CAMINHOS DE PESQUISA: O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE SOBRE O TRABALHO COLETIVO

Fabiano Bossle *

Vicente Molina Neto **

RESUMO

Este artigo trata do trabalho coletivo dos professores de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Através da análise de documentos da Secretaria Municipal de Educação, na pesquisa que está em andamento esse procedimento é de fundamental importância para compreender o espaço de trabalho docente nesta Rede de Ensino. A análise dos documentos permitiu compreender que embora tenham ocorrido mudanças na gestão da Secretaria, o trabalho coletivo permanece como possibilidade de concretização da Proposta Político-Pedagógica nas Escolas Municipais desta cidade.

PALAVRAS-CHAVE: trabalho coletivo - proposta político-pedagógica - rede municipal de ensino de Porto Alegre - análise de documentos

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao iniciar o trabalho de campo da pesquisa intitulada “O Eu do ‘Nós’”, que busca investigar o trabalho docente coletivo na perspectiva dos professores de Educação Física da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre (RMEPOA), começamos buscando informações junto à Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMEDPOA). Neste contato inicial de aproximação ao campo de pesquisa fomos encaminhados a Assessoria por Área da Educação Física. Explicamos o desenho metodológico da pesquisa, seus objetivos e procedimentos. Neste diálogo identificamos a necessidade de buscar informações que ajudassem a compreender a Proposta Política-Pedagógica em desenvolvimento na educação municipal.

Neste sentido, tivemos acesso aos documentos da SMEDPOA para este exercício de leitura e análise de aproximação ao próprio tema de pesquisa. Entre estes documentos destacamos:

table

Desta forma, estes documentos alcançados e entendidos como ricas fontes de informação foram importantes para compreender não somente o contexto onde se insere o objeto de estudo (OLIVEIRA, 2007), ou seja, o espaço de construção do trabalho coletivo na RMEPOA, mas, também, no sentido de apropriação em profundidade dos recentes encaminhamentos da gestão da SMEDPOA, eleita para exercício da gestão no Município para o período de 2004-2008. Diante disto, nossas inquietações acadêmicas centraram-se na hipótese de que depois de 16 anos no poder, a troca de formação política no governo da cidade implicaria em mudanças na gestão da educação municipal.

Assim, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir as informações contidas nos documentos da SMEDPOA que contemplem a perspectiva do trabalho coletivo na Proposta Político-Pedagógica desta Rede de Ensino, um tema que para nós é muito caro, uma vez que entendemos o trabalho docente coletivo como uma estratégia adequada para lograr a qualidade da educação pública. Para tanto, adotamos neste artigo o procedimento de análise de documentos como técnica principal, e não de maneira complementar (MOLINA NETO, 1999) em que obtemos informações de “fontes vivas” (quando realizamos entrevistas, observações, grupos de discussão e outros), mas, concordando com Gil (1999) quando buscamos com este obter informações de “fontes de papel”.

Concordando com Lüdke e André (1986), consideramos a análise de documentos uma técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos. Neste artigo analisamos alguns documentos do tipo oficial, ou seja, desde o Projeto Político-Pedagógico, o diário oficial do Município de Porto Alegre e materiais escritos pela SMEDPOA que expressam a educação neste município. A mudança de gestão municipal no ano de 2004, ao mesmo tempo em que nos traz um alerta de atenção às alterações políticas, se caracteriza, também, de acordo com o que Mercant (1995) destaca  para a realização de estudos com utilização desta técnica de coleta de informações, que trata de aceitar que o conhecimento é sempre relativo ao contexto histórico, ou seja, que precisamos descobrir a relação significativa entre documentos e tempo, estabelecendo, assim, uma compreensão não somente das palavras do documento, mas do seu “conteúdo de comunicação” (p. 167).

A COMUNICAÇÃO OFICIAL DOS DOCUMENTOS - DE 1989 A 2007

Resgatando brevemente a recente história da RMEPOA, no ano de 1989 a RMEPOA inicia um processo de gestão organizado pela frente popular1, que tem a duração de 16 anos. Nestes anos foram construídas ações que passaram pelo construtivismo e culminaram com a Proposta de Escola Cidadã. Assim, retomando o contexto mais amplo destes projetos para depois aprofundar a discussão específica do âmbito da Secretaria de Educação, o Município de Porto Alegre passa a adotar iniciativas que visam a democratização das decisões da gestão pública, expressos em movimentos de participação da população através de projetos como Cidade Constituinte, Orçamento Participativo e Constituinte Escolar2. Nesta idéia de participação coletiva, de construção e de co-decisão, é iniciado, então, um processo gradativo de reestruturações, também na RMEPOA, a partir dos eixos temáticosdemocratização do acesso, democratização do conhecimento e democratização da gestão(SMED, 2000), que culminam com a organização do ensino e desenvolvimento do currículo por ciclos de formação. Cabe destacar que o desenvolvimento do currículo escolar organizado por ciclos de formação, teve efeitos profundos na organização da escola, em mudanças na gestão educacional e na distribuição do tempo para aprendizagem de todos os estudantes (LIMA, 1998).

Nesta perspectiva da construção de participação está implícita uma concepção de cidadania. Esta pode ser entendida como o exercício pleno da sociedade, quanto a seus direitos e deveres, baseado no exercício da democracia e estendido à escola. É nesse sentido de participação e de gestão democrática que são adotados o Orçamento Participativo e o Planejamento Participativo na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (1998), com o objetivo de ampliar a participação nas decisões sobre a aplicação de recursos financeiros nas escolas (SMED, 2002). Desta forma, pretende contemplar tanto a escola quanto a comunidade, porque propõe o processo de administração dos recursos não apenas pela mantenedora, mas pela comunidade escolar envolvida e comprometida com o orçamento e as questões da escola.

A Escola Cidadã é o projeto educativo manifesto pela preocupação com a escola pública que representa a exclusão, evasão, repetência e transmissão de conhecimentos. De acordo com o pensamento de Paulo Freire, principalmente quando assume a Secretaria da Educação do Município de São Paulo3, e propõe o desafio de reinventar a escola, passa-se a entendê-la como um centro de participação popular na construção da cultura. Dessa forma, é desencadeado o Projeto Constituinte Escolar (1994) pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, contemplando a reinvenção da escola proposta por Freire, na construção de uma escola fundamentalmente comprometida com as classes populares.

Com o objetivo de contemplar a inclusão no atendimento às classes populares, a estratégia da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre está representada pelos projetos SEJA e MOVA. O primeiro contempla o Serviço de Educação de Jovens e Adultos, construído como possibilidade de escolarização para os jovens e adultos que não tiveram acesso à escola, em nível fundamental. O segundo, o Movimento de Alfabetização Porto Alegre, é um projeto de alfabetização em massa, que conta com educadores populares, indicados pelas entidades comunitárias, que recebem assessoria e formação pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Há também que se considerar, as Escolas para Crianças com Necessidades Educativas Especiais, como forma de atendimento aos meninos e meninas de rua na Escola Municipal Porto Alegre (EPA) e a expansão e fortalecimento da Rede Municipal de Educação Infantil. Dessa forma, se concretizam outras estratégias do amplo projeto de  democratização da gestão e do acesso e da permanência dos alunos na escola.

A Constituinte Escolar, processo de construção coletiva com a participação da comunidade escolar, integra o processo de reestruturação curricular proposto pela Secretaria Municipal de Educação no âmbito da democratização do acesso ao conhecimento. Este processo, orientado pela gestão democrática como princípio educativo, construiu o caminho para a criação da escola pública popular, transformadora e democrática, e partiu da necessidade de responder a questão sobre “A Escola Pública Municipal que queremos construir” (FREITAS, 1999: 37). Neste processo, foram elaborados os Princípios da Escola Cidadã4, a partir da organização em torno de quatro eixos temáticos propostos no Projeto Constituinte Escolar: gestão da escola, organização curricular, princípios de convivência e avaliação. O total de 94 princípios serviu para orientação da construção dos regimentos escolares.

A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre propôs, em 1999, a reflexão sobre a política educacional implantada até aquele momento, através do II Congresso Municipal de Educação. Com o objetivo de propor uma reflexão  sobre a relação da escola com a sociedade, partindo da abordagem e discussão dos eixos temáticosdemocratização do acesso, democratização do conhecimento e democratização da gestão(SMED, 2000).

As diretrizes eleitas pela comunidade, nesse evento, respaldaram as reestruturações promovidas pela Secretaria Municipal de Educação e a política de democratização radical da escola. Sobre essas reestruturações, em nível de currículo, estão a escola organizada por ciclos de formação, os complexos temáticos, os laboratórios de aprendizagem, as turmas de progressão, a interdisciplinaridade e o planejamento coletivo. Em relação ao trabalho docente coletivo na RMEPOA, objeto deste artigo, é necessário destacar que o mesmo estava colocado no próprio entendimento de currículo como “ação, caminhada construída coletivamente” (SMED, 1999, p. 06).

A adoção da proposta de ciclos de formação se constitui, também, na implantação de laboratórios de aprendizagem para os alunos com dificuldades de aprendizado, no turno inverso ao que têm aulas; turmas de progressão para o aluno que está com defasagem em relação à sua idade; avaliação como um processo contínuo e participativo, com função diagnóstica, prognóstica e investigativa (SMED, 1999), que possibilite reflexão sobre a ação educativa e seu redimensionamento; por último, os complexos temáticos, entendidos como um instrumento orientador da prática educativa.

Os complexos temáticos5 pressupõem uma leitura da realidade dos alunos. A ação educativa é pautada pela concepção de conhecimento interdisciplinar, que possibilita uma relação significativa entre o conhecimento e a realidade, entre os conteúdos do processo de ensino-aprendizagem e os saberes dos alunos daquela comunidade. A construção dos complexos temáticos de cada escola conduziu a uma investigação sócio-antropológica na comunidade, envolvendo os coletivos docentes na busca de informações para organização de todas as atividades escolares. Dessa forma, o ponto de partida para as definições de ordem pedagógica das diferentes áreas do conhecimento é a realidade, onde se enfatiza, sobretudo, a construção de conceitos a partir das diversas situações de aprendizagens.

Outro aspecto importante da organização da escola por ciclos de formação é a interdisciplinaridade. Essa reestruturação curricular busca acabar com a fragmentação das disciplinas e dos saberes trabalhados nessas disciplinas de forma isolada, contrapondo-se portanto, como uma inovação que tem como finalidade educativa a unidade do saber (JAPIASSU, 1994). Pressupõe uma atitude interdisciplinar(SMED, 1999) como proposta de trabalho, não apenas o esforço da interação de duas ou mais disciplinas, mas a complementariedade dos métodos, dos conceitos e das estruturas que fundam as diferentes disciplinas e sua relação com a realidade. Como proposta de trabalho dos professores, o trabalho interdisciplinar6 supõe uma atitude de coletividade, de organização de um planejamento coletivo que contemple o conjunto das reestruturações curriculares propostas.

Em 2001 a RMEPOA passa a usar de forma complementar o conceito de Cidade Educadora. Trata-se de uma ampliação do conceito, no sentido de representar uma continuidade do processo desenvolvido pela Escola Cidadã, através de seus princípios e reestruturações, promovendo o diálogo e a coexistência entre a Escola Cidadã e a Cidade Educadora. Este último conceito representa um posicionamento político diante do contexto sócio-político-econômico-cultural mundial, porque diz respeito à intencionalidade educativa que permeia as relações pessoais, administrativas e políticas, não se estabelecendo exclusivamente na escola, mas na cidade em geral, portanto, um conceito mais amplo.

A possibilidade de ampliação do espaço de aprendizagem através da concepção de Cidade Educadora, não promoveu alterações nas reestruturações curriculares desenvolvidas pela proposta político-pedagógica da RMEPOA. No âmbito da democratização do acesso ao conhecimento, a construção das aprendizagens, e os processos de ensino-aprendizagem nas escolas operavam em conformidade com a visão de currículo processual, em um movimento dialético de ação-reflexão-ação(SMED, 1999). Desta forma, permanece a organização do Ensino Fundamental em três ciclos de formação, estruturados a partir da faixa etária dos alunos7, em contraposição ao modelo tradicional de currículo que se organiza em séries estruturadas, a partir de conteúdos a desenvolver.

Com a derrota da Frente Popular no pleito eleitoral de 2004 para a Prefeitura Municipal, ocorreu a troca de gestão na SMEDPOA a partir de 2005. Em meio às dúvidas e incertezas sobre as políticas públicas que seriam adotadas pela nova equipe gestora, os encaminhamentos já de início apontaram para a avaliação do ensino por ciclos e do trabalho docente nas escolas com a expectativa de que as questões encaminhadas poderiam fundamentar alternativas para mudar radicalmente o projeto educacional através do documento intitulado “Educação discute a escola por ciclo de formação” (PORTO ALEGRE, 2005). Para amenizar estas inquietações na RMEPOA, a aula inaugural de 2005 teve como “título-desafio: ‘Um pouco de possível, senão eu sufoco’” (RELATÓRIO DA SMEDPOA, 2005). Estes títulos apresentados despertam questões tais como: que significam esses documentos? Contemplam a perspectiva de professores resistindo aos ciclos de formação ou tensões estabelecidas através de práticas possíveis?

No documento intitulado “Avaliação dos Ciclos de Formação” (SMED, 2006a), realizada durante o ano de 2005, os “operadores” do processo de avaliação definidos em questões levantadas pelas escolas foram a aprendizagem, gestão e a inclusão. Destacamos desta avaliação, a partir do “operador” aprendizagem, a questão dos ciclos de formação, em que foi apresentado que quase 70% dos professores responderam que concordam plenamente ou concordam e 22% concordam parcialmente que o ciclo de formação contribui para o processo de construção do conhecimento do aluno. A análise quantitativa desta questão permite inferir que há aprovação de uma parcela significativa dos professores que apóiam os ciclos de formação e, por outro lado, de que seria preciso continuar as análises através de outros instrumentos que permitam interpretar em maior profundidade esta questão.

No conjunto de ações implementadas pela SMEDPOA desde 2005 através de “conversações pedagógicas” com o objetivo de qualificar equipes diretivas, professores, funcionários e alunos, foi proposta uma reestruturação na forma de funcionamento das assessorias. Assim, foram chamados de “Agenciamentos Pedagógicos Coletivos” (SMEDPOA, 2006b).

Essa reestruturação objetiva atender as escolas em suas demandas, gerenciar as políticas desta administração e significar a existência de um grupo de assessoria que aqui está para efetivamente potencializar o trabalho das escolas em suas respectivas realidades, vivências, histórias, trajetórias e expectativas em relação ao nosso trabalho. (SMEDPOA, 2006b, p, 01)

Esta reestruturação foi organizada a partir da constituição de assessorias por áreas de conhecimento e organização do próprio ensino na RMEPOA8. Com esta perspectiva de assessoria implantada foram apresentados os três eixos balizadores dos 21 programas da administração, sendo o político, o pedagógico e o institucional. De acordo com esta proposta, estes eixos seriam atravessados por quatro “idéias-força” no sentido de “Manter Conquistas! Construindo Mudanças” (SMEDPOA, 2006c), quer sejam: desconstrução do racismo de Estado, desnaturalização de padrões, exercício da diferença e produção de singularidades. Destacados de maneira significativa nestes documentos são os movimentos que a SMEDPOA pensa no sentido de promover “atravessamentos e entrelaçamentos” entre diferentes setores e pessoas envolvidas com a RMEPOA através de “trabalho em equipe”.

Sugerimos um trabalho em equipe no qual representantes de diferentes setores deverão estar em permanente diálogo, troca, planejamento, agendas, para que possamos falar efetivamente da existência real e concreta de uma política de rede, de uma linha comum, que trabalhe com as diferenças, pois acreditamos serem elas propulsoras de outros novos saberes. Neste sentido, é necessário ter claro onde queremos chegar com essas ações, para que as escolas e, conseqüentemente, seus projetos, propostas, ações, etc, estejam em consonância com o projeto maior dessa secretaria. Não para termos um único projeto como regra a ser seguida independentemente pelas escolas, mas que permita as mesmas que se vejam como protagonistas, parceiras na elaboração e também responsáveis na execução destas. (SMEDPOA, 2006c, p. 02)

É possível perceber que há um entendimento por parte da SMEDPOA da complexidade que demanda o trabalho coletivo (PERRENOUD, 2001a; 2001b). Esta perspectiva de trabalho em equipe demanda, grosso modo, estudos e aproximações entre diferentes setores e áreas de conhecimento em torno de uma única proposta ou projeto e não simplesmente de arranjos materiais ou práticas de intercâmbio, mas de pessoas que acabem por constituir o que Perrenoud (2001a) chama de sistema de ação coletivo – todos colaboram com um mesmo trabalho. Este pensamento é corroborado por Tardif e Lessard (2005), quando estes últimos afirmam que para haver trabalho coletivo é necessário, em primeiro lugar, uma “filosofia orientada para o trabalho em equipe e para projetos coletivos”, o que corrobora com o estudo de Mainardes (2007) quando este destaca que as mudanças – como os ciclos de formação, por exemplo – lidam com professores cujas identidades e crenças normalmente estão relacionados ao sistema seriado e, talvez, em sentido oposto ao trabalho coletivo.

O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS OFICIAIS DA SMED?

Após esta análise, entendemos que o trabalho coletivo continua evidenciado nos documentos analisados como uma possibilidade na RMEPOA. Permanecem os ciclos de formação, a interdisciplinaridade e o trabalho coletivo no projeto desta nova gestão, sendo que, na leitura de diferentes documentos da SMEDPOA, foi possível identificar o desejo de colaboração e de realização de atividades coletivas pela RMEPOA. Especificamente na assessoria de Educação Física, é possível identificar um movimento de crítica e aproximação com outras áreas de conhecimento na RMEPOA quando afirmam em documento que “se faz necessário desconstituir o caráter utilitário e as visões do senso comum relacionados à Educação Física; (...) [em que a mesma] deve procurar o que tem em comum com outras disciplinas” (2006d, p. 02).

De todas as formas, o trabalho coletivo continua presente no discurso oficial como possibilidade de construção da educação em Porto Alegre. A concretização de propostas educativas e a autonomia das escolas na construção e reconstrução de Projetos Políticos-Pedagógicos, desde os 16 anos da gestão anterior, continua – em nível de proposta – destacando o entendimento de que as mesmas devem ser a “expressão do movimento de construção coletiva” (SMEDPOA, 2006e).

Contudo, não é possível identificar pelos documentos analisados as estruturas mais “profundas” desta recente gestão na RMEPOA, suas decisões e os respectivos impactos na comunidade escolar e, de modo mais específico, no trabalho docente. Ball (2002), por exemplo, alerta para a “performatividade” como uma tecnologia, uma cultura e um modo de controle através de mudanças onde são estabelecidas formas de trabalhar que, subjetivamente parecem consistir em condições autônomas, mas serviriam como mecanismos de regulação da qualidade do trabalho executado. A partir disto, podemos pensar, então, que a análise de documentos realizada até o momento, não dá conta – como único instrumento de pesquisa - da complexidade das relações tecidas e significadas subjetivamente no cotidiano da RMEPOA, sendo que, a micropolítica da escola (BALL, 1994) pode se constituir em um importante aspecto para compreensão do trabalho coletivo dos professores de Educação Física, de sua concepção e de sua construção nas escolas desta Rede de Ensino.

Por entender as escolas da RMEPOA como um espaço onde se “entrecruzam culturas” (PERÉZ GÓMEZ, 1998), e de onde emergem significados sobre as relações estabelecidas no cotidiano – como o trabalho coletivo e micropolítica, é que tecemos a crítica aos estudos qualitativos que não tem explorado devidamente a técnica de análise de documentos. Como já mencionamos anteriormente neste artigo, esta técnica pode ser usada de maneira complementar a outros instrumentos de coleta de informações e, assim, parece estar cumprindo muito mais uma função secundária na análise e elaboração de categorias sobre o contexto pesquisado e os significados atribuídos pelos professores sobre o que fazem nas escolas, do que contribuir de maneira significativa para descrever, interpretar e compreender a complexidade das relações que são travadas desde o discurso oficial até as escolas.

Contudo, algumas análises de documentos realizadas por outros investigadores do grupo de pesquisa F3P-EFICE9 (MOLINA NETO, 1996; GUNTHER, 2000; 2006; WITTIZORECKI, 2001; BOSSLE, 2003; E PEREIRA, 2004) nas escolas, junto aos professores de educação física, tem apontado focos de isolamento e o sentimento de desamparo destes e das escolas em relação à Proposta e seus desdobramentos no cotidiano vivo e dinâmico destas. É possível destacar que há uma Proposta Político-Pedagógica que busca construir coletivamente o ensino na RMEPOA, permitindo identificar que há entraves na realização do trabalho docente coletivo que merecem, no entrecruzamento das percepções sobre como os professores vêem o seu fazer cotidiano, compreender os significados atribuídos de forma “densa” (GEERTZ, 1989).

Ao finalizar este artigo, destacamos que a SMEDPOA não deu prosseguimento, no ano de 2007, à modalidade de assessoria aos professores que vinha sendo construída e que foi apresentada aqui, neste texto – tessituras pedagógicas por áreas de conhecimento. De acordo com a nova gestão, a assessoria passa a ser organizada geograficamente, ou seja, por grupos de escolas que compõem uma certa região do Município de Porto Alegre (de acordo com o Orçamento Participativo da cidade).

Neste sentido, o presente artigo procurou apresentar o espaço de trabalho docente na RMEPOA, ficando restrito, neste momento, à estrutura administrativa. Podemos perceber com a análise de documentos realizada, que não há uma mudança significativa no discurso oficial desta nova gestão para as gestões anteriores. Houve continuidade na execução do ensino organizado por ciclos de formação e, também, boa parte das demais reestruturações curriculares que estavam em andamento até então – como a perspectiva de trabalho coletivo. Isto pode nos levar a questionar se as críticas ao ensino organizado por ciclos de formação e todo o seu conjunto de reestruturações (GROSSI e colaboradores, 2004), que existiam anteriormente, por exemplo, não foram consideradas relevantes a ponto de continuar o debate com o professorado e as comunidades escolares.

Pensando para além desta análise de documentos, o que nos propomos ao finalizá-la, aqui, neste artigo, é ampliar nossas considerações à medida que o trabalho de campo vá se delineando, a partir da aproximação destas informações com outras coletadas através de outros instrumentos que possibilitem compreender a cultura colaborativa que está prevista e difundida no discurso oficial e, sobre o espaço onde ocorre o trabalho docente coletivo, como a escola, a comunidade onde a escola está inserida, a estrutura política – administrativa e pedagógica que favorece – ou não – esta construção.

NOTAS

* Doutorando no PPGCMH/UFRGS, Professor da RMEPOA, UNIVATES e FACOS.

** Professor de graduação e Pós-graduação na ESEF/UFRGS

1 A Frente Popular é uma composição de partidos, integrada pelos Partido dos Trabalhadores, Partido Socialista Brasileiro, Partido Comunista Brasileiro, Partido Popular Socialista e Partido Verde. A partir da vitória para a Prefeitura de Porto Alegre, nas eleições de 1988, tem início, em 1989, a gestão da Administração Popular.

2 Estes três projetos foram pensados para iniciar o processo de democratização das decisões sobre a gestão econômica, política e social e, prevendo o envolvimento de todos os setores da sociedade, inclusive, as 90 escolas e as respectivas comunidades onde elas se inserem.

3 Paulo Freire foi Secretário da Educação do Município de São Paulo de janeiro de 1989 à maio de 1991, na gestão da Prefeita Luiza Erundina, do Partido dos Trabalhadores. Referência bibliográfica: Freire, P. A Educação na Cidade. 4 ed. São Paulo: Cortez; 2000.

4 Os Princípios da Escola Cidadã de Porto Alegre são 98 no total e estão subdivididos em tópicos de gestão, currículo, avaliação e convivência.

5 A origem dos trabalhos com Complexos, é da escola revolucionária soviética defendida e implantada por Pistrak e Krupskaya. Defendiam o trabalho realizado com complexos como Centros de Interesse (PISTRAK, 2000) da realidade atual. Parte do desenvolvimento de um tema, encadeado por múltiplas relações a toda uma série de fenômenos da vida social e da realidade a ser transformada sob o ideal revolucionário de compreensão desta realidade.

6 Para Japiassu (1992), há distinção entre o Multidisciplinar, como a justaposição de duas ou mais disciplinas, sem relações entre elas; o Pluridisciplinar, como o conjunto de duas ou mais disciplinas, com objetivos múltiplos, com certas relações entre si, com certa cooperação, mas sem coordenação dessas relações; e o Interdisciplinar, como interação de duas ou mais disciplinas, podendo ir da mais simples comunicação de idéias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização do trabalho, que envolve coordenação e projeto coletivo de trabalho.

7 A organização por faixas etárias dos alunos nos três ciclos de formação adotados pela SMEDPOA, contempla no I Ciclo as crianças de seis aos oito anos e onze meses, no II Ciclo as crianças dos nove aos onze anos e onze meses, e o III Ciclo dos doze aos quatorze anos e onze meses.

8 As assessorias não foram listadas apenas por áreas de conhecimento, mas, também pela SIR – sala de integração e recursos, LA – laboratório de aprendizagem, Biblioteca, I Ciclo, II Ciclo, Coordenadores culturais, Turmas de Transição, Turma de Progressão, SOP’s – serviço de orientações pedagógicas, Direções, Funcionários, Funcionários de cozinha, Pais, alunos e Jovens e adultos, perfazendo um total de 24 assessorias.

9 Formação de Professores e Prática Pedagógica na Educação Física e Ciências do Esporte.

WAYS FOR RESEARCH: WHAT SAID THE PAPERS OF SECRETARY OS MUNICIPAL PORTO ALEGRE ABOUT WORKING COLLETIVE

ABSTRACT

This article was constructed from the information collected for the doctorado research of that tematize the collective work of the professors of Physical Education of the Municipal Net of Education of Porto Alegre. One of the procedures adopted in the construccion of the research – that it is in progress – was the document analysis of the city department of Education being this of basic important to understand the espace of teaching work in this net Education. The document analysis caried trought allowed to understand that even so change in the mangement of the Secretaried has occurred, the colletive work remens as possibility of concretion of the Politician-Pedagogical Proposal in the school of this city.

KEYWORDS: colletive work - political and pedagogical proposition - municipal net of teaching of Porto Alegre - analysis of document

RESUMEN

Este artículo fue construído de la información recogida para la investigación del doctorado que tematiza el trabajo colectivo de los profesores de la Educación Física de la Red Municipal de La Educación de Porto Alegre. Uno de los procedimientos adoptados em la construcción de la investigación que él está em marcha – fue el analisis de documentos del departamento de la ciudad de la educación, siendo el de la importância básica para entender el espacio del trabajo de ensenanza em esta Red de la Educación. Sigue habiendo el analisis de documentos llevó permitido através para entender que sin embargo há ocurrido el cambio em la gerencia de la Secretaría, el trabajo colectivo como posibilidad de concretión de la oferta Politico-Pedagogica en las escuelas desta ciudad.

PALABRAS-CLAVES: trabajo colectivo - propuesta politico-pedagogica - rede municipal de enceñanza de Porto Alegre - analisis de documiento

REFERÊNCIAS

BALL, S. J. La Micropolitica de La Escuela: subtítulo... Barcelona: Paidós, 1994.

_____________. Reformar Escolas/Reformar Professores e os Terrores da Performatividade. Revista Portuguesa de Educação. Disponível em: http://www.redalyc.org Universidade do Minho/Portugal: v. 15, n. 2, p, 3-23, 2002.

BOSSLE, F. Planejamento de Ensino dos Professores de Educação Física do 2º e 3º Ciclos da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: um estudo do tipo etnográfico em quatro escolas desta Rede de Ensino. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

FREIRE, P. A Educação na Cidade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

FREITAS, A L. S. Projeto Constituinte Escolar: a vivência da “reinvenção da escola” na Rede Municipal de Porto Alegre. In: SILVA, L. H. Escola Cidadã: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, p. 31 – 45, 1999.

GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GROSSI, E. P. (org.) Como Areia no Alicerce: ciclos escolares. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

GÜNTHER, M. C. C. Formação Permanente de Professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre no Período de 1989 a 1999: um estudo a partir de quatro escolas da Rede. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Educação Física, Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, 2000.

_____________. A Prática Pedagógica dos Professores de Educação Física e o Currículo Organizado por Ciclos: um estudo na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. (Tese de Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Educação Física, Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, 2006.

JAPIASSU, H. A Atitude Interdisciplinar no Sistema de Ensino. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: n. 108, p. 83 – 94, janeiro/março, 1992.

_____________, A Questão da Interdisciplinaridade. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, Paixão de Aprender. Porto Alegre: SMED, n. 8, p. 48 – 55, novembro, 1994.

LIMA, E. S. Ciclos de Formação: uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Sobradinho 107 Editora. Grupo de Estudos do Desenvolvimento Humano, 1998.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. (Temas Básicos em Educação). São Paulo: EPU, 1986.

MAINARDES, J. Reinterpretando os Ciclos de Aprendizagem. São Paulo: Cortez, 2007.

MERCANT, S. T. Los Documentos y la Cultura Material. In: BAZTÁN, A. (org.) Etnografia: metodologia cualitativa en la investigación sociocultural. Barcelona: Marcombo/Editorial Boixareu Universitaria, p. 160 – 180, 1995.

MOLINA NETO, V. La Cultura Docente Del Profesorado de Educación Física de Las Escuelas Públicas de Porto Alegre. (Tese de Doutorado). Universitat de Barcelona. Departament de Didáctica i Organizació Educativa. Divisió de Ciences de I’Educació. Programa de Doctorado Inovació Curricular i Formació Del Professorat, 1996.

_____________. Etnografia: uma opção metodológica para alguns problemas de investigação no âmbito da Educação Física. In: MOLINA NETO, V.; TRIVIÑOS, A. N. S. (org.) A Pesquisa Qualitativa na Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/Sulina, p. 107-139, 1999.

OLIVEIRA, M. M. Como Fazer Pesquisa Qualitativa. Petrópolis: Vozes, 2007.

PEREIRA, R. R. A Interdisciplinaridade na Ação Pedagógica do Professor de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Educação Física, Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, 2004.

PÉREZ GÓMEZ, A I. La Cultura Escolar en la Sociedad Neoliberal. Madrid: Morata, 1998.

PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001a.

_____________. A Pedagogia na Escola das Diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001b.

PISTRAK, M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2000.

PORTO ALEGRE. Educação Discute a Escola por Ciclos de Aprendizagem. Diário Oficial de Porto Alegre. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Edição 2.527 de 11 de maio, 2005.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE. Ciclos de Formação, Proposta Político-Pedagógica da Escola Cidadã. Porto Alegre: SMED, Cadernos Pedagógicos, n. 9, abril, 1999.

_____________. II  Congresso Municipal de Educação: teses e diretrizes. Porto Alegre: SMED, Cadernos Pedagógicos SMED, n. 21, março, 2000.

_____________. Planejamento e Orçamento Participativo: uma história para contar. Porto Alegre: SMED, 2002.

_____________. Relatório da SMEDPOA 2005. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. 2005.

_____________. Avaliação dos Ciclos de Formação 2006. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. 2006a.

_____________. Formação Regionalizada: um modo de conversação possível. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Agenciamentos Pedagógicos. 2006b.

_____________. Caminhada Desafiadora. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. 2006c.

_____________. Proposta de Minuta para Área de Educação Física Escolar. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Tessituras Educativas. 2006d.

_____________. Conversações com a Assessoria. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Agenciamentos Pedagógicos Coletivos. 2006e.

TARDIF, M.; LESSARD, C. O Trabalho Docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.

WITTIZORECKI, E. S. O Trabalho Docente dos Professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre: um estudo nas escolas do Morro da Cruz. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001.

Recebido em: 15/12/2007

Aprovado em: 03/05/2008

Contato: vicente.neto@ufrgs.br.

TOPO