O FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE GOIÂNIA: O FUNDEF E SEUS OBJETIVOS ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA*

MÁRCIO VINÍCIUS DE BRITO CIRQUEIRA**
FRANCISCO HUDSON LUSTOSA***
MARIA DALVA DE ANDRADE****

RESUMO

Este artigo é um resumo do "Relatório Acerca da Apuração da Receita e a Realização das Despesas Relativas aos Recursos do FUNDEF/98 no Município de Goiânia", apresentado junto à Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), referente à conclusão da pesquisa "O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF e o Financiamento do Ensino Fundamental: Sua Implantação no Município de Goiânia - Estudo de Caso". Nele discutimos o financiamento do ensino fundamental do município de Goiânia, diante de dados coletados junto ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás e à luz de bibliografia (com ênfase em autores como Nicholas Davies, João Monlevade e José Carlos Melchior) relativa ao estudo do financiamento do ensino no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: financiamento - restituição - arrecadação - ensino fundamental.

INTRODUÇÃO

Fundação de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, criado pela Lei n. 9.424/96, de âmbito estadual e natureza contábil, tem por base de sua arrecadação os impostos ICMS, IPI, FPE e FPM,1 com duração prevista até o ano de 2006 (um prazo de dez anos, tendo em vista o ano da publicação de sua lei). Destes impostos arrecadados no Estado, 15% são depositados diretamente em conta do Banco do Brasil - é a conta do Fundo. Pelo menos 60% devem ser destinados ao pagamento de professores em efetivo exercício do magistério. Os outros 40% devem ser gastos com quaisquer dos itens identificados como Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), segundo artigo 70, da LDB em vigor, e no Ensino Fundamental (EF) regular.

Os gastos dos recursos do Fundo em questão são calculados segundo o número de alunos matriculados no município e o valor mínimo a ser gasto por aluno ao ano é definido nacionalmente por ato do Presidente da República. Este valor para o ano de 1998 foi de R$ 315,00. Ou seja, segundo o número de alunos matriculados, o município de Goiânia deveria ter gasto por aluno, no mínimo, até o final do ano de 1998, R$ 315,00, valor este que foi um pouco superior (previsto em R$ 348,72) ao mínimo definido.

Pode-se observar um planejamento válido de distribuição de recursos, porém esta definição de gastos, padronizada e eqüalizada para o todo o país, vem mais uma vez reforçar a idéia de "nivelamento por baixo" feito pelo governo federal. Como a arrecadação e distribuição dos recursos do Fundo se dão em âmbito estadual, os municípios de maior arrecadação estariam, ao vincular 15% de seus impostos ao FUNDEF, participando da distribuição do "bolo", da mesma forma que os municípios com menor arrecadação, ou seja, com R$ 315,00 / aluno. Seria o "efeito Hobin Hood", ou a eqüalização da pobreza.

O CASO DO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA

As dificuldades para obtenção de informações acerca de gastos públicos ficaram evidentes no decorrer da pesquisa. Antes de sua publicação no Diário Oficial da União, essas dificuldades seriam justificadas, mas, após a aprovação das contas os tribunais de contas devem deixá-las à disposição da comunidade por um prazo de 15 dias.

Neste sentido, de acordo com a análise dos dados coletados – ou seja, segundo o Demonstrativo da Apuração da Receita e a Realização das Despesas Relativas aos Recursos do FUNDEF/98, do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás e com base no esforço coletivo do grupo de estudo que compõe a pesquisa – pôde-se verificar que o montante de arrecadação total para o FUNDEF do município de Goiânia referente ao período do janeiro a novembro de 1998, foi da ordem de R$ 20.042.770,75. Por outro lado, o valor restituído, ou seja, recebido por este município, referente ao mesmo período, foi de R$ 25.265.674,44. Portanto, observa-se um superávit nas contas do FUNDEF do município de Goiânia de R$ 5.222.903,69. Este superávit decorre do fato de o número de alunos matriculados na rede pública municipal, no ensino fundamental, ser efetiva e proporcionalmente maior ao quantitativo dos demais municípios do Estado.

Obedecendo à sistemática de distribuição de recursos do Fundo, qual seja, segundo o número de alunos matriculados, o município de Goiânia, com seus 79.036 alunos matriculados, termina por receber um valor (custo-aluno) maior em relação à sua contribuição para o montante da composição do Fundo em nível de Estado.

Existem, porém, outros pontos a serem considerados, como os gastos realizados com estes recursos. Segundo informações constantes do Relatório da Apuração das Receitas e Despesas, Realizadas com os Recursos do FUNDEF em 1998, “...em função do valor atual da folha de pagamento desses profissionais, (...), a Prefeitura vem destinando a totalidade dos recursos do FUNDEF para pagamento dos salários dos Profissionais do Magistério do Ensino Fundamental, (...)”. Pode-se verificar que o destino da totalidade dos recursos é a folha de pagamento dos professores. No entanto, é importante observar que, embora os dados referenciados no citado relatório sejam do período de janeiro a junho de 1998, não há discrepância considerável nos valores referentes à retenção, restituição e despesa no período de julho a novembro do mesmo ano. Observa-se que a situação de gastos totais dos recursos do FUNDEF para pagamento de professores da rede continuou a mesma, havendo ainda a necessidade de complemento por parte do governo municipal para o cumprimento da folha de pagamento dos professores.

Sobre o cumprimento de gastos com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério na ordem de CIRQUEIRA, M. V. B. et al. O financiamento do ensino fundamental ...

R$ 315,00 (mínimos) anuais definidos nacionalmente, considerando-se somente os recursos do FUNDEF, e não outros recursos vinculados à Educação para complementar o pagamento da folha salarial, verifica-se que nos primeiros onze meses do ano de 1998 foram gastos em média R$ 29,06 por mês, valor este que, considerado para os doze meses do ano, daria um gasto total anual de R$ 348,72.

CONCLUSÕES

A fiscalização da arrecadação e da restituição de impostos (vinculação destes aos estados e municípios) é de competência do Tribunal de Contas do Estado. Segundo art. 212 da Constituição Federal, 25% de todos os impostos arrecadados dos Estados e municípios devem ser vinculados à manutenção e desenvolvimento do Ensino, sendo que 60% destes recursos (15% dos 25%) devem ser voltados para o Ensino Fundamental. Como o grupo de pesquisadores não conseguiu informações sobre o montante total arrecadado pelo município de Goiânia, não se pode afirmar que este esteja cumprindo o que está constitucionalmente determinado.

A despeito da situação de repasse superavitário, verificado mediante dados/informações coletadas, é necessário ressaltar que, conforme visto anteriormente, os recursos do FUNDEF no município de Goiânia têm sido totalmente destinados aos compromissos com a folha de pagamento de professores. Diante deste quadro, em que teoricamente os recursos deveriam, conforme a lei, atender necessidades especificadas, além da manutenção e desenvolvimento do ensino e da valorização do magistério, os recursos destinados ao município, através do Fundo, deixam de atender os princípios básicos que nortearam sua criação/implantação. Verifica-se com clareza que, no caso do município de Goiânia, as propostas que o Fundo estabelece para serem implantadas, estão distantes de sua concretude.

Em termos de sua validade, enquanto política pública, verificamos que o FUNDEF não acresce recursos novos à Educação, tendo em vista que a destinação de 25% dos impostos vinculados a ele já era determinada constitucionalmente (Art. 212 da Constituição Federal). A lei que regulamenta o FUNDEF (lei 9424/96) apenas define que dos 25% devidos a gastos com MDE, 15% (60% dos 25%) serão gastos com Ensino Fundamental (EF), a prioridade do governo. Com a instituição deste Fundo a União se desobriga com o EF e com a erradicação do analfabetismo, que ficam sob a responsabilidade de estados e municípios. Afinal, os gastos deste Fundo devem ser com alunos da rede regular de ensino, ou seja, aqueles com idade "ideal" para o Ensino Fundamental.

Neste quadro podem ser vislumbradas algumas opções de saída desta problemática, como a fixação de um valor mínimo de gastos por aluno ao ano de US$ 1.000,00, tendo-se como referência de 25% da renda per capita como gasto/estudante/ano. "Esse valor é compatível com a recomendação da UNESCO para programas de combate ao analfabetismo".2 Porém, é importante observar que para implantação destas propostas, segundo o PNE: proposta da sociedade brasileira, é imprescindível uma política séria e concreta de combate à sonegação fiscal com fiscalização por parte da própria sociedade tanto da arrecadação quanto dos gastos de recursos.

ABSTRACT

This article is a summary of the "Report Concerning Verify about Revenue and the Accomplishment of the Expenses Relative to the Resources of the FUNDEF/98 in the Municipal District of Goiânia ", presented to Pro-Rectorship of Graduation (PROGRAD), regarding the conclusion of the research " The Fund of Maintenance and Development of the Fundamental Teaching and Valorization of Mastership - FUNDEF and the Financing of the Fundamental Teaching: Its Implantation in the Municipal District of Goiânia -Study of Case ". In it we discussed the financing of the fundamental teaching of the municipal district of Goiânia, concerning the data of the Tribunal of Bills of the Municipal districts of the State of Goiás, and upon the light of the bibliography relative to the study of the financing of the teaching in Brazil (with emphasis in authors as Nicholas Davies, João Monlevade and José Carlos Melchior).

KEYWORDS: financing, restitution, collection, fundamental teaching.

NOTAS

* Trabalho desenvolvido pelo grupo de estudo sobre financiamento do ensino da Faculdade  de Educação da UFG a partir de pesquisa realizada no ano de 1998.

** Acadêmico do curso de Educação Física da FEF/UFG.

** Coordenador (FE/UFG).

**** Colaboradora e Mestranda em Educação pela UCG

1 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

5 CIRQUEIRA, M. V. B. et al. O financiamento do ensino fundamental ...

Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira.

Consolidado na plenária de encerramento do II CONED - II Congresso Nacional de Educação em Belo Horizonte (09/11/1997).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, Brasília, 1996.

BRASIL. Lei 9424/96, 24 de dezembro de 1996. (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.

DAVIES, Nicholas. Os recursos financeiros na LDB. In: Universidade e Sociedade, v. 14, p. 56-64, out. 1997.

DAVIES, Nicholas. Política fiscal golpeia política educacional. In: Universidade e Sociedade, v. 15, p. 60-64, fev. 1998.

ESTADO DE GOIÁS: TCM/GO. Relatório da Apuração das Receitas e Despesas, realizadas com os recursos do FUNDEF em 1998. Goiás, dez. 1998.

II CONED. Plano Nacional de Educação: proposta da sociedade brasileira. Belo Horizonte, nov. 1997.

MELCHIOR, José Carlos de A. Mudanças no financiamento da educação no Brasil. Campinas: Autores Associados, 1997.

MONLEVADE, João, FERREIRA, Eduardo B. O FUNDEF e seus pecados capitais. Ceilândia: Idéa, 1997.

MONLEVADE, João Educação Pública no Brasil: contos & de$conto $. Ceilândia: Idéa, 1997.

TOPO