RESENHA

BARBOSA, Cláudio L. de Alvarenga. Educação física escolar. Da alienação à libertação. Petrópolis: Vozes, 1997. 150 páginas [RESENHA].

FERNANDO MASCARENHAS*

Para quem já esperava há algum tempo publicações na área de conhecimento Educação Física e Esportes, chega finalmente às distribuidoras Educação Física Escolar, de Cláudio L. de Alvarenga Barbosa, professor da Universidade Federal de Lavras – UFLA.

Tentando identificar o perfil da Educação Física Escolar (EFE) no Brasil deste final de século e, ao mesmo tempo, questionar sua legitimidade, enquanto componente curricular obrigatório, o autor, a partir de um referencial de análise sociológico, procura subsidiar os professores de Educação Física (EF) para que, como intelectuais transformadores, assumam seu papel de colaboradores para as mudanças sociais que se fazem urgentes e necessárias ao país.

Seu trabalho se divide em duas partes. A primeira, “Repensando a EFE,” reúne uma série de artigos já publicados anteriormente, apresenta algumas reflexões acerca da EFE em que se destaca o caráter denunciante de sua argumentação. Já no segundo momento da obra, “EFE: do movimento corporal ao movimento social,” constrói alguns apontamentos / propostas para uma nova prática em EF que se materializa na forma de alguns planos de curso.

O capítulo 1, “Teoria e Prática da EFE: pressupostos sóciofilosóficos,” traz uma discussão a respeito da EFE no contexto de uma sociedade marcada pelos antagonismos de classe. Barbosa nos chama a atenção para uma característica eminentemente conservadora da escola que, combinada com a sua função reprodutora da força de trabalho, cumpre a tarefa de aparelho ideológico, contribuindo para a consolidação da hegemonia burguesa. No entanto, frente às grandes contradições presentes no cotidiano escolar, justifica-se uma intervenção que aponte para possibilidades pedagógicas de resistência na construção de uma contra-hegemonia popular.

As atuais manifestações das atividades corporais no âmbito da escola passam a ser submetidas a um exame que pode colaborar para a superação de um paradigma marcadamente esportivizante de EF, em que a dicotomização entre teoria e prática é atitude comum. O autor passa a discutir o termo ‘prática’ entendendo-a não necessariamente como movimento corporal, mas, no caso da EF, como uma prática social e pedagógica em que a articulação entre o abstrato e o concreto se mostra como um primeiro passo para a desmitificação ideológica de uma dada realidade.

Conclui que a EF pode cumprir um papel não somente pedagógico, mas também político, à medida que aposta na utopia de um redimensionamento estrutural e conjuntural de nossa sociedade.

No capítulo 2, “Teoria e Prática da EFE e a formação de seu currículo,” o autor, mesmo admitindo certa radicalidade em seus escritos, nos situa em sua intencionalidade provocativa, anunciando a construção de uma proposição curricular.

Tal proposta deve se edificar sobre os alicerces resultantes de uma sólida reflexão que se dá em dois diferentes níveis: no primeiro, referendando uma visão etapista de história, que busca na EF médica, militar, biopsicossocial e desportiva elementos que o ajudem na explicação do atual momento. Posteriormente, a análise das condições objetivas na esfera educacional faz o autor acreditar na desorganização da EFE como condição determinante quando da liberdade de sua atuação no interior de um maior espaço de contradição.

Para Barbosa, “pelos (...) conhecimentos ligados ao esporte e ao corpo (...) devemos (...) desvelar as ideologias que permeiam estes temas e tornam obscuro às classes populares o real entendimento da realiadade social” (p. 25). Para tanto, ele defende a necessidade de uma formação continuada dos professores de EF para que possam desenvolver um permanente processo de crítica.

Em seguida, nos mostra superficialmente como podem ser trabalhados / tematizados alguns conteúdos no interior de uma intervenção dentre os quais podemos destacar: conhecimento das partes do corpo, capoeira, história da EF, olimpíadas, posições e técnicas de trabalho etc. Aqui se localizam as indicações propositivas anunciadas.

No capítulo 3, “Avaliação médica como pré-requisito para as aulas de EFE: e quando a escola não tem médico?” Percebe-se a apologia ao exame de saúde como condição necessária à participação nas aulas que, paradoxalmente, agora se denominam ‘práticas’ de EF. Porém, questiona a viabilidade desta exigência em nossas escolas defendendo que seja conferida, ao professor de EF, a atribuição de um agente de saúde, compreendendo que este deve trabalhar com conteúdos relacionados à higiene e primeiros socorros. Defende, ainda, o teste de esforço e discute o problema da morte súbita, demonstrando grande preocupação quanto à sua incidência nas aulas de EFE.

Caberia ao professor de educação física – educador e agente de saúde – conduzir seu trabalho com o máximo de segurança fazendo uso para isso, das recomendações já citadas: anamnese, observação e orientação dos alunos e controle da frequência cardíaca através do método da zona alvo durante o exercício. (p. 32)

No capítulo 4, “Teoria e Prática da EFE: refletindo sobre a avaliação,” o autor vislumbra a avaliação como um elemento presente nos mais diferentes momentos e situações de nossa vida, destacando o seu caráter de classe quando da função seletiva a que está vinculada, legitimando princípios como o da exclusão.

Em uma discussão técnico-pedagógica, ele categoriza a avaliação em três tipos: diagnóstica (inicial), formal (processual) e somativa (final, de verificação). Estas, para o autor, devem articular-se à realidade do aluno, sendo dialeticamente abordadas. Quanto à sua finalidade, a avaliação deve abster-se dos privilégios dispensados aos aspectos motores em detrimento da cognição e, sem maior profundidade, apresenta alguns modelos que podem estimular o leitor menos atento ao erro da reprodução.

O capítulo 5, “O papel do movimento na alfabetização de crianças de classes populares,” pauta inicialmente pelo debate em torno das idéias de Paulo Freire, onde a alfabetização é tida como a leitura do mundo. “Considerando a alfabetização um processo que deve ao mesmo tempo resgatar e recriar a experiência vivida pelo alfabetizando, não deve ser ela entendida apenas como um processo através do qual se ensina a repetir palavras.” (p. 43).

O autor ainda constrói neste fragmento um breve histórico da educação, em que, em meio ao surgimento da sociedade industrial, a qualificação da força de trabalho e a inculcação / consolidação de determinados hábitos e valores são seus principais objetivos. Em Grams-ci recupera o conceito de intelectual orgânico e alerta os professores de EF sobre a necessidade de uma luta pela hegemonia política e ideológica no espaço escolar como forma de concretizar as transformações que reivindicam. Aposta na organização dos professores, enquanto classe, e vê refletida na atividade de ensino tal atitude. Assim, “(...) em uma visão de alfabetização para ‘leitura de mundo’ a ênfase não deve ser dada ao aspecto acabado da aula, ao seu objetivo final, mas aos meios para se alcançar o objetivo, a organização da aula” (p. 48).

Relatando de forma bem restrita algumas experiências, Barbosa admite não ter abordado os benefícios psicomotores inerentes ao trabalho de alfabetização por acreditar ser mais urgente neste momento o aspecto político. Assim, as contribuições do movimento corporal para a alfabetização são falhas em indicações mais precisas que auxiliem a prática pedagógica dos professores de EF.

O capítulo 6, “EFE: ética e comportamento do professor,” resgata situações no mínimo pitorescas que contribuem para a caricaturização do professor de EF e sua conseqüente marginalização no interior do ambiente educativo, advogando a necessidade de uma formação ética para o profissional de EF.

A EF diferencia-se dos demais saberes escolares pela especificidade de seus conteúdos, não devendo, no entanto, distanciar-se da educação. Desta maneira, “(...) quando o professor de educação física age de forma a diferenciar-se dos demais professores, ele inconscientemente usa a educação física de forma amoral” (p. 53). Portanto, para o autor, libertar-se de estereótipos é agir dignamente, reaproximando-se de sua verdadeira identidade enquanto educador.

No capítulo 7, “As representações sociais do conceito de lazer na EFE,” o autor está atento à preocupação que os professores de EF vêm dispensando à questão do lazer. Destaca que este vem se resumindo à simples oferta de atividades recreativas totalmente desconectadas da realidade social do aluno, o que denomina lazer alienado. Entendendo representações como “(...) formação e consolidação de conceitos social-mente veiculados e mantidos” (p. 58), o autor acredita poder estar em seu estudo algumas respostas quanto ao porquê de o fator alienante ser tão marcante nas atividades de lazer. “A representação do lazer torna-se, portanto, objeto de significativa importância à pesquisa em Educação Física porque se forma na prática social, porque reflete o pensamento e o sentimento que constroem coletivamente.” (p. 60).

Transcendendo tais representações, ele sustenta a superação do lazer tratado enquanto manifestação humana despojada de valores culturais que refletem o mundo vivido daqueles com que se trabalha.

O capítulo 8, “Pressupostos pedagógicos para uma EF de 1 à 4séries,” destaca o predomínio do senso comum entre os professores de EF quando o significado que dão à sua ação não corresponde à necessidade de se fixarem os objetivos. Defende um maior entendimento por parte dos professores, principalmente os das séries iniciais, quanto ao desenvolvimento intelectual da criança e recorre a Piaget apresentando seus respectivos estágios.

No capítulo 9, “A EF no .1º segmento do 1. grau: resultado de uma pesquisa,” discute a formação de professores chamando a atenção para a EF nas séries iniciais que, ministrada por professores do magistério, vem sendo tratada em separado dos demais saberes escolares. Aproximando-se mais uma vez do referencial da educação motora, o autor adverte sobre o prejuízo que tal situação pode gerar para o desenvolvimento da criança, uma vez segmentados os aspectos motor, afetivo e intelectual no processo de ensino-aprendizagem. O autor detecta sérias contradições inerentes ao espaço da EF nos cursos de formação de magistério, em que o planejamento reflete a polarização “teoria e prática”, dissociando objetivos, métodos e avaliação. Justifica, desta forma, a urgência de fazermos desta fase da EFE o objeto de nossas reflexões a fim de que possa ser tratada com seriedade e comprometimento.

No capítulo 10, “Qualidade total aplicada à educação: um pequeno alerta aos desavisados” o autor defende que reivindicar qualidade à educação não é exclusividade dos adeptos da qualidade total. Porém, alerta a qualidade que se coloca para pedagogia tradicional é bem diferente daquela que a progressista defende.

A ideologia oculta em tal processo deve ser revelada, pois, a pretexto desta qualidade, novas técnicas de gerenciamento escolar, justificadas pela necessidade de se superar o baixo desempenho de nossos alunos, são inseridas na escola. Esta, por sua vez, é percebida, enquanto ‘fenômeno em si’, desconectadas de um todo social, político e econômico. Acredita-se poder resolver seus problemas nos limites do entendimento organizacional, procurando submetê-la à mesma lógica de uma economia de mercado.

Acrescenta que, diante da tensão público-privado, em que a oferta do ensino pago tem sido sobremaneira estimulada, “(...) devemos lutar pela qualidade, principalmente na educação pública, procurando, cada vez mais, socializar o conhecimento universal” (p. 89). Enfim, a instituição escolar deve estar atenta à real possibilidade de instrumentalizar culturalmente as classes subalternas para que possam operar uma crítica radical e rigorosa sobre a realidade em que vivem.

Na parte II, “EFE: do movimento corporal ao movimento social,” embora, de forma desarticulada, o autor ultrapassa o campo da denúncia, anunciando proposições, que se concretizam na apresentação de alguns planos de curso para o ensino fundamental e médio, e considerando a necessidade de se oportunizarem às classes populares o saber sistematizado da EF.

Quanto aos planos de curso citados, constatam-se fragilidades devido à sua descontextualização, em que figuram estruturas inerentes à mecânica de um planejamento vazias de uma maior definição quanto aos seus objetivos, conteúdos, metodologias e formas avaliativas. No que se refere aos objetivos, não se pode localizar uma intenção que, para além da instrumentalização – simultaneamente ao trato com os elementos da cultura corporal –, procure tematizar problemas do grupo com que se estabelece o diálogo. Na verificação dos conteúdos podemos registrar a falta de uma maior definição do objeto / conhecimento da EF, o que dificulta a identificação de sua especificidade. A metodologia evidencia a ausência de uma unidade teórica, limitando-se à simples descrição de algumas atividades. As indicações avaliativas não merecem comentários, pois não são explicitadas em nenhum momento.

Destacamos, ainda, uma série de limitações presentes na obra que assim podem ser enumeradas: o todo é tido como a somatória das partes onde vários textos / fragmentos são compilados de forma exageradamente contraditória quanto à sua lógica interna e sustentação teórica; o referencial marxista, quando utilizado, vem carregado de uma leitura enviesada e mecanicista; a teoria e a prática, ou seja, as reflexões e as proposições em pouco se articulam em sua argumentação; não se debatem e nem se discutem as recentes produções teóricas em EFE que superam parte das questões abordadas; nem tampouco se consideram as novas políticas educacionais que alteraram drasticamente o quadro da EFE.

Feitas estas considerações, cabe destacar que este livro, apesar de uma controversa leitura sociológica da realidade educacional e de apresentar uma visão panorâmica da EFE, responde às demandas que estão colocadas para a área, contribuindo para a superação dos velhos paradigmas que ainda insistem em balizar a ação profissional em EF. Isto torna valiosa a iniciativa da Editora Vozes ao promover publicações no campo da EF e Esportes.

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