OS PROJETOS DE ENSINO E A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL*
AMANDA FONSECA SOARES **
RESUMO
Este artigo discute a presença da Educação Física na educação infantil, analisando as concepções de infância, educação infantil e Educação Física e como estas influenciam a construção das propostas pedagógicas e as intervenções educativas na escola. Mais especificamente, o objeto de discussão deste texto são os projetos de ensino. Atualmente, no âmbito dos debates sobre organização curricular, a Pedagogia de Projetos tem se mostrado como uma alternativa de trabalho que permite a construção do conhecimento em sua totalidade. Mas como isso acontece? Ainda se faz necessária a discussão sobre o que é Pedagogia de Projetos, como esta vem sendo trabalhada na educação infantil e também como a Educação Física pode ser construída dentro dessa proposta. Este texto se compromete a realizar algumas indicações, possíveis caminhos em busca de uma legítima presença da Educação Física na educação infantil.
PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia de Projetos - Educação Física - Educação infantil.
INTRODUÇÃO
Ao longo do curso de graduação dedicamos nossos estudos ao entendimento da presença da Educação Física na educação infantil. Influenciados pela participação em um projeto de extensão universitária que discutia a intervenção e formação de professores de Educação Física no trabalho com crianças de zero a seis anos, interessamo-nos pelas discussões acerca da construção de uma proposta pedagógica para a disciplina nessa etapa da educação básica.
O desafio de construir uma proposta curricular para a Educação Física na educação infantil já está posto desde 1996, quando a lei propõe a disciplina como componente curricular na educação básica. No entanto, a LDB afirma que a presença dessa área de conhecimento deverá estar integrada à proposta pedagógica da escola, provocando uma flexibilidade nas ações, o que torna ainda mais necessário a discussão e sistematização de princípios que fundamentem sua presença na educação infantil. Sendo assim, a análise das concepções de infância e educação infantil e a problematização das relações entre essas concepções e as propostas e ações pedagógicas são o ponto de partida para pensarmos a inserção da Educação Física no contexto da escola de educação infantil.
Mas que escola é essa? Será que podemos falar de uma única escola? Na verdade, falamos de escolas, e em cada uma delas existem diferentes sujeitos: alunos, professores, pais, funcionários, que carregam diferentes histórias e que estabelecem diferentes relações em um tempo e espaço específicos. Na medida em que dialogam com o contexto sociocultural, esses sujeitos envolvidos na construção do conhecimento influenciam e também são influenciados no desenvolvimento das propostas e ações pedagógicas da escola.
Então, quais são as concepções de infância, educação infantil e Educação Física capazes de identificar essa pluralidade? Que propostas e ações pedagógicas poderão confirmar as concepções defendidas? Que propostas e ações pedagógicas têm demonstrado e compartilhado a idéia de construção do conhecimento em que exista a participação dos diferentes sujeitos envolvidos na vida da escola?
Os estudos, os debates e as discussões já realizadas nos levam para algumas constatações. A principal delas é a de que a visão que temos hoje de infância, educação infantil e Educação Física é o resultado de uma construção histórica, permeada por conflitos, por embate de opiniões, uma negociação constante de argumentos e fundamentações.
Partimos do entendimento de que a consolidação da presença da Educação Física na educação de crianças de zero a seis anos começa na compreensão desta última como tempo e espaço de aces-so ao conhecimento em suas muitas dimensões e, conseqüentemente, de construção de saberes. Pensar o conhecimento em suas muitas dimensões não é pensar num corpo de disciplinas e simplesmente introduzi-las em um currículo. A Educação Física deve estar integrada à proposta pedagógica da escola, considerando a criança em sua totalidade. Atualmente, no âmbito dos debates sobre organização curricular, a Pedagogia de Projetos tem se mostrado como uma alternativa de trabalho que permite essa totalidade. É essa perspectiva que apontamos como possibilidade.
Mas o que é a Pedagogia de Projetos? Quais são os seus pressupostos teóricos? A educação infantil tem sido pensada e trabalhada nessa perspectiva? A Educação Física como componente curricular da educação infantil vem sendo ministrada por projetos? Esta é uma opção que qualifica o trabalho pedagógico?
Procurando responder a essas perguntas, realizamos, em um primeiro momento, uma discussão sobre a Pedagogia de Projetos. Em um segundo momento, buscamos a compreensão da Educação Física como componente curricular da educação infantil e a importância de sua presença dentro da escola. Qual é essa presença? O que a Educação Física tem a ensinar? Como ensinar? Essa disciplina também deve ser trabalhada por projetos? Em um terceiro momento, explicitaremos a construção e os resultados deste estudo, que se configurou como um processo rico de investigação, intervenção e conhecimento, propondo-se a diagnosticar e analisar a presença da Educação Física em uma escola de educação infantil.
A PEDAGOGIA DE PROJETOS
Muito se tem discutido sobre o trabalho por projetos como uma alternativa de conduzir a educação de forma interdisciplinar, globalizante, contextualizada, organizada com base em problemas reais dos alunos, da escola, da comunidade. No entanto, muitas dúvidas ainda estão presentes quando falamos desse tema que se popularizou como “Pedagogia de Projetos”. Será esse um método ou uma concepção de ensino? Seria algo absolutamente inovador das práticas pedagógicas?
Segundo Ana Lúcia Amaral (2000), o Método de Projetos foi criado por John Dewey e seu discípulo William Kilpatrick e aportou no Brasil no bojo do movimento Escola Nova, que se contrapunha aos princípios e métodos da escola tradicional. Hoje em dia, segundo a autora, esse movimento foi reinterpretado, fornecendo subsídios para uma pedagogia dinâmica, centrada na criatividade e atividade discentes, numa perspectiva de construção do conhecimento pelos alunos, mais do que na transmissão deste pelo professor. Então, o Método de Projetos de Dewey e Kilpatrick, considerado como um método, passa a ser visto mais como uma postura pedagógica, uma mudança na maneira de pensar e repensar a escola, o currículo e a prática escolar.
Mais recentemente, no contexto das reflexões pedagógicas dos últimos dez anos, outras discussões têm sido realizadas a respeito da Pedagogia de Projetos. Fernando Hernández (1998, p. 27) vem discutindo o tema e define os projetos de trabalho não como uma metodologia, mas como uma “concepção de ensino, uma maneira diferente de suscitar a compreensão dos alunos sobre os conhecimentos que circulam fora da escola e de ajudá-los a construir sua própria identidade”. Para o autor, os projetos de trabalho são formas de organizar os processos de ensino–aprendizagem, repensando o papel e a função da educação escolar. No entanto, ele afirma que não podemos atribuir aos projetos de trabalho a responsabilidade de ser a solução para todos os problemas da instituição escolar e, muito menos, para tudo o que a sociedade deposita na escola, mas que não enfrenta fora da mesma (desigualdades, racismo, discriminação...). Os projetos de trabalho podem representar, no en-tanto, uma possibilidade de repensar os tempos e espaços escolares e a organização do currículo por disciplinas. Além disso, pensar a construção do conhecimento de forma global é pensá-lo integrado à vida dos alunos, acompanhando as mudanças que ocorrem dentro e fora da escola.
Como, então, relacionar conhecimento escolar, projetos de trabalho e disciplinas acadêmicas? Segundo Lúcia Helena Alvarez Leite (1994), há uma tendência no pensamento pedagógico em colocar como questões opostas a participação dos alunos e a apropriação de conteúdos disciplinares. No entanto, tal oposição não tem sentido, pois os conteúdos escolares não surgem do acaso; eles são fruto da interação dos grupos sociais com sua realidade cultural.
Sendo assim, os Projetos de Trabalho são a possibilidade de resolver questões relevantes para o grupo; o aluno irá se defrontar com os conteúdos das diversas disciplinas e poderá compreender sua realidade e nela intervir. Os conteúdos deixam de ter um fim em si mesmos e passam a ser meios para ampliar a formação dos alunos e sua interação na realidade de forma crítica e dinâmica.
A idéia do trabalho por projetos se constrói a partir de uma concepção de infância e educação infantil que valoriza o sujeito e o seu processo de formação humana. Assim, partilhando do que nos disse Sônia Kramer (1998), devemos procurar na educação infantil o fortalecimento da visão das crianças como criadoras de cultura, valorizando o saber que elas trazem (que é aprendido no seu meio sociocultural de origem) e possibilitando o aprendizado e a construção de novos conhecimentos relativos ao mundo físico e social. Essa construção se dá a partir de atividades significativas, envolvendo adultos e crianças em experiências com as mais diversas instâncias da cultura e nos mais diferentes espaços de socialização.
Assim, a educação infantil é entendida como tempo e espaço em que a criança poderá ter acesso a conhecimentos formados historicamente, a elementos da cultura universal, ao mesmo tempo em que participará como sujeito sócio-histórico, produtor dessa cultura. Através de sua interação com o outro, seja ele o professor ou o colega, a criança irá descobrir-se, descobrir o outro, descobrir o mundo, experimentando, ressignificando a todo momento sua compreensão e intervenção nesse mundo. Quando compreendemos a educação infantil dessa forma, estamos compreendendo a Educação Física como uma das possibilidades nessa construção dos saberes e, conseqüentemente, como componente curricular na educação infantil. O desafio que se coloca, então, é o de elaborar para essa fase uma proposta pedagógica, um currículo de Educação Física que seja coerente com a concepção de infância e educação infantil centrada na formação humana plural, na criança em sua totalidade.
Segundo Barbosa e Horn (1998), dentro de uma perspectiva de trabalhar a organização da ação educativa na escola de educação infantil, o planejamento baseado nos projetos de trabalho emerge como uma possibilidade de enfocar diferentes áreas do conhecimento, bem como a execução de tarefas reais, inseridas na vida cotidiana das crianças, e os temas concretos.
Portanto, se pensarmos a Educação Física como uma dessas áreas de conhecimento a ser trabalhadas na educação infantil, também iremos concordar que esta deve ser desenvolvida a partir de projetos de trabalho. Mas o que significa dizer que a Educação Física é um componente curricular da educação infantil? Qual é a sua contribuição como área de conhecimento nessa etapa da educação básica? Como, então, ensiná-la? Está posto o desafio de responder a essas perguntas.
A EDUCAÇÃO FÍSICA COMO COMPONENTE CURRICULAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
A LDB atual estabelece a Educação Física como componente curricular da educação básica, que engloba os ensinos fundamental e médio e também a educação infantil.
Mas o que é currículo, proposta curricular? Segundo Tisuko Morchida Kishimoto1 (1996), a palavra currículo é derivada do termo latim currus, que significa carro, carruagem, lugar onde se cor-re, e seu uso metafórico em educação seria um caminho, uma direção que orientaria o percurso para atingir certas finalidades. Não estabelecemos diferença conceitual entre proposta pedagógica e currículo, por compreendermos este último de forma ampla, dinâmica e flexível. Concordamos com Sônia Kramer1 (1996) quando diz que um currículo ou proposta pedagógica reúne tanto as bases teóricas quanto as diretrizes práticas nelas fundamentadas e os aspectos de natureza técnica que viabilizam sua concretização. O currículo é um caminho nascido de uma realidade que pergunta e é também busca de uma resposta. É um diálogo ‘situado’, pois toda proposta traz consigo o lugar de onde fala, a gama de valores que a constitui, as dificuldades que enfrenta, os problemas que precisam ser superados e a direção que a orienta. Sendo assim, não existe uma resposta pronta e acabada para um currículo; ele é um caminho a ser construído. Reconhecemos essa característica e consideramos também impossível definir o que ensinar sem a clareza do porquê, para quem, por quem, como e onde. Isso engloba uma série de hipóteses e pontos de partida, um conjunto de princípios e ações.
Quando falamos da educação infantil e da Educação Física nesse contexto, estamos falando de um lugar específico, isto é, da escola. Falamos de escolas, cada uma delas com valores, concepções, dificuldades, problemas que lhes são próprios, considerando todo seu contexto sociocultural. Toda proposta curricular estará sempre associada à orientação política, ideológica e metodológica das pessoas que participam da sua formulação, ou seja, nenhuma proposta jamais será neutra. Portanto, pensar uma proposta pedagógica para a Educação Física na educação infantil é pensar uma determinada instituição com características peculiares e que dialoga com concepções, propostas e ações pedagógicas influentes na disciplina e ao mesmo tempo influenciadas por ela. Assim, construímos princípios e ações tendo em vista o desenvolvimento de uma proposta curricular que amplie as perspectivas da educação infantil e de seus valores educativos e sociais.
Atualmente, coexistem na área da Educação Física várias concepções, todas elas tendo em comum a tentativa de romper com o modelo mecanicista, tecnicista, fruto de uma etapa recente da disciplina que durou até o final da década de 1970.2
Em seu texto “Educação Física: conhecimento e especificidade”, Valter Bracht (1997) se pergunta: qual seria o objeto da Educação Física? O autor explicita três possibilidades: a) atividade física esportiva; b) movimento humano; c) cultura corporal de movimento. Bracht defende ao longo do texto a terceira colocação. Mas por quê? Segundo ele, a primeira propõe o desenvolvimento de aptidões físicas, tendo como matriz as ciências biológicas, sem considerar a influência histórica e social. A Educação Física não pode se reduzir a esses saberes apenas ligados à aptidão física e ao seu desenvolvimento. A existência de uma espécie de monocultura do esporte toma conta de muitas escolas, limitando essa prática à simples reprodução de gestos técnicos que visam o desenvolvimento de habilidades. A segunda possibilidade passa a considerar o movimento humano como objeto graças à absorção do discurso da aprendizagem motora, do desenvolvimento motor e da psicomotricidade. Destaca-se, a partir dessa perspectiva, a importância do movimento para o desenvolvimento integral da criança, e esse é o papel atribuído à Educação Física. Esse discurso possui a definição clássica de que a disciplina é a educação do e pelo movimento. Fala-se de repercussões do movimento sobre a cognição e a afetividade, demonstrando a existência de um caráter compensatório: a Educação Física como possibilidade de ajudar no desenvolvimento de outras disciplinas na escola. Traz uma idéia de fragmentação do conhecimento e de dualidade humana (corpo e mente). Também desconsidera, conseqüentemente, os aspectos históricos e sociais. A partir da problematização desses dois primeiros objetos é que surge uma nova perspectiva para a Educação Física, que seria a cultura corporal de movimento. O primeiro livro a trazer essa idéia foi o Metodologia do ensino da Educação Física (Coletivo de Autores, 1992). Nessa perspectiva, o movimentar-se é entendido como uma forma de comunicação com o mundo, como uma forma de linguagem. Segundo Bracht, o que qualifica o movimento como humano é o sentido/significado do mover-se, e esse sentido/significado é mediado simbolicamente no plano da cultura. Portanto, considerar a cultura corporal de movimento como objeto da Educação Física é permitir à criança o acesso a saberes organizados historicamente e asseguradores da especificidade pedagógica da disciplina, levando em conta, fundamentalmente, os sentidos e os significados que os movimentos terão para os sujeitos.
Assim, concordando com Jocimar Daolio (1995), acreditamos que a Educação Física deverá abarcar todas as formas da chamada cultura corporal – jogos e brincadeiras, esporte, dança, ginástica e lutas – e, ao mesmo tempo, abranger todos os alunos. Obviamente, seu objetivo não será a aptidão física dos alunos, nem a busca de um melhor rendimento esportivo. Os elementos da cultura corporal serão tratados como conhecimentos a serem sistematizados e reconstruídos pelos alunos.
Particularmente sobre a presença da Educação Física na educação infantil, algumas tendências têm sido criticadas e questionadas por desconsiderarem, no âmbito da especificidade de sua prática pedagógica, a criança como sujeito sócio-histórico (Grupo de Estudos Ampliados de Educação Física,1996).
A psicomotricidade vem sendo censurada por apresentar características que pressupõem uma homogeneização dos indivíduos, com padrões de movimentos genéricos e universais, desprezando as experiências sociais. O movimento é muitas vezes um recurso terapêutico ou instrumento para resolver os problemas afetivos/ cognitivos. O desenvolvimento e a aprendizagem motora também partem de um padrão ideal de criança para estabelecer fases do desenvolvimento motor e consideram o ser humano como um grande processador de respostas. A recreação é uma outra tendência criticada por apresentar-se como uma ocupação do tempo e do espaço na escola. Não há o comprometimento com a sistematização e ampliação do conhecimento; assim, o tempo escolar da Educação Física é considerado como compensatório (Grupo de Estudos..., 1996).
Sendo a Educação Física uma área de conhecimento escolar, ela possui saberes que vêm sendo construídos historicamente e que conferem significado ao movimento. Consideramos que as práticas da cultura corporal de movimento são, também na educação infantil, a especificidade pedagógica e a contribuição da Educação Física como área do conhecimento escolar. A dança, os jogos e as brincadeiras, os esportes, a ginástica, as lutas e a capoeira, como fenômenos da cultura corporal de movimento, são um conjunto de saberes da humanidade ao longo da história. A intencionalidade daqueles que os realizam é que atribui significado ao movimento. A Educação Física na educação infantil possibilita à criança a descoberta, o conhecimento e a vivência desta forma de expressão e linguagem:
o movimentar-se. Portanto, a disciplina contribui na formação humana integral e plena da criança por meio de seus conteúdos específicos. Vale lembrar que pensar a infância como tempo de direitos significa reconhecer que a criança tem o direito às vivências, às experiências e ao conhecimento em suas muitas dimensões.
Como, então, ensinar esses conteúdos específicos da Educação Física levando em consideração uma concepção de educação infantil que valoriza a totalidade, a formação plena das crianças? Falar em totalidade e ao mesmo tempo colocar a especificidade da contribuição dessa disciplina pode parecer um pouco contraditório. Não estaríamos tentando delimitar nossas responsabilidades nesse processo de formação e, conseqüentemente, “lavando as mãos” se por eventualidade os outros saberes, conteúdos, conhecimentos não fossem especialmente experimentados e assimilados pelas crianças no processo? O que seria, então, construir uma concepção globalizante em que fosse possível experimentar e chegar ao conhecimento de forma ampla, valorizando suas muitas dimensões?
A Pedagogia de Projetos tem sido uma proposta muito discutida justamente por tentar responder a essas perguntas em busca de uma concepção e uma prática que considerem o processo de ensino–aprendizagem como único, não fragmentado. Mas, qual é a avaliação que temos disso? Como os professores da educação infantil entendem a Pedagogia de Projetos? Como eles trabalham por projetos? A Educação Física é trabalhada também na perspectiva da Pedagogia de Projetos? Como isso acontece?
Ao avaliar como a Escola Plural3 vem lidando com os projetos de trabalho, Amaral (2000) constatou que estes não foram bem entendidos e deram origem a alguns preconceitos quanto à proposta que se colocava. Esta, ao enfatizar a necessidade do trabalho coletivo, interdisciplinar e a captação da realidade em sua totalidade, não quis diminuir a importância dos conteúdos. No entanto, foi a interpretação que muitos professores fizeram da proposta. Quem se preocupava com os conteúdos era pejorativamente chamado de “conteudista”. A percepção dos pesquisadores é a de que existe uma crença internalizada segundo a qual a opção pelos conteúdos seria uma traição à proposta plural, o que configura-se como um entendimento equivocado da proposta de trabalho por projetos. Essa constatação parece ter sido feita apenas com professores do ensino fundamental. E na educação infantil, como os professores entendem a Pedagogia de Projetos? Eles trabalham por projetos? A autora afirma que nas séries iniciais do ensino fundamental é mais fácil de se concretizar a concepção globalizante proposta por Hernández (1998), já que o aprofundamento disciplinar não se faz necessário e a própria formação dos professores é polivalente, permitindo a compreensão de um trabalho mais global. Se partirmos dessa compreensão podemos supor, então, que na educação infantil a proposta do trabalho por projetos seria mais facilmente concretizada. Será esta uma realidade?
Também nessa avaliação dos projetos de trabalho na Escola Plural, observou-se uma distância entre o discurso e a prática efetiva da Pedagogia de Projetos, já que alguns professores entrevistados afirmavam trabalhar com projetos, ao passo que nos registros oficiais das escolas e nos diários só eram encontrados temas e assuntos em evidência: dengue, vacinação, violência, copa do mundo etc. Percebe-se um distanciamento da Pedagogia de Projetos e também um entendimento superficial do que seja ela.
Hernández (1998, p. 28) já destacava o perigo de se transformar o trabalho por projetos num “modismo”. Segundo ele isso ocorre quando os projetos de trabalho ficam reduzidos a uma fórmula didática baseada em uma série de passos: levantamento do tema, perguntar o que os alunos sabem e o que querem saber, fazer o índice, trazer diferentes fontes de informação e copiar o referido aos pontos do índice.
Será que nas escolas de educação infantil a Pedagogia de Projetos também vem se transformando em um modismo?
A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
A busca por tantas respostas levou-nos a um processo de investigação em uma escola de educação infantil – o Centro de Desenvolvimento da Criança, Creche UFMG – onde acontecia um projeto de extensão universitária no qual participavámos como professora de Educação Física. Nossa inserção nesse projeto foi em outubro de 1999, época em que os monitores acompanhavam o trabalho pedagógico da professora da turma como observadores e às vezes intervinham realizando algumas atividades. No entanto, não existia um tempo e um espaço especificamente delimitado para a Educação Física. Portanto, em um primeiro momento, observamos o trabalho pedagógico em algumas turmas, discutindo sobre as intervenções feitas pela professora. Eram realizadas reuniões periódicas com os coordenadores do projeto, em que também participavam as coordenadoras e diretora da escola.
Em uma dessas reuniões foi sugerido que a Educação Física tivesse um tempo previamente demarcado, que se configurasse e se delimitasse como a aula de Educação Física. As turmas do maternal (três anos) e as do primeiro, segundo e terceiro períodos (quatro a seis anos) teriam aula uma vez por semana. Essa aula seria de quarenta minutos e desenvolvida por uma dupla4 de monitores/professores do projeto.
Inicialmente, realizávamos atividades diversificadas, possibilitando às crianças a vivência de vários jogos e brincadeiras da cultura popular. No entanto, isso começou a causar um certo incômodo e angústia. Perguntávamos se nossas aulas não estariam servindo apenas para matar o tempo, ou como válvula de escape das atividades da sala de aula. Nosso objetivo era apenas divertir, alegrar, entusiasmar as crianças com brincadeiras legais? O que tínhamos a ensinar? Qual era a importância da aula de Educação Física para aquelas crianças? Será que o fato de ter um tempo e um espaço próprio dentro da escola nos fazia ficar deslocados dos outros tempos e espaços escolares? O que fazer para que o conhecimento específico da Educação Física ganhasse sua importância juntamente com os outros conhecimentos e saberes escolares?
Muitas discussões aconteceram e foi apontada como alternativa a realização de projetos de trabalho na Educação Física. Estes seriam desenvolvidos com base nos projetos realizados em cada turma. O Centro de Desenvolvimento da Criança é uma escola que trabalha na perspectiva da Pedagogia de Projetos e por isso todas as professoras desenvolvem projetos com suas respectivas turmas. A Educação Física tentaria, então, se integrar a estes, sem deixar de lado, no entanto, sua especificidade de contribuição na construção do conhecimento.
A idéia de realizar projetos de trabalho pressupunha uma construção coletiva da prática pedagógica, e isso demandava a participação dos professores, dos pais, da coordenação e direção da escola, o que configurou um grande desafio. Na maioria das vezes, ha-via uma resistência das professoras e dos pais, ligada a uma concepção restrita de Educação Física em que esta era considerada sinônimo de atividade física ou esporte. Quantas vezes escutamos comentários do tipo: “meu filho é tão pequeno para já estar fazendo ginástica!”, “vocês não acham que eles ainda são muito novos para já estarem fazendo Educação Física?” Quando os pais levantavam esses questionamentos, eles se remetiam às aulas de Educação Física que tiveram na escola – aulas que, muitas vezes, privilegiavam os mais aptos à prática de determinadas modalidades esportivas, configurando-se como uma verdadeira tortura para aqueles que não se sentiam tão habilidosos. É evidente que nenhum pai quer para o seu filho o mesmo sofrimento e constrangimento vividos por ele. Muitas professoras também não olhavam com bons olhos a presença da Educação Física na creche, pois, como alguns pais, tinham uma referência desta como prática excludente, restrita aos esportes. Era necessário, portanto, buscar a ampliação dessa concepção junto aos diferentes sujeitos sociais envolvidos na construção de nossa proposta pedagógica: pais, professoras, coordenadoras e diretora.
Foi realizada uma reunião com os pais, professoras e coordenadoras das crianças que teriam aulas de Educação Física. Nessa reunião expusemos nossos objetivos e nossas concepções a respeito de infância, educação infantil, Educação Física e da construção do conhecimento. Foi nítida a sensação de alívio por parte de al-guns pais. No entanto, a concretização do trabalho e das nossas idéias só viria depois, em nossas ações pedagógicas, em nossas aulas.
O pressuposto de nosso trabalho e de nossa intervenção pedagógica era uma concepção de Educação Física como área de conhecimento, com todas as suas especificidades de contribuição na construção dos saberes escolares. Vale dizer, então, que a disciplina tem importância em si mesma; não é condicionada/subjugada ao aprendizado de outras áreas. No entanto, em determinadas circunstâncias, algumas professoras justificavam a importância da presença da Educação Física na creche baseando-se nos pressupostos da psicomotricidade e do desenvolvimento motor. Assim, nossas aulas seriam uma forma de treinar e desenvolver habilidades motoras que iriam ajudar nas outras atividades tidas como cognitivas e corrigir os possíveis defeitos motores. Essa justificativa parecia agradar os pais, mas colocava a Educação Física em segundo plano, isto é, parecia haver uma hierarquia de importância entre as diferentes áreas de conhecimento. Portanto, o desafio de construir nossa proposta perpassava pela ampliação da concepção de Educação Física, e isso demandava também a discussão do significado de infância, de criança e de educação infantil que iríamos defender.
Tendo em vista a defesa da educação infantil como tempo e espaço em que a criança terá acesso ao conhecimento em suas muitas dimensões, participando como sujeito sócio-histórico produtor de cultura, elaboramos princípios que serviriam de base em nossas ações pedagógicas. São eles: “O brincar – É compreendido como uma forma de linguagem que permite à criança conhecer o mundo, os objetos, a cultura. Ao brincar ela expressa o mundo à sua maneira, construindo conhecimentos sobre ele e sobre si mesma. A construção de sua autonomia, criatividade, criticidade parte dessa possibilidade de interpretação, representação, reinterpretação e significação da realidade proporcionadas pela vivência lúdica.
Como ressalta Debortoli (1999), expressar plenamente significa buscar a linguagem em sua plena forma emancipadora, tornando fundamental a descoberta de modos de expressão que vão além do recurso da palavra. A ludicidade é uma dessas dimensões da linguagem. Sendo assim, independentemente do conteúdo a ser trabalhado em nossas aulas, tínhamos sempre a brincadeira como princípio norteador por acreditarmos que assim favorecíamos a expressão plena da criança e conseqüentemente a descoberta e a construção dos saberes específicos da Educação Física.
“ O movimento como linguagem – Consideramos o movimento como uma forma de linguagem e procuramos privilegiar a construção da autonomia. Isso significa dizer que nossa intenção não era ensinar movimentos prontos, acabados, e sim criar possibilidades para a produção de movimentos ricos em sentidos e significados para as crianças. Dessa forma, o movimento é muito mais do que uma técnica padronizada. Daolio (1997) explicita isso muito bem, dizendo que, por exemplo, um movimento de dança em dupla nada mais é do que uma relação entre o indivíduo, o colega e o ritmo da música. Não se trata de ensinar a técnica tida como correta, mas de propiciar aos alunos o desenvolvimento de uma série de relações com o espaço, com os objetos, com o colega, com o grupo, com o professor, com o ritmo, sendo essas relações justificadas na descoberta do movimento. Assim, este será reconstruído pelas crianças, tornando-se, portanto, mais significativo para elas. Isso não descarta a importância da intencionalidade do professor de Educação Física, muito pelo contrário. Proporcionar às crianças a descoberta dos movimentos e sua ressignificação pressupõe que o professor considere os conteúdos e tenha clareza de como fazer com que estes sejam apropriados e reconstruídos por elas.
A eleição dos conteúdos a ser trabalhados irá depender essencialmente do grupo. Este, como já esclarecemos, está imerso em uma cultura, influenciando-a ao mesmo tempo em que é influenciado por ela. Mas o que é imprescindível compreender é que o professor, além de oferecer ao aluno várias experiências de movimentos, deverá possibilitar a significação dos mesmos. Asssim ele favorecerá sua autonomia e garantirá uma formação humana que valoriza o indivíduo em sua totalidade, colocando o movimento como uma dimensão da linguagem.
“• O afeto – Este se tornou um de nossos princípios por acreditarmos que a infância tem como peculiaridade o “diálogo tônico”. Essa expressão é utilizada por Wallon e significa uma forma da linguagem, uma “conversa” a partir de toques, carícias, contatos visuais e voz: melodia, ritmo, altura e modulação (Grupo de Estudos..., 1996). Percebemos que o afeto traduzido nessa “conversa” nos aproxima das crianças, estabelecendo um vínculo que nos per-mite uma prática pedagógica mais significativa.
Segundo Isabel Galvão (1999), Wallon vê o desenvolvimento da criança como uma construção alternadamente afetiva e cognitiva. Ele afirma que, antes de agir diretamente sobre o meio físico, o movimento atua sobre o meio humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo, por meio da emoção. Os movimentos na infância expressam, então, desejos e percepção dos estímulos exteriores, e se tornam a principal forma que a criança possui de expressão do pensamento. Segundo Wallon, a afetividade ganha contornos diferentes em cada fase do desenvolvimento. Na primeira fase (primeiro ano de vida), por exemplo, existe uma afetividade impulsiva, emocional, que se nutre pelo olhar, pelo contato físico e se expressa em gestos, mímica e postura. Já na fase do personalismo (três a seis anos), a afetividade é diferente: ela incorpora recursos intelectuais (notadamente a linguagem verbal) desenvolvidos ao longo do estágio anterior (sensório-motor e projetivo – até três anos). Nesse período a afetividade é simbólica, traduzida em palavras e idéias. A troca afetiva pode se dar à distância, deixando de ser indispensável a presença física das pessoas. Em seguida, no estágio categorial (por volta dos seis anos), a afetividade se torna, segundo Wallon, cada vez mais racionalizada. No entanto, em todas as fases do desenvolvimento mencionadas, o afeto é sempre um fator essencial para a interação da criança com o ambiente e, conseqüentemente, para a construção do conhecimento.
“• A solidariedade e a cooperação – Nesse princípio, as re-gras são sempre construídas coletivamente, e o professor procura intervir privilegiando valores como solidariedade e cooperação em detrimento de outros valores excludentes presentes na competição. Mas por que privilegiar esses valores e não os outros? Compreendemos que todas as crianças têm o direito de vivenciar a Educação Física. Procuramos superar a prática da competição quando esta representar a comparação com o outro e a exclusão da participação de algum aluno, o que estaria contradizendo o pressuposto básico de incluir todos em nossas aulas. No entanto, a competição também pode significar a comparação que a criança faz consigo mesma, avaliando o seu progresso em atividades realizadas ou até mesmo o progresso de toda a turma em conjunto. Quando isso acontece, cada um tenta realizar o melhor de si em favor do seu desenvolvimento, mas também preocupa-se com o bom desempenho do outro. Privilegiar os princípios de solidariedade e cooperação significa estar atento aos aspectos discriminatórios e excludentes que poderão ocorrer em atividades competitivas.
“• Os projetos e temas – Buscando para o nosso trabalho uma organização que valorizasse todas as concepções anteriormente expostas, encontramos na perspectiva do trabalho por projetos a possibilidade de diálogo com todos os sujeitos envolvidos no processo: professores, coordenadores, funcionários, pais e crianças. Assim, a apropriação, a aprendizagem, a significação dos saberes específicos da Educação Física não deixaria de considerar o global, isto é, estes não estariam desvinculados do projeto pedagógico da escola e da realidade das crianças, podendo assim ampliar o processo de formação humana.
Os projetos possibilitam um trabalho para o qual o tempo não é rígido. Ao contrário, ele é dinâmico e pode se configurar de acordo com as necessidades e experiências culturais do aluno, podendo dessa forma gerar a necessidade de aprofundamento e/ou a contextualização de novos temas. Nesse sentido, os projetos têm por objetivo estabelecer um diálogo com o contexto da criança, permitindo a ela a apropriação de conhecimentos, retirando-a de uma situação passiva na escola (aquela em que seu único papel é receber e assimilar conteúdos) e passando-a para o lugar de sujeito sociocultural que pretende construir significados com base nas experiências vividas.
Como escolhemos os temas de nossos projetos? Barbosa e Horn (1999) colocam que a escolha do tema pode advir das experiências anteriores das crianças, através de uma notícia divulgada no jornal, de um fato interessante relatado por alguém do grupo – professor ou aluno –, da leitura de uma história, de um passeio realizado pela turma, da observação do professor de como as crianças brincam ou das temáticas ou enredos de suas brincadeiras. As autoras ainda afirmam que a escolha de um tema não se esgota nas for-mas acima citadas; o importante é que cada tema de projeto seja apresentado para o grupo com uma argumentação, que dará a base para essa seleção. Sendo assim, cada um dos projetos da Educação Física na creche tiveram um processo diferente de escolha do tema.
No segundo semestre de 2000 foram realizados: a) o projeto de arrecadação de materiais, denominado “Juntando e transformando nossos materiais”; b) o “Construindo... colorindo o céu”, que propunha a confecção do papagaio com as crianças, e o “Criança maluquinha... criança feliz!”, que se destinava à construção do carrinho de rolimã; e c) o projeto de brincadeiras denominado “Brincando com a água”. Em 2001, os projetos organizados foram: a) “Os esportes”, b) “Solta a mandinga, aê!”, c) “Desenrolando as brincadeiras”, d) “Bingão das brincadeiras” e e) “Martelinho de ouro”. Ao longo de toda essa atividade, algumas perguntas começaram a surgir: a Pedagogia de Projetos é uma opção que realmente qualifica o trabalho pedagógico na educação infantil? Como podemos avaliar a presença da Educação Física nesses dois anos no Centro de Desenvolvimento da Criança? Como analisar os projetos desenvolvidos pela Educação Física?
A partir de tais questões foi realizado nessa escola um estudo cujas bases metodológicas e resultados serão explicitados a seguir.
O ESTUDO PROPOSTO E SEUS RESULTADOS
A escolha do Centro de Desenvolvimento da Criança como lócus da pesquisa se deveu a dois fatos: a) essa escola trabalha na perspectiva da Pedagogia de Projetos por considerar que assim as experiências de aprendizagem partem de situações e acontecimentos concretos, possibilitando à criança apropriar-se dos saberes escolares na medida em que sua experiência cultural é valorizada; b) a Educação Física estava presente e buscava integrar-se à proposta pedagógica da escola, sendo trabalhada por projetos.
Ao pensar nessa possibilidade de pesquisa, de investigação, nos perguntamos: que metodologia iremos utilizar? Será o nosso trabalho menos científico que outros? Como avaliar os projetos desenvolvidos pela Educação Física, já que participamos da construção dos mesmos? Ao ler curiosamente o livro Entre a ciência e a sapiência – o dilema da educação, de Rubem Alves (1999, p. 108, 121), encontramos uma passagem interessante:
... há um dogma sobre o qual todos estão de acordo: o dogma do método. O que é o dogma do método? Já expliquei: o método é a rede que os cientistas usam para pegar os seus peixes. E está certo: é preciso rede para pegar peixe. O dogma aparece quando se diz que “real é somente aquilo que se pega com as redes metodológicas da ciência”. [...] Estou preocupado com a devastação que o dogma do método pode fazer na inteligência e no caráter das pessoas, pode tornar as pessoas intolerantes. Há sempre o perigo de que a ciência – coisa tão boa – se torne uma convicção religiosa, um dogma sobre uma única via metodológica para se conhecer a realidade.
Tentando fugir dos dogmas colocados e considerando as outras formas que a ciência tem de se expressar é que defendemos a importância do professor-pesquisador, daquele que pesquisa ao mesmo tempo em que intervém em sua prática, em um processo de pesquisa-ação. Oliveira e Oliveira (1990) colocam que é totalmente impossível imaginar uma separação entre o sujeito da pesquisa (cientista social) e o seu objeto (a sociedade) se o sujeito é ele mesmo um ser social, se são as suas ações humanas que modelam e transformam a sociedade da qual o pesquisador é parte integrante. Segundo ele, é igualmente ilusório querer tratar os fatos sociais como se fossem fenômenos naturais que podem ser previstos, provocados e controlados num laboratório.
Portanto, procuramos realizar nossa pesquisa em uma perspectiva crítica e problematizadora das ciências sociais, recusando, para tanto, os mitos da neutralidade e da objetividade. Todos os sujeitos envolvidos na investigação: pesquisadora, coordenadora e educadoras, foram informados sobre o caráter do estudo, seus pressupostos teóricos e conceituais, seus objetivos e metodologia. A partir do olhar das educadoras, procuramos diagnosticar e analisar a presença da Pedagogia de Projetos no Centro de Desenvolvimento da Criança e como esta vem se configurando nesse contexto. Buscamos compreender a Educação Física na educação infantil, analisando as concepções de infância, educação infantil e Educação Física que fundamentam a prática pedagógica nessa escola e como a disciplina pode ser trabalhada na perspectiva da Pedagogia de Projetos. A coleta de dados constituiu dois momentos. O primeiro deles foi a realização de um questionário escrito com quatro professoras da escola que haviam participado dos projetos da Educação Física no primeiro semestre de 2001 e com a coordenadora pedagógica do jardim.5 O segundo momento foi a criação de um grupo operativo com as cinco participantes. Os dois momentos de investigação tinham como objetivos:
“• Conhecer as concepções de infância, educação infantil e Educação Física presentes nessa escola.
“• Analisar como tais concepções influenciam a prática pedagógica no Centro de Desenvolvimento da Criança. A escola trabalha por projetos: há quanto tempo? por quê? como é esse trabalho?
“• Analisar a presença da Educação Física trabalhada na perspectiva da Pedagogia de Projetos nessa escola. Como foi esse trabalho? Essa é uma opção que qualifica o trabalho pedagógico? Por quê?
Como conclusão deste estudo, nos comprometemos em realizar algumas indicações, tendo como subsídio a análise dos dados encontrados. A principal indicação diz respeito à necessidade de um outro local para a Educação Física na educação infantil, um lugar que favoreça a ampliação de experiências de movimento e a construção de conhecimentos com base na vivência dos diferentes conteúdos da cultura corporal de movimento. Como tornar isso possível na escola? O caminho apontado sugere que a Educação Física seja trabalhada por projetos, já que estes permitem uma maior participação de todos os sujeitos envolvidos na construção do conhecimento e uma maior apropriação dos tempos e espaços escolares. No entanto, ainda se faz necessário que essa proposta se concretize como organização coletiva do trabalho pedagógico, na qual as diferentes áreas de conhecimento possam ser contempladas sem que ocorra uma fragmentação. É preciso estarmos atentos para que a Pedagogia de Projetos não caia no chamado modismo, isto é, não signifique apenas um conjunto de características, de passos a serem seguidos. Ela deve ser entendida como uma mudança na concepção de educação, de modo a valorizar a compreensão dos alunos sobre os saberes que circulam dentro e fora da escola, ajudando-os a construir o conhecimento de forma global.
As respostas das educadoras apontam para a necessidade de a Educação Física estar sendo trabalhada por projetos, porém demonstram que estes não precisam estar integrados aos outros projetos desenvolvidos nas turmas. Mas o que está sendo considerado como integração? Vemos aí uma indicação da importância de se conscientizar para o fato de que trabalhar por projetos pressupõe um trabalho de organização coletiva e integrada. Essa integração, no entanto, não significa desenvolver temas idênticos, mas sim pro-mover em todos os projetos (sejam eles específicos da Educação Física ou não) princípios semelhantes de ação pedagógica, que favoreçam a construção do conhecimento em sua totalidade.
Concordamos com a colocação das educadoras de que, durante o desenvolvimento dos projetos da Educação Física no Centro de Desenvolvimento da Criança, tenha faltado essa construção coletiva do trabalho pedagógico. Isso nos mostra que os princípios do trabalho por projetos devem estar claros para todos os envolvidos na proposta e que momentos de trocas entre os professores de Educação Física e os demais educadores são fundamentais.
Assim, percebemos que pensar a presença da Educação Física em uma escola de educação infantil não é uma tarefa fácil. Está posto o desafio de consolidar a disciplina como uma das áreas de conhecimento na educação infantil, valorizando seu conjunto de saberes e todas as suas possibilidades de contribuição para uma formação humana integral. Este estudo destacou a Pedagogia de Projetos e todas as suas implicações como um possível caminho em busca dessa consolidação. Entretanto somente por meio de críticas e de outros trabalhos será possível continuar nossas reflexões e debates, garantindo, cada vez mais, o enriquecimento da nossa formação e intervenção pedagógica.
Teaching Projects and Physical Education in Infant Education
ABSTRACT
This article discusses the presence of Physical Education in the education of children, analysing the conceptions about Infancy, Infant Education and Physical Education and how these concepts influence the construction of pedagogical propositions and educational interventions at school. More specifically, the object of discussion of this text are the teaching projects. Currently, in the sphere of the debates over syllabus organization, Project Pedagogy has presented itself as an alternative that allows knowledge building in its totality. But how does it happen? There still needs to be more debate over what Project Pedagogy really is, how it has been used in Infant Education and also how Physical Education can be built within this proposal. This text aims at indicating possible paths in search of a legitimate presence of Physical Education in Infant Education.
KEY WORDS: Project Pedagogy - Physical Education - Infant education.
NOTAS
Textos encomendados pela coordenação-geral de educação infantil do MEC e citados em Brasil (1996).
Podemos citar as abordagens desenvolvimentista, críticosuperadora, crítico-emancipatória e didático-comunicativa, e a abordagem plural. Analisar e comparar tais abordagens não é o objetivo maior deste trabalho. No entanto, explicitaremos as concepções acerca da Educação Física que concordam com alguns autores supostamente comprometidos com a busca de uma concepção ampliada da disciplina.
Projeto político-pedagógico criado pela prefeitura de Belo Horizonte, surgido das experiências pedagógicas de muitas escolas municipais empenhadas em garantir a construção de uma escola pública que, na sua prática educativa, articulasse: conhecimento e vida social; identidade e diversidade cultural; cidadania e direitos.
Nesse momento, o projeto contava com a colaboração de dois monitores bolsistas (dos quais fazíamos parte, apesar de nossa atuação como professora) e dois monitores voluntários.
A escola possui uma diretora e três coordenadoras pedagógicas: uma para o berçário (zero a um ano e meio), outra para o maternal (um ano e meio a quatro anos) e a última para o jardim (primeiro, segundo e terceiro períodos – quatro a seis anos).
REFERÊNCIAS
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Recebido: Setembro de 2002
Aprovado: Novembro de 2002
Endereço para correspondência:
Amanda Fonseca Soares
Rua Rio São Lourenço nº 884 Bairro Novo Riacho Contagem - Minas Gerais
CEP 32280-400