DILEMAS E PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA, DIANTE DO PARADIGMA DA INCLUSÃO

Régis Henrique dos Reis Silva*

Sônia Bertoni Sousa**

Maria Helena Candelori Vidal***

RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir, de forma sucinta, os dilemas e as perspectivas da Educação Física diante do paradigma da inclusão escolar de pessoas com necessidades educacionais especiais. Para isto, faz-se necessário abordar as seguintes temáticas: a) princípios que orientam a educação especial; b) fatos e correntes de pensamento que vêm orientando o desenvolvimento da educação inclusiva no Brasil; c) políticas educacionais brasileiras relacionadas à educação especial/educação inclusiva, nos cenários da integração e da inclusão e o que têm demonstrado os dados estatísticos brasileiros quanto à inclusão dessas pessoas na rede de ensino público e/ou privado; e d) os dilemas e as perspectivas da educação física diante da inclusão escolar das pessoas com necessidades especiais. Constatamos que, para que a educação física seja inclusiva, precisamos estar envolvidos numa prática sócio-político-pedagógica capaz de materializar-se em uma nova educação física escolar e em novos caminhos a serem percorridos.

PALAVRAS-CHAVE: educação física - educação especial - inclusão.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de estudos, pesquisas e palestras realizadas por um grupo de professores de Educação Física que, desde dezembro de 2002, tem se reunido para discutir questões referentes à inclusão escolar das pessoas com necessidades educacionais especiais, mais precisamente, com a inclusão desse alunado nas aulas de Educação Física. Pensamos, ser oportuno esclarecermos que nossas análises partem dos problemas sociais e educacionais enfrentados pelas pessoas com deficiência, entretanto, não se restringe as estas pessoas.

Na área educacional vêm-se utilizando diferentes denominações, como: pessoas deficientes, pessoas portadoras de deficiências e pessoas portadoras de necessidades especiais, porém, a que tem prevalecido é a denominação “pessoas com necessidades educacionais especiais”, por isso, utilizaremos essa denominação nesse artigo. Entendemos que essa expressão parte de uma concepção de educação que não se restringe à instituição escolar ou à escolarização, mas, refere-se à pessoa humana em suas relações na e com a sociedade.

A inclusão trata-se de um novo paradigma, e, conseqüentemente, traz de maneira geral reflexões sobre a Educação, especialmente a Educação Escolar (CARMO (2006), MANTOAN (2003), MITTLER (1999), SASSAKI (1998), STAINBACK E STAINBACK (1999)).

A política de inclusão surgiu nos Estados Unidos da América (EUA) a partir da segunda metade dos anos 70, visando “inserir” não só as pessoas com deficiência, mas todas as pessoas “excluídas” da escola e da sociedade, como os negros, os índios, as mulheres, os pobres e as demais minorias sociais (MENDES, 2006).

No Brasil, essa perspectiva tomou impulso nos anos 90, e atinge a sua efervescência nestes primeiros anos do século XXI.

PRINCÍPIOS QUE ORIENTAM A EDUCAÇÃO ESPECIAL

Podemos dizer que os princípios que norteiam a Educação Especial, historicamente apresentam três momentos distintos: o da normalização, o da integração e o da inclusão.

O princípio da normalização teve início na Dinamarca, a partir de 1950, tendo sido contemplado na legislação desse país em 1959.  Este princípio, baseia-se na idéia de que indivíduos com deficiência têm direito de usufruir de condições de vida o mais normais possível, o mais similares às condições das outras pessoas. Não se trata de normalizar as pessoas, mas sim, o contexto em que se desenvolvem. Segundo Carmo (2006), o princípio da normalização dissemina a idéia da possibilidade de igualar o desigual, pois, reproduz fielmente, a concepção liberal burguesa, que, em sua forma mais bem acabada, afirma ser possível, em nível da abstração, por meio de leis e/ou outros instrumentos jurídicos, igualar os homens entre si.

Num segundo momento, na primeira metade dos anos de 1970, surgiu uma outra fase quando se passou a valorizar o princípio da integração. A terceira fase, por sua vez, apareceu a partir de 1975 demarcada pelo princípio da inclusão, que visa integrar não só as pessoas com deficiência e altas habilidades/superdotados, mas todos os alunos anteriormente excluídos, das escolas regulares.

Os princípios da integração e da inclusão têm sido, atualmente, os eixos das discussões em congressos, seminários, eventos e publicações na área da educação/educação especial, por estudiosos e pesquisadores tanto em nível nacional quanto internacional.

Assim, procuramos abordar mais especificamente sobre os princípios da integração e inclusão e verificamos, a partir da revisão da literatura científica da área1;, que, apesar de não existir uma única definição a respeito do que vem a ser integração e inclusão, alguns aspectos são elucidativos de seus significados mais atuais, quais sejam: 1) os princípios da inclusão não são específicos da Educação Especial, enquanto os da integração são; 2) o princípio da integração apresenta como pressuposto ideológico que todos são iguais e por isso podem estar juntos. Na inclusão, o princípio básico é que todos são diferentes e, por isso, devem conviver com essas diferenças; e 3) no que diz respeito, à perspectiva da educação escolar, constatamos que, para a integração, o que se pretende é inserir o aluno no sistema de ensino, o que pode ocorrer em classes regulares, com apoio especial (por exemplo: salas de recurso ou de apoio, professor itinerante e etc.). A perspectiva de inclusão é que, todos tenham, garantidos, os direitos de acesso e permanência à escola regular (SILVA, SOUSA e VIDAL, 2006).

No paradigma que determina a política de inclusão escolar, a educação especial terá outro significado, deixará de ser especial e de atender um segmento da população, para ser uma educação que promova um ensino de especial qualidade a todos.

O princípio da integração não conseguiu sustentar a inserção do aluno com deficiência na escola e nos diferentes espaços sociais de forma concreta, respeitando e aceitando, objetivamente, as diferenças e a diversidade humana. Não conseguiu, portanto, efetivar um ensino de qualidade à pessoa com deficiência e suas práticas determinaram um falso movimento social (CARMO, 2006). Podemos dizer que o mesmo poderá ocorrer com a inclusão se as ações concretas nessa direção não forem implantadas com bases sólidas, com mudanças estruturais na organização da escola, como por exemplo, a não seriação, a modificação no tempo e espaço escolar, buscando uma nova visão de homem, mundo, sociedade e educação.

Portanto, tanto os princípios que orientam a integração, quanto os que orientam a inclusão são limitados. O primeiro, por advogar a igualdade universal entre os homens, o que a nosso ver não se sustenta nem teoricamente, nem na realidade social concreta. O segundo, por sustentar-se no discurso da diferença universal entre os homens e advogar, abstratamente, a igualdade de direitos e oportunidades.

Nesse sentido, concordamos com Carmo (2006) quando este afirma a necessidade de reconhecermos que os homens da nossa realidade concreta são diferentes, possuem uma identidade (singularidade) que os distingue dos demais, porém, apresentam algo que também os unem (universalidade), desta forma, o processo educacional escolar, deve se constituir nessa tensão dialética sem primazia de um sobre o outro.

FATOS E CORRENTES DE PENSAMENTO QUE VÊM ORIENTANDO O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL

Vale ressaltar que, historicamente, alguns fatos e acontecimentos marcaram o desenvolvimento dos princípios da Educação Especial, por exemplo, a Declaração Mundial dos Direitos Humanos, que foi preconizada legalmente a mais de 60 anos.

E, mais recentemente, como parte das prescrições neoliberais2;, tivemos no final do século XX a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Joimtiem, na Tailândia, em Março de 1990, que também veio reforçar esses direitos, e, cujo principal objetivo do evento, foi refletir e enfrentar o desafio da exclusão escolar de milhões de alunos, entre eles, as pessoas com deficiência e altas habilidades/superdotados. E, ainda no mesmo período, destacamos a Declaração de Salamanca, que foi resultado de uma reunião de vários países realizada na Espanha em 1994, inspirada nos princípios da integração e no reconhecimento da necessidade de ação para conseguir “escola para todos”, esses países buscaram um consenso mundial sobre os futuros rumos dos serviços educacionais especiais, dentre eles, combaterem a exclusão escolar e reduzir a taxa de analfabetismo (SILVA, SOUSA e VIDAL, 2006).

Existem três correntes que orientam a educação inclusiva, a saber: 1) a dos legalistas que, respaldam a inclusão em bases legais do “direito de todos” e dever do Estado; 2) a dos adaptadores, que visam adaptar a escola em seu caráter aparente, podendo ser chamados de “adaptadores” sociais ou restauradores escolares e da educação e 3) aqueles que defendem uma nova forma de organização escolar, (CARMO, 2006).

Concordamos com os autores que advogam uma nova forma de organização escolar como meio de concretizar uma escola para todos, o que implica, necessariamente, uma mudança de paradigma3;.

A esse respeito Mantoan (1998, p. 54), afirma que a “escola para todos é uma tarefa possível de ser realizada, mas é impossível de se efetivar por meio dos modelos tradicionais de organização do sistema escolar”. Essa autora discute a necessidade de um outro modelo de organização escolar para que a educação possa ser inclusiva.

De forma sintética, podemos afirmar que alguns autores que sustentam uma nova organização escolar, a fazem a partir de dois princípios básicos, a saber: 1) todos os homens são diferentes, possuem uma identidade (singularidade), que os distingue dos demais, porém, apresentam algo que também os unem (universalidade), assim sendo, o processo educacional escolar, se constituirá nessa tensão dialética sem primazia de um sobre outro e 2) a construção do conhecimento se dá nas relações históricas e sociais, nesse sentido, as escolas devem redimensionar o tempo e o espaço escolar, rompendo com a fragmentação do conhecimento e considerando o “estatuto histórico” dos alunos.

Sabemos que a Escola por si só não é capaz de promover a transformação social, mas que esta também não ocorre sem a transformação daquela, nesse sentido, é que acreditamos que em uma escola capaz de garantir o que é clássico na instituição escolar – transmissão/assimilação do conhecimento, mas se preocupando com o caráter objetivo e universal do conteúdo a ser veiculado, bem como suas bases epistemológicas, pois nenhum conhecimento é neutro, não há neutralidade axiológia.

Além do que, acreditamos na possibilidade de organizar tempo, espaço e conhecimento na escola, superando sua lógica seriada e hierarquizante, cuja função tem sido muito mais para atender ao processo de classificação, eliminação e seleção dos alunos, do que necessariamente a garantia de compreensão e solução dos problemas sociais.

POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS RELACIONADAS À EEs E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Ao analisarmos alguns textos que discutem políticas educacionais brasileiras relacionadas à educação especial, p.ex., Aranha (2000), Bueno (2001), Ferreira (1998), Kassar (1998), Mendes (2000 e 2006) e outros, constatamos: o descaso das políticas públicas brasileiras com relação à área de educação especial; que a educação especial tem pouca expressão política no contexto da Educação Regular (Escola Regular); que a educação especial vem crescendo nos últimos 25 anos e que as discussões políticas no Brasil são realizadas num cenário antagônico, prevalecendo assim, as estratégias de conciliação na elaboração das leis.

Desta forma, as políticas educacionais no país relacionada à educação especial, são muitas vezes indicativas e não prescritivas, pois ao mesmo tempo que elas devem atender aos interesses neoliberais, também precisam atender aos interesses dos grupos sociais minoritários que defendem seus direitos como cidadãos.

Infelizmente, pelo fato destas leis serem indicativas, elas permitem que a situação dos alunos com necessidades educacionais especiais permaneça praticamente inalterada, isto é, passam-se as décadas, mudam-se os nomes (normalização, integração e/ou inclusão) e a grande maioria das crianças com necessidades especiais (cerca de 90%4) continuam excluídas da escola e, desta forma, são impedidas de terem acesso ao conhecimento produzido pela humanidade e das benesses advindas deste.

Com intuito de explicitarmos a função perversa assumida pelo caráter indicativo das leis brasileiras, acerca da inclusão das pessoas com necessidades especiais, apresentamos no quadro, a seguir, os dados estatísticos da inclusão escolar no Brasil.

table1

QUADRO 01: Dados estatísticos brasileiros, relativos à inclusão das PNEEs na rede de ensino público e/ou privado, nos anos de 1996 e 2006.

Ao observarmos o quadro 01 podemos verificar que em números absolutos, entre o período de 1996 a 2006, aumentou-se o número de alunos com necessidades especiais atendidos pelas instituições escolares brasileiras, passamos de 201.142 para 700.624, um crescimento de aproximadamente 250%, pois, a diferença registrada foi de 499.482 alunos a mais com necessidades especiais, que chegam as essas instituições do nosso país. Esse aumento também ocorre nas escolas das redes públicas de ensino, seja ela municipal, estadual ou federal e, também, nas instituições de ensino da rede privada. No entanto, esse crescimento não ocorre na mesma proporção nessas diferentes redes, pois o menor aumento foi registrado na rede federal, apenas 179 alunos a mais chegam às escolas federais de ensino (aproximadamente 20%), enquanto as redes municipais e privadas registraram os maiores aumentos, quais sejam 235.462 (aproximadamente 800%) e 179.544 (mais de 230%), respectivamente.

Não obstante, no que dizem respeito aos baixos índices de crescimento das instituições que compõe a rede federal de ensino, as análises iniciais dos dados podem ser consideradas positivas, pois registram aumentos significativos nas redes municipais e privadas.

Entretanto, não podemos parar as análises desses dados neste ponto, pois temos que relacioná-los com os outros 5.300.000 alunos com necessidades especiais que ainda estão fora da escola, bem como analisarmos qual o tipo de atendimento educacional que as redes têm ofertado a esse alunado. Seria de forma “inclusiva” (incluídos nas classes comuns) ou “segregada” (incluídos nas classes especiais da escola regular ou escolas especiais)?

table2

QUADRO 02: Dados estatísticos brasileiros, relativos à inclusão das PNEEs na rede de ensino público e/ou privado no ano de 2006, conforme o atendimento ofertado.

O que os dados do quadro 02 demonstram é que, apesar das discussões em congressos, nas revistas especializadas da área educacional e no cenário político acerca da Inclusão Escolar, há muito que se fazer para aumentar as oportunidades de acesso e permanência do alunado com necessidades especiais na rede regular de ensino do nosso país, pois, das 700.624 crianças e jovens com necessidades especiais (100%) atendidas pelo sistema educacional brasileiro, a maioria delas, mais precisamente, 375.488 (53,59%) continuam freqüentando as classes especiais da escola regular ou exclusivamente as escolas especiais (espaços “segregados”). Os dados também demonstram que das 700.624 crianças e jovens com necessidades especiais atendidas pelo sistema educacional especial brasileiro, 259.469 estão na Rede Privada de ensino.

Em síntese, concordamos com Mendes (2006) quando a autora afirma que, se observarmos o aumento nas matrículas tomando-se como base os dados oficiais, não teremos evidências concretas de que as diretrizes políticas anunciadas pelos sistemas públicos de ensino estejam sendo bem sucedidas, por quê:

a) houve um aumento muito discreto na cobertura em relação à demanda em potencial;
b) a maioria continua a margem de qualquer tipo de escola;
c) os que conseguem acesso ainda estão majoritariamente em escolas especiais privadas filantrópicas ou no máximo em classes especiais de escolas comuns;
d) os dados oficiais são imprecisos porque os procedimentos de identificação de alunos adotados no censo escolar não são confiáveis, na medida em que não há no país diretrizes claras para a notificação e muito menos para a classificação categorial;
e) a alta proporção de alunos enquadrados na categoria “outros”, parece indicar que a estatística foi inflacionada com alunos que não estavam antes sendo contabilizados, e que provavelmente já tinham acesso à escola, mesmo antes do anúncio oficial de políticas de inclusão escolar; sendo que este alto contingente nesta categoria residual evidencia indefinição atual de quem é a população de alunos com necessidades educacionais especiais;
f) o incremento percentual das matrículas de alunos com quadros de deficiências deve ser ponderados em função do reduzido número de matrículas em 1996, também pelo fato da maioria se enquadrar na condição de deficiência mental, que é a condição cujo diagnóstico é bastante complicado na realidade brasileira. (MENDES, 2006, p. 398)

Enfim, embora se perceba que o debate acerca da inclusão, e principalmente, da inclusão escolar venha sendo um assunto recorrente, nem mesmo a matrícula de alunos com necessidades especiais, como uma garantia legal alcançada há mais de 17 anos, parece avançar.

Portanto, o que os dados demonstram é que apesar de toda efervescência que o tema tem suscitado no campo político, jurídico e acadêmico, muito pouco têm sido feito para aumentar as oportunidades de acesso e permanência do alunado com necessidades especiais na educação escolar, do nosso país.

OS DILEMAS E AS PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA DIANTE DA INCLUSÃO ESCOLAR DAS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

Quanto aos dilemas e as perspectivas da educação física diante da inclusão escolar das pessoas com necessidades especiais, podemos afirmar com base nos estudos identificados e selecionados na literatura das áreas de educação/educação especial e educação física, que esta última, enquanto disciplina escolar, encontra-se em vantagem em relação às outras disciplinas, uma vez que a educação física adaptada procura compreender as deficiências e a maneira de adaptá-las, o que a levou ao desenvolvimento.

Alguns fatos e acontecimentos corroboram nossas afirmações, por exemplo, a fundação da Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada; a criação de um Grupo de Trabalho Temático no âmbito do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte; a inclusão de diversas linhas de pesquisas nos Programas de Pós-Graduação Stricto-Sensu Brasileiros, tanto na da área de Educação, quanto de Educação Física; o fortalecimento do Comitê Paraolímpico Brasileiro; as conquistas dos atletas nas últimas paraolímpiadas e parapanamericanos, além da veiculação midiática conquistada nos meios de comunicação de massa pelo Esporte Paraolímpico Brasileiro (CARMO, 2002).

A expressão educação física adaptada surgiu na década de 50 e, foi definida pela Americam Association for Health, Physical Education, Recreation and Dance, como sendo um programa diversificado de atividades desenvolvimentistas, jogos e ritmos adequados aos interesses, capacidades e limitações de estudantes com deficiências que não podem se engajar com participação irrestrita, segura e bem sucedida em atividades vigorosas de um programa de Educação Física geral (PEDRINELLI, 1994). Em outros termos, podemos dizer que o programa de educação física geral não conseguiu abranger a especificidade das pessoas com deficiência e então, a educação física adaptada veio para suprir essa lacuna existente.

Portanto, a educação física adaptada conseguiu perceber os limites e as possibilidades dessas pessoas, pois teve e ainda tem como diretriz trabalhar com as potencialidades dos alunos. Por essa razão, concordarmos com Carmo (2002) quando ele afirma que as pessoas com deficiência ao terem acesso aos esportes atingiram um razoável estágio em termos de acesso, participação e desenvolvimento físico desportivo.

No entanto, a educação física adaptada é uma prática segregacionista, pois acontece entre as pessoas com deficiência e no paradigma da inclusão, estamos falando em lidar com o uno e o diverso em um mesmo contexto, como por exemplo, uma modalidade esportiva em que seja possível a participação de pessoas com e sem deficiência.

Sabemos que apenas colocar o conteúdo da atividade física e o desporto adaptado como partes constituintes do conhecimento a ser trabalhado pelos professores de educação física com seus alunos, não asseguraria a inclusão e a participação do aluno com deficiência nas aulas de educação física escolar.

Porém, essas ações não são de todo inválidas, uma vez que poderiam suscitar uma reflexão sobre a temática deficiência, e, principalmente, levar os professores a um repensar acerca da articulação tempo, espaço e conhecimento na educação física escolar, analisando e compreendendo os limites e possibilidades da inclusão desses alunos na escola.

Inserir conhecimentos que abarcassem temáticas da educação física adaptada poderia ser um caminho para se chegar à inclusão, dentre outras ações. Além disso, é preciso compreensão e clareza sobre qual educação física estamos falando, o que queremos para os nossos alunos, qual a concepção de homem, mundo e sociedade, que orienta nossa práxis pedagógica.

A educação física pode ser vista de diferentes maneiras. Por um lado, pode lidar com ideologias “biologicistas”, que se preocupam com a estética ou o rendimento físico e técnico do indivíduo e, por outro, pode-se propor a trabalhar enfatizando os aspectos históricos sociais do indivíduo. Dependendo da forma de conceber a educação física, não é difícil legitimar a exclusão de alunos de determinadas atividades, sejam eles com necessidades especiais, ou não. Já vivenciamos muitas vezes a exclusão disfarçada dos menos hábeis, dos mais gordinhos, dos mais lentos, enfim, daqueles que não se enquadram no padrão pré-estabelecido.

Não podemos negar que ainda é realidade, em algumas escolas, aulas de Educação Física separadas por turmas, tendo com parâmetros o sexo e o nível de habilidade motora demonstrando, nitidamente, a bagagem histórica, cultural, social e educativa que nos acompanha e que, historicamente, deve ter acompanhado nossos antecessores.

Muitas vezes, esses princípios vêm contribuir fortemente para o processo de exclusão escolar desses alunos, como dissemos, anteriormente. E, excluindo, perdemos a oportunidade de aprender a conviver com o diferente.

Aranha, apud Cruz (1996, p.12), afirma que:

“alijando-se o aluno com deficiência da integração social, este perde em desenvolvimento, enquanto a sociedade perde por não ter a oportunidade e a possibilidade de aprender com uma significativa parcela de seus elementos constitutivos, representados pelos “diferentes” segregados. Com isso, todos perdemos consciência, em comportamento e, conseqüentemente, em possibilidade de transformação.”

Ressaltamos as contribuições do aluno com deficiência para sua própria inserção social, no que se refere à transformação que poderá trazer à Educação Física, se estiver presente, integrado, incluso nesse contexto.

Reconhecemos que existe, ainda, na educação e, conseqüentemente, nas aulas de Educação Física, perspectivas tradicionais de ensino, bem como temos consciência de que ao defendermos a possibilidade de inclusão do aluno com necessidades especiais na Educação Física Escolar, também estamos avançando às perspectivas mais progressistas de ensino, tais como: aulas abertas, crítico-superadora, emancipatória, dinâmico-dialógica entre outras, pois apesar destas, considerarem os mecanismos de exclusão, normalmente, presentes nas aulas de Educação Física, nenhuma delas referem-se e analisam com profundidade sobre a inserção dos alunos necessidades educacionais especiais, especialmente, as pessoas com deficiência nas aulas dessa disciplina escolar.

Os professores de Educação Física, principalmente aqueles que trabalham com essas perspectivas consideradas avançadas de ensino, devem, pelo menos, suscitar um repensar nos objetivos, métodos, funções sociais, tempo, espaço e conhecimento para incluir os alunos com necessidades educacionais especiais, principalmente aqueles com deficiência nas aulas de Educação Física Escolar.

A inclusão proporciona uma visão arrojada de escola, ensino, educação e de Educação Física. Para tanto, torna-se indispensável à valorização do magistério, o investimento na formação dos professores, assim como melhores condições de trabalho e salários dignos, em face do papel político e social que representam esses profissionais (CARVALHO, 1999).

Concordamos com Muñoz Palafox et al. (2006) quando afirmam que deve ser feito um esforço político para efetivação dos professores na carreira docente mediante a formalização de contratos que estipulam o pagamento de salários por período integral para que possam dispor de tempo suficiente para participar da construção e monitoramento do projeto político-pedagógico e da proposta curricular das suas escolas, pois estes são alguns dos fatores que tem limitado, seriamente, a possibilidade de que esses mesmos professores organizem sua prática docente para refletir coletivamente e intervir criticamente nas escolas com a finalidade de contribuir com a tão ansiada melhoria do ensino público.

Precisamos enfrentar os desafios, mas não podemos “abraçar” a inclusão sem considerar as idéias liberais contidas nos discursos, as restrições, os pontos fundamentais e determinantes levantados nos estudos e pesquisas, tanto em nível nacional quanto internacional, as especificidades de cada deficiência e do alunado da Educação Especial. E, também não podemos deixar de pensar em como articular o tempo, o espaço e o conhecimento na Educação Física Escolar que contemple não só o aluno com deficiência, mas o princípio da diversidade (singularidade) da diferença na unidade (universalidade).

Abranches (2000, p.38), defende a idéia de que:

“o convívio social só é possível pela aceitação e pelo respeito à diferença. E a diferença é a marca constitutiva de cada sujeito; é o que nos define e nos torna únicos.”

É importante mencionar que não se pode esquecer que a Educação Física Escolar é parte constituinte do currículo escolar. Segundo Coletivo de Autores (1992),

“a Educação Física, enquanto disciplina do currículo escolar, possui as mesmas tarefas que a escola em geral, não podemos ser isentada da responsabilidade que se exige da escola."

Assim, entende-se que na educação física inclusiva precisamos estar envolvidos numa prática sócio-polítcio-pedagógica capaz de materializar em uma nova educação física escolar e novos caminhos a serem percorridos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização desses procedimentos, constatamos que, a partir das duas grandes guerras mundiais, houveram avanços na área educacional voltados às pessoas com deficiência, principalmente, com os movimentos de normalização, integração e inclusão.

No entanto, ainda precisamos ter olhar crítico para com as práticas inclusivistas que estão sendo e ainda serão materializadas, pois, quando nos referimos à inclusão escolar, não estamos tratando da inclusão de um aluno na escola ou alguns alunos na rede de ensino, mas sim de políticas sociais, mais precisamente, as educacionais, e que estas sejam formuladas e implantadas com a intenção de romper com a lógica excludente que vigora em nossas instituições escolares.

A Educação Física Escolar, na unidade com as outras disciplinas escolares (Física, Química, Biologia, Matemática, História, Geografia, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Sociologia, Filosofia, Educação Artística e outras), precisa repensar a organicidade escolar, rever os objetivos do processo de escolarização, discutir sobre as diferentes dimensões da formação humana, analisar o tempo e espaço de aprendizagem escolar, e, em face da necessidade de superar os mecanismos de controle e exclusão das diferenças (étnico-raciais, de gênero, de classe social, de compreensão cognitiva, social e afetiva) no âmbito escolar, rever a sua prática sócio-político-pedagógica, no intuito de materializá-la como inclusiva.

Enfim, o paradigma da inclusão e mais precisamente, a inclusão escolar, nos coloca a necessidade de superarmos a atual organicidade da escola brasileira, de forma a redimensionarmos o tempo e o espaço escolar, considerando o estatuto histórico dos alunos e o processo em que se dá a construção do conhecimento. Os educadores precisam aproveitar as propostas e experiências bem sucedidas de inclusão escolar, já implantadas no Brasil e no exterior, especialmente, no tocante às especificidades de cada “deficiência” e aos limites e possibilidades do “alunado” da educação especial.

Estas propostas de mudanças da atual organicidade escolar brasileira, precisam ser subsidiadas por meio de investimentos na formação profissional, nas melhores condições de trabalho, em salários mais dignos, dito de outra forma, de maneira que se valorize o magistério em face do papel político e social que representam esses profissionais, na construção de um outro modelo escolar que seja capaz de universalizar o acesso e garantir a permanência de todos os alunos nas escolas brasileiras.

DILEMMAS AND PERSPECTIVES OF THE PHYSICAL EDUCATION IN FACE INCLUSION PARADIGM

ABSTRACT

This article has as objective to argue which the dilemmas and the perspectives of the Physical Education’s, in face of the school inclusion paradigm of the People with Educational Special Needs? For this one became necessary to approach following the thematic ones: a) the principles which orientate Special Education; b) facts and thoughts which orientate its development to Inclusive  Education; c) Brazilian Educational Politics  related to Special Education/Inclusive  Education, in the scenery of integration and inclusion and what they have demonstrated the Brazilian statistical dates a, how much the inclusion of People with Educational Special Needs in private or public schools; and d) the dilemmas and the perspectives of the Physical Education’s in face of the  of People with Educational Special Needs. We note that, to that physical education is inclusive we need to be involved in a practice-political socio-pedagogical able to materialize in a new physical education school and new roads to be travelled.

KEY WORDS: physical education’s - special education - inclusion.

 

DILEMAS Y PERSPECTIVAS DE LA EDUCACIÓN FÍSICA EN PARADIGMA DE LA INCLUSIÓN

RESUMEN

Este artículo tiene como objectivo discutir cuál los dilemas y las perspectivas de la educación física, en la cara del paradigma de la inclusión de la escuela de la gente con necesidades especiales educativas? Para éste llegó a ser necesario acercar a seguir los temáticos: a) los principios que orientan la educación especial; b) hechos y pensamientos que orientan su desarrollo a la educación inclusiva; c) Política educativa brasileña relacionada con la educación especial de Education Inclusive, en el paisaje de la integración y de la inclusión y qué han demostrado las fechas estadísticas brasileñas a, cuánto la inclusión de la gente con necesidades especiales educativas en escuelas privadas o públicas; y d) los dilemas y las perspectivas de la educación física en la cara del de la gente con necesidades especiales educativas. Tomamos nota de que, para que la educación física es incluyente tenemos que estar involucrados en una práctica polítcio-socio-pedagógico capaz de materializarse en una nueva escuela de educación física y los nuevos caminos por recorrer.

PALABRAS CLAVES: educación física - educación especial - inclusión.

NOTAS

*Professor de Educação Física do CEPAE/UFG e coordenador do NUPEFI/CEPAE/UFG.

**Professora de Educação Física da Rede Municipal de Uberlândia (MG)-NADH/PMU, cedida ao NIAFS/FAEFI/UFU, e da UNIPAM.

***Professora de Educação Física da Rede Municipal de Uberlândia (MG), cedida ao NIAFS/FAEFI/UFU, e da UNIPAC.

1Os estudos da literatura, as quais nos referimos são: Brasil (1994), Carmo (1998, 2001 e 2006), Dalbério (2000), Doré et al (1998), Mantoan et al (1997, 1998 e 2003), Mendes (2002 e 2006), Mittler (1999), Saint-Laurent (1997), Sassaki (1998), Silva, Sousa e Vidal (2006) e Stainback e Stainback (1999).

2 Este termo se refere a uma série de prescrições elaboradas, a partir do Consenso de Washington, que ocorreu em meados dos anos 80, onde os países do primeiro mundo definiram o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e especificamente o papel do Estado (VIDAL, 2006).

3Para saber mais sobre esta proposta sugerimos a leitura dos seguintes autores: Carmo (2006), Dalbério (2000), Mittler (1999), Sassaki (1998), Stainback e Stainback (1999).

4Segundo reportagem do Jornal “Folha de São Paulo” em 23/03/2001, cuja fonte dos dados apresentados fora o MEC, estima-se que exista no País aproximadamente seis milhões de crianças e jovens com NEEs.

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Recebido em: 29/09/2007

Aprovado em 26/02/2008

Contato: regishsilva@universia.com.br.

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