RESENHA
REIS, Heloisa Helena Baldy dos. Futebol e violência. Campinas: Autores Associados, 2006. 126p.
MANUEL ALVES FILHO *
Heloisa Helena Baldy dos Reis é professora da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e tem se dedicado nos últimos dez anos a investigar os motivos que fizeram com que a violência encontrasse campo fértil para se proliferar no âmbito do futebol. Boa parte das reflexões da pesquisadora encontra-se detalhada no livro Futebol e violência, lançado em meados de 2006. A obra nasce como referência na área da sociologia do esporte no Brasil e faz o necessário contraponto às análises simplistas que têm marcado as discussões em torno do tema.
Em Futebol e violência, Heloisa Reis faz uso de uma linguagem acessível, sem, contudo, abandonar o rigor científico que a abordagem sociológica requer. O livro, dividido em cinco capítulos, é o resultado das pesquisas desenvolvidas pela autora tanto no Brasil quanto no exterior, mais precisamente na Espanha, país que melhor soube enfrentar o problema da violência associada ao futebol. Nele, a autora recupera brevemente a história do esporte e fornece detalhes acerca dos processos de profissionalização, mercadorização e espetacularização da modalidade. Também analisa os fatores que contribuíram para o aumento da agressividade dos torcedores e sugere caminhos e medidas para tentar controlar o problema.
No esforço para desvendar as raízes da violência nos estádios brasileiros, Heloisa Reis vale-se do referencial proporcionado pela sociologia figuracional, cujo precursor é o alemão Norbert Elias. A autora deixa claro que a violência não é uma característica exclusiva do futebol. Antes, é um fenômeno que está presente na sociedade como um todo e que é conseqüência de uma série de fatores. No caso brasileiro, tem estreita relação com as deficiências dos sistemas públicos de saúde e de educação, com a lentidão da Justiça, com o desemprego e com a falta de perspectiva por parte da juventude, entre outros aspectos. Trata-se, portanto, de uma questão complexa, que requer análises e iniciativas substantivas.
A violência estabeleceu-se na esfera do futebol por diversos motivos, como mostra a autora. Primeiro, porque este constitui um domínio no qual os valores da masculinidade são cotidianamente reforçados. Além disso, com a profissionalização e o aumento expressivo dos investimentos neste esporte, transformado em mercadoria altamente rentável para alguns setores, a competitividade alcançou patamares jamais vistos. Nos tempos que correm, já não basta mais vencer o adversário. Também é preciso bater recordes. Dentro dessa lógica, a agressividade dos torcedores assume a condição de instrumento de busca do sucesso.
Ademais, o esporte, notadamente o futebol, transformou-se em um dos raros fatores de excitação da sociedade moderna (ELIAS; DUNNING, 1992). Também constitui um importante elemento na construção da identidade nacional de alguns países, particularmente do Brasil. A identificação com o clube do coração é tão exacerbada por parte dos torcedores que muitos deles não dizem que o time ganhou ou foi derrotado, mas sim “vencemos” ou “perdemos”. Esse comportamento, somado às determinantes citadas anteriormente, pode produzir ações potencialmente agressivas.
No livro, a autora reserva críticas aos dirigentes esportivos e à mídia, cujos trabalhos e posturas têm contribuído para a progressão da violência no futebol brasileiro. No que toca às falhas de gestão, a carência de infra-estrutura nos estádios, que não oferecem assentos adequados ou banheiros em condições de uso ao público, favorece a eclosão de atos violentos por parte dos torcedores. Estes se sentem frustrados e desrespeitados. A falta de organização das competições, responsável pelo adiamento ou marcação de partidas em horários inapropriados, é outro exemplo neste sentido. A imprensa, por seu turno, estimula a agressividade ao fazer abordagens sensacionalistas, ao insistir no emprego de termos “bélicos” em seus textos e ao reproduzir à exaustão cenas de embate entre torcidas ou destas contra policiais.
Para completar o cenário, a instituição responsável pela garantia da segurança nos espetáculos esportivos, a Polícia Militar, não está preparada para lidar com eventos que reúnam multidão. A truculência dos policiais, aspecto pouco desenvolvido no livro, é mais um dos insumos da violência presenciada nos estádios. A despeito de considerar a situação brasileira grave, Heloisa Reis não a vê como insolúvel. Ao contrário, ela vai buscar inspiração na exitosa experiência espanhola, que pesquisou em profundidade, para propor uma política de prevenção voltada às especificidades do problema local. Tem o mérito, portanto, de não recomendar uma simples reprodução do que foi feito no país europeu.
A autora destaca que, a partir de 1985, as autoridades européias de modo geral e as espanholas em particular adotaram várias estratégias para garantir a segurança dos cidadãos por ocasião dos jogos. O ponto de partida foi a aprovação de um documento denominado Tratado Europeu. A iniciativa foi tomada logo após a tragédia no estádio de Heysel, em maio daquele ano, durante a final da Copa da Europa, disputada em Bruxelas pelas equipes da Juventus (Itália) e do Liverpool (Inglaterra). Na ocasião, 42 pessoas morreram, e muitas foram esmagadas por causa de uma confusão provocada por hooligans ingleses. As medidas antiviolência mobilizaram as esferas pública e privada, as entidades representativas do futebol, a mídia, os jogadores e os árbitros, além de segmentos da sociedade organizada.
No caso espanhol, uma comissão especial do Senado, criada em abril de 1988, concebeu após dois anos de trabalho um relatório propondo 45 medidas preventivas. Estas, por sua vez, basearam-se em quatro elementos centrais: a) criação da Comissão Nacional contra a Violência nos Espetáculos Esportivos, b) colaboração entre as autoridades públicas e esportivas, c) compromisso de as autoridades públicas assumirem os custos do policiamento e d) designação de um coordenador de segurança para os principais estádios. A Comissão Nacional, composta por 25 membros, foi instituída oficialmente em 1992. A partir dela, diversas ações foram executadas, a saber: aprimoramento da legislação, reforma das arenas, instalação de circuito fechado de televisão nos estádios, venda antecipada de ingressos, treinamento de policiais para atuar em eventos de multidão, entre outras.
Embora o Brasil tenha tomado algumas providências no sentido de controlar a violência associada ao futebol, como a aprovação do Estatuto do Torcedor e a criação da Comissão Nacional de Prevenção da Violência e Segurança nos Espetáculos Esportivos, esta sugerida pela própria Heloisa Reis, o país tem muito que avançar nesta área. Como sustenta a autora, ainda falta compromisso político por parte daqueles que ocupam cargos públicos. De resto, é preciso praticamente reconstruir a infra-estrutura dos estádios, definir medidas legais para punir os infratores e melhorar a gestão do esporte nas suas várias instâncias.
Como não se limita apenas a apontar problemas em seu livro, Heloisa Reis oferece uma vasta gama de sugestões para auxiliar no controle da violência associada ao futebol. São 40 medidas de curto, médio e longo prazos. As recomendações vão da simples organização do transporte público para levar os torcedores aos estádios até a construção de arenas modernas, passando pela criação de comissões permanentes de prevenção à violência em espetáculos esportivos nos estados.
Pelo seu conteúdo, Futebol e violência é recomendado tanto aos que se dedicam a compreender aspectos da sociedade brasileira por meio de uma das manifestações mais caras ao seu povo, no caso o futebol, quanto para aqueles que estão diretamente envolvidos com a organização e a prática deste esporte ou que se consideram apenas fãs dele. A importância da obra fica ainda mais evidente a partir das palavras do educador e professor emérito da Unicamp, Dermeval Saviani. No prefácio do livro, ele faz a seguinte afirmação: “O processo de construção da cultura, ou seja, o processo de produção da vida propriamente humana caminha na direção da redução do tempo de trabalho (mundo das necessidades) e ampliação do tempo de lazer (mundo da liberdade)”. O controle da violência associada ao futebol na forma como é proposta pela autora constitui, pois, um ato em favor desta última dimensão.
NOTAS
* Jornalista e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas.
REFERÊNCIAS
ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.
REIS, H. H. B. dos; ESCHER, T. A. Futebol e sociedade. Brasília: Líber Livro, 2006.
Recebido: 29 de setembro de 2006
Aprovado: 17 de novembro de 2006
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