parte dos alunos (FREITAS, 1997).

As estratégias de ensino serão elaboradas a partir dos conteúdos específicos da Capoeira, dos materiais pedagógicos, das formas de comunicação, de modelos de organização da turma e, especialmente, dos estilos de ensinos adotados (GABBARD, LEBLANC; LOWY, 1994).

Assim, conhecer as características gerais das crianças na faixa etária em questão, dominar a técnica de execução das habilidades da Capoeira e elaborar estratégias de ensino eficientes são fatores primordiais para a obtenção do sucesso na aprendizagem.

A CRIANÇA DOS 7 AOS 10 ANOS DE IDADE

Entre 7 e 10 anos de idade, as crianças se encontram no período que se denomina Idade de Ouro da Infância, pois é a fase em que a aprendizagem de habilidades motoras está no auge do seu potencial de desenvolvimento, um período considerado crítico para a aprendizagem motora. Nessa fase, as crianças apresentam grande entusiasmo, são dinâmicas, alegres e apreciam o movimento (WEINECK, 1999). Elas apresentam ganhos de coordenação motora significativos. E há o potencial para a aprendizagem das principais habilidades envolvidas na Capoeira, desde as mais básicas até aquelas mais complexas. Ou seja, a prontidão física das crianças nessa faixa etária é ideal para a aprendizagem das técnicas básicas dos principais movimentos da modalidade (FREITAS, 1997).

Outra característica fundamental deste período, e que deve ser considerada no ensino da Capoeira, é o gosto das crianças por tarefas que representem desafios (MEINEL; SCHNABEL, 1987) e que estimulem outras dimensões, e não apenas a motora. O elemento desafiador é importante na manutenção dos níveis de motivação e podem ter impacto sobre as decisões futuras em respeito ao envolvimento com atividades físicas e práticas esportivas.

A NATUREZA DA CAPOEIRA

A Capoeira é uma modalidade extremamente rica em recursos pedagógicos, pois seu contexto relaciona elementos corporais, rítmicos, musicais, históricos e culturais. Provavelmente, a combinação desses elementos em uma única atividade é o que faz da Capoeira uma atividade física tão singular e que desperta, sobremaneira, o interesse das crianças nessa faixa etária (SILVA, 1993).

Os movimentos básicos da Capoeira podem ser caracterizados pela posição inicial, ginga, meia lua de frente, a queixada lateral, cocorinha, benção, negativa fechada e o aú. Tais elementos uníssonos com os sons dos instrumentos musicais – especialmente o berimbau, o atabaque, o pandeiro, o agogô e o reco-reco – caracterizam a modalidade.

É importante salientarmos que a Capoeira apresenta dois principais estilos: a Capoeira Angola e a Capoeira Regional. Os principais elementos históricos associados à Capoeira são: o navio negreiro, a escravidão, a senzala, o feitor, o Capitão do Mato, o Senhor de Engenho, os escravos, O Quilombo dos Palmares, Zumbi e Gangazumba (SILVA, 1993).

As habilidades da Capoeira são aprendidas separadamente. Existem movimentos de ataque, de defesa, acrobáticos, de deslocamento, desequilibrantes, de chão e ritualísticos. Posteriormente, cada aluno combina essas habilidades entre si, em um trabalho individual, no qual, gradativamente, o repertório de habilidades vai aumentando em quantidade, qualidade e complexidade. Ao mesmo tempo, deve ser desenvolvido um trabalho de compreensão do aspecto “tático” da Capoeira, que são as situações nas quais os alunos trabalham em duplas. Esse trabalho inicia-se com seqüências simples de apenas um ataque e uma defesa e vão se tornando mais complexos, como seqüências que envolvem um maior número de movimentos (SILVA, 1993). Finalmente, o aluno torna-se apto a jogar Capoeira com os seus colegas. No jogo em si, não existem situações pré-determinadas. Ao contrário, existe liberdade na execução dos movimentos e as reações deverão ser adequadas, estabelecendo-se, dessa forma, um diálogo corporal.

OS ESTILOS DE ENSINO

Uma variedade de estratégias de ensino pode ser utilizada, eficientemente, para desenvolver um determinado conteúdo. Cada estratégia tem suas vantagens e desvantagens, dependendo da situação específica da aula, conteúdo, objetivo, e do processo de ensino desejado. Um critério importante na seleção da estratégia é conhecer o processo, suas características inerentes e implicações para o desenvolvimento da criança. Evidências de estudos sugerem que os professores mais efetivos são aqueles que variam o ambiente de ensino e de aprendizagem (GABBARD LEBLANC & LOWY, 1994).

Os estilos de ensino são elementos fundamentais na estruturação de estratégias de ensino (GABBARD; LEBLANC; LOWY, 1994). Eles foram propostos originalmente por Muska Mosston, com o objetivo de ampliar as possibilidades pedagógicas dos professores e de enriquecer o processo de ensino-aprendizagem, tanto para os professores quanto para os alunos. Mosston demonstrou que cada estilo de ensino favorece o desenvolvimento dos alunos em um determinado aspecto, denominados pelo autor de Canais de Desenvolvimento. Os principais canais de desenvolvimento apontados por Mosston foram: O Canal Físico, o Canal Cognitivo, o Canal Emocional e o Canal Social (MOSSTON, 1982).

Muska Mosston (1994), cujo trabalho tem considerável impacto na Educação Física, descreve o processo de ensino como uma cadeia constante de decisões a serem tomadas. Em qualquer área, os professores estão envolvidos em decisões sobre os objetivos, a organização da aula, o conteúdo, a avaliação e especificidades relacionadas ao ambiente, entre outros inúmeros fatores. Cada aula bem sucedida é desenvolvida a partir de um número de decisões que podem ser agrupadas em três categorias:

Categorias

Componentes e Decisões

1. Pré-contato
(preparação)

  1. Objetivos gerais
  2. Nível de habilidade
  3. Número de alunos
  4. Equipamento/material
  5. Instalações/Local
  6. Tempo
  7. Atitudes gerais e antecipação do ambiente de ensino
  8. Seleção da estratégia de ensino
    1. estilo
    2. padrão de organização
    3. modo de comunicação
    4. papel do professor
    5. papel dos alunos
  1. Conteúdo específico (quantidade e qualidade)
  2. Avaliação (estimativa)

2. Contato

  1. Ajuste (condições climáticas, contratempos, etc.)
  2. Observação do comportamento
  3. Ajuste do comportamento observado
  4. Avaliação (em relação aos critérios)
  5. Feedback

3. Pós-contato
(Reflexão)

  1. Avaliação da estratégia de ensino
  2. Avaliação da performance dos alunos
  3. Avaliação da performance do professor

Quadro 1: Categorias de Ensino segundo Mosston (1994)

O professor que não considerar tais componentes poderá se confrontar com muitos eventos indesejáveis. A seleção da estratégia de ensino depende do entendimento detalhado dos fatores de pré-contato. Um aspecto importante do ensino é estar preparado para o inesperado. O sucesso da aula está baseado no planejamento das decisões que leva em consideração todas as fases do ensino e do processo de instrução.

O termo estilo de ensino refere-se a um processo de manipulação do ambiente de ensino. Cada estratégia é um complexo de inúmeras variáveis possíveis, conforme o quadro anterior (Quadro 1). O ingrediente essencial em uma estratégia é o estilo de apresentação do conteúdo. Com o estilo, o professor pode selecionar um número de padrões de organização e modo de comunicação.

Não existe um estilo de ensino superior, ou melhor. O professor deve saber combinar as diversas condições e conteúdo com a variedade de estilos de ensino e padrões de organização para produzir o melhor resultado. O bom professor é aquele que conhece um amplo repertório de estilos de ensino e não teme em combiná-los e modificá-los de acordo com as necessidades.

O Espectro de Estilos de Ensino é uma estrutura de modelos de ensino baseada na tomada de decisão do professor e do aluno (MOSSTON; ASHWORTH, 1994). Cada estilo de ensino, dentro do Espectro, tem uma estrutura particular de decisões que tem impacto na relação de ensino entre o professor e o aluno. De acordo com Mosston e Ashworth (1994, p. 3), “o Espectro de Estilos de Ensino define as opções ou os estilos disponíveis, as estruturas de decisão, os papéis específicos do aluno e do professor em cada estilo e os objetivos melhores alcançados através de cada estilo”.

Mosston e Ashworth (1994, apud GARN; BYRA, 2002) citam três razões para desenvolver a variedade de Estilos de Ensino. A primeira razão se refere à forma preferida de ensinar, baseada em valores individuais e nas experiências pessoais. Os autores denominam como “ensinar através de um estilo pessoal” (Mosston e Ashworth 1994, apud GARN; BYRA, 2002 p. 6). O problema relacionado com o ensino através de um estilo pessoal é que “limita as opções do professor e as contribuições potenciais para o aprendizado dos alunos” (p. 6). Para se obter resultados positivos relacionados aos domínios físico, cognitivo e social de aprendizagem, é preciso utilizar os múltiplos estilos de ensino.

A segunda razão se refere à individualidade. Os alunos aprendem de maneiras diferentes, têm formações culturais e experiências de movimento distintas. Isto resulta em uma diversidade de necessidades e de aspirações por parte dos alunos. Assim, para buscar atender às necessidades físicas, cognitivas e sociais de diferentes alunos, os professores têm que empregar estilos diferentes de ensino.

A terceira razão que levou ao desenvolvimento de um Espectro de Estilos de Ensino é porque cada um deles tem sua contribuição, em diferentes níveis, para o desenvolvimento das dimensões do ser humano, conforme o Quadro 2.

Ênfases dos Domínios de Aprendizagem no Espectro de Estilos de Ensino

Estilos

Comando (A)

 

Domínios de Aprendizagem

Físico
Cognitivo
Social

Ênfases no Estilo

min-----------------------------------------º-------max
min-----º-------------------------------------------max
min-----º-------------------------------------------max

 

Prático (B)
(tarefa)

Físico
Cognitivo
Social*

min-----------------------------------------º-------max
min-----º-------------------------------------------max
min-----º-------------------------------------------max

 

Recíproco (C)

Físico
Cognitivo
Social

min------------------------º------------------------max
min----------------------------------------º--------max
min----------------------------------------º--------max

 

Auto Avaliação (D)

Físico
Cognitivo
Social

min-----------------------------------------º-------max
min-----------------------------------------º-------max
min-----º-------------------------------------------max

 

Inclusão (E)

 

Físico
Cognitivo
Social

min-----------------------------------------º-------max
min-----------------------------------------º-------max
min------------------------º------------------------max

 

Descoberta
Orientada (F)

Físico
Cognitivo
Social

min-----º-------------------------------------------max
min-----------------------------------------º-------max
min------------------------º------------------------max

 

Descoberta
Convergente (G)

Físico
Cognitivo
Social*

min-----------------------------------------º-------max
min-----------------------------------------º-------max
min-----º-------------------------------------------max

 

Produção Divergente (H)

Físico
Cognitivo
Social*

min-----------------------------------------º-------max
min-----------------------------------------º-------max
min-----º-------------------------------------------max

Quadro 2 – Domínios de aprendizagem e os estilos de ensino. Adaptado de GARN e BYRA (2002)

* Se os alunos trabalham em pares (B, G, ou H) ou em pequenos grupos (G ou H), a ênfase no domínio de aprendizagem social poderá aumentar.

De acordo com GARN e BYRA (2002), o Espectro de Estilos de Ensino foi estruturado considerando-se que os alunos possam reproduzir (espelho ou cópia) e produzir (descobrir ou criar) movimentos e conhecimento. No caso da Educação Física e de seus respectivos conteúdos, todas as atividades têm componentes que podem ser ensinados utilizando-se estilos de ensino reproduzidos (A-E) e estilos de ensino produtivos (F-H).

Um exemplo dos autores ilustra esta afirmação. No voleibol, em um dado momento, o professor deseja que os alunos executem a manchete de acordo com um modelo, o que pode levar o emprego dos estilos de comando ou prático, ou visar que o aluno receba um feedback imediato sobre seu desempenho nas habilidades, o que provavelmente levará ao uso do estilo recíproco. No entanto, às vezes, o professor poderá querer que os alunos descubram os princípios de força e os ângulos aplicados na manchete, então o estilo de descoberta deverá ser o método mais indicado. Caso queira enfatizar a flexibilidade dentro do conteúdo, pode-se solicitar que o aluno descubra diferentes formas de executar uma habilidade. Por exemplo, (depois de ter ensinado os elementos básicos do saque) o professor deverá solicitar ao aluno que descubra diferentes formas de sacar sobre a rede; então o estilo de produção divergente é o mais adequado. Assim, conforme exposto, podemos constatar que os objetivos dos domínios de aprendizagem psicomotor, cognitivo e social, podem ser alcançados utilizando-se os dois estilos de ensino, ou seja, o reprodutivo e o produtivo.

A seguir, apresentaremos os principais estilos de ensino e sua aplicação no contexto da Capoeira.

A) Comando

No estilo de ensino por comando o professor é o elemento preponderante. É ele quem determina os objetivos da aula, seleciona as atividades, fornece as indicações precisas sobre o que e como executar. Os alunos atingem objetivos de precisão, resposta imediata, coesão de grupo e uniformidade (FARIA JUNIOR; CORREA; BRESSLANE, 1987).

Esse estilo de ensino é de grande valia no ensino das habilidades da Capoeira. Dentre as vantagens desse estilo, podemos citar: (1) os objetivos são claros e a aquisição das habilidades é específica, (2) existe eficiência em termos de tempo e de organização do grupo, (3) muitas crianças sentem-se seguras por saberem exatamente o que e como fazer.

No entanto, esse estilo não deve ser utilizado excessivamente, devido às suas limitações em relação ao desenvolvimento da criatividade individual, autodisciplina e variabilidade dos movimentos – itens considerados essenciais para o desenvolvimento global da criança (GABBARD et al, 1994).

Um exemplo da aplicação desse estilo na Capoeira seria: todos os alunos espalhados pela sala e parados na posição inicial. Ao comando do professor, executam o movimento da Benção. Assim, o professor determina o volume, o ritmo e a intensidade da execução da ação.

B) Tarefa

No estilo de ensino por tarefas as necessidades e os ritmos de aprendizagem diferenciados são admitidos. Criam-se as condições para o início do processo de ensino centrado no aluno (KRUG, 1996). No entanto, o professor continua sendo o centro do processo, seleciona os objetivos, escolhe as estratégias e determina as formas de organização, que são, entretanto, menos rígidas.

A apresentação do conteúdo pode ser feita da seguinte forma: uma única tarefa é apresentada para toda a turma, mas pode ser realizada segundo diferentes padrões de desempenho como o número de repetições, a carga, a duração, e a intensidade.

Como exemplo da aplicação desse estilo na Capoeira teríamos a seguinte situação: o professor determina que os alunos fiquem espalhados aleatoriamente pela sala e, enquanto gingam, executem o movimento da Queixada lateral. Os alunos mais habilidosos executarão uma maior quantidade de movimentos e de maneira mais veloz que os alunos em processo inicial de aprendizagem. A capacidade e a condição de cada aluno será respeitada.

C) Avaliação recíproca

Nesse estilo de ensino uma maior parcela de responsabilidade no processo de tomada de decisões é transferida para o aluno. Cabe a este a avaliação da aprendizagem do companheiro com quem desenvolve as atividades propostas pelo professor (FARIA JUNIOR; CORREA; BRESSLANE, 1987). Nesse estilo, o aluno não recebe o feedback sobre sua performance do professor, mas do parceiro com quem está trabalhando, o que proporciona maior interação e socialização entre os envolvidos.

Um exemplo de aplicação desse estilo na Capoeira seria: os alunos formam um grupo de três componentes. Em um primeiro momento, um deles será o observador e os demais serão divididos em aluno A e aluno B e executarão a seguinte tarefa: o aluno A executa a Meia lua de frente e o aluno B fará a Cocorinha (os dois gingando). O terceiro aluno, por sua vez, deverá analisar os seguintes aspectos: compatibilidade da ginga, perna estendida na execução da Meia lua de frente, pés totalmente apoiados no solo e colocação do braço de proteção do rosto na execução da Cocorinha. Os alunos deverão se alternar nas funções, avaliando-se mutuamente.

O uso de materiais de apoio como cartões de instruções com os principais pontos a serem observados serão de grande utilidade para o sucesso desse estilo para crianças entre 7 e 10 anos de idade (GABBARD; LEBLANC; LOWY , 1994).

D) Programação individualizada

O estilo de ensino baseado na Programação Individualizada visa atender às necessidades diferenciadas de cada aluno do ponto de vista das capacidades físicas coordenativas e psicológicas. Nesse estilo de ensino, o professor deverá preparar um plano de aula para cada aluno ou para cada grupo de alunos em particular. Na Capoeira, essa diferenciação pode ser feita pelo sistema de graduação adotado pelo grupo de trabalho, no qual os alunos são identificados por cordões de diferentes cores amarrados na cintura.

Durante a aula propriamente dita, caberá ao professor orientar os alunos e sanar suas dúvidas, uma vez que a preparação do conteúdo foi feita com antecedência.

A diferenciação da programação para cada aluno ou para um grupo de alunos pode ser feita através de diferentes tarefas, da quantidade de tarefas destinadas a cada um ou em relação ao padrão de qualidade da tarefa exigida para cada um e, ainda, uma diferenciação que combine aspectos qualitativos e quantitativos (FARIA JUNIOR; CORREA; BRESSLANE, 1987).

SILVA (1993), aponta ainda para a necessidade de determinar os conteúdos para cada nível do sistema de graduação que deve constar do material pedagógico distribuído para cada aluno no início do programa de aulas.

E) Descoberta orientada

O estilo de ensino baseado em descoberta orientada tem como característica o apelo ao domínio cognitivo do aluno de forma predominante. Aqui, o aluno é solicitado a pensar. Para tanto, a cada momento o professor elabora questões e desafios: “Quem consegue...?”, “Mostre-me como...?”, “Como podemos...?”, “Vamos tentar...?”, “Descubra uma maneira...?”, “De que outras maneiras...?”, “Quantas maneiras diferentes existem para...?”, “Existe uma outra maneira...?”, “Existe uma maneira melhor...?” (GABBARD; LEBLANC; LOWY, 1994).

Segundo Faria Júnior, Correa e Bresslane (1987), esse estilo de ensino é normalmente utilizado para:

a) recordar informações e conhecimentos ou habilidades psicomotoras;
b) servir de elemento incentivador, de modo a estimular a motivação dos alunos;
c) estimular a reflexão e dirigir o raciocínio do aluno;
d) ajudar a efetuar avaliações e retificações da aprendizagem;
e) introduzir novos conhecimentos.

Na Capoeira, pode-se utilizar esse estilo em todas as situações descritas. Por exemplo, através das seguintes perguntas:

a) Quantas maneiras diferentes existem para executar o movimento do Aú? (Recordar habilidades);
b) Quem consegue executar uma Negativa após uma Queixada lateral? (Incentivo e desafio);
c) Como executar uma cabeçada sem deixar o rosto vulnerável? (Reflexão e raciocínio);
d) Mostre-me como executar uma rasteira no movimento da Benção do companheiro de jogo? (Avaliação);
e) De quantas maneiras diferentes podemos realizar um chute sobre a cabeça do colega abaixado à frente? (Novos conhecimentos).

F) Solução de problemas

O estilo de ensino baseado na solução de problemas tem como foco o aluno e sua capacidade de solucionar problemas de forma independente e autônoma. O professor, por sua vez, tem o papel de incentivador, orientador e facilitador do processo, e deixa de ser o centro das decisões mais importantes (FARIA JUNIOR ; CORREA; BRESSLANE, 1987).

Deve-se salientar que nesse estilo de ensino não existirão respostas erradas, desde que a resposta seja adequada ao problema proposto. O que pode existir são respostas “melhores” ou “mais adequadas” para satisfazer determinado problema.

O jogo da Capoeira, como é desenvolvido em uma situação de Roda, representa a síntese do que significa o estilo de ensino por solução de problemas. Jogar Capoeira significa, em última análise, uma constante tomada de decisões para a solução de problemas, em que cada gesto ou movimento executado por um dos jogadores representa um pequeno problema que deverá ser resolvido imediatamente pelo parceiro de jogo. Esse último, por sua vez, irá elaborar imediatamente um problema para o seu parceiro, quando executar um movimento de contra-ataque. Assim, a Roda da Capoeira se constitui em um espaço privilegiado de ensino e de aprendizagem, em que os alunos desenvolvem elementos importantes da sua personalidade e individualidade, exercitam a criatividade e a reflexão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização de diferentes estilos de ensino para a elaboração de estratégias pedagógicas nas aulas de Capoeira parece ser uma alternativa muito interessante no processo de ensino e aprendizagem da Capoeira na sua fase de iniciação para crianças de 7 a 10 anos de idade. Cada estilo propicia a ampliação de experiências e o desenvolvimento do aluno em um determinado aspecto e engendra diferentes situações de aprendizagem.

O aluno que aprende a Capoeira através de estratégias pedagógicas pautadas, exclusivamente, no estilo de ensino por comando poderá ter, por exemplo, muita habilidade física, pois seu canal físico foi bastante solicitado. Em contrapartida, desenvolverá pouca habilidade cognitiva. Ou seja, o aluno terá aprendido a executar as técnicas e habilidades da Capoeira com primazia, no entanto terá dificuldades em lidar com as questões que exijam a sua capacidade de pensar por si mesmo e de criação na aprendizagem de novas habilidades da Capoeira. Dessa forma, estará bastante dependente da voz de comando e do modelo do professor, o que pouco contribui para desenvolver a autodisciplina, iniciativa e a capacidade de tomar decisões por si mesmo.

Assim, a variabilidade na utilização dos estilos de ensino por parte do professor é uma atitude extremamente desejável do ponto de vista do desenvolvimento integral do aluno em sua totalidade.

Atualmente, ministrar aulas de Capoeira é uma tarefa da mais alta responsabilidade, pois ela desperta grande interesse de pessoas das mais diversas idades e, mais especificamente, de crianças e de adolescentes. Portanto, a capacitação adequada dos profissionais que se dedicam a esse trabalho é um aspecto que deve ser considerado.

Dentre os muitos conhecimentos que um professor deve ter para ensinar Capoeira, o espectro de estilos de ensino é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa que pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dessa modalidade, especialmente devido ao fato do constructo teórico idealizado por Mosston ser relativamente simples e de grande aplicabilidade no cotidiano da prática.

Outra justificativa para a utilização da variedade de estilos de ensino é o fato de estimular o desenvolvimento das diferentes dimensões do ser humano, conforme demonstrado por Garn e Byra (2002).

NOTAS

* Professor do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo – CEPEUSP.

** Professora Mestre da Faculdade de Vinhedo e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Pedagogia do Movimento Humano EEFE/USP.

*** Professora Doutora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo – EEFE/USP.

TEACHING STYLES AND CAPOEIRA INITIATION FOR CHILDREN AGED 7-10

ABSTRACT

This study critically reviews literature on the applicability of teaching styles originally presented by Muska Mosston in the process of Capoeira initiation for children aged 7-10. it aimed at broadening the theoretical basis which guides professionals in this field. The study revealed that the main teaching styles – command, task, reciprocal, individualized, oriented discovery, and problem solution – can be applied to the process of teaching and learning Capoeira in the initiation level, as they offer consistent elements for the guiding of the teaching practices of Capoeira teachers.

KEYWORDS: Capoeira – Teaching styles – Childhood

ESTILOS DE ENSEÑANZA E INICIACIÓN DE CAPOEIRA PARA NIÑOS DE 7 A 10 AÑOS DE EDAD

RESUMEN

Este estudio es una revisión crítica de la literatura cuyo objetivo es analizar la aplicabilidad de la gama de estilos de enseñanza propuesto originalmente por el Muska Mosston en el proceso de inicio de Capoeira para niños de 7 a 10 años de edad. Por lo tanto, tiene por objeto ampliar la base teórica que guía a los profesionales que están por delante de ese proceso. Se constató que los principales estilos de enseñanza - el mando, las tareas, la reciprocidad, individualizado, el descubrimiento guiado y solución de problemas - son aplicables al proceso de enseñanza-aprendizaje de iniciación a la Capoeira y ofrecer elementos coherentes para orientar la práctica de la educación de los docentes que trabajan con esta actividad.

PALABRAS-CLAVE: Capoeira – Estilos de Educación – Infancia

REFERÊNCIAS

FARIA JUNIOR, A. G.; CORREA, E. S.; BRESSLANE, R. S. Prática de ensino em educação física, estágio supervisionado. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.

FREITAS, J. L. Capoeira infantil: a arte de brincar com o próprio corpo. Curitiba: Ed. Gráfica Expoente, 1997.

GABBARD, C; LEBLANC; LOWY, S. Physical education for children: Building the Foundation. Prentice Hall, 1994.

GARN, A.; BYRA, M. The spectrum of teaching styles. Teaching Elementary Physical Education, v.13, n.2, p.8-13, 2002.

HANLON, T. Sport parent. Champaign, IL: Human Kinetics, 1994.

KRUG, D. H. O Spectrum de Estilos de Ensino de Mosston, 1966-1994, uma nova... visão!.1996.65p. Tese de Doutorado, Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, Portugal, 1996.

MEINEL, K.; SCHNABEL, G. Teoria del movimento: motricidad deportiva. Buenos Aires, Argentina: Editora Stadium, 1987.

MOSSTON, M.; ASHWORTH, S. Teaching physical education. New York: Macmillan College Publishing Company, 1994.

MOSSTON, M. La enseñanza de la educacion física. Buenos Aires: Editora Paidós, 1982.

SILVA, G. O. Capoeira do engenho à universidade. São Paulo: O Autor, 1993.

WEINECK, J. Treinamento ideal: instruções técnicas sobre o desempenho fisiológico, incluindo considerações específicas de treinamento infantil e juvenil. São Paulo: Editora Manole, 1999.

Recebido em: 07/12/2008

Revisado em: 11/12/2008

Aprovado em: 16/02/2009

Contato: mnunomur@usp.br.

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