EDUCAÇÃO FÍSICA & NOVAS LINGUAGENS COMUNICACIONAIS: SENTIDOS E SIGNIFICADOS DA PRODUÇÃO DE RECURSOS AUDIOVISUAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

DIEGO DE SOUSA MENDES *
GIOVANI DE LORENZI PIRES **

RESUMO

O Laboratório de Mídia – LaboMídia – do Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina oportuniza a seus acadêmicos, pós-graduandos e docentes uma aproximação com temas relacionados à Educação Física, Mídia e Novas Tecnologias de Informação, como a produção de materiais audiovisuais. O presente trabalho relata pesquisa que teve como objetivo investigar os significados atribuídos à produção de vídeos na formação em Educação Física. A metodologia contou com a realização de grupos focais com os sujeitos que mais produziram vídeos no LaboMídia no período 2003/2004, e análise de conteúdo de seus depoimentos. Observou-se que, além de estratégia didática, a produção de vídeos pode contribuir para a preparação dos professores de Educação Física quanto ao uso autônomo e crítico da mídia no cotidiano escolar.

PALAVRAS-CHAVE: educação física – formação de professores – mídia

► PLAY: LIGANDO A TV À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR – apresentação, justificativa e percurso metodológico

Atualmente os meios de comunicação de massa assumem papel significativo no âmbito social, como principais produtores e difusores de informações. Desta forma, tais meios contribuem para a formação da população em geral, especialmente a de jovens e crianças, não podendo ser menosprezados pelas áreas do conhecimento que se fazem presentes na escola, incluindo-se a Educação Física. Para esta área em especial, a mídia torna-se relevante na medida em que, abordando os esportes, contribui significativamente para a formação de conceitos e valores que se instauram no cotidiano da educação física escolar.

Diante dessa realidade, problematizar a mídia torna-se urgente e necessário no âmbito escolar. Todavia, é evidente os professores prepararem-se para tratar criticamente a mídia. Assim, alguns cursos de formação de professores têm se preocupado com uma formação que atenda a esse desafio. Considerando-se tais premissas, o trabalho em questão buscou abordar a tematização da mídia na formação de professores de Educação Física, mais especificamente no Centro de Desportos/ UFSC.

O Centro de Desportos da UFSC, desde 2003, com a implantação do Laboratório de Mídia do CDS (LaboMídia), possibilita para professores, acadêmicos da graduação e pós-graduandos a realização de estudos e pesquisas sobre a inter-relação existente entre mídia e cultura de movimento. 1 O LaboMídia oferece, ainda, suporte tecnológico para a produção e veiculação de materiais audiovisuais, o que propicia uma maior aproximação da comunidade acadêmica e as novas linguagens comunicacionais, no caso, a linguagem audiovisual. Tal espaço configura-se como legítimo espaço de formação, abrigando também uma minibiblioteca e um grupo de estudos denominado Observatório da Mídia Esportiva. 2

Com a implementação do LaboMídia, diversos materiais audiovisuais foram produzidos por professores, acadêmicos e pós-graduandos no CDS, propiciando a realização deste estudo, que objetivou: a) compreender os sentidos e significados atribuídos à produção e utilização de materiais audiovisuais na formação acadêmica e profissional daqueles que utilizaram mais significativamente tais recursos no LaboMídia; b) identificar e refletir as tendências e dificuldades constatadas nas produções audiovisuais realizadas no LaboMídia.

Para que os objetivos fossem alcançados, baseou-se a pesquisa em metodologia estruturada a partir de três etapas. A primeira delas foi destinada à fundamentação teórica sobre a importância e relevância da linguagem audiovisual na formação de educadores de maneira geral, e na formação do professor de Educação Física de maneira específica.

Na segunda etapa, realizou-se um levantamento dos vídeos produzidos no LaboMídia entre 2003 e 2004. Foram assistidos 35 vídeos no total (a relação desses vídeos pode ser encontrada no site: www.cds.ufsc.br/labomidia), com o objetivo de elaborar uma matriz analítica em que fosse possível identificar dados, como os sujeitos que mais produziram vídeos e para quais disciplinas os vídeos foram destinados. Assim, foi possível selecionar um grupo de professores em formação para constituir a amostra a ser investigada.

Na terceira etapa, foram realizados grupos focais com sete sujeitos que mais produziram vídeos no LaboMídia. Os grupos focais são pequenos grupos, organizados com formação aproximada de três a cinco pessoas, em que o pesquisador, dotado de um roteiro, propõe questões e os integrantes do grupo discorrem livremente. Neste caso específico, foram formados dois grupos focais, cada um contendo ao menos um acadêmico, um pós-graduando e um professor do CDS. Ou seja, nos preocupamos de tratar tanto da formação inicial (graduação) como da permanente (graduados), sendo esta, tanto a formal (em pós-graduação) quanto a informal (do professor que busca seu aperfeiçoamento).

A realização dos grupos focais ocorreu perante roteiro previamente elaborado, com nove questões abertas, todas relacionadas ao significado da produção de vídeos durante a formação acadêmica e/ou profissional. Os diálogos com os grupos focais foram gravados com a utilização de gravador e posteriormente transcritos para análise.

Paralelamente aos grupos focais, foi realizada uma entrevista com um ex-aluno do Programa de Pós-Graduação do CDS/UFSC que também havia produzido um número significativo de vídeos durante seu mestrado, o que culminou, inclusive, com a produção de dissertação sobre a utilização da produção de vídeos na escola. Contudo, como este sujeito não pôde comparecer à realização dos grupos focais, ele foi entrevistado separadamente por meio de questionário aberto, enviado via internet. As respostas deste pós-graduando foram anexadas às demais transcrições dos grupos focais para análise.

Por fim, os dados coletados dos grupos focais e entrevista foram tratados através da análise de conteúdo, que pode ser definida como:

Conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (várias inferidas) das mensagens (BARDIN apud TRIVIÑOS, 1987, p. 160).

Este procedimento sugere que se inter-relacione determinadas expressões ou temas mais recorrentes (denominadas unidades de registro) em contextos específicos (unidades de contexto), a fim de se constituírem categorias de análise. A categorização constitui um fator fundamental na análise de conteúdo, pois através dela é possível se visualizar e atribuir significação às características que são identificadas nas mensagens analisadas (TRIVIÑOS, 1987).

A partir de tais pressupostos, acreditou-se que este procedimento metodológico da análise de conteúdo contemplava as perspectivas do presente estudo, atribuindo maior rigor instrumental à tarefa interpretativa em relação aos dados coletados.

No entanto, antes de revelar o campo de pesquisa, julgam-se necessárias algumas considerações iniciais que situem melhor a necessidade de uma formação para e com a mídia na formação em Educação Física.

▌▌PAUSE: NOVOS SABERES NA FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA – produzindo imagens, tecendo reflexões

O grande avanço eletrônico do século XX permitiu o surgimento de novos meios de comunicação de massa, como o rádio, a televisão e, mais recentemente, a Internet. Estas novas formas de comunicação trouxeram consigo transformações radicais no cotidiano das pessoas, no mundo dos negócios, no acesso às informações, na cultura, enfim, em praticamente todas as atividades humanas.

Para a Educação, os meios de comunicação de massa trouxeram mudanças e possibilidades significativas. Primeiramente porque, ao se tornarem populares entre jovens e crianças, esses meios geraram novas formas de apreensão mediada da realidade, conforme aponta Ferrés (1996) apropriando-se de McLuhan. Isto significa dizer que jovens e crianças desenvolvem maneiras diferenciadas de lidar com as informações e com a elaboração de novos conhecimentos. Ferrés (1996) sugere que a hiperestimulação gerada pelo excesso de imagens e sons (veiculadas pela mídia) trouxera mudanças cognitivas relevantes para as novas gerações, resultando num confrontamento entre a forma que se aprende na escola tradicional e a forma como se aprende mediado pelas novas tecnologias de comunicação, o que também foi constatado por Demo (1998).

Este argumento e vários outros como, por exemplo, o fato de cada vez mais jovens e crianças dedicarem mais tempo à televisão do que às demais atividades sociais; a incorporação evidente de modelos de conduta apresentados na mídia; a veiculação excessiva de informações, muitas vezes contraditórias, sem profundidade, enfim, toda problemática que envolve a mídia nos dias atuais, aponta para a necessidade de incorporação deste fenômeno pela escola, sob o risco desta se distanciar ainda mais da realidade em que seus alunos e a sociedade estão inseridos.

Contudo, o que garantirá uma integração das novas tecnologias de comunicação na escola de maneira autônoma e crítica é o preparo dos professores e da escola para lidarem com estas tecnologias. É preciso que os professores superem os modelos tradicionais de ensino e se arrisquem em novas perspectivas. Mas é necessário tomar o devido cuidado para não se deixar levar pelo deslumbramento oferecido por estas máquinas, o que pode culminar num estado de entrega passional a estes recursos, sem o desenvolvimento de uma percepção crítica de tais ferramentas.

Acredita-se que a formação dos professores deve contemplar a tematização da mídia, preparando os professores para lidar com esse fenômeno no cotidiano escolar, utilizando-a não somente como ferramenta didática, capaz de atrair mais seus alunos, mas também como objeto de estudo, conforme sugere Belloni (2001). Trata-se, então, de oferecer orientação para analisar a linguagem da mídia e seus discursos, de modo a desvendar, aprofundar e reconstruir seus significados.

Desta forma, é também necessário que este conteúdo se faça presente na formação em Educação Física. Primeiramente, porque o professor de Educação Física é essencialmente um educador, e atua também nos ambientes educacionais e escolares. Segundo, porque os conteúdos típicos da cultura de movimento (principalmente os esportes), ou seja, os conteúdos de sua intervenção profissional, encontram-se amplamente contemplados nos meios de comunicação de massa. Encontra-se aí a possibilidade de o professor de Educação Física, na perspectiva da educação na mídia e com a mídia (FERRÉS, 1996), utilizar os meios de comunicação de massa em suas aulas, articulando pedagogicamente as vivências dos alunos com as informações trazidas pela mídia. Desta maneira, se permitiria aos alunos a construção e a elaboração de conhecimentos sobre a cultura de movimentos e os esportes, ao mesmo tempo em que se formariam espectadores críticos, mais atentos aos discursos midiáticos. Através da análise da mídia podemos discutir questões ligadas à estética e beleza, moda, violência, propaganda e patrocínio esportivo, estereótipos, entre outros.

Neste contexto, percebe-se que diversas estratégias podem ser utilizadas na formação dos professores de Educação Física, no sentido de prepará-los para lidar criticamente com a mídia. Uma, porém, em especial chama a atenção; trata-se da produção de vídeos. Parte-se da premissa de que, ao participarem da produção e edição de vídeos, os professores de Educação Física tomam contato com os procedimentos técnicos envolvidos na produção das informações midiáticas, como por exemplo, o corte, a distorção, a sobreposição e a substituição de imagens, entre outras técnicas. Isso lhes permite compreender os procedimentos utilizados para tornar a linguagem imagética em produto audiovisual atraente e compreensível. Desta forma, gera-se um estranhamento quanto aos produtos veiculados nos meios de comunicação de massa, sendo este estado primeiro passo para uma abordagem mais crítica frente às informações veiculadas na mídia.

Espera-se, assim, não que os professores de Educação Física detenham conhecimentos técnicos de operação das tecnologias de edição e produção de vídeos, já que esta não é uma competência específica deste profissional, mas que eles detenham conhecimentos sobre a forma de produção desses materiais audiovisuais e a que efeitos estes estão submetidos, pois os conhecimentos são responsáveis pela racionalização dos meios técnicos que produzem e veiculam as imagens que assistimos no cotidiano. Feitos tais apontamentos, dirige-se para o desenvolvimento desse estudo.

►►FF: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS – os agrupamentos categoriais

A análise dos dados realizou-se a partir da constituição de agrupamentos categoriais, ao invés de categorias de análise. Adotou-se esse termo em detrimento à categoria de análise devido ao fato de, metodologicamente, as categorias terem características próprias e bem definidas, fechadas em si próprias. Os termos que compõem determinada categoria devem expressar exata e unicamente o que a categoria determina, não explicitando margens, ou dúvidas que as tornem possíveis de contemplar mais de uma categoria ao mesmo tempo. Frente a esta condição, preferiu-se denominar “categorias” como agrupamentos categoriais, evitando qualquer risco de incoerência na tarefa de associação das falas dos sujeitos.

Os agrupamentos categoriais foram criados a partir dos temas mais recorrentes e de maior relevância para a identificação dos significados atribuídos ao uso dos recursos audiovisuais para a formação dos sujeitos da pesquisa. Neste contexto, foram criados os seguintes agrupamentos: Possibilidades Técnicas/Instrumentais; Vídeo: Linguagem & Conhecimento; Re-Formando o Olhar.

a) Possibilidades Técnicas/Instrumentais

Este agrupamento categorial trata das falas que apontaram como a vivência de produção de vídeos, durante a formação, permite um conhecimento maior das possibilidades técnicas e instrumentais oferecidas pela tecnologia de edição ou mesmo de captura das imagens. O agrupamento trata também das falas que se referiram à produção de vídeo somente como ferramenta, ou seja, recurso didático de apoio às aulas.

Para os participantes da pesquisa, a produção de vídeos trouxe novos conhecimentos técnicos (não específicos do campo da Educação Física) aos professores em formação, como, por exemplo, operar uma câmera filmadora, elaborar um roteiro de filmagens, efetuar uma decupagem, procedimentos de edição, implicando repensar a mídia. A produção de vídeos foi marcante pela possibilidade de registrar sua prática pedagógica, o que permite a avaliação e auto-avaliação das aulas, a realização de pesquisas, entre outras.

No que diz respeito à aprendizagem técnica, é mister ressaltar que os participantes da pesquisa, ao procurarem o LaboMídia para produzir seus vídeos, traziam consigo previamente alguns conhecimentos a respeito dos procedimentos de produção de vídeos, não se apresentando como tábula rasa. Esta afirmação pode ser ilustrada pela seguinte fala:

de minha parte embora eu nunca tivesse entrado numa ilha de edição antes, a gente sabe como funciona. [...] a gente sabe como é que funcionam os cortes, como é que eles colocam as imagens. Quando a gente vê os [tele] jornais, a gente percebe que o sujeito ta falando e de repente tem uma tremidinha na imagem, é porque cortaram alguma coisa (Professor).

Porém, mesmo com essas informações prévias, em outros momentos percebeu-se que as possibilidades oferecidas pela tecnologia foram interessantes ou até mesmo surpreendentes para eles, conforme fora apontado: “Você faz um corte de um segundo! O que é um segundo? [...] É uma experiência incrível! De coisas que você pode fazer e de como você pode contar as histórias” (Pós-graduando).

Nestas falas, podem-se perceber como os sujeitos, mesmo detendo informações prévias, se surpreendem com os recursos oferecidos pela tecnologia. Assim, é coerente dizer que a produção de vídeos possibilita ampliar as informações detidas pelos sujeitos sobre os recursos tecnológicos. Ela também permite uma ampliação do que se entende pelos meios de comunicação de massa. Ou seja, é possível que, conhecendo os mecanismos de produção das informações na mídia, se processem novas formas de compreender tal meio, inclusive, percebendo que a tecnologia pode ser usada tanto para correções e aprimoramento das mensagens e informações, como também para deturpá-las ou simplificá-las.

Contudo, apesar de o contato com a produção de vídeos e seus recursos tecnológicos possibilitar uma ampliação dos conhecimentos sobre a mídia, percebeu-se também que essas tecnologias geraram certo encantamento nos sujeitos envolvidos. Para Belloni (2001, p. 24), este encantamento é típico do primeiro contato com as tecnologias, porém é importante atentar-se para este deslumbramento, que tende a promover uso indiscriminado das tecnologias “por si e em si”. Daí, os audiovisuais serem utilizados por educadores mais pelas perspectivas técnicas, do que pelas perspectivas pedagógicas.

É importante lembrar que este “deslumbramento” frente às incríveis potencialidades das TIC [Tecnologias de Informação e Comunicação] está longe de ser uma ilusão ou um exagero “apocalíptico” mas, ao contrário, constitui um discurso ideológico bem coerente com os interesses da indústria do setor (BELLONI, 2001, p. 24).

Para Demo (1998), esse encantamento, tende a levar o professor a se esquecer que o fundamental na produção de vídeos, que se pretende utilizar como recurso pedagógico, é a questão do conteúdo. Para o autor, o encantamento pelas tecnologias afasta o educador de seus objetivos pedagógicos, enfeitiçando-o pelas potencialidades estéticas e lúdicas existentes nesses recursos. Tal fato remete à metáfora dos “integrados” de Eco (1990), que incorpora as novas tecnologias sem, entretanto, enxergar questões outras que ultrapassem um entusiasmo ingênuo.

Assim, compreende-se que seja natural o encanto relatado por produtores de vídeos, afinal, para alguns deles esta foi uma vivência ainda incipiente. Contudo, não se pode deixar de apontar as implicações que este encantamento pode submeter, principalmente quando estão em jogo questões formativas.

Por fim, algumas das falas dos grupos focais e entrevista indicaram que eles valorizam a possibilidade de registrar eventos para fins diversos, como a realização de pesquisas ou até mesmo para a reavaliação de suas práticas pedagógicas. Aqui, o recurso instrumental foi tratado exatamente como insumo para tornar a pesquisa mais eficiente, revelando que os produtores de vídeo do CDS perceberam o vídeo como ferramenta interessante à produção de novos conhecimentos.

b) Vídeo: Linguagem & Conhecimento

A produção de vídeos recebeu dos participantes da pesquisa dois sentidos muito referenciados: o vídeo como forma de linguagem, ou como forma de conhecimento, sendo este último termo menos citado. Desta forma, busca-se associar as duas terminologias num mesmo agrupamento categorial, percebendo que estes termos ora foram citados isoladamente, ora foram citados complementarmente, interligando seus sentidos.

O LaboMídia foi procurado pelos sujeitos para a produção de vídeos, na maioria das vezes, no intuito de encontrarem uma nova forma de linguagem para veicular suas produções acadêmicas. Podemos verificar essa afirmação em algumas falas como: “o que me despertou a vir utilizar o laboratório, [...] é justamente isso, buscar uma linguagem um pouco diferente [...] porque essa linguagem às vezes muito científica, muito academicista, não desperta os estudantes” (Pós-graduando); ou ainda: “é uma outra linguagem que traz novas possibilidades de discussão, um outro jeito de você trabalhar [...] E isso é muito legal. Contar com linguagens diferenciadas” (Acadêmico).

Sobre a afirmação de a linguagem audiovisual despertar mais os estudantes, é necessário considerar que as imagens, de modo geral, demandam uma atividade cognitiva mais simples de ser decodificada do que a linguagem escrita. Para Ferrés (1996, p. 21), “existe uma diferença radical entre as letras e as imagens [...] A televisão favorece a gratificação sensorial, visual e auditiva, enquanto que o livro favorece a reflexão”.

É importante ao professor que pretende trabalhar com essas novas linguagens ter clareza sobre as implicações a respeito da linguagem audiovisual, uma vez que esta problemática (linguagem audiovisual x linguagem escrita) também constitui tema a ser abordado na escola. Isto não implica desqualificar a linguagem televisiva em relação à linguagem literária, pelo contrário, contribui para que os professores percebam o quanto é importante ponderar as duas, visto ambas terem suas compensações e limites.

Consideração relevante está no fato de se implantar esta outra linguagem meramente em substituição à aula tradicional, o que na visão de Demo (1998) não modifica em nada, ou modifica em muito pouco a aula tradicional. É comum observar-se um professor que ao invés de falar sobre determinado assunto, apenas exibe um vídeo, e considera que a aula com vídeo foi melhor, mais atraente. Demo (1998) assegura que, na escola, o professor muitas vezes acredita que “educar é dar aula”, perdendo de vista que seu papel não é dar aulas, mas sim garantir que o aluno aprenda. “Uma distorção comum por parte do educador é traduzir sua proposta em ‘aulas na televisão’, porque acaba replicando as mesmas asneiras da escola, que apenas dá aula. Uma aula ‘bonitinha’, ainda é aula” (DEMO, 1998, p. 26).

Contudo, a linguagem televisiva pode trazer outro jeito de trabalhar, principalmente quando esta linguagem torna-se objeto de estudo para a Educação Física. Nesta direção, verifica-se que os sujeitos também se referiram à utilização do vídeo como forma de produção de conhecimento. Este termo, apesar de aparecer em menor freqüência, também chamou a atenção porque esta atribuição evoca justamente um caráter educativo no uso das tecnologias de informação e comunicação.

Assim, os participantes da pesquisa perceberam, por exemplo, que: “estudar a mídia, quer dizer, [...] inserir isso na escola, com os alunos... você vai estar dando artifício para que eles vejam a produção das mídias ou a veiculação das mídias com um olhar diferenciado. É aí que está o esforço do educador” (Acadêmico).

Tomar a mídia como forma de conhecimento, ou seja, como objeto de estudo, é extremamente relevante para a Educação Física, uma vez que a mídia contribui para o entendimento que as pessoas detêm sobre os esportes. Em suma, os esportes são tratados de maneira simplista neste meio, incorporando-se discursos descontextualizados e fragmentados sobre possíveis benefícios advindos da prática do esporte, sua alegada relação com a melhoria da sociabilidade e das condições orgânicas de saúde, a apropriação de valores morais desejáveis e, principalmente, a obtenção das formas estéticas ideais.

Sobre essa questão, Pires (2002), sugere que a universidade e a escola assumam o compromisso de intervir no processo de esclarecimento da mídia em relação à cultura de movimento. As universidades devem produzir conhecimentos e preparar os futuros professores para interagirem criticamente com a mídia e as escolas devem difundir estes conhecimentos, sendo esta última, “talvez a única instituição capaz de conceber/implementar ações de natureza emancipatória sobre este tema” (PIRES, 2002, p. 166).

Se a universidade é o local para produzir conhecimentos sobre a mídia, isto quer dizer que o aluno tem que aprender na academia como tratar da mídia enquanto objeto de estudo, sem esquecer de que a mídia deve fazer-se presente tanto como linguagem quanto forma de conhecimento. Ou, como diria Ferrés (1996), a educação para mídia deve considerar a educação com o meio e no meio, ou seja, “ensinar os mecanismos técnicos e econômicos de funcionamento do meio, oferecer orientação e recursos para análise crítica dos programas” (FERRÉS, 1996, p. 92).

c) Re-Formando o Olhar

Os grupos focais apontaram que, a partir da vivência de produção dos vídeos, adquiriram um olhar diferenciado para a mídia, um olhar mais esclarecido, tanto no campo profissional, como em suas vidas cotidianas. Desta forma, a produção de vídeos contribuiu não só para a formação profissional dos sujeitos da pesquisa, mas também para a formação de cidadãos. Os sujeitos da pesquisa afirmaram que passaram a assistir Tv de maneira mais criteriosa, ou, ir ao cinema com visão diferenciada se comparado ao modo como assistiam aos filmes antes de conhecerem mais profundamente as tecnologias de edição.

eu pessoalmente vou ao cinema hoje de outra forma, isso é muito legal! Eu vejo coisas que eu não tinha atenção [...] isso foi um grande aprendizado. Eu não vou mais no cinema só pra comer pipoca e ver legenda, então melhorou (Professor).

Esta fala evidencia que o olhar dos sujeitos sobre a mídia foi modificado, ou como dito acima, “melhorou”. Ou seja, é evidente que conhecendo o meio técnico, a forma como se assiste Tv pode ser modificada, tornando-se mais criteriosa tanto em relação ao modo de produção, como em relação aos conteúdos que são veiculados. Sendo assim, ao produzirem vídeos, os participantes desta pesquisa passaram a compreender melhor a dinâmica de criação estética e, principalmente, da criação de sentidos que se faz necessária na elaboração de uma mensagem audiovisual. Ferrés (1996, p. 94), aponta que:

Filmar e gravar com uma câmera de vídeo é para a criança e para o jovem uma experiência nova, apaixonante. Permite-lhes, além do mais, compreender melhor a mecânica interna da televisão, a sua dinâmica expressiva e seus sistemas de produção de sentido. No caso da linguagem escrita, a criança aprende a ler e a escrever ao mesmo tempo, aprende a ser consumidor e ao mesmo tempo produtor de mensagens. Compreende facilmente o conceito de autoria porque ele próprio é capaz de redigir um texto. Isto torna mais fácil a sua compreensão do meio, o que também é esperado para a televisão.

Assim, percebe-se que a experiência de produção de vídeos no âmbito da formação de professores de Educação Física torna-se relevante na medida em que atualiza, ou contextualiza este professor para uma prática mais autônoma com a mídia, especialmente a televisiva. E ao professor de Educação Física é essencial essa compreensão do meio, afinal, para que ele esclareça seus alunos sobre o discurso midiático, antes, ele próprio precisa estar esclarecido. É o que sugere Betti (2003, p. 109): “Avaliou-se como pré-requisito que o professor detenha conhecimentos sobre o processo de construção da linguagem televisiva, e que desenvolva ele próprio a capacidade de interpretação crítica das mensagens televisivas, para poder trabalhar essa linguagem com os alunos.”

O professor que detiver uma visão crítica da mídia em sua formação, conseqüentemente terá visão crítica da mídia em sua vida cotidiana, visto não se tratar de um aprendizado para um problema específico da Educação Física, e sim um problema concreto da vida cotidiana. Compreender a mídia na formação em Educação Física constitui-se também um aprendizado sine qua nom à cidadania. Segundo Belloni (2001), desde a década de 1970, especialistas da Unesco já incluem a idéia de que a educação para a mídia representa também uma condição para a cidadania.

Esta é uma contribuição fundamental para a formação dos professores de Educação Física, pois somente a partir de uma visão crítica da mídia no cotidiano é que esses professores poderão identificar problemas pedagógicos neste meio que sejam aplicáveis ao fazer/agir pedagógico na escola: “Professor que não aprende bem não pode fazer o aluno aprender bem” (DEMO, 1998, p. 190).

■ STOP: CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção de vídeos na formação de graduandos, pós-graduandos e professores do CDS, por meio do LaboMídia, tem sido uma vivência significativa para sua formação. Isto porque esta atividade revelou-se como nova possibilidade metodológica/instrumental que os professores poderão dispor em seus repertórios para intervenção na escola. Essa atividade contribuiu também para melhor compreensão da mídia na contemporaneidade, permitindo uma visão mais crítica dos meios na vida cotidiana e na prática pedagógica do professor de Educação Física.

Contudo, os sujeitos indicaram alguns limites que se fizeram presentes na atividade de produção de vídeos, tais como: a não aceitação, ou o não reconhecimento, do vídeo como forma de produção científica e acadêmica por alguns professores e disciplinas, ou até mesmo por colegas do próprio curso; questão de tempo para a produção, já que a construção de um vídeo, muitas vezes, demanda mais tempo para sua concretização em comparação ao texto escrito; o desconhecimento técnico, ou seja, a falta de domínio das ferramentas e tecnologias de produção audiovisual, como manuseio da filmadora, noções de enquadramento, planos de filmagem; e, por último, questões ligadas à disposição de recursos estruturais, técnicos e humanos, ainda incipientes no LaboMídia e que dependem amplamente de verbas, questões burocráticas e políticas de funcionamento e incentivo.

Recuperando essas críticas quanto aos limites apontados, percebe-se que os professores em formação passaram a compreender melhor o meio técnico de produção das imagens, o que os levou a um estágio mais avançado de entendimento da mídia, caracterizando este processo como formativo.

Os participantes desta pesquisa reconheceram, ainda, a relevância de se ter um espaço na formação do professor de Educação Física para os estudos da mídia, relacionados ao esporte e demais elementos da cultura de movimento humano, tal como o LaboMídia. Sendo assim, podemos dizer que estes sujeitos reconhecem também que a mídia possui implicações no campo da Educação Física.

Dessa forma, entende-se que “somente a formação poderá garantir o espírito crítico necessário para o uso enriquecedor do meio” (FERRÉS, 1996, p. 80). Assim, acredita-se que durante a formação do professor de Educação Física é mister o contato com conteúdos que permitam a reflexão e a apreensão crítica das influências da mídia na sociedade contemporânea, bem como o papel do educador, entre eles o professor de Educação Física, nesta sociedade midiatizada. Neste sentido, parece que o conhecimento das formas de produção de materiais audiovisuais representa uma contribuição pertinente ao processo formativo do professor de Educação Física, enquanto educador para mídia.

 

Physical Education & New Communicational Languages: meanings and interpretations of the production of audiovisual resources in teacher development

ABSTRACT

The Media Laboratory – LaboMidia – at the Sports Center of the Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC provides all the university’s undergraduate and post-graduation students as well as its professors and researchers with the opportunity to have a closer contact with themes which are related to Physical Education, Media, and New Information Technologies, such as the production of audiovisual materials. This study relates a research work which aimed at investigating the concepts and meanings related to the production of video materials for teacher education in Physical Education. The adopted methodology included focus groups with faculty and students who produced the greatest amount of videos at LaboMidia in 2003 and 2004 as well as qualitative content analysis of their statements. This observation showed that, besides being a didactic strategy, video production can contribute to the teacher education of Physical Education teachers as to the autonomous and critical use of media in daily school activities.

KEYWORDS: physical education – teacher education – media

 

Educación Física & Nuevas Lenguajes Comunicacionales: sentidos y significados de la producción de recursos audiovisuales en la formación de profesores

RESUMEN

El Laboratorio de Medios de Comunicación – LaboMídia – del Centro de Deportes de la Universidad Federal de Santa Catarina provee a sus académicos, posgraduandos y docentes una aproximación a los temas relacionados a la Educación Física, Media y Nuevas Tecnologías de Información, como la producción de materiales audiovisuales. El presente trabajo relata investigación que tuvo como objetivo investigar los significados atribuidos a la producción de videos en la formación en Educación Física. La metodología ha contado con la realización de grupos focales con los sujetos que más han producido videos en el LaboMídia en el periodo 2003/2004, y analisis de contenido de sus testimonios. Ha sido observado que, ademáss de la estrategia didáctica, la producción de videos puede contribuir para la preparación de los profesores de Educación Física cuanto al uso autónomo y crítico de la media en el cotidiano escolar.

PALABRAS-CLAVES: educación física – formación de profesores – medios de comunicación

NOTAS

* Licenciado em Educação Física CDS/UFSC, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física/UFSC e pesquisador do Grupo de Estudos Observatório da Mídia Esportiva.

** Doutor em Educação Física/Ciências do Esporte pela FEF/Unicamp, professor adjunto do DEF/UFSC e coordenador do Grupo de Estudos Observatório da Mídia Esportiva.

1 A expressão “cultura de movimento”, adotada aqui, refere-se ao conceito expresso por Kunz (1994), advindo da categoria “mundo vivido” de Habermas, sendo este o espaço de significados humanos e sociais expressos no movimento humano ou no “movimentar-se”.

2 O Observatório é um grupo de estudo/pesquisa ligado ao Núcleo de Estudos Pedagógicos da Educação Física (CDS/UFSC) e reúne pesquisadores, professores, pós-graduandos e acadêmicos de diversos cursos da UFSC para tematização de conteúdos da Educação Física e Mídia.

REFERÊNCIAS

BELLONI, M. L. O que é Mídia-Educação. Campinas-SP: Autores associados, 2001.

BETTI, M. (Org.). Educação Física e Mídia: novos olhares, outras práticas. São Paulo: Hucitec, 2003.

DEMO, P. Questões para a teleducação. Petrópolis: Vozes, 1998.

ECO, U. Apocalípticos e integrados. 4ed. São Paulo: Perspectiva, 1990.

FERRÉS, J. Televisão e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.

PIRES, G. De L. Educação Física e o Discurso Midiático: abordagem crítico-emancipatória. Ijuí: Unijuí, 2002.

TRIVIÑOS, N. S. A. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

 

Recebido: 31 de março de 2006
Aprovado: 10 de abril de 2006

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