A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: DESVELANDO A CATEGORIA*

ALCIR HORÁCIO DA SILVA**

RESUMO

O presente texto tem como objeto de estudo a avaliação da aprendizagem em Educação Física. O objetivo central deste texto é analisar a categoria avaliação e sua interação direta com outras categorias importantes, como é o caso do projeto histórico, projeto político-pedagógico e organização do trabalho pedagógico, este especial-mente em sala de aula. PALAVRA-CHAVE: Avaliação da aprendizagem em Educação Física.

INTRODUÇÃO

A avaliação da aprendizagem escolar tem conduzido educadores de todas as áreas do conhecimento à reflexão, ao estudo e ao aprofundamento, visando buscar novas formas de entendimento e compreensão, acerca de seus significados no contexto escolar.

A literatura pertinente ao assunto é vasta e demonstra claramente a necessidade de compreender esta categoria de uma forma mais abrangente, evitando reduzi-la à sua dimensão mais técnica. Torna-se necessário examiná-la no contexto do projeto político-pedagógico que reflete o projeto histórico da sociedade.

A ausência dessa compreensão mais abrangente tem levado muitos educadores a enfrentar dificuldades, atribuindo as mesmas a lacunas na formação inicial, quando deveriam receber conhecimentos acerca da avaliação da aprendizagem. A avaliação da aprendizagem escolar tem conduzido educadores de todas as áreas do conhecimento à reflexão, ao estudo e ao aprofundamento, visando buscar novas formas de entendimento e compreensão, acerca de seus significados no contexto escolar.

Na Educação Física, a avaliação da aprendizagem escolar tem gerado dificuldades, principalmente pelas limitações apresentadas nas explicações teóricas por se buscar esse entendimento à luz de paradigmas (referências filosóficas, científicas, políticas) tradicionais, insuficientes para a compreensão deste fenômeno educativo em uma perspectiva mais abrangente. (Taffarel et al., 1992, p. 97-98).

A literatura sobre a avaliação na área da Educação e da Educação Física focaliza, principalmente, o ensino fundamental e médio. Poucos são os trabalhos que se referem à avaliação da aprendizagem no nível superior. A grande maioria dos trabalhos denuncia a legitimação do fracasso escolar, bem como a discriminação, a seleção, a classificação, a manutenção e a eliminação, 1 fatores estes que contribuem para a reprodução do modelo dominante em nossa sociedade.

Na área de Educação Física, o ensino voltado para o paradigma da aptidão física2 tem contribuído para a formação de um homem forte, empreendedor, pronto para ser absorvido pelo mercado de trabalho. Ainda segundo Taffarel et al. (1992, p. 100-101),

Esse reducionismo das possibilidades pedagógicas da Educação Física traz, como conseqüência, limitações nas finalidades, forma e conteúdo da avaliação (...) O significado é a meritocracia, a ênfase no esforço individual. A finalidade é a seleção. O conteúdo é aquele advindo do esporte, e a forma são os testes esportivos-motores.

A ênfase neste paradigma, classificando e selecionando somente os mais aptos, os talentos esportivos e legitimando a discriminação , tem servido para ocultar importantes reflexões sobre o ensino e a avaliação no contexto da Educação Física.

A avaliação da aprendizagem em Educação Física, quando realizada, denota claramente os aspectos quantitativos de mensuração do rendimento do aluno, através de gestos técnicos, destrezas motoras e qualidades físicas, visando principalmente à seleção e à classificação. Muitas das vezes, o único critério para aprovação e reprovação é a assiduidade (presença) dos alunos nas aulas.

Esta forma de avaliação demonstra, portanto, um desconhecimento da categoria e de seus significados no contexto escolar, o que também contribui para a desvalorização e para a redução das possibilidades pedagógicas da disciplina perante a comunidade escolar.

A partir destas reflexões, gostaríamos de introduzir algumas categorias que nos ajudam a compreender mais amplamente a avaliação da aprendizagem e seu significado no contexto escolar.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO BRASIL

A relevância que se atribui hoje, no Brasil, à avaliação da aprendizagem iniciou-se nos Estados Unidos, num movimento de testes educacionais desenvolvidos por Robert Thorndike, no início do século. Este movimento, basicamente, segundo Saul (1994), buscava resgatar o valor de mensurar as mudanças comportamentais e teve grande avanço nos primeiros vinte anos deste século, trazendo como conseqüência os testes padronizados.

Influenciada pelo pensamento norte-americano, predominantemente de Ralph Tyler3 a teoria acerca da avaliação da aprendizagem toma impulso e começam a surgir os primeiros trabalhos, no início da década de 70, com a publicação das obras de Medeiros (1971) no Brasil,Bloom (1971) nos Estados Unidos, dentre outros. É importante destacar que essas obras não alteram a concepção filosófica positivista expressa no modelo de Tyler.

Ainda de acordo com Saul (1994), esta concepção filosófica impregnou o ambiente acadêmico brasileiro, principalmente porque os autores citados difundiram seus trabalhos nos cursos de formação de educadores. Outro destaque importante é que esta influência foi utilizada como subsídio para a elaboração de uma legislação4 sobre avaliação tanto no nível federal como no estadual, configurando-se em leis, decretos e pareceres que orientaram as práticas de avaliação em escolas de ensino fundamental e médio.

A partir da década de 80, os estudos buscavam não mais traçar um caráter essencialmente prescritivo da avaliação, mas, sobretudo, suas implicações sociais, políticas e ideológicas, deixando de dar ênfase somente ao enfoque técnico, baseado em objetivos comportamentais.

A luta pela democratização do ensino parece ser o mobilizador dos estudos que buscaram constituir um novo significado para a avaliação escolar. Segundo Souza (1995, p. 61), a avaliação da aprendizagem se mostra como uma das práticas escolares que tendencialmente vêm expressando posições políticas e axiológicas correspondente a um projeto de reprodução cultural e econômica das relações de classe da nossa sociedade...

Vários autores, entre eles Freitas (1995), Ludke e Mediano (1992), Hoffmann (1995), Souza 1995, Patto (1991), Villas Boas (1993 e 1994), dentre outros, denunciam que a dimensão política e ideológica da avaliação da aprendizagem enquanto um mecanismo intra-escolar, tem servido à discriminação, à classificação e à seleção social no interior da escola.

Apesar desses esforços, o resultado das pesquisas recentes sobre a temática mostra claramente que as práticas avaliativas ainda são baseadas em testes e medidas do rendimento escolar e isto tem se verificado também na área da Educação Física, principalmente quando a ênfase do ensino está voltada para o paradigma da aptidão física, que, apoiada pela legislação anterior à atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, determina como objetivo básico da Política Nacional da Educação Física o aprimoramento da aptidão física da população5.

Faria Júnior (1989), citado por Taffarel et al. (1992), denuncia que os estudos sobre a avaliação em Educação Física estão referendados pelo paradigma docimológico clássico, isto é, por um sistema que diz respeito à ciência que estuda os exames, em particular o sistema de atribuição de notas e de comportamento de examinadores e examinados.

Tal paradigma enfatiza os métodos e as técnicas e, como conseqüência, são criados testes, materiais e sistemas, que redundam em critérios de classificação e seleção. Segundo Taffarel et al. (1992, p. 98),

Esta ênfase tem servido para confundir e ocultar importantes reflexões sobre a avaliação, reforçando a função seletiva, disciplinadora e meritocrática que a mesma assume na escola. Isso consolida, através dos instrumentos e medidas, a legitimação do fracasso, a discriminação, a evasão e expulsão dos alunos, principalmente aqueles oriundos da classe trabalhadora.

O aprofundamento no estudo de outras categorias relacionadas à avaliação da aprendizagem, principalmente, o projeto político-pedagógico e a organização do trabalho pedagógico, nos orientam na percepção de entendermos a estrutura ideológica que está por trás das práticas avaliativas no interior da escola. Buscar alternativas de contrapor o modelo dessas práticas avaliativas que objetivam a discriminação, a classificação, a evasão e o fracasso escolar é o desafio de todos os educadores da área da Educação, bem como da Educação Física, principalmente pela estreita ligação entre elas. Este artigo pretende colaborar com este intento.

PROJETO HISTÓRICO, PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO E AVALIAÇÃO

Vários estudos têm sido produzidos sobre avaliação da aprendizagem. Entretanto, poucos são os que a relacionam com o projeto histórico, ou seja, com a sociedade que temos e com a que queremos construir, que naturalmente se efetiva no projeto político-pedagógico. Explícito ou não (na maioria das instituições escolares ele está na cabeça de seus dirigentes e de seus professores), este projeto se materializa na organização do trabalho pedagógico, quer seja na organização da escola como um todo ou na dinâmica da sala de aula.

É importante destacar que a educação está inserida num contexto social e analisar a relação educação – sociedade é fundamental para entender a escola numa sociedade capitalista, pois o papel desempenhado por ela passa pela reprodução do modo de produção da sociedade.

Freitas (1991) destaca que a escola não é uma ilha na sociedade. A escola, portanto, não está totalmente determinada pela organização social, mas também não está totalmente livre de suas influências. Entender , segundo ele, estas limitações para a organização do trabalho pedagógico é imperioso, para lutarmos contra elas. Desconsiderá-las conduz à ingenuidade e ao romantismo.

A produção da vida material do homem advém do trabalho. É através dele que se relaciona com a natureza, transformando-a e adequando-a à sua sobrevivência e produzindo seus conhecimentos. O trabalho assume, portanto, várias particularidades, segundo a maneira pela qual o homem organiza o modo de produção de sua vida material. Ainda segundo Freitas (1991), no presente momento histórico, o trabalho é caracterizado pelo trabalho assalariado. O homem (empregado) vende sua força de trabalho por uma determinada quantia de dinheiro a outro homem (patrão), que possui os meios de produção, ou seja o capital. As relações entre o trabalho e o capital se apresentam antagônicas, uma vez que é a partir do trabalho que o capital se valoriza cada vez mais, mediante a exploração da força do trabalhador. A conseqüência desse antagonismo faz com que os homens não se apresentem iguais, nesse tipo de sociedade, perante a natureza.

Por outro lado, a divisão do trabalho manual e do trabalho intelectual determina a apropriação do conhecimento, condenando grande massa de operários à ignorância e a trabalhos mecânicos parcelarizados, valorizando, assim, o capital.

Percebe-se, portanto, que o modelo liberal-conservador6 adotado por nossa sociedade mostra algumas contradições, pois, neste modelo, cada indivíduo pode e deve, mediante seu próprio esforço, livremente buscar sua auto-realização. Uma das característica desse modelo é o individualismo, uma vez que a ação individual garante o sucesso da pessoa. Conclui-se que todas as pessoas, neste modelo, são iguais e têm as mesmas oportunidades, o que não é verdade numa sociedade marcadapelas contradições sociais. É fundamental, portanto, abrirem-se discussões críticas sobre a escola no modelo liberal.

As transformações econômicas e políticas que estão ocorrendo no mundo atual denotam claramente a dificuldade que o modelo liberal tem em resolver as questões sociais de uma sociedade. Educação, saúde e emprego estão em colapso, principalmente na América Latina.

Os altos níveis de desemprego no mundo, até mesmo em países europeus, acirram o individualismo; mesmo quem possui o nível universitário fica privado de trabalhar, por falta de oferta de emprego.

Nossa análise é que, na divisão do trabalho intelectual e do trabalho manual, até mesmo aqueles que conseguem se destacar e chegar à universidade têm dificuldade para conseguir o emprego almejado. Neste sentido, fazemos a inferência de que aqueles que ficam na base da escala, em relação à escolaridade, irão fazer parte de uma outra categoria: a categoria dos excluídos.

O fracasso escolar está evidenciado no alto número de reprovação, principalmente em séries iniciais, na eliminação/manutenção7 e por fim, na evasão escolar. Vários autores, entre eles Freitas (1995), Franco (1995) e Patto (1990), têm denunciado que a avaliação escolar tem servido para reproduzir o modelo dominante, pois fica caracterizado claramente que aqueles que conseguiram êxito na escola estarão propensos a conseguir êxito na vida. Situação inversa ocorre com a grande maioria, principalmente com aqueles oriundos das escolas públicas e dasclasses trabalhadoras. É, portanto, mister o aprofundamento da avaliação, como foi dito, e também da prática pedagógica do professor na organização do trabalho pedagógico, principalmente em sala de aula, pois os critérios e os procedimentos adotados por ele podem determinar o destino do aluno, separando aqueles que irão fazer parte do trabalho intelectual e do trabalho manual, como também da categoria dos excluídos.

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

Vários estudos têm sido produzidos na tentativa de propor uma nova organização para a escola, onde pais , professores, alunos e funcionários participem coletivamente na construção de um novo homem, de uma nova sociedade. É imperioso, portanto, que se vislumbre uma projeto que solucione os problemas da Educação e, por conseguinte, da escola. Onde se embasar, teoricamente, para esse desiderato?

De acordo com Freitas (1991, p. 23),

as novas formas têm que ser pensadas em um contexto de lutas, de correlação de forças – às vezes favoráveis, às vezes desfavoráveis. Terão de nascer no próprio "chão da escola", com o apoio dos professores e pesquisadores. Não poderão ser inventados por alguém, longe da escola e da luta da escola. (grifos do autor)

Portanto, uma teoria que embase o projeto político-pedagógico deve estar intimamente associada com os interesses da maioria da população. A partir dessa afirmação pode-se conceituar o projeto político-pedagógico como a construção coletiva, pela comunidade escolar, de um plano de intenções e de ações, no sentido de definir as ações pedagógicas (e, por conseguinte, políticas), que possibilitem a formação de um cidadão para um determinada sociedade.

Na busca de uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade, é necessária a percepção de que a construção desse projeto trará profundas mudanças naqueles que administram a Educação nas esferas federal, estadual e municipal, principalmente porque as decisões não serão tomadas de cima para baixo, como ocorre freqüentemente hoje em nossas escolas. Segundo Veiga (1997, p. 15),

não compete a eles, definir um modelo pronto e acabado, mas sim estimular inovações e coordenar ações pedagógicas planejadas e organizadas pela própria escola. Em outras palavras, as escolas necessitam receber assistência técnica e financeira decidida em conjunto com as instâncias superiores do sistema de ensino.

Veiga (1997) ainda destaca que princípios como igualdade, qualidade (técnica e política), gestão democrática, liberdade e valorização do magistério devam ser considerados na construção da escola que queremos para se contrapor àquela que temos.

A construção do projeto político-pedagógico determinará uma nova organização do trabalho pedagógico da escola e, conseqüentemente, da avaliação, pois eles estão intimamente relacionados.

Segundo a autora, pelo menos sete elementos básicos podem ser apontados para a construção do projeto político-pedagógico: os fins da escola, a estrutura organizacional, o currículo, o tempo escolar, o processo de decisão, as relações de trabalho e a avaliação. Nota-se claramente como estão relacionados o projeto político-pedagógico, a organização do trabalho pedagógico e a avaliação. Entretanto, deve-se primeiramente ter a noção do projeto histórico que desejamos construir para contrapô-lo àquele que temos.

Conforme Freitas (1987, p. 122-140),

Um projeto histórico enuncia o tipo de sociedade ou organização social na qual pretendemos transformar a atual sociedade e dos meios que deverão ser colocados em prática para a sua consecução. Implica uma cosmovisão, é concreto e está amarrado às condições existentes e, a partir delas, postula fins e meios... A discussão dos projetos históricos subjacentes às posições progressistas na área educacional é necessária para que se entenda melhor a aparente identidade do discurso "transformador".

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Não se pretende neste tópico fazer uma revisão exaustiva dos conceitos sobre avaliação da aprendizagem na Educação e na Educação Física. Pretende-se, a partir de alguns autores, analisar sua configuração no cotidiano da escola e da vida do escolar, visando a uma compreensão mais ampla acerca de sua complexidade.

A existência de inúmeros trabalhos, teses, dissertações, monografias, periódicos, encontros e debates sobre a avaliação da aprendizagem demonstra claramente que alguma coisa, no mínimo estranha, está acontecendo em nossas escolas.

A avaliação da aprendizagem, desde o seu início, em geral inspirada em modelos importados e muitas das vezes atrasados e obsoletos, não tem resolvido os problemas de repetência, de evasão e fracasso escolar verificados nas escolas de ensino fundamental e médio, principalmente. As estatísticas oficiais fornecem indicadores alarmantes dos índices de repetência, principalmente nas séries iniciais. Essa repetência, segundo Franco (1995), atinge 50% quando se refere às escolas públicas e 5% quando se refere às escolas privadas. Estes dados comparativos mostram claramente a complexidade do problema e denotam para quê e para quem a avaliação da aprendizagem está servindo.

A autora chama a atenção para o fato de estes dados indicadores do fracasso escolar serem por demais conhecidos de todos, contudo pouco tem sido feito para diminuir esta estatística alarmante.

Luckesi (1995), mostrando dados estatísticos de 1990, questiona se o Governo Federal está realmente preocupado com a Educação no país. Segundo o autor, de cada 1.000 crianças que se matriculam na 1ª série do Ensino Fundamental, 56%, ou seja 560, não conseguem passar para a 2ª série e, neste afunilamento, somente 7 consegue chegar à universidade. Tanto Franco como Luckesi estão corretos em afirmar que providências devem ser tomadas no estudo da prática pedagógica do professor e, especificamente, nos critérios e procedimentos de avaliação, uma vez que são estes, em última instância, que vão decidir o destino do aluno, retendo-o nas séries iniciais, aprovando-o ou mesmo causando sua eliminação da escola.

Compreender a avaliação da aprendizagem escolar, num sentido mais amplo, nos leva a uma incursão pela teoria da avaliação educacional. Segundo Fusari (1990), há um "ecletismo" na avaliação educacional que reflete o momento histórico educacional brasileiro e suas práticas pedagógicas. Com isto o autor quer dizer que alguns professores avaliam seus alunos mesclando procedimentos das teorias tradicional, escolanovista, tecnicista e progressista da educação.

Saul (1994) Cita Robert Thorndike, resgatando o valor de mensurar as mudanças comportamentais, passando por Ralph Tyler com sua avaliação por objetivos que prossegue com vários seguidores (Taba, Mager, Popham e Baker), exacerbando a avaliação. Acreditava-se na necessidade de construir itens de testes apropriados e testá-los.

Segundo ela,

a avaliação da aprendizagem trilhou o caminho da produção norteamericana com uma defasagem de mais de uma década... O veículo para essa transmissão deveu-se, de um lado, ao trânsito de professores brasileiros que fizeram cursos nos Estados Unidos, de outro, aos acordos internacionais. (Saul, 1994, p. 30 e 31)

As pedagogias adotadas no Brasil, importadas de outros países, não têm oferecido contribuições no sentido de transformar a sociedade para a criticidade,8 para autonomia, para a participação. Por isso, continuam reproduzindo valores que possuem características ideológicas próprias do sistema capitalista, as quais estão a serviço de um modelo social dominante, o liberal.

Para análise da avaliação da aprendizagem em Educação e Educação Física no contexto escolar, necessário se faz citarmos as tendências pedagógicas no Brasil, nas últimas décadas.

Segundo Corrêa (1994), na década de 80, dois educadores brasileiros se destacaram no estudo das pedagogias que vêm norteando a educação brasileira nos últimos 50 anos. São eles Demerval Saviani e José Carlos Libâneo, que classificaram as tendências em não críticas e crítico-reprodutivistas (Saviani, 1985) e em liberais (tradicional, renovada progressivista, renovada não-diretiva e tecnicista) e progressistas (libertária, libertadora e crítico-social dos conteúdos), (Libâneo, 1986).

A pedagogia liberal tradicional usa como método a aula expositiva em que ao aluno cabe ouvir e aprender. O protagonista desta pedagogia é o professor que, detendo o saber, usa e abusa do autoritarismo na avaliação.9

Acerca deste fato, Luckesi (1995, p. 32) nos indica que

a prática da avaliação escolar dentro de um modelo liberal conservador, terá de, obrigatoriamente, ser autoritária, pois esse caráter pertence à essência desta perspectiva de sociedade, que exige controle e enquadramento dos indivíduos nos parâmetros previamente estabelecidos de equilíbrio social, seja pela utilização de coações explícitas, seja pelos meios sub-reptícios das diversas modalidade de propaganda ideológica. Conscientes ou não, ainda encontramos muitos professores utilizando a avaliação como elemento disciplinador(...) Outrora era o castigo físico, hoje o psicológico(...) não só das condutas cognitivas, como também das sociais, no contexto da escola.

A avaliação da aprendizagem realizada neste contexto indica uma simples verificação quantitativa daquilo que o aluno aprendeu dos conteúdos abordados. Avalia-se o resultado final e não o processo. Somente são levados em consideração os aspectos técnicos da avaliação.

Essa forma de mensuração do aluno leva à desvalorização e à redução do conceito de avaliar, ocultando importantes reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem.

Costa (1987) nos esclarece que, no que diz respeito à avaliação, não devemos valorizar apenas os resultados do produto final e que este é representado pelo desempenho motor, principalmente, com o objetivo de selecionar indivíduos com alta aptidão para os diferentes esportes.

A avaliação da aprendizagem na Educação Física é muito mais do que simplesmente aplicar testes motores com objetivos de seleção e classificação. Observa-se claramente a reprodução do paradigma da aptidão física, sendo enfatizado tanto nas aulas como nas práticas avaliativas. Neste sentido, ocorre a legitimação da discriminação entre aqueles que são mais aptos, daqueles que não são, o que contribui para o fracasso na disciplina e também na escola.

O movimento da Escola Nova trouxe diferentes perspectivas para a educação e para a Educação Física. As pedagogias renovadas não se preocupavam com a quantidade dos conteúdos adquiridos, mas com o processo e com a qualidade da assimilação desses conteúdos.

A avaliação, neste contexto, toma uma outra dimensão, estabelecendo a ênfase do qualitativo sobre o quantitativo. O aluno passa a ser o novo protagonista na história e é avaliado segundo aspectos formativos de participação, interesse e assiduidade. A avaliação é feita mais pela observação do rendimento do aluno do que através dos testes motores.

Ghiraldelli Júnior (1989) denomina esta tendência de pedagogicista. Segundo ele, a Educação Física, vista nesta tendência, é uma disciplina educativa por excelência. Graças a essa tendência, apoiada em modelos americanos, inaugurou-se uma nova forma de pensamento que, aos poucos alterou, a prática e a postura do professor e, como conseqüência, a avaliação. Todavia, ainda segundo o autor,

Em termos históricos, é preciso ter claro que a adoção da Educação Física Pedagogicista, ligada ao trabalho escolar e muito influenciada pelas teorias de Dewey, não significa o abandono, na prática , de uma Educação Física comprometida com a organização didática ainda sobre parâmetros militaristas... (Ghirldelli Júnior, 1989, p. 29).

A pedagogia tecnicista ganha destaque na época da revolução industrial. Dado o atrelamento da economia brasileira à economia americana e européia, os conceitos de eficiência, eficácia e rendimento surgiram com o movimento denominado tecnologia educacional, influenciando sobremaneira a escola pública e a privada.

Segundo Carmo (1985), a utilização do modelo empresarial na tentativa de resolver os problemas educacionais tornou-se objetivo prioritário dos “educadores”. Era fundamental as habilidades, atitudes e conhecimentos dos indivíduos fossem absorvidos pela escola para produzir mão-de-obra especializada para ser absorvida pela indústria.

As idéias tecnicistas foram incorporadas pela Educação através das diversas transformações ocorridas no interior das escolas , tais como: os recursos materiais, os procedimentos de ensino, a divisão social do trabalho no interior do processo educacional (supervisor, coordenador, orientador), os instrumentos de avaliação, enfim todos os métodos e recursos importados para nossa educação.

Alguns autores, entre eles Luckesi e Fusari, denunciam que a hipertrofia dada à avaliação sugere que alguns problemas vêm ocorrendo no processo de ensino-aprendizagem. Estes problemas, segundo eles, advêm do seguinte fato: a má utilização dos dados obtidos pelo alunos nas práticas avaliativas.

Na aferição do rendimento escolar, o professor utiliza três procedimentos comuns: obtenção da medida dos resultados da aprendizagem, a transformação da medida em nota ou conceito e a utilização dos resultados. É exatamente na utilização dos resultados que o professor, por vários motivos, entre eles o autoritarismo, opta pela reprovação do aluno, pois a nota ou conceito é o fator mais importante no processo.

Neste sentido, Luckesi (1995) tem nos chamado a atenção para o fato de que a escola está praticando a verificação e não a avaliação, principalmente pelo fato de que a aferição da aprendizagem escolar está sendo utilizada, na maioria das vezes, para classificar os alunos em aprovados e reprovados. E conclui que, mesmo que haja ocasiões em que se dêem oportunidades para os alunos se recuperarem, a preocupação recai unicamente em rever os conteúdos programáticos para recuperar a nota.

Fusari (1995) nos indica que um dos problemas a ser superado no processo de ensino-aprendizagem é a dificuldade que os professores apresentam na elaboração do planejamento do trabalho pedagógico. O entendimento de planejamento pedagógico, para a maioria dos professo-res, é aquele momento em que se constrói ou se copia de outro professor (grifo nosso) um plano para atender às funções burocráticas da escola. Segundo ele, é importante a distinção entre planejamento de ensino – que é o processo que norteia a atuação dos educadores no cotidiano do seu trabalho pedagógico, envolvendo todas as situações entre educadores e educando – e plano de ensino, que é um instrumento orientador do trabalho docente.

O entendimento reduzido e simplista dos objetivos do planejamento, que deve servir de um instrumento de democratização do ensino, principalmente quando construído coletivamente, tem trazido dificuldades para a prática docente, fundamentalmente na avaliação da aprendizagem, pela íntima relação entre eles. O planejamento deve servir, portanto, para constantes reflexões de professores e alunos, no sentido de reforçar aquilo que está dando certo e rever aquilo que está dando errado.

Lopes (1995) denuncia que o planejamento de ensino, numa perspectiva crítica da Educação, apresenta os objetivos educacionais propostos nos currículos do curso de maneira confusa e desvinculados da realidade social. Os conteúdos, na maioria das vezes, são definidos de forma autoritária, pois professores e alunos não participam de sua elaboração. Segundo ela, as atividades propostas devem ser planejadas, executadas e avaliadas pelo coletivo.

Luckesi (1995) corrobora com esta denúncia, afirmando que o ato de planejar, como um modo de redimensionar política, científica e tecnicamente a atividade escolar, deve ser o resultado da contribuição de todos aqueles que compõem o corpo profissional da escola, decidindo o que fazer e como fazer com ele.

Nestas perspectivas, o planejamento de ensino e todos os seus elementos constitutivos, entre eles a avaliação da aprendizagem, estariam voltados para a transformação da sociedade de classe, no sentido de torná-la mais participativa, igualitária e justa.

Na área da Educação Física, a avaliação da aprendizagem tem privilegiado temas referentes aos aspectos da motricidade, da biologia, da psicologia, da área da medicina em geral.

Silva (1993),10 analisando a produção científica e acadêmica no Brasil, organizou uma tabela mostrando a freqüência dos temas encon-trados e concluiu que a grande maioria dos textos analisados volta-se para os aspectos biológicos da avaliação. Dos temas que tratam da questão pedagógica, somam-se poucos trabalhos.

Percebe-se, claramente, que a maioria dos trabalhos sobre a avaliação na área da Educação Física está voltada para o paradigma da aptidão física. Este paradigma reduz, consideravelmente, a avaliação nas aulas de Educação Física, como foi dito anteriormente na introdução deste trabalho.

Silva (1993), citando alguns autores que definiram a avaliação e sua natureza, destaca que os textos privilegiam o julgamento e o desempenho do aluno. O julgamento implica em verificar se os objetivos foram atingidos em função do que é esperado. O aluno é, portanto, o objeto da avaliação. A contradição aparece quando, na maioria dos textos, os autores citam que a avaliação é mais abrangente que a medida e que esta só serve para fornecer dados de natureza quantitativa.

Destacamos neste artigo que a avaliação educacional sugere de fato um processo de análise para tomada de decisões e que, por isso, se torna complexo e muitas da vezes contraditório, porque envolve julgamento e aciona fatores objetivos e subjetivos.

A avaliação envolve a capacidade de o educador enxergar o fenômeno educativo em sua totalidade e em seus detalhes.

Silva (1998) destaca as categorias projeto histórico, projeto político-pedagógico e organização do trabalho pedagógico, pois o avaliador/educador deve analisar a realidade social, o homem, a educação, a escola e o aluno para que esta análise reflita sua concepção de mundo, de homem, de educação e de escola.

A avaliação, portanto, deve ser contextualizada em seus aspectos técnicos e políticos e depende do projeto político da escola que, obviamente, está norteado por um projeto de sociedade que se quer transformar ou reproduzir.

CONSTRUINDO...

Tentando obedecer, rigorosamente, aos limites do que nos foi solicitado para publicação deste artigo, gostaríamos de, à guisa de uma conclusão, destacar a importância do aprofundamento teórico sobre a categoria avaliação e sobre todas as outras categorias que interagem diretamente com ela no contexto escolar.

A dinamicidade e a complexidade da estrutura escolar numa sociedade capitalista requerem “olhares” atentos para as contradições que ocorrem no interior da escola, no atual momento histórico em que vivemos.

A compreensão de mundo e de sociedade de cada um denota o projeto de sociedade que se tem. Mister é, portanto, buscarmos nesta complexidade, construir uma sociedade que não reforce o atual modelo capitalista que temos.

A avaliação da aprendizagem, da forma como ela vem sendo realizada, é , sem sombra de dúvida, a categoria que mais contribui para reforçar o modelo dominante que temos e os professores, conscientemente ou não, têm corroborado neste sentido.

Deixar de examiná-la somente nos seus aspectos meramente técnicos e vê-la, principalmente, sob sua dimensão social e política pode nos ajudar a dirimir os altos índices de evasão, reprovação e eliminação que ocorrem na escola. Acreditamos que o primeiro passo para tal desiderato seja desvelar a categoria avaliação e todas as outras que a ela estão relacionadas, através do estudo e da pesquisa sobre esta temática tão complexa, mas ao mesmo tempo tão fascinante...

ABSTRACT

This text focuse on the evaluation of learning in Physical Education. The main aim is to analyse the evaluation category and its interation with other important categories, such as the historical project, the political and pedagogical project and the organization of the pedagogical work, this specifically in the classroom. KEY-WORD: Evaluation of learning in Physical Education

NOTAS

* Este artigo é um recorte da dissertação de Mestrado Avaliação e formação de professores de Educação Física, defendida pelo autor e aprovada na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

** Professor Assistente Nível I da Universidade Federal de Goiás, lotado no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE). Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Coordenador Científico do Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte-Secretaria Estadual de Goiás.

Autores como Luckesi (1995), Villas Boas (1993,1994), Ludke e Mediano (1992), Hoffmann (1993), Kenski (1995), Freitas (1995), Souza (1995), Gama (1993), Saul (1991) e Taffarel et al. (1992) vêm investigando a avaliação sob diferentes abordagens e enfatizam que, da maneira como tem sido praticada na escola, ela não tem contribuído para a formação de cidadãos críticos, autônomos e capazes de fazer uma leitura real das contradições sociais da sociedade em que vivem.

2 Ver sobre conceito de aptidão física em Donald K. Mathewsin. Medidas e avaliação em Educação Física, Interamericana, Rio de Janeiro, 1980.

3 Mentor e condutor do “estudo dos oito anos”. Este estudo, que causou grande impacto nos meios educacionais na década de 30, incluía uma variedade de procedimentos avaliativos, tais como testes, escalas de atitudes, inventários, questionários, fichas de registros de comportamento (check lists) e outras medidas para colher evidências sobre o rendimento dos alunos numa perspectiva longitudinal, em relação à consecução dos objetivos curriculares.

4 Lei n.º 5692, de 11 de agosto de l971; Resolução SE/SP n.º 134/76, art. 1º.

5 Lei 6251/75 e Decreto n.º 69450/71 In: Taffarel et al. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

6 Entendemos por liberal conservador, um modelo de sociedade nascido no capitalismo, que tem por finalidade ajustar o homem aos padrões estabelecido por ela.

7 Ver Freitas em Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática, Campinas, SP: Papirus, 1995 e também, Bourdieu e Passeron In: A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

8 Ver conceito em Severino, A. J. A formação profissional do Educador. Revista ANDE, ano 17, n.º 10,1991.

9 Ver Luckesi, C. C. Avaliação Educacional Escolar: para além do autoritarismo. In: Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1995, p. 27-47.

10 Para maior detalhamento, ver item 3.4.1 de sua dissertação de mestrado intitulada. Avaliação da aprendizagem em Educação Física na escola de 1º grau.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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