CARMO, Apolônio Abadio do. A escola não seriada e inclusão escolar: a pedagogia da unidade na diversidade. Uberlândia: EdUFU, 2006. 132 p.
Thiago Vaz Santiago*
A obra de Apolônio Abadio do Carmo aborda a temática “Inclusão Escolar” na perspectiva da Organização do Trabalho Pedagógico (OTP). Nesse livro, Carmo discute, entre outras coisas, os malefícios da organização escolar seriada, especialmente a produção do fracasso escolar e as suas implicações para a exclusão social dos alunos reprovados e evadidos das escolas brasileiras.
A partir dessas considerações o autor faz apontamentos sobre a OTP da Escola Não-Seriada (ENS), como possibilidade de organização escolar que não oculta as desigualdades sociais, mas que se propõe a enfrentá-las e fomentar em cada aluno o interesse e a necessidade de superá-las. Para tanto, Carmo divide sua obra em quatro capítulos, a saber: 1) “Concepção Educacional e Função da Escola”; 2) “Escola Não-Seriada”; 3) “Integração Escolar na França”; e 4) “Escola Não-Seriada (ENS): A Proposta”.
No capítulo 1, o autor apresenta de forma sucinta dados sobre a história da educação brasileira, demonstrando que as funções atribuídas a esta instituição, como também à intitulada “Educação Inclusiva”, por nossa sociedade são incoerentes e incompatíveis com a concepção hegemônica de educação no Brasil.
Segundo Carmo, essa incompatibilidade ocorre por dois motivos, primeiro porque não é possível que o professor, ao mesmo tempo, socialize com os seus alunos as normas e os valores dominantes e garanta que eles tenham uma visão crítica perante a sociedade, no intuito de buscarem a transformação social. Segundo, é contraditório um professor desenvolver um trabalho pedagógico que parta do respeito às individualidades dos alunos, em escolas organizadas na perspectiva de que todos os educandos são iguais.
Ainda nesse capítulo (item 1.1), Carmo pontua alguns entendimentos de diferença que permeiam a história, da Antigüidade aos dias atuais, bem como os entendimentos sobre inclusão (item 1.2), no qual discute a inclusão sob três perspectivas: o Moralismo Abstrato, “que defende a presença de todos com todos, e busca a normalização pela igualdade, a partir de um forte apelo sentimental” (p. 19); o Moralismo Pseudoconcreto, que vê a educação como direito de todos e dever do Estado, em que excluídos e incluídos são vistos como iguais e as diferenças são negadas; e, por último, o Moralismo Concreto, que “concebe as desigualdades concretas existentes entre os homens como fruto histórico e estrutural da sociedade e não apenas como obras da meritocracia, capacidades e habilidades individuais” (p. 21).
No item 1.3, o autor discorre sobre quem foram e quem são os “excluídos” e os “incluídos”, da Antigüidade ao século XXI. Nos itens seguintes, Carmo apresenta o conceito de diversidade humana (item 1.4), como também a noção de equidade de oportunidades (item 1.5), que, segundo o autor, surgiu junto com o modo de produção capitalista. Por fim, no último item (1.6), Carmo destaca o equívoco, por parte das políticas públicas brasileiras, de universalizar a individualidade a partir da concepção de que todos são diferentes e desiguais.
No capítulo 2, o autor apresenta um projeto pedagógico alternativo para a escola brasileira, denominada ENS. Esse capítulo foi dividido em duas partes, quais sejam: “Breve histórico das reformas educacionais brasileiras” (item 2.1); e “Tentativas de superação da escola seriada” (item 2.2).
No item 2.1, Carmo destaca várias reformas educacionais ocorridas no Brasil, especialmente a Reforma Benjamin Constant de 1890, que apontou diretrizes para o ensino em todos os níveis, tratando sobre a obrigatoriedade da seriação escolar.
No item 2.2, o autor aponta algumas tentativas de superação da escola seriada, exemplificando duas experiências mineiras, a primeira o Ciclo Básico de Alfabetização (CBA), que, segundo Carmo, “não conseguiu modificar a base estrutural, mantendo a seriação e os desdobramentos dela decorrentes” (p.36), e a segunda a Escola Plural, proposta pela Prefeitura de Belo Horizonte, que, apesar de não romper com a lógica da escola seriada, avançou em seus princípios pedagógicos ao tentar esboçar uma organização em ciclos de formação humana (agrupou os alunos em infância, pré-adolescência e adolescência) e alterar a relação pedagógica de transmissão dos conteúdos.
Carmo conclui o segundo capítulo afirmando que a seriação escolar, desde seu aparecimento até os dias atuais, demonstra o seu fracasso, no que diz respeito aos problemas das diferenças concretas entre os alunos, revelando-se, portanto, em um forte mecanismo de exclusão social e educacional, pois oculta as diferenças e as desigualdades concretas sob o discurso da igualdade universal dos homens.
No capítulo 3, o autor apresenta a estrutura do sistema educacional francês, expondo o contexto social e político que deram bases à instituição das escolas especiais na França, bem como à integração escolar neste país.
Segundo Carmo, o projeto governamental francês, denominado “Integração Escolar e Deficiência”, trabalha com duas modalidades de ensino: Projeto Individual de Integração Escolar (PII), que funciona como um reforço escolar para as crianças de baixo ritmo de aprendizagem, cuja intervenção é realizada na própria classe regular; e Classes de Integração Escolar (CLIS) e Unidade Pedagógica de Integração, que são coletivas e destinadas ao ensino primário, fundamental e colégio e liceu, respectivamente (p. 44). As CLIS são desenvolvidas dentro das escolas regulares do Ensino Primário e Fundamental, atendendo aos deficientes com dificuldades motoras, sensoriais e mentais comprovadas. Já a Unidade Pedagógica de Integração se desenvolve no Ensino Médio, formado pelo Colégio e pelo Liceu.
Ainda no capítulo 3, o autor destaca que o objetivo principal das escolas especiais na França é o trabalho técnico especializado, com ênfase na área médica. Entretanto, quando os profissionais que trabalham com essa modalidade de ensino percebem que os alunos têm condições de acompanhar os demais, estes são encaminhados para as classes da escola regular (item 3.1). No entendimento de Carmo, a política de integração escolar na França tem apresentado bons resultados no Ensino Fundamental, porém, no Ensino Médio, os resultados não são satisfatórios, principalmente com aqueles alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem e deficiência mental. O autor explica que esse descompasso ocorre pelo fato das escolas francesas não mudarem sua organicidade em função da diversidade humana, pois preconizam a socialização dos alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou os deficientes mentais com os demais alunos, em detrimento da apreensão dos conhecimentos veiculados pela instituição escolar.
No capítulo 4, com base em leituras, experiências docentes e visitas realizadas em diferentes instituições de ensino nacionais e internacionais que tentam superar o modelo educacional hegemônico, Carmo apresenta a proposta da ENS, “baseada na concepção de um ser humano ativo, cuja construção do conhecimento se dá nas relações históricas e sociais” (p. 49).
Segundo o autor, poder e interesse são princípios importantes da estrutura e organização da ENS (item 4.1), por isso deverão ser exercidos por todos em busca do bem comum, em que os sucessos individuais são reconhecidos, porém “nunca absolutizados e vistos apenas como conquistas individuais, e sim frutos do trabalho coletivo” (p. 51). A assimetria entre o conhecimento dos professores e dos alunos será reconhecida, mas visando o crescimento e o bem comum, diferentemente do que se observa nas escolas seriadas, nas quais esta assimetria é vista de forma hierarquizada servindo como meio de dominação, o que, segundo Carmo, tem papel importante no processo de exclusão.
Na proposta da ENS, os alunos terão aulas com todos os professores, e a forma de gestão (item 4.2) será democrática, o diretor será um professor eleito e, em sua função executiva, terá a ajuda de todos. Os conteúdos escolares serão divididos em dois grandes grupos: Movimento e Linguagem, e a escolha desses levará em conta o que a criança já sabe quando ingressa na escola, bem como a relevância que esses conteúdos terão na compreensão e na solução de problemas sociais previamente definidos pela escola.
A avaliação na ENS se diferencia da avaliação feita na escola seriada, cujo caráter assumido tem sido de classificação e seleção, o que tem resultado na definição de alunos aprovados ou reprovados. O modelo de avaliação proposto por Carmo na ENS acontecerá de maneira processual, possibilitando ao professor uma análise de como os alunos apreenderam os conhecimentos tratados, para que então o aluno possa “avançar ou receber reforços necessários a sua individualidade” (p. 62).
Por fim, Carmo aponta que a diferença fundamental entre a escola seriada e a não-seriada reside no tratamento que ambas dão às desigualdades sociais, pois a primeira sabe destas desigualdades, mas atua no sentido de dissimulá-las, já a segunda atuará no intuito de explicitá-las e fomentar em cada aluno o interesse e a necessidade de superá-las, objetivando com isso a vida dos homens em mundo melhor.
Dessa forma, a obra de Apolônio Abadio do Carmo aborda de forma didática e em linguagem acessível a temática da “Inclusão Escolar”. Por esse motivo, indicamos a leitura dessa obra a licenciandos, professores e gestores educacionais. Acreditamos que essa obra contribui para os estudos e pesquisas na área educacional, pois questiona o modelo hegemônico de OTP, demonstrando que o modelo seriado é retrógrado e conservador, pois tem contribuído muito mais para a manutenção e conservação dos problemas educacionais, como analfabetismo, evasão e reprovação escolar, entre outros, do que necessariamente possibilitado aos alunos o acesso ao saber objetivo historicamente produzido pelo homem, bem como o usufruto de suas benesses, como, por exemplo, a possibilidade de compreender de forma menos mística e mágica a natureza da sociedade.
NOTAS
* Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil.
REFERÊNCIA
CARMO, Apolônio Abadio do. A escola não seriada e inclusão escolar: a pedagogia da unidade na diversidade. Uberlândia: EdUFU, 2006. 132 p.
Recebido em: 31/03/2008
Revisado em: 13/04/2008
Aprovado em: 06/05/2009
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