O MAL-ESTAR NA VELHICE COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL
Flávia da Cruz Santos*
José Geraldo Soares Damico**
RESUMO
O artigo discute o mal-estar do corpo velho na sociedade atual e os esforços empreendidos para rejuvenescê-lo, tendo como referência o que Michel Foucault denomina biopolítica. Baseia-se no entendimento de corpo como construção social, só compreendido no interior da cultura que o produziu, e do culto contemporâneo ao corpo como processo que se desdobra em sucessivas aprendizagens que prometem libertar esse corpo de antigas repressões, ao mesmo tempo em que instituem outras – novas? – coerções.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo Velho – Culto ao Corpo – Biopolítica – Velhice
INTRODUÇÃO
Os discursos da promoção da saúde voltados para a população idosa configuram o que Michel Foucault denominou de biopolítica, pois o poder não age somente sobre os corpos dos indivíduos de forma isolada, mas também sobre o corpo da população a fim de produzir comunidades e populações saudáveis, de acordo com as normas e os procedimentos advindos principalmente da área biomédica.
O mesmo autor destaca, ainda, as questões que colocam as práticas da medicina (e da saúde) em relação direta com a economia e a política. Para o autor, o capitalismo socializou o corpo como força de produção, força de trabalho. O controle social sobre os indivíduos opera sobre o corpo, estando as práticas de saúde inseridas nesse processo de controle e disciplinamento.
Pensar a velhice implica pensar nos corpos que os velhos são e que eles possuem, ao mesmo tempo. O corpo é o primeiro e mais evidente lugar onde se manifesta e se expressa a idade que possuímos. Assim como as fases do curso de vida, o corpo é uma construção social que só pode ser compreendido no interior da cultura que o produz. É sobre ele que a sociedade marca pertencimentos e exclusões, e é nele e com ele que cada um de nós constrói nossa história e nossa identidade.
Neste artigo abordamos o culto contemporâneo ao corpo como processo que se desdobra em sucessivas aprendizagens que prometem libertar esse corpo de antigas repressões, ao mesmo tempo em que instituem outras – novas? – coerções. Um aspecto interessante é o modo como se apresentam as pedagogias que visam educar o corpo contemporâneo, que, diferentemente das estratégias pedagógicas escolares, reúnem uma variedade de recursos tecnológicos e econômicos, buscando atingir, por uma série de mecanismos de sedução e de emoção, o desejo dos indivíduos, inclusive o dos sujeitos velhos/velhas.
INVESTIMENTOS NOS CORPOS VELHOS
Bauman (2003) argumenta que hoje o cuidado com a saúde se transformou em uma guerra permanente contra a doença e que a ideia de doença, antes circunscrita, se tornou confusa e nebulosa. O autor também destaca o fato de que ter saúde está fortemente relacionado com “seguir normas”. Um dos sentidos atribuídos por ele à saúde, dentro dessa sociedade de consumo, é o de um bem a ser adquirido, um padrão a ser alcançado, chamando a atenção para o conceito de aptidão, o qual, na sua visão, possui uma relação com os hábitos e as normas de saúde.
O tema dos corpos velhos e os esforços empreendidos para rejuvenescê-los conectam-se ao conjunto de outras sujeições estabelecidas através de aspectos físicos e corporais, como, por exemplo, as incapacitações físicas dos paraplégicos ou as deficiências auditivas. Entendemos, aqui, o corpo como território privilegiado para a atuação de mecanismos de normalização (SILVA, 1997). Nas palavras de Ewald (1993, p. 108), a norma seria
[u]ma maneira de um grupo se dotar de uma medida comum segundo um rigoroso princípio de auto-referência, sem recurso a nenhuma exterioridade, quer seja a de uma idéia quer a de um objeto. Ela pressupõe arquiteturas, dispositivos, toda uma física do poder graças à qual o grupo poderá tornar-se visível para si mesmo, mas também procedimentos, notações, cálculos, toda uma constituição de saber destinada a produzir em completa positividade o um a partir do múltiplo. O procedimento normativo pode obedecer a diferentes esquemas: esquema panóptico das disciplinas, esquema probabilista das seguranças, esquema comunicacional da norma técnica.
O conceito de norma – segundo Davis apud SILVA, 1997 – nasce ligado ao conceito de média, ou seja, uma articulação entre a estatística e a política, na medida em que uma determinada característica de certa população, como o peso, é dividida pelo número de indivíduos. O resultado médio é estabelecido arbitrariamente como a norma por um matemático chamado Gauss, que, transpondo esse raciocínio para o desenho gráfico, batiza essa formulação como “Curva do sino”.
Outro aspecto relacionado à média é o fato de ela ter-se transformado, na contemporaneidade, em um ideal a ser alcançado. É nessa medida que a esbelteza é um ideal a ser buscado, e o corpo transmuta-se em território de normalização. Bordo (1997, p. 169) afirma “que determinados padrões corporais funcionam como texto ou superfície sobre o qual a cultura é simbolizada e descrita”.
Para Silva (2000), a partir de uma abordagem pós-estruturalista, a cultura define-se como o espaço de lutas em torno de diferentes significados. Esse sentido que a cultura adquire permite as mais diferentes análises dos mais diferentes objetos.
A noção de cultura na qual este texto se fundamenta envolve um redimensionamento do conceito tradicionalmente presente nos estudos das ciências humanas e sociais, que enfatizam a cultura como o conjunto de valores e tradições que é transmitido de geração em geração.
Os cuidados com o corpo, no contexto da chamada nova saúde pública, são permeados por relações de poder exercidas sobre os outros e sobre nós mesmos. Compreendemos essas relações de poder como possíveis estratégias de governo dos corpos, já que estão constantemente envolvidas no exercício de dirigir e regular modos de ser e de agir dos indivíduos e da população.
De acordo com Michel Foucault (2002, p. 146):
O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde, contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor.
O corpo, na medida em que conforma uma aparência, oferece, à primeira vista, o resultado de um processo em que se cruzam fatores sociais profundos, como a origem e a trajetória de classe e suas derivações: a educação recebida, os trabalhos realizados e preferências, as modalidades da atividade física e o cuidado da saúde, entre as múltiplas eventualidades derivadas da posição que ocupa no espectro de diferenciação social.
O cuidado com o corpo na contemporaneidade tem contornos diferenciados do cuidado de si da tradição grega clássica que foi analisado por Michel Foucault, que é situado na direção de uma “arte da existência” e que faz parte de uma cultura de si, a qual, nas palavras do filósofo, atinge a seguinte dimensão:
Ele também tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver: desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constitui assim uma prática social, dando lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber (FOUCAULT, 1985, p. 50).
Quando pensamos em corpos de velhos, pensamos que eles são frágeis, curvos, enrugados, flácidos. E é comum atribuirmos essas e outras características apenas às mudanças biológicas ocorridas durante o processo de envelhecimento, como se elas fossem desvinculadas da cultura. No entanto, pensamos como Daólio quando diz,
Ora, a natureza humana não deve ser pensada somente como biológica, mas também e simultaneamente como natureza cultural. [...] O corpo representa justamente essa indissociabilidade entre natureza e cultura. Se por um lado, existe um patrimônio biológico que torna todos os humanos membros de uma mesma espécie, por outro, há construções corporais diferentes entre as sociedades. Assim, o mesmo corpo que torna os homens iguais, também os torna diferentes, e não há nessa afirmação nenhum paradoxo. A conclusão é que a definição de corpo não depende de suas características biológicas, mas de sua especificidade cultural (DAÓLIO, 2001, p. 31-32).
A velhice é uma construção social, uma produção histórica, assim como os demais tempos da vida, e como tal, seu significado é diferente em cada sociedade e em cada tempo histórico. Em nossa sociedade – ocidental, moderna – vivemos o paradoxo de aspirar uma vida mais longa ao mesmo tempo em que recusamos as marcas do envelhecimento e da velhice, suas fraquezas. Essa questão está presente não apenas no momento atual, mas em toda a história da velhice, não importando o momento histórico em que ela foi abordada (BOIS, 1994; ORDA, 1995, apud ALVES JÚNIOR, 2004).
BIO-PODER, RISCO E ENVELHECIMENTO
Cabe resgatar aqui, quando definimos o corpo individual e coletivo como lócus e efeito dos investimentos do poder, o que Foucault denomina bio-poder. Foucault (1999) assegura que os processos de controle e disciplinamento inicialmente incidiram sobre os corpos individuais e depois sobre os corpos enquanto espécie – as sociedades. Tais processos, na perspectiva do autor, exercem um poder produtivo, referindo-se a um tipo específico de poder: um poder exercido sobre a vida, não para retirá-la, mas sim para geri-la e potencializá-la.
Gastaldo (1997) sustenta que parte do projeto contemporâneo de saúde integra o exercício do bio-poder, porque envolve disciplinamento e aprendizagem de normas de comportamento cujo objetivo é promover um determinado tipo de saúde, definido como a “boa saúde”, para um conjunto de indivíduos que constituem um grupo ou uma população. Isso ocorre por meio de processos educativos diversos que prescrevem ou sugerem a adoção de determinados hábitos, capacidades e comportamentos apresentados como adequados para atingir uma vida saudável.
É possível pensar, deste modo, que as questões que envolvem o corpo adquirem interessantes significados quando se passa a pensar em corpos de sujeitos que envelheceram e estão envelhecendo. Todos os investimentos constantemente realizados para a contenção desse processo, para o seu atraso, retardamento ou controle, indicam que o corpo velho é o elo fraco da corrente no projeto de uma sociedade eternamente jovem.
Sendo o corpo velho uma fraqueza, ele passa a ser marcado pela marginalização, representa o oposto ao ideal corporal do poder, desejado pela sociedade capitalista e vendido pela indústria da beleza. O corpo velho é visto como inadequado e impróprio. Entender essa representação social só é possível através do conhecimento da sociedade e da cultura que a construiu. Como afirma Magnani (2001, p. 18):
o corpo não é apenas um suporte de símbolos, mas ele próprio é uma construção social e só se torna inteligível no imaginário e quadro conceitual de cada cultura em particular.
Se, no nível disciplinar, a norma funciona a partir de um esquema arquitetural de espaços, onde o indivíduo pode fazer um juízo de si próprio, no nível da segurança, a norma vai funcionar como gestora para as populações. Trata-se do acesso à transformação do funcionamento das relações de poder, de uma microfísica do poder para uma dimensão biopolítica:
[...] Através de uma exploração econômica (e talvez ideológica) desde os produtos para bronzear até os filmes pornográficos... Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: “Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!” A cada movimento de um dos dois adversários corresponde o movimento do outro (FOUCAULT, 2002, p. 147).
Nesse fragmento, Michel Foucault indica que vivemos um período de intensificação do olhar e das escolhas que temos sobre nós mesmos, um ocupar-se de si em tempo integral que implica aprender diferentes tecnologias em busca de um ideal estético corporal.
Os problemas de organização e de regulação da sociedade e dos indivíduos, para serem resolvidos, dependem de certa racionalidade de decompor, recompor e ordenar alguns dados de realidade, enfim, uma prática que formaliza o cálculo das probabilidades. O cálculo das probabilidades é a prática fundamental da constituição da segurança social; a sociedade, por intermédio de dados quantificados, analisaria seus problemas em função dos possíveis riscos verificados (EWALD, 1993).
É desse modo que a noção de risco funciona para a noção de segurança como a norma para as disciplinas, sendo o risco constitutivo da segurança.
Isto explica que nunca nos seguramos senão contra riscos e que estes possam ser tão diversos como a morte, um acidente, o granizo, uma doença, um nascimento, o serviço militar, uma falência, os processos... A atividade do segurador não consiste em verificar passivamente a existência de riscos para propor a respectiva garantia (EWALD, 1993, p. 89).
Atualmente, o conceito de risco impõe-se como um componente importante nas mais variadas especialidades científicas. A sua aplicabilidade inicial enquanto racionalidade teve formalizada sua utilização nas ciências econômicas, e seus domínios proliferaram para praticamente todo o tecido social, ou seja, a economia ofereceu um tratamento estatístico para a tomada de decisões e preferências. Para o cálculo do risco, chama a atenção que, em qualquer análise, seja ela econômica, psicológica, antropológica ou sociológica, o desvio sempre tem tendência e estrutura, o que nem sempre garante que o risco possa ser quantificado.
MAL-ESTAR É FICAR VELHO
Há grande dificuldade em nossa sociedade em aceitar a velhice. O uso de eufemismos para designar esse tempo da vida, ou as pessoas que passam por ele, são vários: “terceira idade”, “idosos”, “maturidade”, “melhor idade”. E a tentativa dos que passam por ele de negá-lo também é evidente: “sou velho de espírito jovem”, “sou velha, mas faço tudo que os jovens fazem”, “sou velha, mas não me sinto velha”1. Como se para serem valorizados tivessem que possuir algo de jovem ou dos jovens, sem perceber que as características que eles atribuem à juventude – ânimo, alegria, disposição – podem ser atribuídas a qualquer tempo da vida.
Isso acontece porque vivemos numa sociedade que exacerba a valorização da juventude em detrimento dos demais tempos da vida. Os velhos e as velhas para se sentirem integrados socialmente têm tais comportamentos que a sociedade acaba por naturalizar; não vemos nada de mais nisso, achamos até bom porque isso indica que eles estão bem, saudáveis, longe da morte. Vivemos numa sociedade que ao mesmo tempo em que busca de diversas maneiras prolongar o tempo de vida das pessoas, luta contra a velhice. O que resta, então, aos que passam por ela a não ser negá-la?
Além disso, a velhice é tida atualmente como um problema, pois a sociedade não se vê preparada para receber esse contingente populacional que possui demandas sociais próprias. Dados demográficos mostram que em todo o mundo a proporção de pessoas com 60 anos ou mais está crescendo mais rapidamente que a de qualquer outra faixa etária. Entre 1970 e 2025 espera-se um crescimento de 223%, ou em torno de 694 milhões de pessoas idosas. Em 2025, existirá um total de aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas com mais de 60 anos. Até 2050 haverá dois bilhões, sendo 80% nos países em desenvolvimento (WORLD Health Organization, 2005).
A dimensão social na modernidade “encontra-se centrada na juventude, como mito e como valor que orientam a percepção de mundo e a compreensão possível da vida” (GUSMÃO, 2001, p. 113). Nossa sociedade mitificou e mistificou a juventude, no imaginário social esse é o melhor tempo da vida. Suas características são exemplo e devem ser copiadas pelas demais fases da vida.
É o imperativo do “um para todos” (MUCIDA, 2006, p. 85), do qual o velho representa o desvio, a falha, e é então marcado pela exclusão. Por mais que o mercado ofereça recursos tecnológicos que retardem as marcas do envelhecimento nos corpos não é possível fazer com que elas não se inscrevam, o limite se impõe. O corpo envelhecido já não responde como antes às maquiagens, às próteses, ao ritmo acelerado, por mais que se tente impedir há um limite para o adiamento das marcas da velhice.
Segundo Mucida (2006, p. 14), o novo mal-estar da cultura é “envelhecer em um mundo permeado pelo imperativo do novo”, onde o corpo idoso é o avesso do modelo corporal do poder. Há a desvalorização do saber dos mais velhos em favor do novo, da beleza e da juventude (MUCIDA, 2006, p. 80). O conhecimento e a sabedoria, supostamente vindos da experiência, que já foram traços identificatórios da velhice parecem atualmente já não ser, pois até mesmo a maneira de viver e envelhecer bem, vem de fora pronta e acabada como regra a ser seguida por aqueles que passam por esse tempo da vida.
Isso se deve – dentre outros motivos – ao contexto capitalista no qual vivemos, que possui valores ligados às características dos jovens como rapidez, força, produtividade, padrão corporal. O velho representa uma ameaça à ordem do sistema, posto que não é mais produtivo ao capital e está em descompasso com o imperativo do “tempo é dinheiro”. E por isso ele é relegado, por possuir características muitas vezes opostas às exigidas pelo sistema, que não o permitem mais ser tão apto ao trabalho, como era quando jovem. Para Mucida (2006, p. 80), “nada é mais pernicioso para a velhice do que o discurso capitalista atual”.
Se as instituições prisionais no início do século XIX marcam o nascimento da sociedade disciplinar, com o desenvolvimento da seguridade social em termos gerais no decorrer do século XX, inaugura-se a sociedade seguracional ou sociedade do controle. As duas sociedades colocam em jogo a lógica da norma (EWALD, 1993, p. 95).
Agora, não só as roupas e os acessórios são produtos de consumo, mas o próprio corpo. Foucault já anunciava, em Vigiar e punir, que investir no corpo passou a ser lucrativo. Homens adquirem músculos nas academias, enquanto as mulheres devem perder peso e serem magras. Conforme Nettleton (1997, p. 208),
Hoje a saúde e o cuidado da saúde estão identificados com muito mais do que burocracias hospitalares e médicas; as questões da saúde devem ser encontradas em toda uma disposição de agências, instituições e cenários. A manutenção da saúde envolve o consumo de uma cadeia de bens e serviços cada vez mais comercializada por suas propriedades higiênicas, como alimento, máquinas de exercício e as academias. A saúde é algo que o indivíduo pode controlar. Todos os cidadãos ativos têm o direito e a obrigação de manter, contribuir e garantir sua saúde.
A produção do discurso anti-envelhecimento decorre de uma dinâmica humana que controla, organiza e distribui esses discursos estabelecendo poderes e saberes à medida que aponta alguns perigos. É notório que nem tudo pode ser anunciado e aceito.
Nesse contexto, a chamada indústria da juventude ou do rejuvenescimento oferece diferentes meios para retardar os efeitos do envelhecimento e para camuflar as marcas da velhice deixadas nos corpos. A promessa do mercado é a de que “a velhice pode ser eternamente adiada através da adoção de estilos de vida e formas de consumo adequadas” (DEBERT, 1999, p. 43). Segundo Debert (1999, p. 65), é divulgado pela linguagem pública, “um novo elenco de formas de manutenção corporal, envolvendo comidas saudáveis, vários tipos de ginástica, vitaminas e uma parafernália de remédios também a indicar claramente como ‘os que não se sentem velhos’ devem comportar-se”.
Se já não são mais produtivos ao capital, com o fim do tempo do trabalho, se tornam úteis através do consumo. Serviços e produtos de todos os tipos, específicos para esse grupo etário, são criados, como universidades, grupos de atividade física, turismo, grupos de convivência, cosméticos, cirurgias estéticas, vestuário, maquiagem. São criadas pelo mundo do lucro, muitas vezes, necessidades para esse grupo ao invés de serem satisfeitas as necessidades que ele possui.
É através da imposição de uma forma de envelhecer, que na verdade consiste em tentar não envelhecer, que os idosos são incluídos como consumidores e não como cidadãos, sujeitos de direito.
O que pode fazer furo aos discursos dominantes, o corpo idoso, acaba sendo constrangido e obrigado a se adequar ao status quo da sociedade. Os velhos e velhas se veem reféns dessa situação, pois se não se adequarem através do consumo e da adoção do estilo de vida imposto como o mais adequado e saudável, serão taxados de decadentes e condenados à morte precocemente, sendo responsabilizados por isso, já que não adotaram o estilo de vida adequado para envelhecer bem, com qualidade.
Adequar-se significa, nesse contexto, submeter-se às normas que vêm de fora desses sujeitos, aos papéis previstos e prescritos que não consideram a biografia individual, a diversidade cultural presente na história de vida de cada um.
Não temos ouvido os velhos. O que eles querem, o que desejam? O que precisam? Quais são suas necessidades? Simplesmente achamos conhecer esse tempo da vida e as demandas inerentes a ele, e construímos então, um modo de ser velho que nem sempre atende as necessidades de todos, fazendo-os se sentirem obrigados a se adequar a esse modo de vida para não serem marginalizados pela sociedade, e acabam sendo excluídos, oprimidos por ela.
Pensamos como Gusmão (2001, p. 119) quando diz: os “velhos podem submeter-se às regras, para serem aceitos socialmente, ou a elas reagir, num processo de contestação, rebeldia e iniciativa que possibilita outras aberturas e novas realidades”.
Negar o corpo velho é negar a história desses sujeitos e a história da própria sociedade. Acreditamos que o desafio é entender que não existe um modo único de viver a velhice, um corpo velho único. E que o velho é o protagonista de sua própria vida, de sua história, têm direito de escolher o que quer fazer, e como quer fazer sem ser oprimido ou obrigado a fazer o que não quer para não ser marginalizado. Eles têm direito de escolha, de construir sua própria vida e contribuir para a construção de uma outra sociedade.
NOTAS
* Licenciada e Bacharel em Educação Física pela Universidade Federal de Minas Gerais.
** Mestre em Educação e professor de Educação Física da Universidade Luterana do Brasil.
1 Falas de velhos e velhas entrevistados em 2006 para a realização de monografia de conclusão de curso.
THE INCONVENIENCE OF OLD AGE AS A SOCIAL CONSTRUCTION
ABSTRACT
This article discusses the current inconvenience of the aging body in our society and the efforts made to rejuvenate it, using Michel Foucault’s concept of biopolitics as a reference. This study is based on the understanding of the body as a social construction which can only be understood inside the culture which has produced it, and the contemporary cult of the body as a process that unfolds in successive learning experiences which promise to liberate this body from old forms of repression while creating other forms of coercion at the same time.
KEYWORDS: Aging body – Cult of the Body – Biopolitics – Old Age
EL MALESTAR EN LA VEJEZ COMO CONSTRUCCIÓN SOCIAL: EL VIEJO CUERPO
Resumen
El artículo discute el malestar del cuerpo viejo en la sociedad actual y los esfuerzos para rejuvenescerlos, teniendo como referencia lo que Michel Foucault llamó la bio-política. Se basa en la comprensión del cuerpo como una construcción social que sólo pueden entenderse dentro de la cultura que proceden, y del culto contemporáneo al cuerpo como un proceso que se desarrolla en sucesivos aprendizajes que prometen libertar ese cuerpo de la vieja represión, al mismo tiempo en que instituyen otras - nuevas? - las coacciones.
Palabras-clave: Viejo Cuerpo – Culto del Cuerpo – Bio-política – Vejez
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Recebido em: 26/07/2008
Aprovado em: 17/12/2008