V COLÔNIA DE FÉRIAS – FEF-UFG/FUMDEC

ARI LAZZAROTTI FILHO, EDILAYNE FERNANDES DA SILVA, MARCELO DOS SANTOS RIBEIRO e RENATO MENDES DE OLIVEIRA*

RESUMO

O presente texto relata a experiência da IV Colônia de Férias com meninos e meninas em situação de risco pessoal e social na cidade de Goiânia. A proposta é desenvolvida a partir da compreensão crítica do lazer-educação como uma forma de intervenção social, em que apresentamos uma proposta dos elementos que a compõem como: planejamento coletivo, a construção de regras e o desenvolvimento através de áreas temáticas. PALAVRAS-CHAVE: Colônia de férias, lazer-educação, meninos e meninas em situação de risco pessoal e social o período de 10 a 19 de julho de 2000, realizou-se nas dependências da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás a IV Colônia de Férias com meninos e meninas em situação de risco pessoal e social.

Esta colônia teve a participação de aproximadamente 200 crianças na faixa etária de 11 a 18 anos incompletos, 17 estagiários do Projeto Agente e Projeto Ginga, 3 voluntários da Faculdade de Educação Física e cerca de 20 educadores sociais.

INTRODUÇÃO

Em setembro de 1997 a Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF – UFG) e Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário (Fumdec)1 estabelecem um convênio. Começam, assim, a construir uma relação no que tange diversos campos de atuação, dentre eles, a do lazer-educação com meninos e meninas em situação de risco pessoal e social, surgindo daí o Projeto Agente.

Este se consolida enquanto um projeto de extensão, com intervenções práticas, no âmbito do lazer-educação. Entendemos o lazer enquanto uma prática lúdica, crítica e construtiva. “Dessa forma prefiro entender o lazer como a cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada ou fruída) no tempo disponível.” (Marcellino, 1990, p. 31).

Mascarenhas (2000), a partir de uma pesquisa realizada junto ao Projeto Agente, faz uma discussão que acreditamos contribuir para avanços neste campo de atuação. Para ele,

o lazer se constitui como um fenômeno basicamente moderno, resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura perpassando por relações de hegemonia [...] tempo e espaço para o exercício e prática da liberdade (p.26).

Assim, os conteúdos2 como jogo, esporte, dança, lutas, teatro, música, capoeira etc., são desenvolvidos, ampliados e transformados.

Neste sentido, o Projeto Agente visava a:

* proporcionar meios e condições aos sujeitos envolvidos para que se sintam capazes de refletir, em meio ao conjunto de atividades a serem realizadas, sobre suas atuais condições de vida e sobre a sociedade brasileira em seus diversos aspectos;

* possibilitar ao grupo a apreensão dos conteúdos do lazer como experiências / manifestações de uma cultura e como possível instrumento de ligação com sua realidade objetiva;

* incentivar a participação criativa para a tomada de decisões, que corresponda à necessidade de organização, fortalecimento e conscientização do grupo;

* garantir a reflexão acerca do significado das regras e valores necessários à convivência coletiva, estimulando o reconhecimento do grupo enquanto um espaço de construção e afirmação de identidades.

Dentro desta perspectiva o Projeto Agente tem diversas atividades organizadas, dentre elas a Colônia de Férias que tenta dar um caráter de sistematização do trabalho desenvolvido em um semestre, tentando apresentar-se de forma ampliada, sistematizada e coerente com seus objetivos.

Ao depararmos com a necessidade da realização de uma Colônia de Férias, esbarramos nos modelos criados3 (como em clube, acampamentos, prefeituras etc.) para satisfazer uma necessidade compensatória de lazer. Com isso, a concepção hegemônica de Colônia de Férias está articulada quase que em todos os momentos ao lazer funcional.

O poder público tem trabalhado com esta concepção na maioria dos espaços que exerce esta prática. Desta forma, a Colônia surgiu enquanto um programa de atendimento a estes meninos e meninas no período de férias das escolas4 municipais e estaduais.

Sua criação justifica-se a partir da constatação do aumento de meninos e meninas nas ruas neste período, denunciando e explicitando assim um quadro de injustiça social, que o poder público tenta esconder, uma vez que estes surgem como uma “ameaça” à sociedade, pedem dinheiro nos sinais, cometem pequenos furtos, roubos etc. Nesta concepção, a Colônia de Férias é uma forma funcional de o governo municipal resolver os problemas acima expostos.

Dentre os conceitos levantados, acreditamos avançar a partir do momento que apontamos atividades articuladas com um projeto que vise a desenvolver atividade ludo-recreativas e esportivas de forma a proporcionar uma reflexão crítica e participativa que aborde os princípios de formação do coletivo.

A IV Colônia de Férias assume uma perspectiva da prática do lazer no exercício da organização coletiva. Utilizamos alguns elementos que nortearam a proposta: planejamento coletivo, construção das regras, comissão disciplinar, avaliação coletiva.

Para concretização e materialização desta proposta, a IV Colônia de Férias desenvolve atividades ludo-recreativas e esportivas, culturais, temáticas e passeios ecológicos.

Entendemos que a colônia de férias deve estar articulada com os objetivos do Projeto, que, na sua especificidade, pretende:

♦ desenvolver um programa de atividades com possibilidades lúdicas, estando de acordo com as orientações teóricas do Projeto Agente, devendo obedecer às temáticas da IV Colônia de Férias;

♦ proporcionar aos acadêmicos da Faculdade de Educação Física da UFG a realização de práticas educativas e programas direcionados a grupos de crianças em situação de risco pessoal e social.

Acreditamos que o desenvolvimento teórico-metodológico da IV Colônia de Férias resulta da experiência da realização das próprias colônias. Neste sentido, encaramos as quatro colônias realizadas como um grande laboratório para reflexão, pesquisa e amadurecimento sobre o lazer e a própria proposta em questão.

DESENVOLVIMENTO DA COLÔNIA

O Planejamento

A nossa concepção da IV Colônia de Férias permite-nos dizer que todos os envolvidos devem se sentir como sujeitos do processo de construção/elaboração, desenvolvimento das atividades, responsabilidades e possíveis avanços que virão acontecer na realização das próximas Colônias de Férias.

Neste sentido, reunimos os estagiários do Projeto Agente e do Projeto Ginga,5 fizemos uma espécie de pré-planejamento para estabelecer questões inerentes à prática da Educação Física e lazer, em especial, os procedimentos necessários à realização das atividades, inclusive o próprio planejamento coletivo proposto pela coordenação da IV Colônia de Férias. Em seguida houve dois dias de planejamento a fim de oportunizar a participação de todos (coordenadores de unidade, educadores sociais, psicólogos, assistentes sociais e outros) os designados pelas unidades de atendimento.6 Tal procedimento se deu devido ao regime de trabalho 12/36 horas, em que as duas equipes trabalham 12 e folgam 36 horas

Segundo Gilberto Rosa, técnico do CEACA, a IV Colônia de Férias:

foi bem planejada com destaque para as dinâmicas onde conseguiram manter o controle e a participação dos adolescentes; teve uma boa performance na execução do trabalho de modo que foi muito bom o trabalho da equipe. Sobre o planejamento, creio que foi bem feito, com participação de todos estagiários e voluntários. Tivemos dificuldades na execução de algumas atividades por parte dos meninos e na colaboração de alguns educadores. Tivemos problemas com alguns passeios, alterando nossa programação.7

Grupo Coordenador

O grupo coordenador8 exerceu a coordenação da IV Colônia de Férias. Caracterizava-se por uma compreensão de que deveria se construir uma coordenação coerente com a formação do coletivo, estabelecendo assim a direção a partir das regras norteadoras construídas anteriormente. O grupo coordenador também teria como atuação as áreas em que pudessem ocorrer problemas de ordem organizacional e, principal-mente, de ordem pedagógica, estabelecendo uma relação avaliativa e construtiva a todo momento.

A Organização das Equipes

Para uma melhor organização, dividimos o grupo de meninos e meninas em equipes por faixa etária, constituindo-se em três equipes definidas por cores (verde, vermelho e azul). Podemos salientar a importância da construção da identificação das equipes pelos próprios envolvidos, utilizando de pinturas em suas camisetas, retratando suas características. Educadores, psicólogas, assistentes sociais, coordenadores e os estagiários compuseram as equipes e participaram de todos os momentos de organização, desenvolvimento e avaliação. Um estagiário do Projeto Agente ou Projeto Ginga coordenava e representava a equipe, organizando todo o material (fichas de planejamento, avaliações, controle de freqüência, distribuição de vales-transportes e refeições, entrada nos ônibus e locais onde aconteceriam as atividades) e estabelecendo uma articulação entre as equipes e grupo coordenador.

A Construção Coletiva das Regras

Para os meninos e meninas em situação de risco pessoal e social, a transgressão das regras é uma afirmação e exposição de sua situação marginal da sociedade. Devido a esta característica, nas colônias anteriores tivemos problemas como o uso de drogas, as brigas de galeras, a depredação do patrimônio e do meio ambiente etc., sendo suspensões ou exclusões da Colônia práticas comuns usadas como medidas educativas decididas individualmente, sem critérios prévios. Esta prática estava excluindo novamente os participantes da Colônia, indo contra seus próprios objetivos. Identificamos e trabalhamos a necessidade de termos re-gras para o convívio social, não como forma de aceitação daquelas que os excluem da sociedade, mas para compreensão e transformação. Nesse sentido, surge a necessidade de os participantes da IV Colônia de Férias construírem suas próprias regras. Juntamente com isso, avaliamos a necessidade de estarmos criando uma comissão que pudesse garantir o cumprimento das regras, dando conta de transformar as transgressões em atos educativos. Criamos a Comissão Disciplinar, composta de um menino, uma menina, um educador, um estagiário e um coordenador.

Logo no primeiro dia de Colônia, como havíamos planejado, criamos dois grupos para a discussão das regras que iam nortear a IV Colônia de Férias. Este processo se deu de forma orientada, pois no planejamento já tínhamos os princípios norteadores, como, por exemplo: não usar drogas; preservar o patrimônio público; respeitar aos profissionais e demais envolvidos; evitar brigas etc. Logo depois reunimos todo o grupo e consolidamos as regras definitivas com os representantes das crianças e dos adolescentes envolvidos. Pudemos mais uma vez concretizar nossa compreensão de construção coletiva.

CONTEÚDOS TEMÁTICOS DO LAZER9

Atividades Ludo-Recreativas/Esportivas

Estas atividades são caracterizadas por uma abordagem dos conteúdos da Educação Física e do Lazer (jogo, esporte, teatro, artesanato, brincadeiras, dança, música, ritmo etc.), que busca uma contribuição no sentido de oportunizar e ampliar criticamente os conhecimentos relacionados aos conteúdos do lazer. Podemos destacar atividades como caça ao tesouro, festival de futebol, atividades aquáticas, escorregador de sabão, entre outras.

Atividades Culturais (capoeira, teatro, artesanato)

Estas atividades já se caracterizam por reconhecer e ampliar os conhecimentos de nossa cultura, estabelecendo alguns pressupostos de acontecimentos históricos que fizeram com que ocorressem determinados fatos, além de formas de organização para a sobrevivência, buscando auxílio no meio ambiente e/ou no meio social (cultura). Destacamos a atividade desenvolvida com fantoches que possibilitou a apresentação da realidade de forma crítica e criativa, estabelecendo um sentido social para a vivência da exclusão e para a violência, objetivando a organização e a indignação diante desta situação da vida marginal dos meninos e meninas em situação de risco pessoal e social.

Passeios Ecológicos

Esta atividade foi desenvolvida no Parque Ecológico de Goiânia, onde a principal atividade se caracterizava por descer o rio em câmaras de caminhão, mais conhecidas por bóias. Para a realização desta atividade providenciamos anteriormente as bóias, a alimentação que foi servida no local, ônibus, materiais para jogos etc. No local procuramos realizar as atividades de forma recreativa, não procedendo, assim, a um controle rigoroso no que diz respeito à manutenção das equipes. Isto proporcionou uma forma mais direta de relação, já que estivemos acompanhando os meninos com grupos de educadores, estagiários e voluntários. Para garantia de segurança dos meninos e meninas, contamos com o apoio do Corpo de Bombeiros, que, com dois membros da Corporação, nos acompanhou em tempo integral. As bóias foram distribuídas por equipes, sendo que cada menino ou menina ficava responsável pela bóia que pegava. Para tanto fizemos um controle através dos números anotados em cada uma delas.

Passeios Recreativos

O objetivo destes passeios, além de proporcionar momentos de alegria e descontração, foi de mostrar a importância de oportunizar a estes meninos e meninas as possíveis formas de diversão que historicamente lhes foram negadas, mostrando ser um direito e não um “favor” por parte dos órgãos públicos. Os passeios recreativos foram realizados no Parque Mutirama e no Circo Estoril.

Parque Mutirama: Ao chegarmos, nos organizamos em equipes de dez meninos e meninas, acompanhadas de dois a quatro educadores. Cada equipe tinha a possibilidade de andar em todos os brinquedos.

Circo Estoril:. Ao sairmos dos ônibus, acompanhamos os meninos e meninas até as arquibancadas, mantendo os educadores em locais estratégicos, para prevenir problemas que viessem a acontecer entre os meninos e as demais pessoas que estavam presentes para assistir ao espetáculo.

AVALIAÇÃO

A avaliação se deu continuamente através de reuniões no final do dia para identificação dos problemas e replanejamento para o dia seguinte. No final da IV Colônia de Férias, organizamos uma grande avaliação, em que os presentes deram suas opiniões para o fechamento dos trabalhos já sistematizados em um questionário avaliativo, proposto pelo grupo coordenador e entregue dias antes. A perspectiva principal desta avaliação foi a sistematização e a análise coerente, que pudesse dar subsídios para novas iniciativas e saltos qualitativos para as próximas colônias de férias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que as propostas de colônias de férias ainda se encontram dentro da perspectiva do lazer funcional. Não encontramos subsídios teórico-metodológicos que pudessem dar sustentação a uma proposta transformadora. No entanto, as três colônias anteriores contribuíram para o planejamento de uma colônia de férias dentro da perspectiva crítica do lazer-educação.

A materialização desta colônia de férias se deu principalmente com os diversos avanços do próprio Projeto Agente. Neste sentido, podemos constatar que a IV Colônia de Férias vem reafirmar um trabalho que é feito diariamente nas unidades de atendimento. Destacamos que não só pudemos oferecer uma prática do lazer de forma crítica, criativa, lúdica e transformadora, mas também uma melhor capacitação/formação dos estagiários envolvidos, que refletem suas próprias ações e vislumbram novas intervenções.

This paper focuses on the IV Summer Camp, composed by abandoned boys and girls. The proposal is developed through a critical comprehension of leisure-education as a form of social intervention. We present the group plan, the elaboration of rules and the development of thematical areas.

KEY WORDS: Summer Camp, leisure-education, abandoned boys and girls.

NOTAS

* Componentes do Grupo Coordenador do Projeto Agente – FEF/UFG-Fumdec

1. Para melhor compreensão deste convênio, ver Mascarenhas, F. Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário e Faculdade de Educação Física: uma parceria que vem dando certo. In: Revista Pensar a Prática. v. 1, n. 1, FEF/UFG, Goiânia, 1998.

2. Segundo Marcellino (1996), a classificação mais aceita é a que distingue seis áreas fundamentais: os interesses artísticos, os intelectuais, os físicos, os manuais, os turísticos e os sociais.

3. Estes modelos, segundo Marcellino (1990), contribuem para a manutenção da saúde social, ocupando salutarmente as pessoas que dispõem de tempo livre a não externalizar agressividades socialmente construídas, fazendo com que funcione como um tipo de válvula de segurança da sociedade.

4. Vale salientar que o direito à escola não está ainda concretizado entre a maioria dos meninos e meninas em situação de rua.

5. Projeto que trabalha com os ritmos afro-brasileiros, como a dança de rua, capoeira, samba de roda, que compuseram a organização da IV Colônia de Férias por estarem sob a mesma coordenação do Projeto Agente..

6. Unidade 24 horas, Casa das Flores, SOS – Criança e CEACA – Centro de Atendimento à Criança e Adolescência.

7. Para avaliação da IV Colônia de Férias usamos questionário, do qual foi tirado tal depoimento.

8. O grupo coordenador foi formado por quatro integrantes, sendo um pela DPDIA e três do Projeto Agente.

9. Sobre conteúdos temáticos do lazer ver Marcellino (1996).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARCELLINO, N. C. (Org.). Políticas públicas setoriais de lazer: o papel das prefeituras. Campinas: Autores Associados, 1996. (Coleção Educação Física e Esportes)

_____. Lazer e educação. 2. ed. Campinas: Papirus, 1990.

_____. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas: Autores Associados, 1996.

MASCARENHAS, Fernando. Lazer e grupos sociais: concepções e método. Campinas, 2000. (Dissertação de Mestrado).

MASCARENHAS, F. et al. Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário e Faculdade de Educação Física: uma parceria que vem dando certo. In: Pensar a Prática. v. 1, n. 1, FEF/UFG, Goiânia, 1998.

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