RELATO DE EXPERIÊNCIA

SEMANA DE GINÁSTICA: UM OLHAR SUPERADOR

CRISTINA BORGES DE OLIVEIRA *

RESUMO:

Este texto relata a experiência vivenciada na disciplina Ginástica I, do curso de Educação Física, UFG/CAC, com o objetivo de problematizar o desenvolvimento histórico da ginástica em suas muitas variações na atualidade e verificar as possibilidades de sua utilização no espaço escolar a partir da construção coletiva, em uma perspectiva crítico-superadora.

PALAVRAS-CHAVE: Ginástica - Educação Física Escolar

O acesso à história nos permite novas interpretações sobre o passado em função do constante movimento dialético por que passa. O passado é, segundo Bloch (s.d., p. 5), “por definição um dado que coisa alguma pode modificar. Mas o conhecimento do passado é coisa em progresso, que ininterruptamente se transforma e se aperfeiçoa”.

Assim, buscamos justificar a importância do conhecimento sobre a história da Educação Física a partir da compreensão do que foi o movimento ginástico europeu do século XIX, da importância deste movimento para a moderna educação física e da relevância destes pontos no que se refere à formação profissional em Educação Física.

Entendemos que a ginástica emerge a nível de metodologia e é sistematizada na sociedade oitocentista como expressão política, científica, cultural e social dos ideais de uma classe social (burguesia) na luta pela consolidação de sua hegemonia. Segundo Soares (1997, p. 204) “a ginástica do século XIX revelou-se como uma forma singular de ‘educação’ do corpo. Expressa uma concepção de limpeza não só corporal, mas moral e social, dadas as justificativas que foram elaboradas ao redor de sua aplicação”.

Aceita pelos círculos científicos e reconhecida pelos intelectuais da época, a ginástica afirmou-se como parte da educação do corpo ao reformular radicalmente seus princípios tomando como ponto de partida os parâmetros fornecidos pela ciência. Passa a ser veiculada, então, “como conjunto de normas de bem viver. É desse modo, devolvida à população como forma correta de ensinar o corpo a adquirir forças, preservá-las e assim preservar as forças de uma sociedade”. (Soares, l997, p. 204)

Avançamos no tempo, nos métodos e na tecnologia. No entanto, é importante saber se os conceitos difundidos sobre a ginástica se destacam qualitativamente no que se refere ao pensamento oitocentista. Pudemos perceber, com o levantamento bibliográfico inicial, que o conhecimento contido na literatura tradicional nos aponta a necessidade de se repensar e até mesmo redefinir os estudos sobre a ginástica percebendo sua relevância para a efetiva compreensão da prática pedagógica da Educação Física atual.

Encarar a ginástica sob um olhar crítico superador significa compreender em que tempo e lugar surgiram as primeiras sistematizações, quem foram os personagens dessa história e que condições individuais e coletivas, portanto, sócio-econômico-políticas, permitiram a consolidação destes métodos e sistemas, quais eram os princípios ideológicos contidos nessas propostas e que corpo, que homens e mulheres se queria formar com a ginástica do século XIX. Consideramos que é também importante acompanhar a evolução de tais métodos e sistemas no século XX e compreender quais as variações ginásticas advindas e por que surgiram em tão grande quantidade.

Concordamos com Paiva (1997, p. 197) que

ao longo do século XIX, a ginástica configura-se a partir da integração de diferentes maneiras de sentir, pensar e agir culturalmente circunscritas. Ainda que tenha apresentado formulações específicas e adaptações sucessivas, estas não se colocaram como objeto verdadeiramente conflitante entre as sistematizações. Partilharam a dimensão política (engajar-se num mesmo processo de construção das nações) colaborando com a construção de condutas condicionadas por uma disciplina própria, em última instância aos interesses do capital.

Destacamos a importância de uma maior preocupação com o tema em contraponto à falta de informações sobre as variações ginásticas e seus desdobramentos no século XX. Ginástica olímpica ou artística, ginástica rítmica desportiva, ginástica localizada ou feminina, hidroginástica, antiginástica, ginástica aeróbica e suas infinitas variantes (step, step pump, hip-hop, cardio funk, street beat, yoga aeróbica, aerocapoeira, aeroboxe, etc.) são alguns exemplos de variações apresentadas na atualidade. Consideramos fundamental a preocupação com o tema nos cursos de formação profissional em Educação Física por considerá-lo aspecto da moderna realidade social, portador de significados culturais.

Tais variações não podem ser, simplesmente, desprezadas pelas pedagogias críticas. Rotular de modismo e não aceitar os aspectos significativos da ginástica em sua evolução enquanto elemento cultural e resistir às variações deste conhecimento ao longo da história não aponta para uma posição crítica sobre o mesmo, sobre a forma como é produzido e tornado acessível.

Sabemos que o conhecimento ginástico, tal como o conhecemos hoje, foi elaborado pela ideologia capitalista e assim se mantém na atualidade, porém, de “cara nova”. No entanto, mesmo quando se imagina que o pensamento hegemônico prevaleça, existem alguns espaços de contra-hegemonia. Desmistificar a utilização da ginástica e suas variações mais modernas, com ou sem aparelhos, adaptando o conhecimento ginástico à realidade social local, aponta para uma possibilidade contrahegemônica em torno da temática.

Por que as modernas variações da ginástica podem ou devem ser praticadas somente em academias, clubes e/ou espaços requintados, envoltas em uma aura de sofisticação que torna tal prática um privilégio de poucos e, mesmo assim, tratada de forma acrítica e descontextualizada da realidade? Certo é que, fruto de uma poderosa indústria cultural, as “ginásticas” também apresentam elementos popularescos e se prestam a manipulações e adaptações regionais e locais e se colocam como conteúdos da cultura corporal.

As variações ginásticas poderiam, então, ser tratadas na escola, como conteúdo válido, metologicamente distribuído e avaliado, a partir dos princípios da pedagogia crítico-superadora, construindo possibilidades de um conhecimento contextualizado, crítico e transformador.

As diferente mídias se apresentam como importantes veículos de difusão das variações ginásticas, o que não pode ser desprezado em termos de conhecimento. No entanto, a mídia serve a interesses que não contemplam a perspectiva da transformação social em que estamos empenhados. Cabe aos cursos de formação de professores, de um modo geral, e à escola, em particular, avançar sobre os processo de conhecimento da realidade social sob uma ótica crítica e totalizante. Para tanto precisamos lançar sobre as muitas variações ginásticas outros olhares, tentando estabelecer nexos/relações com o desenvolvimento da sociedade capitalista nos séculos XIX e XX, ou seja, inseri-las no contexto amplo onde elas ocorrem.

Contextualizar a ginástica (inclusive suas muitas variantes) como um dos conteúdos da cultura corporal nos obriga também a destacar a sua atualidade, expressa nas inúmeras variações que atendem objetivos diversos, diferentes pessoas em distintos ambientes considerando a inegável quantidade de praticantes. Entendemos que tais variações ginásticas podem ser tratadas na escola como conteúdo, requerendo uma metodologia motivadora e criativa ao contrário do modelo punitivo como tradicionalmente é desenvolvida quando a ginástica surge apenas como reflexo da esportivização excessiva da Educação Física.

Por que não entendermos a ginástica como um tema da cultura corporal, contribuidora para a formação de cidadãs e cidadãos, possibilitadora de atividades que provocam experiências importantíssimas? Por que não compreender o tema ginástica em sua especificidade variada e concreta quanto à exercitação, podendo com ou sem aparelhos representar uma prática social legítima que se transformou e se transforma a partir de inúmeras variáveis?

À partir das problematizações levantadas podemos abordar a ginástica, enquanto conteúdo curricular significativo da Educação Física escolar, sob a ótica da pedagogia crítico-superadora. A ginástica apresenta, para tanto, alguns aspectos necessários como conteúdo a ser selecionado, segundo Soares et al. (l992, p. 31), a saber: apresenta relevância social por estar vinculada “... a explicação da realidade social concreta e oferecer subsídios para a compreensão das determinantes sócio-históricos do aluno...” Como muitas de suas variações representam avanços da ciência e da técnica, o alunado passa a ter acesso ao que há de moderno na contemporaneidade, adequando-se às possibilidade sóciocognocitivas discentes.

Com o intuito de experimentar um olhar crítico-superador e avançar qualitativamente na disciplina Ginástica I (Escolar), ministrada no curso de Educação Física da FEF/UFG, no Campus Avançado de Catalão, operacionalizamos a Semana da Ginástica com o objetivo de ampliar o conhecimento histórico, técnico e científico sobre a ginástica e suas variações, bem como de verificar/perceber a aplicabilidade deste conteúdo no âmbito educacional.

A proposta desta Semana não pode ser dissociada da totalidade do programa da disciplina uma vez que este conhecimento é processual e continuativo. Por totalidade entendemos a integração e a inter-relação das partes para chegar-se ao todo e não apenas a soma das parte. Sendo assim,a Semana de Ginástica deve ser vista como uma das partes integrante da totalidade da disciplina Ginástica I, e não mais um tópico somado ao conteúdo programático.

CONTEXTUALIZANDO A SEMANA DE GINÁSTICA

Os alunos foram divididos em duplas e, assim, foram realizadas pesquisas bibliográficas em livros e períodicos acerca das variações da ginástica na atualidade. Usou-se como norteador do estudo a fundamentação explicitada na metodologia crítica superadora (Soares et al. l992). Delimitamos nossa atuação ao ciclo de aprofundamento da sistematização do conhecimento, o que corresponde ao ensino médio.

Foram elaborados e aplicados 19 planos de aula, tendo em vista a clientela citada e destinando-se a cada aula o tempo de 35 minutos de duração. As aulas foram divididas em dois momentos: l- exposição teórica sobre o tema da aula escolhido no universo das variações ginásticas, e 2- aplicação prática (introdução, desenvolvimento e avaliação).

A avaliação da atividade proposta foi realizada buscando refletir sobre o desenvolvimento e a exposição teórica do tema escolhido que incluía o conhecimento sócio-histórico, técnico e científico além da aplicabilidade do conteúdo proposto que devia buscar estratégias interdisciplinares com a anatomia e construir a contribuição efetiva da ginástica para formação de cidadãos críticos e participativos. A avaliação foi feita através da participação nas aulas pelo exercício do dialógo. Através de relatórios feitos pelos discentes (em duplas) e entregues ao final da Semana, pudemos refletir sobre o aspecto geral da experiência, bem como avaliar a metodologia adotada na disciplina e o alcance dos objetivos propostos, além de verificar as possibilidades de aplicação da metodologia citada na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As estratégias colocadas em ação nas aulas da Semana de Ginástica podem ser resumidas da seguinte maneira: Primeira parte - fundamentação teórica sobre a sistematização ginástica escolhida a partir de pesquisa bibliográfica, exposição do plano de aula à turma seguida de discussões pertinentes ao ajuste teórico-metodológico da aula proposta. Buscava-se, assim, a construção coletiva do conhecimento relativo à ginástica no século XX. Na segunda parte, exposição, em duplas, do tema escolhido compreendendo a exercitação propriamente dita, as orientações sobre as formas do exercício, abordando a possível utilização no espaço escolar.

Um terceiro momento da aula, a avaliação, inclui o nível de compreensão do tema, suas propostas e aplicabilidade na escola. Algumas observações surgidas no transcorrer do trabalho: a escolha dos temas foi criativa haja vista a limitação de material bibliográfico acerca das variações ginásticas na atualidade e a construção de uma metodologia crítico-superadora que aborde tal temática ainda se encontra subjugada a esta questão, o que nos indica a necessidade de pesquisas atuais sobre este assunto.

Acreditamos, de acordo com Soares et al. (1992, p. 78) que constituem-se, “fundamentos da ginástica: saltar, equilibrar, rolar/girar, trepar e balançar/embalar. Por serem atividades que traduzem significados de ações historicamente desenvolvidas e culturalmente elaboradas, devem estar presentes em todos os ciclos em níveis crescentes de complexidade”.

A escola é um espaço riquíssimo e legítimo para a experimentacão das possibilidades de ação necessárias para o desenvolvimento do indíviduo integralmente. Segundo Soares et al. (1992, p. 77),

no sentido da compreensão das relações sociais, a ginástica promove a prática das ações em grupo, onde nas exercitações como” balançar” ou “saltar com os companheiros”, concretiza-se a “co-educação”, entendida como forma particular de elaborar/praticar formas da ação comum para os dois sexos, criando um espaço aberto à colaboração entre eles para a crítica ao “sexismo” socialmente imposto.

Compreendendo a escola sob esta ótica, podemos e devemos oportunizar aos alunos o acesso ao conhecimento em suas múltiplas nuances e em seus vários “desenvolvimentos”, o que, no caso da ginástica, remete às possibilidades de contextualização das variações ginásticas modernas, de suas relações com o mundo do trabalho e do lazer, do atrelamento à indústria cultural de massa, entre outros.

Concluímos que alcançamos parcialmente os objetivos propostos no que tange a apreender a ginástica, enquanto conteúdo cultural construído historicamente, e a compreender este conhecimento pelo princípio da construção coletiva. No entanto, percebemos também a importância de realizar esta experiência com outras turmas da licenciatura, em termos de pesquisa-ação.

Entendemos que a experiência vivenciada atende aos requisitos apontados pela ementa da disciplina Ginástica I e pode contribuir concretamente para a formação discente, pois, como vivência experimental, a Semana da Ginástica pode vir a estimular novos olhares sobre a ginástica escolar, desmistificando al conteúdo e democratizando sua prática. Enfim, participando ativamente da luta pela transformação social na qual a democratização do conhecimento é parte essencial.

ABSTRACT

A week of Gymnastics I was held in order to discuss the historical background of Gymnastics, its great number os varieties, and to check the possibilities of use of the space school as far as a critical perspective is concerned. KEY WORD: Gymnastics – Scholar Physical Education.

NOTA

* Professora da disciplina Ginástica I do curso de Educação Física UFG/ Campus Avançado de Catalão

BIBLIOGRAFIA

BLOCH, Marc. Introdução à história. [s.l.: Europa América, s.d.] l79 p.

PAIVA, Fernanda Simone Lopes de. Ginástica/Educação Física: aproximações historiográficas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 10. Goiânia, l997.

SOARES, Carmem Lúcia. O pensamento médico-higienista e a Educação Física no Brasil: 1850-1930. São Paulo: PMC, 1990. _______.Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas, SP:

Autores Associados, l994.

_______.Imagens da Educação do corpo: estudo a partir da ginásticafrancesa do séc. XIX. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO ESPORTE, 10. GOIÂNIA, 1997. SOARES, Carmem Lúcia, TAFFAREL, Celi Neuza et al. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo, Ed. Cortez, l992. (Coleção Magistério Segundo Grau).

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