O FUTEBOL FEMININO E SUA INSERÇÃO NA MÍDIA: A DIFERENÇA QUE FAZ UMA MEDALHA DE PRATA
LEONARDO TAVARES MARTINS *
LAURA MORAES **
RESUMO
Historicamente, o futebol feminino no Brasil sofre pela forma como tem sido tratado pela mídia, carecendo de apoio, organização e inserção midiática. O objetivo deste trabalho foi avaliar a exposição do futebol feminino na mídia impressa, em dois dos jornais de maior circulação nacional durante três meses de 2004. Os resultados desse estudo apontam para o crescimento de mais de 2.000% no número de inserções na medida em que transcorriam os Jogos Olímpicos da Grécia. Mas a questão de base sobre a trajetória da mulher no esporte continua a despertar o interesse pela diferença e indiferença.
PALAVRAS-CHAVE: futebol feminino – mulher e esporte – esporte e mídia.
INTRODUÇÃO
O futebol é uma das modalidades esportivas mais praticadas em todo o mundo. Sua história, o envolvimento da mídia, a sua inserção em diferentes culturas, o interesse comercial e de marketing por trás das equipes e dos campeonatos e o alcance dos campeonatos locais e mundiais têm demonstrado isto ao longo dos anos. Entretanto há uma peculiaridade, também neste esporte, que é a forma de envolvimento das mulheres e o tratamento que os meios de comunicação dão à participação feminina. Atualmente as mulheres têm se mostrado presentes e, com grande interesse, se envolvido nesta modalidade, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Como exemplo, citamos o Instituto Internacional de Futebol ao realizar, em 2005, seu Congresso com o tema Mulher, futebol e Europa, reafirmando que “o futebol feminino tem se tornado uma área de estudos emergente e envolvente, em proporções globais, atraindo um número crescente de pesquisadores de diversas áreas” (IFI, 2005, p. 2).
No Brasil, identificamos o crescimento da prática desta modalidade entre as mulheres, bem como o seu aparecimento midiático mais evidente, particularmente após o inédito resultado nas olimpíadas de Atlanta, com o quarto lugar, e, mais recentemente, com o sucesso das atletas em Atenas, conseguindo a medalha de prata.
Seria ingênuo supor que a mídia trate as mulheres, em seu envolvimento com o futebol, de forma similar ao tratamento dado aos homens. Aliás, a crítica à parcialidade nos meios de comunicação no que concerne ao gênero, parece sempre voltar à tona quando há algum estudo que envolva a mídia e o esporte, conforme afirmam Mourão e Morel (2005), pois o esporte, através da mídia, é predominantemente branco e masculino, segundo reiteram autores como Sterkenburg e Knoppers (2004), Coakley (2004) e Knoppers e Elling (2004). Esse fato não é peculiar da nossa cultura, pois
não interessa qual país e evento são estudados, os resultados consistentemente mostram que os esportes envolvendo mulheres são proporcionalmente mal representados na mídia esportiva e considerados como de menor emoção e de menor dignidade para notícias do que os esportes envolvendo homens” (STERKENBURG; KNOPPERS, 2004, p. 303).
Através da mídia parece haver então dois caminhos: o primeiro, sendo o do esporte masculinizado e o segundo, o do esporte feminino, com um tratamento de modelos de beleza e o objeto de desejo (PRIORE, 2000).
Assim, identificamos na história do esporte que a atividade esportiva, enquanto símbolo de um imaginário de força, poder e músculo, se enquadraria como atividade masculina, portanto a mulher deveria ser poupada deste possível processo de masculinização, ou seja, não deveria estar presente da mesma forma que o homem no mundo esportivo. Em decorrência deste conceito, notamos a pequena participação das mulheres e também de um tratamento pela mídia que não é o mesmo dado aos homens.
O suor excessivo, o esforço físico, as emoções fortes, as competições, a rivalidade consentida, os músculos delineados, os gestos espetacularizados do corpo, a liberdade de movimentos, a leveza das roupas e a seminudez, práticas comuns ao universo da cultura física, quando relacionadas à mulher, despertavam suspeitas porque pareciam abrandar certos limites que contornavam uma imagem ideal de ser feminina (GOELLNER, 2005, p. 92).
A captura da imagem feminina, pela mídia, não vai amenizar o problema da diferenciação, pelo contrário, o que encontramos é o reforço do tratamento viril e de resultados ao esporte masculino e o desprezo, atenção à beleza, associação ao papel de maternidade da mulher e preconceito ao esporte feminino. O papel social da mídia não é de pequena importância, por isto cabe também a nós a identificação e o questionamento de como o esporte está presente nos veículos de comunicação.
O reconhecimento dos limites e valores presentes na mídia mostra-se imprescindível para este tipo de estudo, pois a mídia forma, constrói e modela a sociedade através da produção e divulgação dos “fatos”. Além do que “é imprescindível insistir na idéia de que os meios de comunicação de massa transformam tudo em mercadoria” (BITENCOURT, 2005, p.18) e o suposto produto “mulher & futebol” tem características diferentes do produto “homem & futebol”. Aquelas são as belas, modelos de desejo, sensuais, suas imagens privilegiam exposição e tratamento de evidência do corpo, tratando de uma mulher ideal ou então dos seres responsáveis pelos afazeres domésticos, destacando mais as curvas do que a hipertrofia, e o imaginário social ainda inclui a “bela, maternal e feminina: imagens afirmativas que permitem compreender que o corpo da mulher ao mesmo tempo que é seu não lhe pertence” (GOELLNER, 2003, p. 74). Já o segundo “produto” recai nas teias da mitologia do herói, do forte, da disputa, do vencer, da superação e a imagem do macho do mundo natural parece muitas vezes encarnar as páginas dos jornais ao tratar do homem que pratica o futebol, embora este também seja capturado pelos interesses comerciais.
Assim, embora a mídia seja um dos sujeitos sociais que contempla o futebol feminino no Brasil desde a década de 1930 (MOURÃO; MOREL, 2005), sua forma de apresentar esta modalidade tem sido freqüentemente adornada por adjetivos e intenções não encontrados no tratamento do futebol masculino e de forma a não garantir uma existência autônoma, perene, evidente e isenta de juízo. Não caberia defendermos um discurso apologético de igualdade, mas sim de dignidade.
Em todos os níveis de prática do futebol, podemos identificar o preconceito, a diferença, o descaso e suas conseqüências na formação do imaginário social do papel da mulher, particularmente, quando o assunto é futebol feminino. Basta acompanhar os investimentos, a organização, as escolinhas ou o tratamento dado pela mídia para identificarmos a diferença. Até mesmo as questões da história do futebol feminino mostram-se tratadas com indiferença, pois enquanto a FIFA afirma que a primeira partida realizada entre mulheres foi na Inglaterra em 1880, a própria Federação Inglesa de Futebol afirma que o primeiro jogo feminino ocorreu em 1895. Isto parece reforçar a idéia de que a “historiografia machista não se limita a ignorar a mulher” (MORENO, 1999, p. 49), mas a trata com desprezo, tanto pelo que é apresentado como pelo que se omite, pois o que se diz, tanto por texto como por imagens é controverso, impreciso, falacioso e incompleto. Isto reforça a necessidade de estudos que identifiquem a situação da participação das mulheres nos esportes e que estes estudos tenham uma intervenção pedagógica ao recriar os valores nas novas gerações para que as próximas não sejam capturadas por distorções oriundas do desprezo e do preconceito.
Quando focamos a história do futebol feminino no Brasil, identificamos que esta modalidade sempre encontrou grandes dificuldades. Durante o Estado Novo (governo Vargas de 1937 a 1945), as leis criadas, inclusive na área esportiva, estavam inseridas em um contexto de controle, com uma grande pressão para que as mulheres se afastassem do futebol. Elas deveriam limitar-se à prática de esportes que o governo considerava condizentes com suas funções de genitoras de prole. O Estado Novo criou o decreto 3.199 que proibia às mulheres a prática de esportes considerados incompatíveis com as condições femininas, sendo o futebol incluso entre outras modalidades esportivas como halterofilismo, beisebol e lutas de qualquer natureza. O Período Militar também inviabilizou a prática reconhecida do futebol pelas mulheres, sendo permitido apenas na década de 1980, pelo Conselho Nacional de Desporto.
Além das questões legais, as questões sociais também contribuíam para a rejeição da prática deste esporte pelas mulheres, pois sempre houve certo preconceito em relação às praticantes. O preconceito social induziu a um preconceito esportivo, pois a mulher praticante de futebol era tida com masculinizada, grosseira e sem classe social.
Quais motivos estariam envolvidos neste fato social? Considerando o futebol uma paixão nacional, haveria espaço na mídia para esta modalidade quando praticado por mulheres? Estas questões despertam o interesse pela compreensão mais abrangente desta realidade que envolve uma interessante relação entre gênero e esporte.
Estabelecemos, então, como parte deste estudo, a análise da quantidade de espaço reservado ao futebol feminino na mídia impressa, em dois dos jornais de maior circulação nacional.
METODOLOGIA
Através da Pesquisa Analítica Descritiva (THOMAS; NELSON, 2002), analisamos o conteúdo da mídia impressa de dois jornais de circulação nacional sobre a inserção do futebol feminino, quer seja de forma escrita ou por fotografias e imagens. Através desta análise, verificamos a freqüência e a relevância das inserções, além da mensuração das aparições e da relação entre estas e outras aparições de assuntos correlatos. Assim buscamos a correspondente análise das mensagens.
Os jornais escolhidos para análise foram Folha de São Paulo (FOLHA) e O Estado de São Paulo (ESTADO), por serem, reconhecidamente, jornais de grande tiragem e de alcance em todo o país. Como estes jornais têm repercussão em todo o território nacional, esperamos destes veículos de comunicação um tratamento dos assuntos esportivos que tanto atinja o interesse, como também forme a opinião das pessoas.
Analisamos nestes veículos de comunicação a aparição do futebol feminino por três meses, observando, na quantidade de matérias referentes a esta modalidade, tanto aspectos positivos quanto negativos. Utilizamos para esta análise os meses de maio, junho e agosto de 2004, porque os dois primeiros antecederam os Jogos Olímpicos da Grécia e o último mês analisado foi o período de realização dos jogos, o que deveria apontar para uma provável diferença no tratamento dado pela mídia nestes dois períodos, embora muito próximos cronologicamente.
DISCUTINDO OS RESULTADOS
Durante o mês de maio, o jornal Estado não apresentou nenhuma matéria por imagem ou texto relativo ao futebol feminino e a Folha incluiu duas aparições, em dias diferentes, sendo uma fotografia de jogadoras norte-americanas com duas linhas de texto e uma coluna com o título “O tedioso futebol feminino”. O adjetivo adicionado ao termo futebol feminino já revela a tendência de tratamento dada à modalidade. Entretanto é o silêncio o que mais chama a atenção, pois mesmo num período que antecede os Jogos Olímpicos, pouco ou quase nada se vê sobre o futebol jogado por mulheres em oposição ao tratamento dado ao futebol praticado pelos homens. Durante esse mês, a única coluna dada ao futebol feminino, inicia-se com uma questão, no mínimo, tendenciosa: “existe alguém que, sem ser amigo, namorado ou parente das jogadoras da seleção feminina de futebol, roa as unhas na ansiedade da espera pela olimpíada?” Tal coluna ainda confirma a idéia de que ninguém teria a mesma ansiedade para ver, assistir e ler notícias sobre o futebol feminino, como teria em ver o futebol masculino. A forma de tratamento usada parece revelar a condição da modalidade dentro do cenário nacional.
O mês de junho não apresenta variação significativa na apresentação das mulheres do futebol e o silêncio continua falando alto. Durante o segundo mês de análise apenas uma fotografia e uma nota, em dias diferentes, são registradas na Folha e apenas uma coluna é registrada no Estado. Em todas elas há registro fazendo referência à equipe que viria participar dos Jogos Olímpicos. Em nenhum momento há destaque para alguma outra matéria sobre as mulheres e o futebol, como se elas apenas existissem na prática do futebol para os Jogos Olímpicos; parece não haver campeonato, contusões, clubes, transferências, nem mesmo questões pessoais, como é possível observar na mídia quando o foco é o futebol masculino.
O mês de agosto parece brindar as mulheres do futebol com uma avalanche de imagens e matérias conforme transcorre o mês e a seleção feminina avança na competição da Grécia. Entretanto uma análise mais atenta revela a real condição do futebol feminino no Brasil, pois o tratamento dado parece estar mais atento ao corpo da mulher, pois este ainda está “colocado a serviço das normas da vida cultural e habituado às mesmas” (BORDO, 1997, p. 20) e não é a mídia que estará alterando esta estrutura e hábito de como tratar as mulheres, particularmente no esporte.
Durante o último mês de análise, há a surpreendente quantidade de vinte e nove inserções no Estado e trinta e quatro na Folha, tratando de alguma forma o futebol feminino. A quantidade de matérias começa a crescer devido ao bom desempenho que a equipe de futebol feminino alcançou na Grécia, vencendo vários jogos e chegando às fi nais. No entanto, há algumas considerações a serem ponderadas antes de uma equivocada comemoração sobre tais aparições.
Em todas as inclusões de imagens ou textos analisados sempre há referência direta ou indireta à competição em andamento, o que já nos faz supor que encerrada a competição, encerra-se também a atenção dada às mulheres neste esporte. As matérias e as fotografi as não superam o mero acompanhamento da seleção feminina e praticamente silenciam sobre questões ligadas a contratações, transferências e outras abordagens que poderíamos esperar caso estivesse em evidência a equipe masculina. Contudo há repetidas notas ou comentários tratando-as como belas e frágeis, até mesmo pela forma como se encerra a disputa entre o patrocinador da CBF e do COB, pois conforme a própria mídia apresenta, “não haveria grande impacto com a presença delas no pódio” e, portanto, o patrocinador da CBF libera as meninas para usarem o nome do patrocinador do COB (FOLHA , 2004b, p. 28).
Além do tratamento à competição e à condição de mulher, os veículos de comunicação estudados ainda apresentam, nesse último mês, dois comentários sobre possíveis transações para times europeus e mais cinco textos e manchetes que querem alertar para a real situação desta modalidade: “Com recorde olímpico de gols, esquecidas lutam agora pelo primeiro pódio”, “CBF sugere liga e Blatter promete inchar a competição”, “CBF quer subsidiar equipe feminina”, “Seleção deixará de existir no momento do desembarque”, “Conquista é só delas” e “Alunas enfrentam mestras, trauma e desemprego na decisão pelo ouro”. Estas poucas inserções reforçam a situação do futebol feminino, pois não há apoio institucional, não há competições minimamente organizadas, não há incentivo, não há presença na mídia. Como esperar que a população aceite, aprecie e valorize o futebol praticado pelas mulheres se a mídia dá um tratamento de pura exclusão e preconceito? Como esperar que mulheres e homens tenham tratamento equivalente na mídia esportiva? Como esperar que meninas e meninos tenham as mesmas oportunidades? Como esperar que novas gerações surjam sem pagarem o preço da exclusão, do preconceito e do tratamento diferenciado?
A questão do futebol feminino não deveria ser a comparação com os homens, pois a busca de igualdade não deveria ser medida pelo espaço reservado, pela mídia, a cada um, ou pelas conquistas de cada um, mas que ambos tivessem oportunidades e tratamento acompanhados de dignidade, encerrando uma disputa dualista.
Fica evidente pelas matérias analisadas que, além do preconceito que as mulheres enfrentam, particularmente num país que ainda acha que futebol é coisa de homem, elas têm de superar a falta de estrutura e de apoio (cabe lembrar que o futebol feminino foi a única modalidade brasileira na Grécia que não recebeu verba de incentivo fiscal), e ainda de receberem um tratamento dado pela mídia que as mantêm distante do público e, repetidamente, comparadas aos homens ou lembradas pelos atributos de beleza ao invés das questões do esporte em si.
Ao compararmos os meses pesquisados, constatamos que nos meses de maio e junho, em ambos os jornais, as notícias tinham uma tendência negativa e pouco se falou, pois nos dois jornais as notícias publicadas nos dois meses totalizaram apenas cinco aparições. Já no mês de agosto a quantidade de matérias foi bem maior quando comparadas ao que foi publicado em maio e junho. Em agosto houve um total de sessenta e três inserções, entretanto, tratando quase que exclusivamente do campeonato em andamento.
A medalha de prata, conquistada pela equipe feminina na Grécia, deveria trazer consigo um simbolismo para os profissionais do esporte: superação. A equipe brasileira superou os limites, chegou à final com o melhor ataque e a melhor defesa da competição, sofrendo gols somente dos EUA. A medalha de prata simboliza uma vitória. Vitória não no sentido de ganhar um jogo, mas na construção de um ideal de tratamento mais justo, no qual o discurso sobre o corpo feminino não seja capturado pelo tendencioso controle social, isolando o corpo feminino de um adequado tratamento. Nas palavras de Bordo (1997, p. 21), “Necessitamos desesperadamente de um discurso político eficaz sobre o corpo feminino, um discurso adequado a uma análise dos caminhos insidiosos e muitas vezes paradoxais do moderno controle social”. Também reiteramos a idéia de Goellner que diz o seguinte:
Assim, se o esporte se traduz como um importante elemento para a promoção de uma maior visibilidade das mulheres no espaço público e se, ao longo da história do esporte nacional, houve a projeção de vários talentos esportivos femininos, vale registrar que essas conquistas resultam muito mais do esforço individual e de pequenos grupos de mulheres (e também de homens) do que de uma efetiva política nacional de inclusão das mulheres no âmbito do esporte e das atividades de lazer (GOELLNER, 2005, p. 97).
O efeito da medalha de prata, muito mais que a comemoração de uma conquista inédita, deve ser o ideal de sensibilizar os mecanismos de informação, de produção de conhecimento, de educação para que se construa um discurso adequado e para que se sensibilize a população sobre a verdadeira vitória que ainda precisa ser conquistada, não pelas mulheres, mas em relação a elas. A falaciosa argumentação de ser tratada como os homens já não é suficiente, pois estes também são tratados de acordo com interesses, por vezes ocultos, que não atendem ao discurso adequado que se faz necessário em nossa cultura.
Em um país que valoriza prioritariamente os vencedores, será suficiente uma medalha olímpica carregada de emoção, de desprezo, de descaso e de muito esforço para que se crie um discurso digno sobre a participação das mulheres no futebol? E por que não estender este ideal à existência de campeonatos, à presença da mídia e de um discurso adequado a respeito da participação delas?
Depois dos jogos na Grécia, o presidente da CBF e o da Federação Paulista de Futebol prometeram buscar patrocínios para a realização das competições nacional e paulista em 2005, entretanto não houve alteração significativa no cenário esportivo nem no midiático. O momento, logo após os Jogos Olímpicos, era propício para promessas, além de ser uma maneira de atender a uma necessidade do esporte nacional, era também uma forma de estar em evidência com um discurso, senão adequado, pelo menos conveniente.
A comparação dos dois primeiros meses de análise com o último revela uma tendência, ainda que discreta, mas constante em sair de aspectos negativos, evidenciados pelo inicial silêncio e adjetivos, tais como “tedioso”, “qualidade pífia”, “o futebol não parece ter nascido para elas”, para aspectos positivos, com o próprio crescimento da ordem de mais de 2.000% na quantidade de publicações como também nas expressões positivas ao tratar do avanço da equipe durante a competição: “evolução”, “menos vazada”, “primeiro pódio”, “pequenas grandes mulheres”. Entretanto, mesmo durante o mês de agosto, quando o Brasil conseguiu a medalha de prata, ainda encontramos repetidas referências negativas ao tratar das mulheres do futebol, como “sexo frágil”, “esquecidas”, “trauma”, “desempregadas”, “decepção”, “time que deixará de existir”.
A própria mídia ainda levanta a questão de que o gosto popular pode ser criado pela mídia, mas como seria possível termos uma população ávida por futebol feminino se não há divulgação desta modalidade?
CONCLUSÃO
Através dos dados obtidos nesta pesquisa, identifi camos, ainda nos dias de hoje, a real necessidade da reconstrução do papel da mulher na sociedade, através de sua inserção no cenário esportivo e da forma como a mídia aborda a questão. Faz-se necessário a construção de uma nova imagem em substituição à imagem de Apolo (WILSHIRE, 1997), onde a superioridade vinculada ao masculino, como fonte de força e de conhecimento, venha dar lugar ao equilíbrio entre o masculino e o feminino. Já não é suficiente a visão idealista e limitada de igualdade ao masculino, pois aqui também persiste um conjunto de forças atuando de forma a excluir o ser humano, tratando-o muitas vezes como produto a ser comercializado e ficando sujeito e submisso a interesses externos.
A forma de apresentação, através da mídia, da mulher que pratica o futebol tende a criar uma falsa identidade do que deveria ser o papel da mulher na sociedade, permitindo uma reprodução do ideal de beleza, de sujeição e de procriação. Embora identifiquemos uma tendência de valorização do futebol feminino, esta tendência mostrou-se de caráter transitório, sazonal e efêmero, atendendo apenas a uma demanda decorrente dos Jogos Olímpicos e da conquista que a equipe brasileira alcançou. Evidenciamos, entretanto, a necessidade da mudança dos fundamentos do discurso sobre a mulher, particularmente da mulher que pratica futebol, em que o preconceito seja objeto de estudo histórico do passado e a tendência de valorizar o esporte praticado por homens seja substituída pelo devido tratamento a quem quer que pratique o esporte.
Ainda persiste a esperança de que a medalha de prata e a grande quantidade de matérias sobre futebol feminino durante o mês de agosto não tenham sido em vão, mas que seja um momento para refl exão e que os instrumentos pedagógicos utilizem estas informações para criar resistência aos movimentos de captura sobre a mulher e o futebol e, por que não dizer, sobre a mulher e o esporte e ainda sobre a mulher e a sociedade.
Embora o futebol seja considerado uma paixão nacional, parece não assumir este papel social quando a questão é o futebol feminino. Este trabalho reforça a necessidade de se redirecionar o status social dessa questão na sociedade brasileira, despertando de seu estado de dormência, pela forma como tem sido tratado o futebol feminino pela mídia, não apenas pelo que se diz mas também pelo silêncio sobre ele.
Women’s football and its soccer and its insertion in the media: the difference that a silver medal makes
ABSTRACT
Women’s football in Brazil has historically suffered in the way that it is treated by the media, lacking support, organization, and media insertion. The aim of this research work is to evaluate the exposure of women’s football in the press, considering two of the largest national newspapers for three months in 2004. Results show that the number of media insertions grew more than 2 thousand per cent while the Olympic Games in Greece were taking place. However, the fundamental question on women’s history in sports continues to spark interest both for its difference and indifference.
KEYWORDS: women’s football – women and sports – sports and the media.
El fútbol femenino y su inserción en los medios: la diferencia que hace una medalla de plata
RESUMEN
El fútbol femenino en Brasil, ha sufrido históricamente por la forma como ha sido tratado por los medios, careciendo de apoyo, organización y inserción en los medios. El objetivo de este estudio ha sido evaluar la exposición del fútbol femenino en los medios impresos, en dos de los periódicos nacionales de mayor circulación durante tres meses de 2004. Los resultados de este estudio señalan el crecimiento de más de 2.000% en el número de inserciones en la medida que los juegos olímpicos de Grecia transcurrían. Pero la pregunta básica sobre la trayectoria de la mujer en el deporte continúa a despertar el interés por la diferencia y la indiferencia.
PALABRAS-CLAVE: fútbol femenino – mujer y deporte – deporte y medios.
NOTAS
* Doutorando em Educação pela Unicamp, mestre, licenciado e bacharel em EF pela Unicamp.
** Licenciada em EF pelo Unasp.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 19 de setembro de 2006
Aprovado: 9 de novembro de 2006
Endereço para correspondência:
Leonardo Tavares Martins
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CEP 05858-001
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