RECUPERANDO CONTRIBUIÇÕES PARA ENTENDER O PROCESSO DE DETECÇÃO DO TALENTO DESPORTIVO

Aguinaldo Gonçalves*

João Paulo Borin**

RESUMO

A busca, a identificação e o desenvolvimento de jovens talentos no âmbito desportivo têm merecido destaque no interior das ciências do esporte. Notam-se dificuldades neste processo, principalmente em relação a como encontrar parâmetros que permitam prognóstico mais precoce e confiável para organização e orientação da formação desportiva. Nesse sentido, pretende-se, no presente texto, reconstruir a definição do termo talento e, em seguida, entender os processos ou modelos de identificação do jovem talentoso, bem como as limitações e dificuldades na orientação desportiva. Por fim, almeja-se explorar, enfaticamente, os fatores constitucionais e ambientais que exercem influência na detecção de esportistas de alto nível de desempenho.

PALAVRAS-CHAVE: talento - esportes -constitucionalidade - genética

1- INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, no âmbito do desporto moderno de alto nível, melhorar marcas, alcançar recordes, manter resultados elevados em competições, bem como conhecer e operar as características específicas dos atletas que se destacam, têm se tornado alvo incansável para pesquisadores e treinadores de qualquer modalidade. Neste sentido, a busca, identificação e orientação de talentos configuram-se como preocupações na área da Ciências do Esporte.

Partindo-se inicialmente pela definição, verificamos diferentes abordagens acerca  do termo talentoso que, de maneira geral, é entendido como aquele que está acima da normalidade. Weineck (1991) pontua tratar-se de “vocação marcada em uma direção que ultrapassa a média e que ainda não está completamente desenvolvida”. Assevera, ainda, que tanto estruturas anátomo-neurofisiológicas como capacidades motoras e psicológicas estão presentes no nascimento. Por outro lado, Bento (1989) entende como complexo de disposições individuais voltadas ao rendimento, determinado tanto qualitativa quanto quantitativamente e que associado ao conjunto de capacidades variadas e interligadas, pode realizar tarefas produtivas.

Para Marques (1993), indivíduo talentoso possui características bio-psiquico-sociais que, diante de determinadas condições, deixam antever com segurança a possibilidade de obtenção de elevados rendimentos. Nesta mesma direção, Bompa (2002) aponta que o termo é empregado para aqueles que demonstrem elevadas capacidades biológicas e psicológicas, as quais, dependendo do respectivo meio social, podem apresentar alto desempenho. Destaca, também, que o nível de rendimento depende de traços individuais e dos programas que objetivam estimular e recompensar a aprendizagem e o treinamento.

No campo esportivo, Weineck (1991) sugere a estratificação do talento em três âmbitos: i) o motor geral, ii) o esportivo, e iii) o específico da modalidade. No primeiro, expressa-se pela existência de repertório amplo de movimentos, cuja aprendizagem ocorre de forma fácil, segura e rápida. No segundo, inclui-se a disposição de conseguir elevados desempenhos, acima da média, e por fim, o terceiro, se reconhece pela contribuição de pré-requisitos físicos e psicológicos destacados.

Na mesma direção, Böhme (1994) conceitua  talento  o indivíduo que apresenta resultados acima da média, decorrentes de treinamento com orientação intencional, ativa e pedagógica. Advoga, também, divisão em dois tipos: a) estático, exibe como característica fundamental a disposição, prontidão, ambiente social favorável (que determina as possibilidades) e resultados e b) dinâmico, possui como propriedades centrais o processo ativo de mudanças, encaminhado por meio de treinamentos, competições e acompanhamento pedagógico.

A partir de investigações realizadas nos Estados Unidos e Grã- Bretanha, Hebbelinck (1989) aporta duas concepções sobre crianças bem dotadas para o esporte. Uma veicula que “são aquelas identificadas por pessoas profissionalmente qualificadas, que devido às suas evidentes habilidades são capazes de alto nível de desempenho”. A outra volta-se a jovens de 8 a 18 anos de idade, em geral reconhecidos pelas suas escolas por apresentarem elevada habilidade intelectual ou que tenham evolução rápida e contínua em direção à posição de destaque, tanto nas áreas acadêmicas quanto na música, dança ou arte, cujas habilidades não são em princípio atribuíveis a fatores unicamente físicos.

Para Moskatova (1998) a identificação daquele que se destaca e o nível de desempenho que possa atingir dependem de grande variedade metabólica e morfológica, bem como dos aspectos psicológicos, cognitivos e sociais. Lembra ainda que o progresso dos recordes não é típico apenas dos atletas com genótipo fenomenal, mas também do aperfeiçoamento biomecânico dos movimentos, da metodologia de trabalho e as altas capacidades de reserva do aparelho locomotor de cada indivíduo.

Segundo Böhme (1995), classifica-se de acordo com a categoria e desempenho. Na primeira, desdobra-se em: i) geral; talento não é específico para determinada tarefa motora, com boa capacidade de aprendizagem; ou ii) especial; apresenta capacidade e dons especiais para certo tipo de modalidade ou exigência. Em relação ao nível, há necessidade de se observar em que ambiente está inserido, pois pode ser talentoso em competições escolares e, no entanto, o rendimento não ser aceitável em âmbito nacional.

De acordo com Harre (1984), a identificação daquele que se destaca reside  em predizer, com alto grau de probabilidade, se um adolescente poderá ou não alcançar bons resultados. Ressalta igualmente que o reconhecimento precoce deve obrigatoriamente começar na escola ou em atividades praticadas em clubes ou praças e que sua evolução é um processo de aquisição.

2- ORIENTAÇÕES E ETAPAS DO PROCESSO DE SELEÇÃO

Weineck (1999) alerta que as marcas atingidas no esporte por crianças e jovens decorrem da  situação que se encontram, período de treinamento, personalidade e o ambiente em que vive. Neste sentido, para aqueles que se destacam em uma ou diversas modalidades, na maioria das vezes, quando se inicia precocemente, grande importância dirige-se para a organização na busca do talento. Assim, Matsudo (1999) assegura que, apesar do  avanço científico relativo havido na área, iniciativas isoladas têm sido feitas: há programas mais elaborados como os de Cuba e da Escola de Colônia na Alemanha, que consistem na avaliação anual de milhares de escolares por meio de testes básicos em várias etapas, selecionados no período inicial, avançando para atividades específicas e, em seguida, os que se especializam para obter o alto nível. Demarca também situações mais recentes e menos abrangentes como Portugal, Austrália e Brasil, que utilizam baterias de testes de aptidão física.

Verifica-se, de imediato, que tais modelos se enquadram em três instâncias diferentes de busca  de casos excepcionais. A primeira foi claramente praticada nos países do antigo bloco socialista, cujo sistema estatal coordenava e subsidiava sistematicamente controle sobre população. Na segunda, o comando das ações fixa-se no poder privado, liderado pelo sistema universitário e/ou empresas e, por fim, há aquele realizado de forma irregular, cuja direção pode estar vinculada ao estado, a empresas privadas, a clubes e laboratórios ou a própria família.

Nesta mesma direção, porém com menor sistematização, Weineck (1991) singulariza três métodos. No primeiro, aprendizado e treinamento são naturalmente ambientais, pois por meio de brincadeiras ou os chamados “esportes de rua” (futebol, vôlei, basquete), crianças e jovens aperfeiçoam de forma espontânea uma modalidade esportiva. O seguinte tipifica-se pela redução do grau de liberdade e início o mais cedo possível e com a máxima estimulação, observando que a elevação da intensidade do trabalho deve ser aumentada de acordo com sua abrangência. Por fim, o terceiro que aponta no sentido de atingir o melhor desempenho a partir de formação múltipla de especialização, ou seja, parte-se do geral para o específico.

Diante deste cenário, registram-se algumas limitações e dificuldades nas diversas propostas, pois o efeito de diferentes fatores, como matizes culturais, prioridade política, escassez no uso de modelos estatísticos eficientes e precipitação na análise dos resultados, podem interferir tanto positiva quanto negativamente. De fato, Platonov, Fessenko (s/d) assinalam que um dos grandes problemas localiza-se na orientação desportiva, cuja finalidade é a busca das melhores perspectivas. Indicam também que, tanto a descoberta quanto a orientação, não ocorrem ao mesmo tempo, em uma ou outra etapa do aperfeiçoamento, mas fazem parte de toda carreira. Expressam ainda, a importância da educação física escolar como fundamental e demonstram quatro inflexões no processo de seleção, cujos objetivos vão desde a prática regular de qualquer modalidade até a participação em seleções de alto nível. Na primeira, chamada de inicial, trata-se encontrar crianças aptas para a prática de determinada modalidade e a segunda, conhecida como prévia, identifica-se pela preparação de base e procura destacar os que podem iniciar o processo de aperfeiçoamento. A próxima é a intermediária, contemplada como preparação de base especial, por individualizar aqueles  a serem  diferenciados em disciplina concreta e, por fim, a final ou de preparação de elite, cuja finalidade é selecionar os que podem obter grandes resultados. Pondenram, também, que as capacidades reais dos atletas se manifestam durante a aprendizagem e são conseqüência do inato e adquirido, tanto no âmbito biológico quanto social.

Marques (1993) ao fazer retrospectiva histórica da evolução do desporto na ex-República Democrata Alemã (RDA), historia dois pontos relevantes na estruturação de organização: desde pronto, o investimento científico para promoção da  cultura física e do desporto, cuja base do sucesso é edificada em sistema único de preparação em que vários setores da população, principalmente a juventude, é encaminhada para modalidade dentro e fora da escola; a seguir, as crianças e adolescentes que se destacam e  recebem condições favoráveis para desenvolvimento, além de suas as atividades escolares cotidianas. O autor assegura que, desde o nível inicial até atingir o de seleção nacional, o processo  abrange no mínimo oito e no máximo doze anos.

Em outra direção, Weineck (1999) focaliza para a problemática da escolha  no  nível inicial deste atleta e a fase em que se encontra. Apesar das adversidades, afirma que deveria iniciar-se nas aulas de Educação Física durante o primeiro ou segundo grau, vez que com trabalho regular seriam escolhidos os acima da média para determinada modalidade: consta-se, assim, com instrumento efetivo de avaliação e que permite analisar grande número de crianças e jovens. Porém, grande  responsabilidade toca à  capacidade dos alunos quanto às cargas e no respeito ao tempo de recuperação orgânica frente aos estímulos aplicados.

Fomitchenko, Gomes (1999) abordam a ação dos testes de controle, sobre o conhecimento das qualidades físicas e seus princípios básicos como validade, confiabilidade e objetividade, além da relativa simplicidade na execução e de fácil acesso. Entre atletas de elite, Zotko (1999) notou que nas primeiras colocações há evidente tendência a estabilidade dos resultados, cuja flutuação é da ordem de 1,5 a 2% e que, nas duas últimas décadas, treinadores e estudiosos do desporto têm procurado se basear em resultados motores. Como exemplo, russos e búlgaros correspondem, a partir de dados estatísticos dos vencedores das competições mais importantes, a do perfil do saltador em altura de nível elevado de qualificação.

Vale ressaltar que os testes para análise da aptidão física não devem ser superestimados, face a que informações como estado de saúde, maturação sexual e nível de preparação física, possíveis contra-indicações para práticas desportivas e atenção na duração do estímulo e seus processos recuperativos, após cargas de treinamento, necessitam consideração . Introduzem  critérios  qualitativos e quantitativos das capacidades especiais e que servem como marco de orientação. No campo pedagógico, direcionam para as qualidades físicas, coordenação motora e preparação técnico-tática; no médico-biológico, estado de saúde, idade biológica, caracteres morfológicos, funcionais e sensoriais; no psicológico: compreendem o grau  das qualidades volitivas, das particularidades do caráter e temperamento e, por fim, o sociológico, que engloba a caracterização dos motivos, interesses e desejos, bem como a influência formadora da família e da coletividade sobre o desporto.

Ainda neste contexto, Matsudo (1999) cita alguns indicadores de desempenho que auxiliam nas medidas de aptidão geral e específica, apesar das limitações e críticas. Dentre os fatores biológicos, as varáveis antropométricas mais utilizadas são peso, massas magra e gorda, comprimento de membros (pernas e braços) e estatura. Cabe ressaltar que esta última é marcante na maioria das modalidades e que, apesar de geneticamente pré-determinada, vários métodos são utilizados para seu prognóstico, principalmente o uso de tabelas normativas. Nas metabólicas, destacam-se para capacidade física de trabalho, consumo máximo de oxigênio, potência anaeróbia e limiar anaeróbio. Nas neuromotoras, situam-se velocidade, equilíbrio, tempo de reação, flexibilidade, agilidade e força. Outra interessante, porém de menor acesso, consiste na composição do tecido muscular (percentual de fibras rápidas, lentas e intermediárias), dado  que pode determinar a expressão da força no tempo. Estimador importante consiste na maturação biológica, pois embora a idade óssea seja a melhor alternativa, a sexual tem sido a mais adotada  (Bergamo, 1997) .

Na tentativa de buscar valores normativos de variáveis de aptidão física dos brasileiros, Matsudo et al (1987) vêm aplicando a denominada estratégia Z. A análise dos dados das equipes se fazia pela comparação de seus resultados com os valores padrões de referência em termos de escores absolutos, diferença percentual e, por fim, pela determinação da posição em relação à media populacional em unidades de desvio padrão. A crítica a respeito é que se ignora a recomendação de Weineck (1991) em relação aos grupos de fatores que exercem influência, como: i) requisitos antropométricos: tamanho e proporção corporal, peso, centro de gravidade; ii) características físicas: resistência aeróbia e anaeróbia, força dinâmica e estática, flexibilidade, velocidade de ação e reação; iii) aspectos técnico-motores: velocidade, percepção de espaço, tempo e ritmo, capacidade de expressão; iv) capacidade de aprendizagem: compreensão, observação e análise em diferentes situações; v) prontidão para desempenho: disciplina, aplicação ao treinamento, tolerância a insucessos; vi) capacidades cognitivas: concentração, inteligência motora, criatividade; vii) fatores afetivos: estabilidade psíquica, prontidão e controle do estresse durante competições e, por fim, viii) fatores sociais: capacidade de trabalhar em equipe, assumir função dentro do grupo.

Em relação aos aspectos emocionais, o mundo esportivo avançado exige trabalho desde a infância, pois cada modalidade parece apresentar um biotipo de atleta, métodos de ensino-aprendizagem, meios de organização das atividades e as pedagogias adaptadas às peculiaridades do sistema nervoso e temperamento (Kalinine, Giacomini, 1998), cuja relevância também refere-se aos traços da personalidade, com atenção para capacidade de concentração, grau de agressividade, auto-confiança, adaptação a novas situações e a ansiedade. Menos aprofundados  porém de grande relevância, radicam-se os fatores sociais que servem de sinalizadores de probabilidade de sucesso ou não. Nesse sentido o baixo nível sócio-econômico pode ter duplo produto: no lado negativo, pelas implicações nutricionais e constitucionais, e pelo oposto, a chegada ao esporte é, para muitos, uma das únicas formas de ascensão sócio-econômica.

Destaca-se também que, apesar de obterem sucesso em algumas situações, técnicos e professores usualmente baseiam-se, para a descoberta de talentos, subjetivamente na sua experiência e intuição: aí o problema maior está em encontrar  prognóstico o mais precoce e confiável da capacidade futura. Nota-se de imediato que se trata de fenômeno multifatorial e que o controle ou conhecimento de alguns vieses torna-se de fundamental importância, uma vez que alto desempenho em modalidades esportivas somente pode ser atingido com seis a dez anos de preparação planejada e sistematizada. Nesta direção, Oliveira, Campos e Ramos (1989) sintetizam preocupação relacionada ao tempo investido em atletas, para posterior observação de suas reais potencialidades, podendo-se, muitas vezes, criar falsas expectativas e gerar frustrações.

3- INFLUÊNCIA GENÉTICA E CONSTITUCIONAL

Do interior destas diferentes tendências de abordagem conceitual e aplicada emana atualmente a busca em entender o resultante do potencial que se manifesta em condições sociais apropriadas, diante de exigências e expectativas adequadas.  Com efeito, a variabilidade genética permite o aparecimento de extremos na população, que correspondem a combinações fenotípicas favoráveis e algumas parecem ter elevada dependência da hereditariedade, como peso, estatura, adiposidade e força muscular.

Em ensaio produzido em nosso meio, Kube et al.. (1996) mencionam duas ordens de fatos a respeito,quais sejam:  i) a informação biológica dos pais, passada de geração em geração por meio de células gaméticas, e ii) a outra, oriunda do meio ambiente, que, condicionada por tantas circunstâncias, acaba combinando-se em fenótipos diferenciados onde nem tudo o que parece ser é realmente como se mostra. Já Jacquard (1989) reconhece que "quanto mais rica a herança genética, tanto maior será o nível de interação deste com o meio ambiente": o genótipo é inato, porém o que se visualiza é a combinação deste com fatores extra-gênicos, resultando no fenótipo.

Autores como Moskatova (1998) ressaltam que, por mais perfeita que seja, a tecnologia do treinamento não modifica as capacidades orgânicas individuais do atleta e que a opção eficaz depende mesmo das biologias (genômica humana, antropologia física, morfologia desportiva, entre outras). Convergentemente, Klissouras (1986) peculiariza que todos os processos fisiológicos, bem como as capacidades funcionais  possuem fronteiras delimitadas congenitamente e que o treinamento rigoroso não pode levar para além das mesmas. Conclui que a herança não atua no vazio, devendo existir ambiente favorável para o  hereditário,  decisivo na obtenção do rendimento.

Neste sentido, importa consignar a influência do genótipo tanto nos sistemas cardiorrespiratório quanto neuromuscular. No primeiro, parece haver divergências: Klissouras (1971), em  pares de gêmeos monozigotos e dizigotos, tomou os fatores genéticos como os principais responsáveis pelo consumo máximo de oxigênio (VO2 máx.), tendo como estimativa maior, 90%. Porém, com as críticas recebidas em função do limitado controle ambiental e metodológico, construiu outros estudos, revelando que 42% da variação do VO2 máx. atribuía-se ao programa de exercícios físicos, 7% a possível interação meio ambiente-genética e 51% aos aspectos genéticos ( Weber et al, 1976).

Bouchard, Lortie (1984), referindo-se à contribuição da hereditariedade no sistema cardiovascular, encontraram os seguintes coeficientes de correlação para valores de VO2 máx. entre irmãos: adotivos (-0,01); biológicos e criados separados (0,09); biológicos e criados juntos (0,24); gêmeos dizigotos (0,50) e monozigotos (0,60). Desse modo, o efeito total do genótipo foi estimado entre 30 e 48%. Mais tarde, Bouchard (1986)  procurou examinar as principais pesquisas publicadas acerca da relação entre aspectos genéticos e capacidade aeróbia, resultando as discrepâncias associadas a: i) tamanho de amostras extremamente baixo; ii) efeitos não controlados de idade e sexo; e, por fim, iii) má utilização de métodos, tanto diretos quanto por estimação, na determinação do VO2 máx. . Assim, obtemperou pela participação do genótipo em torno de 40 a 50%.

Maes et al.. (1996), lidando com a capacidade aeróbia entre gêmeos belgas de dez anos de idade e seus familiares, estimaram que a herança contribuía com mais de 67%, porém os valores do consumo de oxigênio aparentemente não foram ajustados pela massa corporal. Já Bouchard e colaboradores, em ensaio multicêntrico denominado Herança, investigaram a função do genótipo sobre sistema cardiovascular e dentre as diversas constatações, a que mais chama a atenção é  a semelhança do VO2 máx. de 86 núcleos familiares em 429 sujeitos; calculam a herança, após os devidos ajustes de idade, sexo e massa corporal, em perto de 50% da variação residual (Rivera et al, 1999).

Quanto ao componente neuromuscular, Malina, Little (1985), visando esclarecer se a similaridade das medidas de força, por meio de dinamometria, entre irmãos com desnutrição de crônica a moderada modificar-se-ia em função do ambiente, obtiveram coeficientes de correlação ligeiramente menores que os detectados em crianças e adolescentes bem nutridos. Porém, ao corrigir os valores da força pelo peso corporal, tais indicadores entre irmãos do sexo masculino foram reduzidos consideravelmente, enquanto que entre as irmãs do sexo feminino permaneceram inalterados, mostrando assim maior suscetibilidade dos rapazes ao estresse do meio do que as moças.

De sua parte,  Montoye et al. (1975),  surpreenderam associação elevada entre valores de força de pais e filhos, porém as filhas registraram maior semelhança com os pais do que os filhos, indicando tendência acentuada quanto à hereditariedade entre moças.

A tal propósito, Lortie et al. (1986) imputam, como possível dependência entre genótipo e desenvolvimento da força, a acentuada contribuição da hereditariedade  sobre o tecido muscular, dada a moderada participação genética na proporção de fibras musculares de contração lenta (tipo I) em pares de gêmeos monozigotos, enquanto que as rápidas (tipos II a e II b) mostraram semelhança maior em indivíduos relacionados geneticamente. De fato, desde há décadas passadas, Hewitt (1957) defende que a hipertrofia muscular parece ser influenciada pelos fatores genéticos, posto que análises radiográficas dos músculos da perna em crianças contêm coeficientes de correlação de 0,56 entre pares de irmãos do sexo masculino e 0,63 no feminino. Mais tarde, Hoshi (1982), em pares de gêmeos monozigotos de 12 e 13 anos, detectaram similaridade na hipertrofia muscular por volta de 0,85.

Desde a antigüidade, conota-se a preocupação em agrupar seres humanos de acordo com os diferentes tipos físicos, em vista de os componentes estruturais, morfológicos e constitucionais permitirem avaliar tanto dimensões e proporções quanto a forma, tipo e composição corporal.

No âmbito esportivo, tais elementos são empregados a fim de se conhecer a tipologia e magnitude física dos atletas. Particularmente no basquetebol, há necessidade de se definirem elementos marcadamente constitucionais, como elevada estatura e envergadura, baixo peso em gordura e massa muscular superior. De fato, Matsudo et al. (1984) empenham-se com dados médios da seleção brasileira masculina, tidos como referência: estatura de 196,3 ± 5,8 cm e peso de 91,1 ± 10,6 kg. Uma década mais tarde, apontam valores médios mais elevados no primeiro, 198,2 ± 7,1 cm e inferiores no segundo, 90,9 ± 14,3 kg.  Já Elliot, Mester (2000) advogam que o atleta deve ser ágil, hábil para saltar, alto com tronco e membros (superiores e inferiores) longos.

Outro indicador biotipológico é o somatotipo de Heath, Carter (1966), que avalia as variações do físico humano,  pela interação de três componentes primários, de acordo com a origem embrionária dos tecidos, denominados de endomorfo (endo), mesomorfo (meso) e ectomorfo (ecto): cada indivíduo conforma concomitantemente todos os componentes, porém com intensidade variável.  Em conseqüência, esquematizam-se três tipos principais: o primeiro com tronco volumoso e massa concentrada no abdome; no segundo, predomina físico forte, retangular, com musculatura desenvolvida e bem delineada; e por fim, o terceiro, o da linearidade dominante, com estrutura corporal delicada. Seus valores são estimados por meio de cálculos em medidas de escala que varia de 1 a 7.

De Garay (1974) introduzem valores  de referência para atletas olímpicos de atletismo em diferentes provas: 400m, endo: 1,5; meso: 4,5; ecto:3,3 e maratona: endo:1,4; meso: 4,3; ecto: 3,5 e também em natação, em diferentes estilos como o livre: endo: 2,2; meso: 4,7 e ecto: 2,9.  Nesta direção, Caldeira et al. (1981), no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa de São Paulo, assumiram os seguintes valores para os três componentes somatotipológicos: no voleibol masculino: 2,36; 3,49; e 3,59; no feminino, 4,06; 2,53; 3,22; no basquetebol feminino, 3,49; 1,95 e 3,72; no masculino, 2,35; 3,05 e 4,03; na ginástica feminina, 2,62; 3,66 e 3,04 e na masculina, 1,74; 5,19 e 2,56. Explicitam ainda, que ao analisar os três elementos evidenciou-se, nos atletas masculinos,  predominância de ectomorfia e mesomorfia, sendo que no feminino não existiu dominância.

Diante do exposto, conclui-se que o aparecimento do talento é processo complexo em que não se devem considerar apenas os aspectos biológicos ou constitucionais mas, entre outras, as condições sociais apropriadas, respeitando ainda, as diferentes etapas do aperfeiçoamento.

NOTAS

* Professor Titular do Departamento de Ciências do Esporte da Faculdade de  Educação Física da Unicamp.

** Professor do Curso de Educação Física da Universidade Metodista de Piracicaba.

SEARCHING FOR CONTRIBUTIONS TO UNDERSTAND THE PROCESS SPORTS TALENT DETECTION

ABSTRACT

The search, identification and development of young talents in the sporting environment has been given prominence in the inner sporting sciences. Some difficulties are observed in this process, mainly as to how to determine parameters that allow an earlier and more trustworthy diagnosis for the organization and guidance of the sporting education. With this in mind, this text is aimed at reconstructing the meaning of the word ‘talent’ and next understand the processes or models for the identification of the talented youngster, as well as the limitations and difficulties found in the sports orientation and, lastly, emphatically explore the constitutional and environmental factors having influence in the detection of high performance levels sports practitioners.

KEYWORDS: talent – sports – constitutionality - genetics

RECUPERANDO CONTRIBUCIONES PARA ENTENDER EL PROCESSO DE DETECCIÓN DEL TALENTO DEPORTIVO

RESUMEN

La búsqueda, identificación y desarrollo de jóvenes talentos en el ámbito de los deportes ha merecido destaque en el interior de las ciencias del deporte. Se observan algunas dificultades en este proceso, principalmente en relación a cómo encontrar parámetros que permitan un pronóstico más precoz y fiable en la organización y orientación de la formación deportiva. En ese sentido, se pretende en el presente texto reconstruir la definición de la palabra ‘talento’ y, enseguida, entender los procesos o modelos de identificación del joven talentoso, así como las limitaciones y dificultades en la orientación deportiva y, finalmente, explorar enfáticamente los factores constitucionales y ambientales que ejercen influencias en la detección de deportistas de alto nivel de desempeño.

PALABRAS-CLAVES: talento – deportes – constitucionalidad - genética

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Recebido em: 29/01/2008

Aprovado em: 26/03/2008

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