O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E O ESPAÇO FÍSICO EM QUESTÃO

Maria Fatima Paiva Silva*

Márcia Silva Damazio **

RESUMO

O objetivo deste artigo é refletir sobre o ensino da educação física nas escolas públicas, com intenção de analisar as condições materiais para a realização de atividades pedagógicas. Trata-se de um estudo qualitativo em que foi observado o espaço físico de 10 escolas na cidade de Teresópolis. Encontramos importantes limitações nas condições de infra-estrutura nas escolas observadas. Nós indicamos algumas questões relativas à dimensão material e suas relações com a prática pedagógica nas aulas de educação física.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Física - espaço f ísico - escola

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o objetivo de refletir sobre o ensino da educação física na escola pública, a partir da análise das condições materiais, destacando a problemática do espaço fisco e das instalações para o desenvolvimento das atividades pedagógicas.

Concebemos a escola pública como instituição em que se explicitam as contradições sociais, ao mesmo tempo em que se constitui um espaço onde as esperanças por uma sociedade mais democrática se renovam. Portanto, justificamos o valor de investigações no cotidiano nas instituições públicas de modo particular, a fim de contribuir com reflexões em torno de processos educativos neste cenário.

O presente trabalho faz parte de uma investigação mais ampla realizada no contexto do Município de Teresópolis-RJ, e teve como finalidade analisar o ensino da educação física a partir de diferentes olhares. Por meio de questionários aplicados aos diferentes membros da comunidade escolar (professores, orientadores pedagógicos, alunos e responsáveis), identificamos que, entre outros fatores, as condições materiais afetam de forma significativa o trabalho pedagógico da educação física. Portanto, propomos as seguintes questões para refletir acerca da problemática do espaço físico e das instalações das escolas públicas: Quais as condições para o ensino da educação física? A qualidade do espaço físico e das instalações guarda alguma relação com a prática curricular da educação física?

METODOLOGIA

Para analisarmos a questão do “espaço físico escolar” e sua influência no trabalho pedagógico da educação física, elaboramos um roteiro para orientar a observação e a avaliação das condições das escolas que fizeram parte da amostra. Foram observadas 10 escolas da rede pública, no Município de Teresópolis-RJ. Consideramos as falas dos membros da equipe pedagógica, que contribuíram no momento de observação das unidades escolares e as respostas obtidas junto à comunidade escolar (alunos, professores, pedagogos e responsáveis) em outra fase da investigação. 1 Trata-se, portanto, de um estudo qualitativo que também faz uso das contribuições da abordagem quantitativa para análise de dados. Justificamos tal procedimento a partir das orientações de Minayo (2001).

ANÁLISE DOS RESULTADOS

As escolas onde foram realizadas as observações foram edificadas e inauguradas em períodos históricos bem diversos, entre as décadas de 1960 e 1980, e todas passaram por reformas e obras de ampliação para atender a demanda pelo ensino básico. Nos casos observados, os espaços destinados às aulas de educação física não foram construídos até o período da inauguração das escolas, mas apenas em reformas posteriores.

Dentre as escolas observadas, atualmente, quatro oferecem o Ensino Médio; uma delas Educação Infantil e os dois segmentos do Ensino Fundamental; as demais atendem apenas o segundo segmento do Ensino Fundamental; e, quatro escolas oferecem ensino noturno. Os níveis de ensino nas escolas em questão se estendem desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Porém cabe destacar que não há nos prédios instalações adaptadas para atender as peculiaridades das diferentes faixas etárias que convivem nestes espaços.

Uma das unidades escolares não tem quadra de esportes; em duas delas, a quadra é muito pequena. Os espaços destinados às aulas de educação física são utilizados ao mesmo tempo por duas ou mais turmas. Não observamos espaços alternativos para trabalhos diferenciados como dança, luta ginástica e atletismo.

Apenas duas das escolas contam com quadra coberta. Professores e alunos reclamaram da problemática da exposição ao sol em horários de grande incidência de raios solares. Um aluno assinalou o fato dos professores terem que usar o espaço fechado das salas de aula em dias chuvosos: “o professor tem que ficar na sala, pois, nos dias de chuva não temos como ficar na quadra”. Os professores, por outro lado, também reclamam de adaptações constantes em seus planejamentos em função das condições climáticas serem desconsideradas na destinação de espaços para as aulas de educação física.

As quadras observadas têm linhas demarcatórias, mas a maioria apenas para a prática do futebol. O voleibol, o handebol e o basquete não são contemplados. Em geral, as marcações precisam de reparos. Ao presenciar a reforma de uma unidade escolar, o professor de educação física questionou o engenheiro acerca da ausência de instalações para prática de diferentes modalidades esportivas. Este respondeu: “Ah! Só tem necessidade de instalações para o futebol, as linhas e a as trave. Não jogam outra coisa... talvez o vôlei”. 2

Das dez escolas observadas, em nove delas o piso dos espaços em que são realizadas as aulas é de cimento com irregularidades. Este aspecto pode provocar acidentes e, neste sentido, contraria as normas de segurança. Destacamos uma escola onde o piso é de terra batida e pedra britada.  Neste caso, observamos a complicação do quadro, tendo em vista que a poeira provoca irritação nas vias respiratórias e impedem as crianças alérgicas de participar das aulas. Os administradores públicos e responsáveis pelas escolas parecem demonstrar certo nível de insensibilidade em relação à saúde dos profissionais da educação e dos próprios alunos.

É sabido que telas de proteção ao redor das quadras podem contribuir para o trabalho no cotidiano da educação física, entretanto apenas sete escolas contam com as mesmas, delimitando parcialmente o espaço de aula. As bolas em constante movimento durante as aulas e nos horários de recreio são lançadas para além dos muros das escolas. Uma professora fez um comentário acerca deste aspecto: “... é muito perigoso quando as bolas saem do espaço da escola, as crianças correm e vão atrás das bolas, vão para a rua, sobem no telhado do prédio aqui do lado, invadem casas da vizinhança. Em qualquer em caso de acidente, o professor é responsabilizado”.

Com relação à iluminação, seis escolas afirmam estar em condições ideais para aqueles que freqüentam o ensino noturno. Porém, pelas observações, a maioria não dispõe de iluminação para aulas noturnas.

Apenas seis escolas têm salas para guardar material de educação física, e quatro delas contam armários para bolas e cordas. Freqüentemente, o espaço para guardar esses recursos pedagógicos é compartilhado com materiais de construção, banda, almoxarifado, etc. Estes ambientes ou armários não costumam ficar próximos ao local das aulas, dificultando ainda mais o trabalho do professor.

Os espaços onde são realizadas as aulas de educação física são próximos a outros ambientes (salas de aula, biblioteca, secretaria, sala de estudos), conduzindo a interferência sonora. A educação física se constitui num entrave no interior da escola. Os professores que estão nas salas de aula reclamam constantemente, causando situações de conflitos e de tensionamento entre a equipe pedagógica, alunos e diretor.

Em cinco escolas há banheiros próximos ao espaço de aula. Uma única escola tem vestuário construído próximo ao espaço da educação física, mas o lugar é utilizado como depósito, o que é motivo de reclamações entre alunos. Das dez escolas, duas contam com chuveiro, sendo um em cada banheiro (feminino e masculino). Uma instituição que atende a nove turmas em cada turno possui apenas um banheiro feminino e um masculino para ser utilizado por toda escola.

Existem orientações pautadas na importância da hidratação do corpo, principalmente antes e após as atividades físicas, mas nem todas as escolas observadas têm bebedouro (4 possuem e 6 não possuem) próximo ao espaço de aula. Duas escolas deixam canecas para os alunos tomarem água, sendo reutilizadas pelos alunos sem a devida higienização.

Observamos que nas escolas os espaços delimitados para horários vagos ou intervalos, se confundem com os espaços em que as aulas de educação física são realizadas, proporcionando interferências no trabalho pedagógico do professor. Mas também identificamos que não há ambientes planejados para momentos de lazer, conversa e encontro entre alunos.

Os projetos pedagógicos e os documentos oficiais discursam sobre o ensino numa perspectiva de preservação do meio ambiente. As escolas, porém, parecem blocos de concreto, onde não sobram espaços para flores, árvores, jardins, hortas, etc. Como desenvolver a consciência ecológica em ambientes onde o “verde” não é cultivado? Ainda, no contexto observado, o cultivo de um ambiente agradável e da aparência estética parece não fazer parte dos cuidados com os prédios e com as instalações escolares.

Identificamos que em sete escolas não há adaptações para portadores de deficiência e nas três que apresentam tais adaptações, não há condições para circulação em todos os ambientes. Em quatro escolas há banheiros adaptados. Não há instalações devidamente adaptadas para atender a esta clientela nas aulas de educação física.

Ainda destacamos algumas observações realizadas, no que diz respeito à segurança, e que podem trazer graves conseqüências à saúde e ao bem estar dos educandos: presença de entulhos, restos de material de obra (prego, pedras, vergalhão, madeiras com pontas), lixo, valetas e caixa de esgoto sem tampa de proteção, traves de futebol/handebol ou tabelas de basquete não fixas, poeira excessiva, fios de eletricidade próximos ao local das aulas, pisos irregulares, coluna de cobertura dentro da quadra, rachaduras no piso, entre outros problemas estruturais.

O ESPAÇO FÍSICO E AS ESCOLAS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS: ENTRE AVANÇOS E RETROCESSOS

No Brasil, a preocupação com a construção de um lugar específico para funcionar como escola teve como marco histórico o advento da República. A partir deste período, um novo modelo de prédio escolar foi implantado em diferentes cantos do país. (FARIA FILHO, 1998; SOUZA, 1998) Eram escolas com instalações planejadas para atender aos objetivos educacionais para aquele contexto histórico. Não significa que não existiam prédios escolares, mas eram, em sua grande maioria, improvisadas e em quantidade insuficiente para os objetivos com a Instrução Pública a partir de então.

Anísio Teixeira afirmava, já na primeira metade do século XX, a necessidade de investimentos na educação, para que os sublimes objetivos educacionais fossem atingidos. A este respeito afirmou: “Não há como fazer educação barata – como não se pode ganhar uma guerra barata. Se for nossa defesa que estamos construindo, o seu preço nunca será demasiado caro, pois não há preço para sobrevivência” (1971, p. 142). Ele acreditava no papel fundamental da escola pública numa sociedade em transformação e destacou a importância dos prédios e das instalações das escolas públicas. Para cumprir a sua função, seria necessário um ambiente preparado, com instalações que atendessem aos padrões médios da vida civilizada. Para tal, propõe um modelo de arquitetura escolar a partir da proposta “progressista” de tempo integral, que teriam a arquitetura organizada nas Escolas Nucleares e nas Escolas Parque (TEIXEIRA, 1971). Mas, segundo Dórea (2000), as escolas projetadas seguindo as idéias de Anísio Teixeira não foram efetivamente implantadas.

A democracia populista instalada no país no pós-guerra se viu obrigada a ampliar a rede pública de ensino e, apenas nas décadas de 50 e 60, houve crescimento significativo da escolarização destinada às camadas populares. Na Constituição Federal de 1946, a educação torna-se obrigatória e gratuita (ROMANELLI, 2001). Segundo a Constituição Federal em vigor, aprovada em 1988: “a educação é um direito de todos e um dever do estado e da família”. Entretanto, estas mudanças na legislação não resultaram em alterações concretas no sentido de oferecer escolas com padrão mínimo de qualidade à população.

Mas nas últimas décadas, estudos estatísticos interpretados sem a devida contextualização, têm resultado em avaliações equivocadas, principalmente por parte de administradores públicos. Gentille (2001) comenta que de acordo com dados estatísticos do governo federal passado (FHC), houve aumento percentual significativo de matrículas nas escolas públicas brasileiras, também as condições para a freqüência teriam sido ampliadas. Entretanto, ele assevera o fato de que esta avaliação confunde quantidade com qualidade. Tais índices não revelam e não comprovam a melhoria na qualidade de ensino. Gentille ainda aborda a questão de uma exclusão inclusiva: os pobres podem ter acesso às escolas, desde que não questionem a existência de redes educacionais culturalmente diferenciadas, segmentadas.

Essa segmentação está configurada na estrutura física das unidades escolares, conforme comprova Rodrigues. Ele analisa a questão da democratização do ensino e da qualidade das construções escolares entre as décadas de 1920 e 1980. O prédio escolar é analisado como um problema social a ser solucionado no campo das políticas públicas (RODRIGUES, 2003).

Diante da demanda cada vez maior por matrículas, as escolas são construídas em áreas impróprias, em espaços físicos mal utilizados, ambientes e salas de aulas dispostas de forma irracional, com material inadequado e sem condições de segurança, entre outros aspectos. Souza Lima (1998) questiona a qualidade das instalações escolares que na sua avaliação afeta diretamente a aprendizagem e o desenrolar de propostas curriculares:

“Escola não é estacionamento de crianças. O espaço físico é material riquíssimo e está sendo totalmente desprezado. Nos projetos de construções escolares não há lugar para bibliotecas, laboratórios e quadras de esportes, o que limita as possibilidades de aprendizado” (p. 31).

Acreditamos que as condições materiais (instalações, material didático, espaço físico) interferem de modo significativo nos trabalhos pedagógicos. Os esforços dos professores, por mais criativo que sejam e diante dos mais belos ideais educativos, podem fracassar, caso não encontrem espaços e condições materiais para concretização de seus planos de trabalho.

Do ponto de vista político-pedagógico, tentar solucionar problemas estruturais em educação que implicam em políticas públicas mais amplas e substanciais em termos de investimentos financeiros, adotando o discurso da “criatividade” como forma de suprir tais lacunas é, no mínimo, romantismo pedagógico e banalização do ato de criar e/ou recriar a partir de um processo que deve reunir condições materiais e trabalho sério.

O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E O ESPAÇO FÍSICO: RELAÇÕES POSSÍVEIS

Como ficaria a educação física neste quadro? Trata-se de uma disciplina que tem uma demanda por espaço, instalações e materiais peculiares. Como estão as escolas em termos de condições materiais para o ensino desta disciplina? Em que medida a carência de espaço físico adequado pode interferir no trabalho pedagógico?

No início do século XX, com a implantação de grupos escolares não havia nos projetos arquitetônicos, muita definição de espaços voltados para o ensino da “gymnastica ou de exercícios physicos”, apenas indicavam nos ordenamentos diversos a necessidade de pátios e, às vezes, de galpões.  Para aquele período havia uma preocupação clara com a construção de corpos sadios e disciplinados e a destinação destes espaços poderia estar atrelada a estes objetivos. Cabe saber se a concretização destes projetos teve êxito na maioria das unidades escolares implantadas. Já na avaliação de Rodrigues (2003), envolvendo prédios e instalações de nove unidades, construídas entre 1920 e 1980, apenas duas escolas apresentavam em seus projetos arquitetônicos espaços destinados à educação física.

Freire (1989) lembra que os espaços destinados por lei (LDB 5.692/71, Dec. 69.450/71) para as aulas de educação física nas escolas, não permitiriam que a criança desse um giro com os braços abertos. Seguindo a lei na íntegra poderíamos colocar 50 crianças ao mesmo tempo em 100 metros quadrados. Não seria possível às crianças saltar, girar, correr.

Atualmente não encontramos essa delimitação espacial nos documentos oficiais de forma clara. No nosso entendimento, as prescrições oriundas de órgãos oficiais que abordam a preocupação com espaço fisco escolar, estão atreladas diretamente à relação custo benefício. Ou seja, atender mais alunos com custos cada vez menores, sem investir em condições humanas para este atendimento. Em nossa avaliação, tal processo compromete a qualidade do trabalho pedagógico de qualquer profissional e, em particular, daquele comprometido com o ensino da educação física.

A ausência e a pouca qualidade de espaço físico e de instalações para o ensino da educação física podem ser compreendidos sob dois aspectos: a não valorização social desta disciplina e o descaso das autoridades para com a educação destinada às camadas populares. Se a presença da educação física na escola foi justificada por discursos pautados em entendimentos diversos, conforme apontam os trabalhos historiográficos na área, perguntamos: em que medida espaços e instalações para o ensino da educação física estiveram presentes nos projetos arquitetônicos das escolas? No contexto observado, os espaços e as instalações destinadas para esta finalidade educativa, foram improvisados e construídos apenas alguns anos após a inauguração dos prédios ou em reformas posteriores.

Alguns estudos articulam a idéia de apropriação do espaço para a inculcação dos valores oficiais de uma época e/ou para a disciplina dos corpos. Nesta perspectiva podemos citar a idéia de panoptismo discutida por Foucault (1987), porém ao olhar atenciosamente algumas escolas construídas na última década e, considerando as reformas realizadas naquelas já existentes, parece que esta preocupação não foi preponderante na organização dos espaços. Tudo indica que a preocupação estava voltada para a economia de espaços, a fim de receber um maior número possível de crianças.

Shigunov (1997) ao avaliar as condições materiais para o ensino da educação física em escolas de Florianópolis encontra diversas limitações. E, ao finalizar a sua análise, ele alerta para o fato de que os professores e pesquisadores da área têm lutado por tantas frentes para defender a importância da educação física, da atividade física, das metodologias, da regulamentação, do conteúdo, mas as questões relativas às condições materiais para o trabalho pedagógico nas escolas públicas têm sido camufladas, estão latentes e intocáveis.

Os espaços e as condições disponíveis merecem ser adaptadas, reinventadas e criadas no nosso entendimento. Dependendo da concepção de ensino e da perspectiva curricular adotado pelo professor, espaços alternativos e obstáculos podem se transformar em recursos para possibilitar a criatividade, a inovação e a construção de práticas diversificadas. Não defendemos a idéia de que o trabalho pedagógico só pode se processar mediante condições materiais idealizadas, mas o que pretendemos destacar neste trabalho é o descaso com a escola pública que se reflete diretamente nas condições materiais para o trabalho docente.  Nesta direção, é que perguntamos como a educação física é afetada no trabalho cotidiano daqueles docentes que atuam no ensino básico nas escolas públicas.

Não observamos a existência de espaços alternativos para o ensino da educação física, como também para a prática de jogos e brincadeiras, nos momentos “livres” no cotidiano escolar. Como assinala Marcellino (1987) um dos fatores para os inúmeros equívocos que marcam a relação lazer e educação são os espaços e os tempos escolares que negligenciam o lazer como conteúdo cultural.  Nos casos observados, apenas uma escola possui espaços e atividades voltadas para os horários livres. A administração escolar tem aí papel destacado em organizar os espaços, os tempos e as atividades, mas este papel é também limitado, pois há situações que esbarram na questão político-econômica mais ampla em que a escola se insere.

Os discursos pedagógicos e os documentos oficiais ressaltam a demanda pelo trato em torno de questões ambientais. Porém nas escolas observadas não há, em sua grande maioria, espaços para vegetação, hortas ou projetos ambientais. Que encaminhamentos a educação física poderia tomar no sentido de contribuir na valorização e exploração dos “espaços naturais” nas escolas? Não caberia repensarmos a construção de novas sensibilidades e novas formas de sociabilidade que valorizem a convivência harmoniosa com o meio ambiente?

Outro aspecto que merece atenção diz respeito às condições básicas para higiene no ambiente escolar. Acreditamos que a tarefa de discutir a saúde não é só da educação física, mas de toda escola. Contudo, as condições físicas encontradas não permitem a concretização de preceitos fundamentais de higiene. Faltam instalações higienizadas, água para hidratação, chuveiros para banho, áreas limpas e livres de lixo.

A respeito destas observações, cabe destacar, concordando com Souza Lima (1998), que todo espaço produzido pelo homem interfere no processo educativo de forma positiva ou negativa. O espaço condiciona nossos gestos diários, habitua nossa visão, estimula elementos simbólicos, estabelece pontos de referência. Se a escola não oferece espaço higiênico, tratado com cuidado estético, com áreas verdes e agradáveis aos sentidos, a criança se sentirá estimulada a desenvolver relações saudáveis e equilibradas com o ambiente, com o outro e consigo mesma?

A política de educação inclusiva parece estar presente nos discursos e documentos oficiais e acadêmicos. Do grupo observado, poucas escolas contam com instalações em condições mínimas para atender clientela que necessita de atendimento especial. Como alguns estudos apontam, a arquitetura tem sido uma barreira para o trabalho pedagógico numa perspectiva inclusiva (HUNGER, SAQUARCINI, PEREIRA, 2004; APOLÔNIO DO CARMO, 2002).

Piaget, em suas teorias sobre a psicogênese das estruturas topológicas na infância, remete à valorização das primeiras experiências espaciais como fatores determinantes do desenvolvimento sensorial, motor e cognitivo (apud FRAGO E ESCOLANO, 2001, p.48). A escola deveria, diante deste entendimento, ser espaço rico em termos de estímulos para experiências espaciais, oferecendo toda uma infra-estrutura compatível com o desenvolvimento global do aluno.  Neste sentido, a carência e a precariedade de espaços e instalações para aulas, atividades recreativas, movimentos corporais, experiências estéticas, não estaria comprometendo o trabalho pedagógico e, de modo peculiar, as aulas de Educação Física?

Vago (1999) comenta que novas maneiras de organizar a escola estão sendo instituídas, e destaca o papel da intervenção possível dos professores nesse processo, que como sujeitos sociais praticantes, de fato, participam ou deveriam participar também, da instituição e da consolidação de novas práticas escolares. Concordando com o autor, também pensamos que em relação às questões que dizem respeito às condições de ensino, logo de trabalho, os docentes deveriam buscar mecanismos de intervenção, tanto no cotidiano, como em processos de discussões mais amplos no campo político e social.

CONCLUSÃO

Diante da realidade observada, podemos apontar para a questão do espaço físico e das instalações, como fatores que podem comprometer de modo significativo o trabalho pedagógico da educação física.  Numa reflexão mais ampla sobre o ensino da educação física nas escolas públicas, constatamos outros aspectos que também trazem limitações: o valor social atribuído à disciplina, a atuação do professor, a organização administrativa da escola, entre outros. Identificamos, mais uma vez, nos limites deste trabalho, a necessidade da educação física escolar refletir constantemente em torno de seus objetivos, pressupostos teóricos, limitações e possibilidades, uma vez que a sociedade em que estamos inseridos nos apresenta novos desafios.

Ao defendemos a inserção de educação física na escola, lhe atribuímos papéis e objetivos, sejam eles voltados para melhora da qualidade de vida e saúde, para desenvolvimento motor ou para apreensão da cultura corporal. Dessa forma, há necessidade de atentarmos para a problemática das condições do trabalho docente, para que superada as deficiências estruturais (materiais, do espaço físico e de instalações com qualidade), e alcançando seus propósitos, a educação física consolide sua importância e permanência no âmbito da Educação Básica.

NOTAS

* Mestre em Educação, Professora da UNESA e Professora do Município do Rio de Janeiro.

** Meste em Educação Físca e Doutoranda em Educação - UFMG.Professora Assitente do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Acre. Área de Jogo e Educação.

1 Damazio, M.S. e Paiva, M. F. (2005; 2006).

2 Ver Moussachté (1994) discute, em sua dissertação de mestrado, em torno do diálogo necessário entre educadores, engenheiros, e demais envolvidos no processo de planejamento e execução de prédios e instalações escolares.

PHYSICAL EDUCATION TEACHING AND PHYSICAL SPACES IN DISCUSSION

ABSTRACT

This paper focuses on Physical Education Teaching in public schools. In this qualitative study, we report observations of the teaching spaces in ten schools of the Teresópolis metropolitan area. We found serious limitations in the infrastructural conditions of these schools. The last section discusses these findings emphasizing the relationships between material dimensions and pedagogical practice in physical education.

KEYWORDS: Physical Education - physical space - school

EDUCACIÓN FÍSICA E LA CUESTIÓN DEL ESPACIO FÍSICO

RESUMEN

El objetivo de este articulo es reflexionar sobre la Educación Física en las escuelas publicas, con la intención de analizar las condiciones materiales para la realización de actividades pedagógicas. Se trata de un estudio cualitativo en que fue observado el espacio físico de 10 escuelas en la ciudad de Teresópolis. Encontramos importantes limitaciones en las condiciones de infraestructura en las escuelas observadas. Nosotras indicamos algunas cuestiones relativas a la dimensión material y sus relaciones con la practica pedagógica en las aulas de Educación Física.

PALABRAS-CLAVES: Educació Física - espacio físico - escuela

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Recebido em: 30/03/2008

Aprovado em: 19/06/2008

Contato: fatjo2001@hotmail.com.

marcia_damazio@yahoo.com.br.

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