STIGGER, M. P.; GONZÁLEZ, F. J. SILVEIRA, R da (Orgs.). Esporte na cidade: estudos etnográficos sobre sociabilidades esportivas em espaços urbanos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.

Giuliano Gomes de Assis Pimentel*
Luana Gomes de Sousa**

A intervenção da Educação Física nos espaços urbanos requer a compreensão dos significados socioculturais desses fenômenos, o que, por sua vez, exige um método capaz de apreender as práticas corporais como produção e produtoras de sociabilidades.

Frente a essa necessidade debruçamo-nos sobre o livro Esporte na cidade: estudos etnográficos sobre sociabilidades esportivas em espaços urbanos organizado por Marco Paulo Stigger, Fernando Jaime González e Raquel da Silveira. Iniciamos com sinopse de cada um dos onze capítulos que, em sua maioria, são sobre pesquisas na temática do lazer (particularmente o esporte de lazer) por meio de estudos etnográficos, enfocando a questão da sociabilidade em espaços urbanos. Em seqüência, trazemos uma percepção geral dessa obra, que reúne trabalhos integrantes do Grupo de Estudos Socioculturais em Educação Física (Gesef). Por fim, elegemos a problemática da constituição de uma área de estudos na Educação Física, por ora denominada Sociocultural, como discussão de fundo.

Os dois primeiros capítulos tratam da fundamentação sobre categorias importantes para se absorver os demais em suas inter-relações e serão tratados no final. O terceiro capítulo, “A rua e o futebol” de Arlei Sander Damo, diz respeito a uma pesquisa etnográfica envolvendo a Rua Leão XIII e os adolescentes que nela jogam/jogavam futebol. O autor busca compreensões acerca do processo de aquisição das técnicas corporais em espaços não consagrados como a escola, os clubes (no caso, a rua); do gosto (desgosto) pela prática; do tensionamento das questões de gênero; e do imaginário social masculino.

O quarto capítulo, de autoria de Ana Cecília de Carvalho Reckziegel, “Restinga Crew: dança de rua, sociabilidade e lazer”, inicia-se com uma descrição do hip hop como fenômeno cultural, e tem por objetivo, por meio de pesquisa etnográfica, compreender os sentidos dados à prática corporal da dança e a constituição de um grupo tendo como sujeitos os participantes do Restinga Crew, grupo de dança de rua. Com base nos dados de campo recolhidos, a autora procura abordar a dança em sua forma de aprendizado e também como lazer.

No quinto capítulo, “Jogo da bocha: a ‘cachaça’ do seu Inácio”, Raquel da Silveira busca, por meio de dados empíricos, compreender o significado do jogo da bocha para um dos sócios da Sociedade Esportiva Recanto da Alegria (Soeral), seu Inácio. Silveira evoca temas como velhice, relações sociais, amigos e jogo de bocha com o intento de propor relações entre eles.

Luís Eduardo Cunha Thomassim, autor do sexto capítulo, “Imagens das crianças da periferia em projetos sociais esportivos”, inicia o texto com relato de um projeto comunitário, deixando questões sobre a não participação das crianças nas atividades elaboradas pelos acadêmicos. Frente ao exemplo no início do texto, o autor procura, tratando de outro projeto social, compreender a dissonância entre as expectativas das crianças e adolescentes foco do projeto e as dos agentes que o implementam. A isso o autor denomina desencontros culturalmente significativos.

A autora do capítulo “Sociabilidades e gênero: negociações/ imposições no espaço”, Ileana Wenetz, o inicia argumentando sobre a escola ser um espaço cultural. O objetivo apresentado pela autora é identificar e discutir os significados atribuídos às práticas corporais e ocupação dos espaços no recreio com relação ao aprendizado particular de ser masculino e feminino.

O oitavo capítulo, “Esportes individuais e interesses coletivos” de Carlos Fabre Miranda, tem como objetivo a compreensão de possíveis relações entre esportes individuais e coletivos com base na modalidade atletismo. O autor utiliza-se de observações e conversas com treinadores, árbitros, dirigentes e atletas, desenvolvendo uma metodologia por Wacquant denominada “passeios sociológicos” em importantes competições pelo Brasil.

“A sociabilidade e a ludicidade nos jogos esportivos adaptados para idosos” de Eliane Jost Blessmann é o nono capítulo da obra. A autora inicia o capítulo traçando um breve histórico das políticas de atendimento ao idoso, haja vista as mudanças de visão ocorridas paulatinamente quanto a esse grupo, desde a década de 1970 até fins dos anos 90 com a inserção dos idosos no campo esportivo por meio de jogos adaptados. Assim, o objetivo do presente é construir uma reflexão sobre esses jogos adaptados do contexto esportivo, abrangendo essa reflexão aos aspectos lúdicos e a sociabilidade constituídos nas atividades.

Billy Graef Bastos e Fernando Bruno Rieth escreveram o décimo capítulo: “Esporte e estilo de vida: a trajetória social de skatistas”. Nele, tratam de apresentar discussões sobre o universo do skate, trazendo a fundamentação do mesmo enquanto estilo de vida, tendo como sujeitos skatistas patrocinados. Com base em Bordieu, fundamentam que esse estilo de vida caracteriza-se por um conjunto de disposições e capitais, os quais serão fundamentais para a obtenção de patrocínios.

O último capítulo da obra, intitulado “Atividades de aventura e risco: uma corrida no meio natural”, de Raphael Loureiro Borges, tem por objetivo analisar e compreender em um contexto sociocultural as práticas de participantes de corridas de aventura. O texto traz uma descrição das chamadas corridas de aventura, seguido pela busca de algumas compreensões acerca das motivações dessas atividades para os participantes, com destaque para a dimensão do risco, designando-o como “fator R”.

Vale destacar que os capítulos possuem uma coerência interna, discutindo as sociabilidades esportivas a partir de trabalho de campo na linha da etnografia, conforme sustentam os dois primeiros capítulos do livro.

“Sociabilidades e práticas corporais: leitura de uma relação”, de Fernando Jaime González, apresenta o conceito de sociabilidade, com base no sociólogo Georg Simmel. Conceito esse que é explorado a partir de estudos empíricos de outros três capítulos. É importante ressaltar que González critica a forma como alguns autores utilizam-se do conceito como se o mesmo fosse uma categoria auto-explicativa empenhando-se no esforço teórico de demarcá-lo rigorosamente.

Já em “Estudos Etnográficos sobre esporte e lazer: pressupostos teórico-metodológicos e pesquisa de campo”, Marco Paulo Stigger apresenta a opção metodológica escolhida por ele e pelos demais autores da obra. Dialogando com Geertz, o autor fundamenta que o objetivo dessa metodologia pauta-se na busca de uma descrição densa de uma realidade, buscando refutar generalizações e fazer uma análise em profundidade.

Para além de boa literatura e material rico para embasar a intervenção profissional, o livro apresenta uma leitura metodológica para a área sociocultural. Tem-se a defesa do trabalho de campo, devidamente fundamentado, oferecendo material advindo de pesquisas de traçado etnográfico em nove dos onze capítulos. Por outro lado permite pensar sobre as vulnerabilidades das produções distanciadas do face a face com o mundo empírico. Stigger afirma que há autores da educação física brasileira produzindo de forma “ensaística”. Se eles contribuíram para uma emergência intelectual da área, também “levaram a generalizações, a classificações e outras simplificações utilizadas como maneiras de cercar objetos em estudo” (p.31). A partir desse ponto podemos buscar algumas compreensões sobre a obra, do ponto de vista da linha em que esta se insere, a sociocultural.

Embora não haja uma padronização de nomes de áreas de concentração entre os programas de pós-graduação em educação física, o termo sociocultural diz respeito à grande subárea que parte “de aportes teóricos das ciências humanas e sociais” ao passo que a subárea biodinâmica corresponde às ciências naturais e exatas (DAOLIO, 2007, p. 50).

Segundo Go Tani (1996, p. 27), em sua proposta de estruturação acadêmica da Educação Física, os “Estudos Sócio-culturais” consistiriam em uma subárea da Cinesiologia, tendo como objetivo “pesquisas sobre o significado da atividade motora” reunindo “a Sociologia, a História, a Antropologia, a Filosofia, a ética e estética do Movimento Humano/ Esporte”. Para o autor, os estudiosos desse enfoque caracterizavam-se mais como “críticos de arte” (ensaístas) do que verdadeiramente “artistas”, isto é, quem investiga o mundo fenomênico, coletando dele conhecimentos in loco.

Passada mais de uma década dessa instigação, é insofismável o avanço empírico nos estudos socioculturais. Mas a problemática da falta de produção original parece persistir. Podemos até falar, em se tratando dos desdobramentos da relação entre Educação Física e cultura, de duas vertentes de abordagem: a “ensaística” e a, digamos, “empírica”. Em acréscimo, um novo problema se impõe: a premência de se amadurecer o modus operandi etnográfico característico da Educação Física, revelando uma superação da fase de “imitação” para o estabelecimento de um estágio de “diálogo” com as Humanidades.

Importa destacar que os autores de “Esporte na cidade” têm um lugar de enunciação claro sobre o tipo de contribuição mais legítimo ao olhar sociocultural da Educação Física. E é por fornecerem argumentos, fundamentação teórica e diferentes estudos que é possível ao leitor mais que um passeio por diferentes espaços e formas lúdicas de interação entre indivíduos. A obra, indicada para gestores municipais, pesquisadores e neófitos acadêmicos, também permite aprender estratégias e abordagens de pesquisa empírica nos estudos socioculturais.

Portanto, em conclusão, destacamos duas leituras da obra. A primeira traz a compreensão “de dentro” de diferentes dramas cotidianos em relação às sociabilidades esportivas nos múltiplos espaços que a urbe contém. A segunda possibilidade fornece ferramentas teórico-metodológicas para se fazer etnografia focada nas questões socioculturais da Educação Física.

NOTAS

* Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá. Docente no Mestrado e na Graduação. Coordenador do GEL – Grupo de Estudos do Lazer.

** Acadêmica de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá.

REFERÊNCIAS

DAOLIO, J. A ordem e a (des)ordem na educação física brasileira. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 29, n.1, p.49-60, set. 2007.

STIGGER, M. P.; GONZÁLEZ, F. J. SILVEIRA, R da (Orgs.). Esporte na cidade: estudos etnográficos sobre sociabilidades esportivas em espaços urbanos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.

TANI, G. Cinesiologia, educação física e esporte: ordem emanante do caos na estrutura acadêmica. Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996.

Recebido em: 14/10/2008

Revisado em: 22/11/2008

Aprovado em: 01/12/2008

Contato: ggapimentel@uem.br.
gomes.luana13@gmail.com.

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