RESENHA

FLORENZANO, José Paulo. Afonsinho & Edmundo: a rebeldia no futebol brasileiro. São Paulo : Musa Editora, 1998. 254 páginas [RESENHA]

PITIAS ALVES LOBO*

Este livro de José Paulo Florenzano foi inicialmente apresentado como dissertação de Mestrado em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

O texto se divide em duas partes: a primeira retrata Afonsinho, craque polêmico e marco de resistência contra a militarização do futebol e a lei do passe; a segunda tem como personagem Edmundo, retratado a partir dos mecanismos disciplinares analisados por Foucault.

Afonsinho, no princípio da década de 1960, jogava numa equipe infanto-juvenil em Jaú (SP). Posteriormente transferiu-se para o Botafogo do Rio de Janeiro, que, sob o comando técnico de Zagallo, atravessava uma excelente fase.

O futebol brasileiro, após o fiasco na Copa do Mundo da Inglaterra em 1966, acaba de estabelecer a ruptura com o futebol-arte. Por influência européia, adota-se o futebol-força, caracterizado por força, velocidade e resistência. Torna-se necessária, então, a produção do jogadorpeça inserido numa equipe-máquina com “medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas” (Foucault, apud Florenzano, 1998, p. 13).

Florenzano, ao tratar da criação do corpo-máquina, alega que este corpo devia ser puramente funcional, obediente e disciplinado para as novas exigências de ritualização do sistema capitalista. Com a intenção de disciplinar as massas urbanas, “as autoridades desde cedo começaram a investir pesado em educação física, atletismo, esportes e disciplina coletiva” (Sevcenko, apud Florenzano, p. 17). Passa-se a investir, então, nas escolinhas de futebol que, além de garantir a produção do futuro jogador, perpassa a manipulação do corpo durante todo o período em que o jovem permanecer nas categorias de base do clube. Segundo Foucault (apud Florenzano, p. 37),

A colocação em “série” das atividades sucessivas permite todo um investimento da duração pelo poder: possibilidade de um controle detalhado e de uma intervenção pontual (de diferenciação, de correção, de castigo, de eliminação) a cada momento do tempo; possibilidade de caracterizar, portanto de utilizar os indivíduos de acordo com o nível que têm nas séries que percorrem; possibilidade de acumular o tempo e a atividade, de encontrá-los totalizados e utilizáveis num resultado último, que é a capacidade final de um indivíduo.

Articulando-se à história de Afonsinho, discorre-se sobre a militarização dos clubes brasileiros de futebol, como, por exemplo, o regime de concentrações. Afonsinho, por usar barba e cabelo comprido, é considerado rebelde e subversivo, o que lhe cria o estigma de jogadorproblema. Porém, o fato mais marcante é a sua luta contra a lei do passe que escraviza o jogador ao clube. Merece ressalva que tal lei entra em contradição com uma das premissas do sistema capitalista, que se baseia na livre vontade do trabalhador em vender sua força de trabalho. No caso da lei do passe, o jogador é usado como mercadoria para um possível lucro nos mercados do futebol.

Florenzano cita também outros marcos de resistência no futebol: Fausto Silva, nos anos 30, e Paulo César, do Corinthians, nos anos 60. O cabelo black-power de Paulo César, fez com que a crítica ao jogador se estendesse até o seu comportamento extracampo. “O grande ardil do poder no futebol será o de associar a rebeldia à loucura, ou, de forma mais abrangente, situá-la no campo da anormalidade” (p. 118).

É, porém, nos anos 90, que a rebeldia ganha uma nova tonalidade: a polêmica figura de Edmundo, o “animal” – alcunha que lhe foi atribuída pela Mancha-Verde, torcida organizada do Palmeiras. Uma das mais expressivas combinações de sua personalidade é a associação de violência e coragem.

Uma das expressões da dominação é a construção da identidade do dominado pelo dominador. E uma das técnicas repressivas é a estigmatização de quem se quer reprimir. O espelho que se constrói agora no Brasil é este: pobre, criminoso, perigoso. (Zaluar, apud Florenzano, p. 132)

Esse estigma revela uma das maneiras pela qual se manifesta o poder de disciplina dos corpos. Veja abaixo como é a identificação pela imprensa esportiva.

No Morumbi, no Parque, em Piracicaba. O início do campeonato já deixou claro que, com Edmundo o Palmeiras passa a ter um ‘bandido’ em campo (grifo nosso). Tranqüilo, o carioca nega que vai para o jogo disposto a acabar com a paciência de quem se dispuser a marcá-lo. [...] Se Garrincha chamava seus marcadores na Copa de 58 de ‘João’, Edmundo apela para o ofensivo ‘negrão’. (Jornal da Tarde, 8/2/93, apud Florenzano, p. 134).

Florenzano distancia-se da crítica aparente e adentra-se na concepção de marginal e bandido, mostrando-se consciente de que esta provém da época elitista do futebol brasileiro, nos anos 20 e 30. Apóia-se em Foucault para sua análise: “De um lado, haverá a região do bem que é a da pobre submissa e conforme à ordem que lhe é proposta. Do outro, a região do mal, isto é, da pobre insubmissa que procura escapar a essa ordem” (p. 137).

NOTA

* Professor Eseffego Municipal de Educação de Goiânia e Especializando em Educação Física Escolar FEF-UFG.

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