AVALIAÇÃO: UM INTERVIR SOBRE A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

MARCO ANTONIO MEDEIROS BATISTA *

RESUMO:

O presente trabalho tem a pretensão de começar um debate acerca da avaliação nas universidades, com base em pesquisa realizada em uma IES e entrevistas com docentes da mesma. Segundo autores como Hoffmann, Ramos, Palafox, Demo e outros, a avaliação deve ser repensada para que ela possa realmente contribuir para a construção do conhecimento pelos envolvidos no processo. PALAVRA-CHAVE: Educação Física, avaliação, intervenção, conhecimento.

INTRODUÇÃO

Antes de mais nada devemos esclarecer que o termo intervenção vem do latim interventione e refere-se a uma ação planejada que tem como finalidade garantir a integridade ou a restauração de uma determinada ordem. Nesta direção, Palafox (1999, p. 17) diz:

Hermeneuticamente, o termo remete seu significado simbólico e sua aplicação a um tipo de ação unilateral que é promovida e executada por um agente dotado de autoridade e poderes com vistas a agir na forma de uma ajuda emergencial, uma mediação entre oponentes, uma influência e um tratamento enérgico ou uma intrusão. Ajudas, mediações ou tratamentos que podem, inclusive, ser aplicadas com violência de acordo com as necessidades e interesses de quem promove o ato de intervir.

Ainda neste texto, Dubost (apud Palafox) contribui dizendo que o termo intervir pode ser diferente quando se refere a ações coletivas e voluntárias, que não só buscam a integridade e a restauração da ordem, mas também tendem a promover a transformação da consciência individual e coletiva. Promove também significativas alterações estruturais no interior dos sistemas de intervenção tradicionais no sentido de tornálos menos tecnoburocráticos. E é nesta perspectiva de intervenção que pretendemos nos ater.

A AVALIAÇÃO NESTE CONTEXTO

O presente texto surgiu da necessidade de suscitar o debate sobre a avaliação nas universidades. E uma pergunta vai nortear este momento: qual a função da avaliação no processo de produção do conhecimento? Se considerarmos a perspectiva dialética da educação, o conhecimento tem sentido quando possibilita o compreender, o usufruir ou o transformar a realidade. E, partindo desta perspectiva dialética do conhecimento, o que se visa é chegar à síntese que é resultante das relações entre a tese e sua antítese. A avaliação neste contexto representa os nexos de desempenho social dos excluídos. A avaliação nessa direção tende a equalizar as oportunidades em favor dos excluídos, ou seja, como aduz Demo (1996), a avaliação cumpre aí dois papéis essenciais: o de expediente de pesquisa diagnóstica, no sentido de averiguar com devida profundidade as condições de desempenho do aluno, indicando virtudes e vazios, problemas e potencialidades, motivações e obstáculos com vistas a uma tomada de decisão em função dos resultados que estão sendo buscados na ação educativa; e o de instrumento para refazer a rota de inclusão do aluno, garantindo-lhe o direito ao desempenho qualitativo considerado satisfatório, pelo menos. Portanto, a avaliação deve se distanciar da sua atual utilização que é a de expressão do confronto de privilégios para se aproximar da sua real função. E só é possível se for realizada como elemento integrante do processo de construção do conhecimento, comprometido com um projeto histórico e com um projeto políticopedagógico da instituição.

A REALIDADE... SEM O PANO DE FUNDO

A realidade da avaliação hoje é que a maioria dos professores desconhece o que é e qual a função da avaliação1. Parafraseando Melchior (1994), se o professor não tem clareza sobre “o que é avaliar?” facilmente será prejudicado. E em função deste desconhecimento é que nos salta uma inquietação que é a de que no percurso educacional do professor, durante seus anos escolares, este profissional se deparou com uma prática avaliativa que correspondia a interesses, fossem eles de uma dada pedagogia ou de uma dada sociedade em seu dado contexto. Hoje estes enfoques não correspondem à realidade e muito menos à nossa percepção e intencionalidade no que diz respeito à ação educativa. E, então, qual deve ser o posicionamento da formação inicial para romper com este círculo vicioso? Em primeiro lugar, não só na disciplina Didática e Prática de Ensino, mas sim em todas as disciplinas, deve-se desvelar a avaliação em todos os seus aspectos políticos, sociais e técnicos. Não que se esteja buscando na avaliação uma sistemática não-ideológica, mas aquela que facilite seu controle, torne-a transparente, revele sua energia, para que possa manter-se sempre discutível. Este último aspecto, o aspecto técnico, pessoalmente nos remete a uma pesquisa2 realizada em uma Instituição de Ensino Superior (IES) com processos de revisão de prova e com entrevistas com docentes. A conclusão foi a de que a maioria dos docentes não possuía conhecimento dos aspectos técnicos da avaliação, mesmo aqueles que tinham um discurso embasado teoricamente sobre o assunto. Portanto, não é objetivo deste estudo considerar por que estes docentes não colocam em prática tal conhecimento teórico, mas sim refletir sobre a prática avaliativa destes docentes.

Se um graduando, com toda sua história de momentos avaliativos, passar pela formação inicial e continuar a reconhecer as mesmas práticas, dificilmente conseguirá abandoná-las. Afinal, o único referencial de avaliação que ele possui é sua experiência passada. E já que estamos falando nisto, qual conhecimento estamos construindo com esta prática? Se a avaliação não tem cumprido sua verdadeira função de mecanismo a serviço da construção do melhor resultado possível, de instrumento auxiliar do processo de ensino e aprendizado, estamos, no mínimo, deixando de lado um dos objetivos iniciais deste processo que é fazer com que nosso educando aprenda bem e com qualidade formal e política. A pesquisa acima citada nos alerta para um hiato entre o discurso e a prática avaliativa nos cursos de formação inicial.

Jussara Hoffmann (1993, p. 75), em um dos capítulos de sua obra Pontos e contrapontos: do pensar ao agir em avaliação, faz uma pergunta que está mais próxima do que nunca de nossa reflexão: “Como acreditar em uma mudança da avaliação no 1.o e 2.o graus, se a prática avaliativa na universidade – e em muitos cursos de licenciatura – é justamente a mais tradicional de todas?”Ainda neste capítulo ela enuncia alguns mitos há muito denunciados sobre a avaliação:

¨ Mito 1 – a qualidade dos cursos diminui quando a maioria dos alunos é promovida; os cursos e professores mais sérios são os que mais reprovam.

¨ Mito 2 – provas finais extensas e, sobretudo, objetivas são os instrumentos mais eficazes para verificar o domínio do conhecimento.

¨ Mito 3 – não se pode admitir que um estudante universitário cometa qualquer erro! Que profissional estamos “formando”?

¨ Mito 4 – a avaliação é uma exigência do sistema que se cumpre rigorosamente, embora de forma arbitrária e controladora. É um mal necessário!

¨ Mito 5 – é impossível utilizar-se de conceitos ou de outras formas de registro na análise de desempenho de um estudante. Somente o sistema de atribuição de notas e cálculos de médias é justo e preciso na aferição da aprendizagem dos estudantes. Hoffmann complementa que “tais mitos perpetuados entre professores do 3.o grau dão origem a situações absurdas vividas por alunos”. Para ilustrar estas situações vamos dar um exemplo de nossa pesquisa. Um aluno pediu revisão de prova, pois havia recebido uma nota insatisfatória (2,5). Foi formada uma comissão de três professores da mesma área do professor em questão. Ao analisarem a prova, não entenderam o porquê da revisão, mas resolveram chamar as partes envolvidas para averiguação. Na conversa, o aluno argumentou: “A prova dizia: disserte sobre o texto de fulano de tal? E eu dissertei sobre um aspecto do texto, mas o professor me disse que não era aquilo que ele havia pedido. Bom, se eu não fugi do tema e fiz o que ele pediu na prova, por que aquela nota?”. O professor reforçou o argumento do aluno: “Ele tirou esta nota porque não fez o que eu pedi!” Se analisarmos bem o texto da questão não específica, o que o professor pediu? Aqui podemos claramente perceber que encaramos a avaliação como uma intervenção no processo de produção do conhecimento, o que nos remete à definição de intervenção dada por Palafox no início deste texto, em que o termo remete a uma ação unilateral, um tratamento enérgico do professor em relação ao aluno. O professor acaba por encarar a avaliação como sendo “seu” instrumento de controle. Voltando à situação relatada, cabe-nos informar que a comissão decidiu que o professor deveria alterar a nota do aluno.

Devemos sim ressaltar as palavras de Hoffmann (1998, p. 84), em que ela diz que devemos “considerar o repensar da avaliação na universidade, pois ela tem servido de modelo às práticas desenvolvidas em nossas escolas”.

ELEMENTOS PARA O DEBATE FINAL

Para iniciar este momento consideraremos as palavras de Palafox (1998, p. 26):

Pensar a avaliação numa perspectiva crítica de educação significa partir da análise crítica das formas convencionais de como este processo tem sido pensado e aplicado na educação, baseando-se no pressuposto dialético de que as realidades tanto naturais quanto sociais, longe de tenderem à estabilidade e a uma organização harmônica, são dinâmicas, instáveis e complexas”.

Ao encararmos a realidade como sendo dinâmica, instável e complexa, poderemos, a partir daí e na direção de um projeto histórico diferente deste estabelecido, percorrer como maior profundidade esta categoria tão importante que é a avaliação, principalmente quando falamos de avaliação no ensino de 3.o grau, pois, como foi citado anteriormente, percebemos que esta avaliação tem sido utilizada como modelo para as escolas de 1.o e 2.o graus. Na intenção de fomentar o debate a respeito desta categoria, enumeraremos algumas práticas na intenção de superação deste quadro, porque se esta prática aparece secularmente vinculada à ideologia dominante, como uma ação de controle e de seletividade no processo educativo, não se admite que a academia apenas a negue ou a critique.

¨“Se os estudantes dos cursos de licenciatura não tiverem a oportunidade de refletir sobre os pressupostos teóricos que embasam tais procedimentos, [eles] não desenvolverão uma consciência crítica para entender o que lhes acontece enquanto alunos e contribuir para reverter esse quadro na universidade e, posteriormente, nas escolas”(Hoffmann, 1999, p. 66). A avaliação deve deixar de ser expediente de julgamento do desempenho do aluno, para ser um julgamento do processo, da caminhada em conjunto dos envolvidos neste processo.

¨ Se este modelo (de avaliação) que se instala em instituições formadoras é o que vem a ser seguido por esses alunos quando passam a exercer a docência, devemos colocar este modelo em discussão, sem censuras e temores de desvelar sentimentos e concepções individuais.

¨ Os currículos dos cursos de formação não podem desvalorizar o poder do conhecimento na luta pela autonomia individual e social. É essencial que o professor domine conteúdos, métodos e procedimentos de ensino e saiba adequá-los ao seu aluno concreto. É necessário também que compreenda o processo de construção social do conhecimento e que perceba as origens da situação de crise em que vivemos, reconhecendo as causas da manutenção de uma ordem social tão perversa. Os silêncios que acontecem no currículo não são acidentais eles representam, sim, respostas socialmente construídas, às quais subjazem interesses e propósitos definidos.

¨ É importante a criação de espaço de discussão, na sala de aula, na coordenação, na direção, com pais e funcionários, sobre instrumentos avaliativos, indicadores avaliativos e critérios de avaliação.

¨ Devem-se pesquisar os impactos e reflexos de um processo diferenciado de avaliação, após ser implementado, no 3.o grau, na formação de um profissional competente, a partir de um aluno comprometido, co-responsável pela construção e reconstrução do conhecimento.

Para finalizar e, ao mesmo tempo, instigar este debate, ficaremos com as palavras de Ramos (1999, p. 88):

Daí a relevância de aprofundarmos um pouco mais os estudos sobre a categoria avaliação para que ela possa contribuir – integrada a um novo projeto de sociedade – para uma outra forma de organização do trabalho pedagógico, superando os processos segregativos de indivíduos, dos grupos, etnias, minorias sociais, entre outros. Certamente que teríamos como ponto de partida a realidade da atual escola capitalista, mas o ponto de chegada certamente seria a construção de novas relações sociais verdadeiramente democráticas em consonância com os ideais da maioria das pessoas excluídas dos bens sociais.

Que assim seja e que venha o debate.

NOTAS

* Especialista em Educação Física Escolar -CAJ/UFG

Tal afirmação tem suporte em pesquisas como as realizadas por Batista (1997). Medeiros (1998) e Melchior (1994).

Esta pesquisa deu origem ao trabalho “Fale sobre o texto: a inconsistência e a fragilidade da avaliação”, apresentado por Marco Antônio Medeiros Batista na I Jornada Pré-Conbrace – regional de Goiás.

ABSTRACT

The present paper intendos to bring into discussion the process of evaluation at the universities based on researches and interviews. According to Hoffmann, Ramos, Palafox, Demo, the process of evaluation requires to be understood in another way in order to contribute to the act of learning.

KEY WORDS: Phisycal Education, evaluation, intervention

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEMO, P. Avaliação sob o olhar propedêutico. Campinas, SP : Papirus, 1996.

HOFFMANN, J. M. L. Contos e contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. Porto Alegre : Mediação, 1998.

MELCHIOR, M. C. Avaliação pedagógica : função e necessidade. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1994.

PALAFOX, G. H. M. Educação Física e Ciências do Esporte: intervenção e conhecimento na escola In: I Congresso Goiano do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Anais ..., CBCE, 1999.

RAMOS, V. A. Políticas públicas e avaliação: onde estamos? Para onde vamos? In: Pensar a prática : revista da pós-graduação em Educação física/UFG - Faculdade de Educação Física, v. 2, n. 1, 1998.

VASCONCELLOS, C. S. Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo : Libertad, 1999.

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