PROPOSTA PARA UMA MUDANÇA NA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO FÍSICA/ESPORTES NA UFG

MARCELO GUINA FERREIRA, MARISA CANEDO DI NOLLETO,
NILVA PESSOA DE SOUZA E REGINA HERMANO DE BRITO*

RESUMO

O presente texto aborda o contexto de realização do Seminário sobre Educação Física no 3º Grau realizado pela FEF/UFG face à nova LDB e as propostas surgidas em termos de mudanças e inovações no ensino de Educação Física na Universidade. Três foram as propostas apresentadas: Educação Física como disciplina curricular, como extensâo e como serviços à comunidade universitária.

INTRODUÇÃO

Todos sabem que passamos por um momento da vida nacional, em que é necessário ajustar a nova legislação educacional (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/96). Seu conteúdo questiona a prática de atividades físicas no 3º grau, pois a nova LDB simplesmente não menciona se permanece o caráter de obrigatoriedade da Educação Física ou se ela passa a ter caráter facultativo.
Tal fato tem gerado discussões no âmbito acadêmico. De acordo com o Parecer nº 376/97, do Conselho Nacional de Educação, a oferta de Educação Física/Esportes “passa a ser facultativa para o ensino superior e decorre de proposta institucional de ensino e não de uma norma oriunda de órgão superior”. Isto pode levar à adoção de posturas extremas, tais como a simples exclusão da prática de Educação Física/Esportes no 3º grau, ou ainda o apelo à imposição da Lei nos marcos da velha obrigatoriedade.
Face a estas discussões e debates foi aprovado, em reunião do Conselho Diretor, a realização de um Seminário que debatesse a questão da Educação Física/Esportes no 3.º grau, com participação aberta a toda a comunidade da Educação Física.
Neste Seminário resgatamos sucintamente a história da prática de Educação Física/Esportes no 3º grau, além de relatarmos experiências alternativas que estão sendo realizadas em outras IES.
Entre as conclusões e propostas apresentadas no Seminário, encontram-se aquelas defendidas pela nossa unidade. As propostas são as seguintes: oferta de Educação Física/Esportes como disciplina curricular, como atividade/projeto de extensão e como serviços prestados à comunidade acadêmica.

BREVE HISTÓRICO DA PRÁTICA DE EDUCAÇÃO FÍSICA/ESPORTES NO 3º GRAU

A introdução e a obrigatoriedade da Educação Física/Esportes no 3.º grau se deram por meio do Decreto-lei n. 705/69. É importante, no entanto, observarmos o contexto e os objetivos propostos para a instituição desta prática em nossas Universidades.
Em primeiro lugar cabe resgatar a pesquisa e a produção do conhecimento neste âmbito, que desvela os compromissos do decreto-lei acima citado com os propósitos do regime militar. Objetivava-se desmantelar possíveis mobilizações e reorganizações do movimento estudantil, haja vista ser a Universidade um dos principais pólos de resistência ao regime*. Segundo Souza e Vago (1997),

a Educação Física foi introduzida no ensino superior com a reforma universitária promovida pelo regime militar, em 1968, com notório objetivo de tentar desmobilizar politicamente os estudantes, que então constituíam um importante foco de resistência à ditadura, procurando distraí-los com a prática de esportes. (p.128)

Além disto, ainda neste contexto histórico, a política educacional traçada pelo regime, buscando consolidar uma estratégia de “racionalização despolitizadora” (Ghiraldelli Júnior, 1988, p.20) nos moldes da doutrina de Segurança Nacional elaborada pela Escola Superior de Guerra (EsG), determinava através do Decreto-lei n. 69.450/71 que “a Educação Física como atividade que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas e sociais do educando, constituindo um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional” (Souza e Vago, p.130).
De acordo com revisão de literatura nesta área, percebemos claramente que, ao ser tratada como ‘atividade’ e não disciplina do currículo – como ocorre com as demais áreas de conhecimento –, a Educação Física/Esportes era encarada como “uma atividade destituída da sistematização do conhecimento” (Castellani, 1988, p.220), um ‘fazer’ pelo fazer, um praticismo (supostamente) ateórico que se vinculava muito mais aos objetivos de formação de mão-de-obra apta para a produção (forte, resistente e ‘saudável’) do que com a socialização dos saberes pertinentes à cultura corporal humana. Assim, o regime cumpria seu

• Podemos nos valer de estudos tais como CASTELLANI, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988; BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991; GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação Física Progressista. São Paulo: Loyola, 1988.
objetivo de formar “corpos dóceis”, isto é, produtivos economicamente mas inofensivos politicamente.
Mais uma vez, apoiando-nos em Souza e Vago:

Para viabilizar o ensino da Educação Física organizado a partir da referência da aptidão física, o Decreto n. 69.450/71 explicava também os padrões de referência e as exigências para a sua realização.
Para o 3º grau, eram duas aulas por semana, o número de aulas e de alunos, a composição das turmas, a duração de cada aula e o espaço para o ensino da Educação Física poderão ser estabelecidos a critério de cada sistema de ensino e mesmo de cada escola isoladamente.
O Decreto n. 69.450/71 previa que determinados alunos fossem dispensados das aulas de Educação Física, os trabalhadores-alunos, com jornada de seis horas diárias; os alunos maiores de 30 anos; os que estivessem prestando o serviço militar; as alunas que tivessem prole; e os alunos portadores de doenças infecto-contagiosas. Afinal, se a concepção de Educação Física era a da melhoria da aptidão física, não se poderia perder tempo a não ser com os alunos que possuíssem corpos considerados úteis, com potencial a ser explorado no mercado: corpos jovens, corpos saudáveis, corpos bonitos...
A avaliação determinava que o ensino da Educação Física fosse conduzida a partir da aptidão física e dos objetivos previstos. Para tanto, as escolas deveriam utilizar os testes de aptidão física indicados pelo MEC para acompanhar a evolução das possibilidades dos recursos humanos nacionais (p. 132-3)

A ATUALIDADE DA EDUCAÇÃO FÍSICA/ESPORTES NO 3º GRAU: A NOVA LDB, A POSIÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E UM EXEMPLO DE INICIATIVA DE UMA UNIVERSIDADE

Estes dados nos permitem afirmar que é no contexto histórico de uma política educacional e cultural ditada por um regime autoritário, com os propósitos acima aludidos, que foi estabelecida a obrigatoriedade da prática de Educação Física/Esporte no 3º grau. Sendo assim, não é de se admirar que este modelo de prática esportiva tenha se exaurido e já não esteja mais em sintonia com os novos propósitos sócio-culturais de nosso tempo.
É por isto que, atualmente, a nova LDB assume a postura que explicitamos na introdução deste documento, pois, segundo Souza e Vago, “não sendo mais necessária como fator de desmobilização política, agora a Educação Física pode ser excluída dos programas da educação superior” (p.129).
Entretanto, com base em um movimento já apoiado por algumas IES – sobre o qual falaremos mais à frente –, nós, da FEF/UFG, reputamos equivocada a tese da simples exclusão da Educação Física/Esportes do 3º grau, pois a Educação Física, como disciplina e não “atividade”, pode assumir outros ‘paradigmas’ que não o antigo ‘paradigma’ da aptidão física. Neste caso, ela pode constituir-se num fator de enriquecimento cultural de nossas Universidades, ao socializar um conhecimento comumente segregado em nossas escolas de 1º, 2º e 3º graus. Referimo-nos aos saberes e conhecimentos relativos à cultura corporal humana, que não se esgotam na simples iniciação e prática esportiva de cunho físico-biológico, destituída de sentido histórico-cultural.
A cultura corporal foi construída historicamente pelos seres humanos ao longo de seu próprio evolver histórico-antropológico e, como tal, gerou um acervo de conhecimentos que possui interfaces com todas as áreas da cultura humana global e merece/pode ser retraçada pelas novas gerações nas escolas de 1º e 2º graus e nas Universidades. Assim, não mais a aptidão física – entendida como pura exercitação física que reproduz a dicotomia corpos x alma/trabalho manual x trabalho intelectual etc. –, e sim a cultura. Em suma, o conhecimento seria o ‘paradigma’ norteador dos programas e das aulas de Educação Física/Esportes.
Embora a nova LDB nada diga sobre a obrigatoriedade, por outro lado, também não impede a sua oferta nas IES. A Universidade Federal de Ouro Preto, por exemplo, foi protagonista de um episódio que passamos a relatar:

Com a aprovação da nova LDB, a administração central da UFOP, apresentou uma proposta de extinção da obrigatoriedade da Educação Física, interpretando a nova Lei como auto-aplicável, sem a necessidade de uma discussão de caráter acadêmico por parte da comunidade universitária. Este entendimento reducionista e automático da aplicação da LDB não foi compartilhado pelo Departamento de Educação Física e gerou um questionamento, inicialmente por parte do conjunto de seus professores, mas que, rapidamente, se ampliou para toda comunidade, tornando-se pauta de reuniões de todos os Colegiados de Curso, do Movimento Estudantil, e dos grupos atendidos por projetos de extensão universitária. Houve uma imensa discussão acadêmica que se deu, prioritariamente, sobre o conceito de autonomia universitária contido na lei. Para essa discussão, o Deptº de Educação Física produziu um documento em que apontava a importância da disciplina Educação Física no contexto específico da UFOP, considerando seus aspectos históricos, os norteamentos filosóficos e político-pedagógicos da atual proposta que vem sendo implementada, indicando o seu importante papel na formação do universitário, além de desenvolver uma análise contextual que considerou as condições sociais e políticas do panorama explicitado pela Lei no ambiente específico da comunidade da UFOP. Essa análise produzida pelo Deptº de Educação Física, aliada as discussões no diversos Colegiados, culminou com a deliberação favorável em quase todos eles, a manutenção da disciplina Educação Física nos programas dos cursos da UFOP. Outra importante iniciativa do Deptº de Educação Física foi apresentar uma consulta ao Conselho Nacional de Educação que enviou um parecer esclarecendo que não existe nenhuma proposta de extinção automática da Educação Física na educação superior na aplicação da LDB (grifos nossos). Ou seja, cada Instituição, no exercício da sua autonomia, deve decidir, em coerência com seu projeto de educação superior, a pertinência ou não desta disciplina em seus diversos programas de ensino (Souza e Vago, p. 129).

Nós, da FEF/UFG, com base nas discussões e reflexões levadas a cabo durante o Seminário, reputamos o ponto de vista da exclusão aleatória, e estabelecemos algumas propostas com base na nova realidade da LDB e, neste contexto, da prática de Educação Física/Esportes no 3º grau. Pensamos, pois, que a obrigatoriedade nos moldes estabelecidos pelo regime militar é insustentável, mas também o é a pura e simples exclusão da oferta de práticas de Educação Física/Esportes, o que seria uma lacuna pedagógica e cultural evidente em nossas IES  Entretanto, ao propor a manutenção desta prática na UFG, consideramos indispensável a mudança em seus antigos ‘paradigmas’, pois uma nova oferta de Educação Física/Esportes na UFG deve pautar-se por um viés alternativo que coloque a cultura, a educação, o lazer e mesmo as relações entre as práticas corporais e o mundo do trabalho.

PROPOSTAS SURGIDAS DURANTE SEMINÁRIO SOBRE EDUCAÇÃO FÍSICA/ESPORTES NO 3º GRAU, PROMOVIDO PELA FEF/UFG

Por ser uma disciplina cujo conteúdo é o conhecimento da cultura corporal – necessário à formação do ser humano em seu aspecto mais amplo –, entendemos que compete à instituição universitária pública oferecê-la a seus alunos sob a forma de serviços, ensino ou ainda de extensão, cabendo ao aluno a liberdade de optar ou não no momento em que achar oportuno e pela forma que considerar mais adequada, dentro de sua vida acadêmica. Dentro deste espírito, a FEF/UFG se posiciona, portanto, a favor da opcionalidade e contrária à obrigatoriedade legal da prática da Educação Física/Esportes no 3º grau e propõe:

que a Educação Física na UFG seja oferecida sob a forma de serviços para a comunidade interna da Universidade;
que a Educação Física esteja integrada nos projetos de extensão voltados para o atendimento à população externa da UFG;
que os conteúdos das atividades propostas estejam inseridos dentro de uma programação de cunho eminentemente educativo: planejamento, execução, carga horária e avaliação dos conteúdos na perspectiva da avaliação e produção do conhecimentos sobre a cultura corporal e esportiva, tudo isso vinculado ao projeto da graduação;
que as práticas corporais (jogos, danças, esportes etc.) de âmbito universitário estejam integradas na proposta política e cultural da FEF e da UFG;
que professores envolvidos com as atividades da prática esportiva, a partir desta mudança, sejam integrados aos projetos de estágios e aos programas especiais do curso de graduação da FEF.
Condições de participação: os alunos dos vários cursos de graduação da UFG poderão optar por uma atividade ou por um programa apresentado pela FEF no início do ano letivo, incorporando tal atividade como carga horária de atividades complementares ou disciplina optativa dentro das normas regimentais e curriculares de cada curso.

Educação Física como serviço

Em forma de serviços, a Educação Física, a ser oferecida à comu-nidade universitária – estudantes, funcionários e professores –, deveria desenvolver três programas simultâneos de natação com propósitos diferentes e para públicos distintos. Um primeiro programa atenderia pessoas interessadas na aprendizagem da natação, isto é, aquelas que ainda não soubessem nadar. Estas aulas seriam desenvolvidas na FEF. Um segundo programa poderia ser oferecido para pessoas já iniciadas e que apenas desejam manter-se dentro de um estilo de vida ativo e saudável através da prática regular da natação. O terceiro programa seria oferecido em horários alternativos ao expediente normal da UFG, como nos fins de tarde ou início da manhã ou ainda em parte do horário do almoço, visando atender a um público que desejasse ter acesso ao parque aquático da FEF/UFG para fins lúdico-recreativos.

Educação Física como extensão

Como projeto e/ou atividade de extensão a Educação Física seria aberta não só à comunidade universitária mas também à comunidade em geral. Um exemplo disto é o projeto “Caminhando no Campus”, que acontece às segundas, quartas e sextas-feiras, das 17 às 18 horas com a participação de moradores dos bairros próximos ao Campus II, além, é claro, de professores, estudantes e funcionários.

Educação Física como disciplina curricular

A proposta de a Educação Física se tornar uma disciplina curricular demandaria consultas aos cursos de graduação e pós-graduação da
UFG, a respeito do interesse em realizar, em parceria com a FEF, uma disciplina sob orientação de professores desta última que, abrangendo elementos da cultura corporal, poderia vincular-se ao projeto curricular de cada curso interessado. Um exemplo disto é o projeto entre FEF e Instituto de Artes em que o curso de Artes sentia necessidade, em seu currículo, de uma disciplina que tratasse da corporeidade humana sob o ângulo da expressão corporal e da gestualidade cênica – aspectos que envolvem conhecimentos sobre a motricidade humana comuns a estes dois cursos da UFG. Outro exemplo seria um curso de sociologia do esporte com alunos e professores da FEF e do FCHF, ou ainda sobre fisiologia do esforço com alunos e professores dos cursos de Medicina, Farmácia, Biologia, Nutrição. Para o curso de Pedagogia acrescentar-se-iam conteúdos da corporeidade e da infância, etc.
Todos as modalidades de Educação Física acima propostas teriam a carga horária variável de 60 a 126 horas/aula e a forma de organização do trabalho pedagógico (espaço físico, tempo, material didático, número de aulas semanais etc.) ficaria a critério da Coordenação de Curso da FEF/UFG, o que não exclui a possibilidade de planejamento coletivo envolvendo as áreas interessadas.

NOTA

*  Professores da Faculdade de Educação Física/UFG

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLANI, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988.
SOUZA, Eustáquia Salvadora de k VAGO, Tarciso Mauro. O ensino da Educação Física face à nova LDB. Educação Física Escolar frente à LDB e os PCNs: profissionais analisam renovações, modismos e interesses. Ijuí: Sedigraf, Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte 1997.

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