AS POSSIBILIDADES DA GINÁSTICA NA SUA RELAÇÃO COM O LAZER E COM A SOCIEDADE *

MARÍLIA DE GOYAZ **

RESUMO

Este trabalho apresenta discussão preliminar, tendo como foco as possibilidades da ginástica como vivência no lazer e sua relação com a sociedade e aborda, também, a forma como a ginástica conquistou o espaço das academias, expandindo-se enquanto produto de consumo. O texto aponta a necessidade de se buscar uma excitação agradável na ginástica, necessária para que ela se torne prazerosa, alegre, localizando nela o componente lúdico. Assim, espera-se facilitar a inserção da ginástica no campo do lazer, embora a ludicidade não seja o seu único componente.

PALAVRAS-CHAVE: ginástica – lazer – sociedade

INTRODUÇÃO

Desde sua origem, a ginástica tem evoluído influenciada pelas diferentes culturas, tendo sofrido transformações ao longo do tempo. Há várias manifestações da mesma, atendendo a interesses diversos, que vão desde a estética e a performance até a busca da melhoria da saúde. Não é raro considerar-se que esses objetivos possam ser alcançados apenas pela prática contínua da ginástica ou outra atividade física, sem se levar em conta outros fatores contribuintes para a concretização dos mesmos.

Atualmente, a ginástica de academia tem atraído vários adeptos, impulsionados pela mídia que, além de divulgar os métodos que estão na “moda”, através de propagandas, programas e noticiários, veicula, de acordo com os interesses do mercado, padrões de corpo a serem buscados.

O surgimento das academias no Brasil dá-se por volta de 1970, a partir da grande repercussão dos fundamentos dos exercícios cárdio-respiratórios, desenvolvidos pelo Dr. Keneth Cooper. Esses exercícios, chamados aeróbicos despertaram o interesse de profissionais da Educação Física que os difundiram de diferentes formas, chamando a atenção de empresários que, a partir da década de 1980, investiram na construção de grandes academias. Houve grande divulgação, pela mídia, dos campeonatos de aeróbica, sendo ela a grande propulsora da atividade física em academia, onde, atualmente, há uma diversidade de programas tais como: musculação, ginástica localizada, alongamento, step, hidroginástica (PEREIRA, 1996). Muitas outras modalidades mais recentes, ainda não definidas na bibliografia da área e encontradas em folders de marketing de academia ou de cursos promovidos no mundo fitness, povoam as academias com o intuito de atrair cada vez mais pessoas em busca do “corpo da moda”, de uma melhor performance ou da melhoria da saúde.

Mas, onde entra o lazer nesta história? Estética, performance e saúde parecem estar mais próximas de tarefas enfadonhas, quase que obrigatórias, para se alcançar estes objetivos, do que de atividades prazerosas que permeiam a livre escolha das pessoas.

Ao mencionarmos a busca, na ginástica atual, da estética, da performance e da saúde, referimo-nos às mesmas insinuando uma estreita relação com o trabalho e, por outro lado, um distanciamento que se denota das atividades que podem ser caracterizadas como de lazer. A conjuntura política que reflete o momento atual da luta de classes, expressando uma oposição entre diferentes forças sociais, serve de pano de fundo para se pensar nestas questões, visto que não são temas abstratos, e implicam relações de poder. Ao mesmo tempo em que atingimos um alto grau de desenvolvimento, convivemos com a miséria da maior parte da humanidade. Grandes contingentes da população humana morrem de fome e, no entanto, este problema fica obscurecido pela chamada pós-modernidade, que deleita com a informatização da sociedade.

Esse processo de fetichização da máquina, de acordo com Saviani (1997), significa que o pós-modernismo eleva o fetiche da mercadoria ao mais alto grau, assumindo o caráter de pessoa, tornando o consumo de massa, o consumo sofisticado, auto-explicativo. Os efeitos da globalização têm sido amplamente debatidos, bem como suas implicações nas economias nacionais. O desemprego e o aumento do contingente de miseráveis atingem também outras camadas da sociedade, exigindo requalificação de mão-de-obra, criando novas regras no mercado de trabalho. Este, por sua vez, tem sido implacável, pois exclui os trabalhadores que têm dificuldades de adaptação e leva-os a viver à margem da sociedade, vivendo de bicos e/ou de empregos temporários, excluindo-os socialmente.

Não é propósito deste estudo aprofundar nestas questões. Como já foi dito, elas servem de pano de fundo para as nossas reflexões acerca das possibilidades da ginástica no campo do lazer e sua relação com a sociedade. A problemática apontada, no entanto, remete-nos à discussão de uma primeira categoria que julgamos fundamental para nossa reflexão: trata-se do trabalho.

TRABALHO: ALGUMAS REFLEXÕES

No atual momento histórico, o trabalho passa por diferentes leituras, Harnecker (1983, p. 31) nos traz que: “Para o marxismo, a compreensão última dos processos históricos deve ser buscada na forma pela qual os homens produzem os meios materiais”. Esta atividade humana é determinante neste estudo. Ao discuti-la, nos aproximaremos das questões do lazer e, sendo assim, entra em cena o tempo, como elemento de conexão entre trabalho e lazer.

Ao mencionarmos a conjuntura política e os efeitos da globalização, o trabalho aparece constituindo-se como base de toda a ordem social, vista de forma global, formada pelas estruturas econômica, jurídico-política e ideológica. No modo de produção capitalista, a estrutura econômica ocupa um lugar dominante, tendo papel determinante na estrutura global. Sendo assim, o trabalho fica aprisionado aos interesses imediatos de sobrevivência, determinado por necessidades exteriores, como um fim em si mesmo, caracterizando-se como trabalho abstrato (ANTUNES, 1999).

O trabalho significativo, no entanto, traz prazer e aí está presente uma subjetividade que não se opõe a questões objetivas como o contexto profissional, mas pode superá-las pela presença do sujeito emocionalmente envolvido em sua ação.

Se o lúdico aponta para a vida não dominada pelo trabalho, mas se o trabalho domina a vida, felicidade importantíssima é aquela que sabe gostar do trabalho. Uma das maiores infelicidades é ir todo dia ao trabalho de maneira forçada, contrariada, saturada. É preciso encontrar alegria naquilo que se faz todo dia, como o trabalho. Amar o que se trabalha nos leva a superar a amargura cotidiana de detestar aquilo que mais nos ocupa. Para gostar do trabalho, entretanto, muitos fatores são relevantes, como suas condições quantitativas e qualitativas, mas sobretudo pelo menos um pouco de vocação. Há professor básico que ganha muito mal, mas adora o que faz. Isto não desfaz a injustiça, mas salva o sentido da vida (DEMO, 2001, p. 73).

Quanto à organização do trabalho, percebemos uma polarização de forças, pois este é um espaço de poder e sendo assim, é conflituoso. No entanto, não se pode desprezar as organizações, pois são necessárias.

Toda formação histórica é suficientemente conflituosa, para ter que se superar. Este é o lado perene da provisoriedade. As instituições sociais buscam coagular o fluxo histórico, mas sofrem implacável desgaste temporal. Parar a máquina do tempo faz parte dos interesses óbvios dos privilegiados. O fenômeno do poder nutre-se da lógica compulsiva da manutenção indefinida. O poderoso se pudesse, seria eterno, à revelia da história. Se olharmos o poder como uma das mais típicas unidades de contrários, veremos que ele retrata os dois movimentos de prática histórica: de um lado, o drama humano refletido na dicotomia entre poucos que mandam e muitos que obedecem, nas discriminações sociais entre privilegiados e desprivilegiados, no choque entre minorias elitistas e maiorias populares; de outro, a provocação da reação a partir dos desiguais, que põem a história em marcha. O poder, ao fundar privilégios injustos neles mesmos oferece começo inevitável da reação, pois a cada ideologia corresponde uma contra ideologia (DEMO, 2001, p. 27).

A partir dessas reflexões alavancadas pelo trabalho, fica evidente que não há espaço para neutralidade, pois ele se situa no campo político e, sendo assim, possibilita que propostas reconhecidas como indignas possam ser rejeitadas e uma outra proposta que seja construída a partir de um compromisso político coletivo e competente deve ser buscada, mexendo-se com as raízes profundas dos problemas, domesticando o poder. E, desta forma, a história segue sua marcha e necessita de tempo, em seu momento de passagem.

É um desafio refletir sobre esta questão e para isso é preciso repensar a dinâmica do tempo para facilitar a compreensão do tempo “livre”, no qual o lazer está inserido.

Na antiguidade, o tempo era pautado pelo nascer e o pôr do sol. O homem primitivo vivia em comunhão com a natureza, organizando o seu trabalho com o ciclo das estações, que se repetem sempre. Não há, neste tempo cíclico, separação entre trabalho e lazer, ele é oferecido pela própria natureza.

Com o cristianismo, o tempo divide a história da humanidade, de forma irreversível, em antes e depois de Cristo. Mesmo assim, conserva alguns elementos da visão antiga, cíclica, rompendo ainda com o estático e admitindo evolução histórica em um tempo que flui.

Na Idade Média, o ritmo do tempo se torna sagrado, sendo controlado pelo clero, que o conduzia de acordo com os compromissos e as festas religiosas.

Com o desenvolvimento comercial e a ação mais racional do homem sobre a natureza, surgiu a necessidade de um controle mais exato do tempo. No século XIII, o relógio foi criado, dessacralizando o tempo.

Com a reforma protestante, despontam as raízes do capitalismo, levando o homem a adequar sua vida pelo ritmo das máquinas, dentre elas o relógio. Do relógio à informatização há uma distância imensa, no entanto, o princípio de subordinação do homem às coisas do tempo de trabalho e não trabalho permanece, como explica Bruhns (1998, p. 80):

O tempo torna-se uma mercadoria, negociado de múltiplas formas e, como tal, o tempo de trabalho passou a ser vendido aos trabalhadores, com o tempo “livre” a ser comprado pelo trabalhador. Daí a idéia do tempo ser dinheiro. Nessa ótica, tanto um como o outro estão permeados pela lógica da produtividade, do rendimento e do lucro. Perdeu-se o caráter gratuito, tudo devendo ser justificado pela utilidade, como também aceitos pelos padrões morais instituídos. O gratuito e o informal passam a receber o rótulo de vadiagem, de ociosidade.

Assim, com a transformação do tempo em mercadoria, além do trabalho, também o lazer – que dentre outras manifestações, situa-se no tempo “livre” – sofreu coerções, sendo invadido pelo “consumo produtivo”. Até mesmo o tempo fora do trabalho, que poderia possibilitar o acesso à liberdade, passou a ser controlado e organizado, fundado sobre os valores do mercado. Desta forma, o tempo livre tem sido moldado de acordo com a organização do tempo de trabalho.

LAZER E SEU ASPECTO EDUCATIVO

O lazer vem sendo definido de várias formas, não havendo acordo entre os estudiosos. Isto contribui para que o conhecimento da área seja ampliado e aprofundado, incitando-nos a refletir sobre o lazer. Na sociedade capitalista, surgiu através da luta dos trabalhadores por um tempo que pudesse ser dedicado à vivência do lúdico, tempo este conquistado pela redução do tempo de trabalho, criando novos hábitos de vida.

No entanto, a vida moderna impõe a todos um ritmo acelerado, desencadeando uma corrida contra o tempo e não a favor dele; coloca desafios complexos que levam a mudanças sócio-culturais. Ao falar destas mudanças, Pinto (2000) nos alerta que vivemos o tempo da alta na indústria do entretenimento, gerando diversas demandas do mercado, sustentadas pelo desejo do capital, que promove a mercadorização dos corpos, desejos e conteúdos culturais, com crescentes investimentos do setor privado na área do lazer.

A indústria do entretenimento tem como fim o consumo rápido, através do sensacionalismo, invadindo a privacidade das pessoas, banalizando seus sentimentos reais para atingir seu objetivo primordial de ganhar e satisfazer uma audiência. Nesse sentido, o entretenimento tem como característica ser descartável e efêmero e, assim, os modismos também permeiam a área do lazer, colocando a mídia em cena, determinando os padrões de cada momento, de acordo com os já mencionados interesses do mercado, fazendo do lazer uma mercadoria.

É fundamental que estejamos atentos a essa intervenção na área do lazer, para não nos submetermos a ela acriticamente, reproduzindo modelos e técnicas que atendam aos interesses do mercado, sem levar em conta que o lazer é um dos indicadores da qualidade de vida de um povo.

O lazer, portanto, deve estar fundado em valores éticos e culturais que privilegiem a humanização das relações, colocando o mercado a serviço dos direitos humanos e não o contrário, pois, o lazer como tempo e espaço propícios ao exercício da liberdade, não pode estar subordinado aos valores do mercado. Entretanto, o lazer não deve ser entendido isoladamente, tendo em vista as questões já abordadas que se referem ao contexto sócio-cultural e às suas relações com outras esferas da vida social, dentre elas o trabalho. Desta forma, sendo considerado como simples diversão e entretenimento, reforça a alienação. Para Marcellino (1996, p. 15):

o lazer é um campo de atividade em estreita relação com as demais áreas de atuação do homem. Na consideração das suas relações com a ação humana em seus diferentes campos, não podemos deixar de considerar as insatisfações, as pressões ou os processos de alienação que ocorrem em quaisquer dessas áreas. Dessa forma, a um trabalho empobrecedor está ligado um lazer também empobrecedor e vice-versa. O “sentido” da vida não pode ser buscado, como muitas vezes somos levados a crer, apenas num fim de semana, ou numa viagem, embora essas ocasiões possam ser consideradas como possibilidade de felicidade e formas de resistência para o dia a dia.

Devemos ficar atentos à dinâmica do lazer e às possibilidades de intervenção nesta área, para que possamos articulá-lo à construção da cidadania social, transformando-o num espaço e tempo de resistência à ordem imposta pelo capital, situando-o, como defende Freire (1983), como pratica de liberdade.

Assim, acreditamos que a educação seja uma das áreas que tem uma estreita relação com o lazer, possibilitando a socialização deste para a cidadania, embora ainda seja restrita em nosso meio. No entanto, o acesso ao lazer é ainda mais limitado, visto que não vem sendo reconhecido de fato como um direito inalienável do homem, diretamente relacionado a sua qualidade de vida. Ao contrário, é considerado supérfluo para as classes oprimidas socialmente, que não têm sequer condições dignas de sobrevivência.

O lazer, no entanto, tem um potencial educativo que contribui para o desenvolvimento pessoal e social, favorecendo a apreensão do seu significado numa perspectiva crítica e social, bem como a compreensão da realidade e as responsabilidades diante dela.

Requixa (1973) nos lembra que o desenvolvimento pessoal está relacionado ao desenvolvimento social, ao desenvolvimento cultural, ao desenvolvimento da personalidade e ao desenvolvimento econômico. Acrescenta ainda, que a capacidade de adquirir novos conhecimentos permite que a pessoa tenha uma compreensão diferente da que tinha antes, podendo ser impulsionada a uma nova atitude frente àquela situação, alargando, assim, sua compreensão do mundo e seu desenvolvimento pessoal.

Desta forma, as atividades de lazer, ao fomentarem novas atitudes em face da sociedade, estariam suscitando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da personalidade. Para Requixa (1973), a partir do enriquecimento pessoal propiciado pelas atividades de lazer, o indivíduo terá condições de reconhecer suas atividades sociais. Este autor nos afirma que

o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento social são mais proximamente identificáveis com a educação social em seu sentido mais amplo em educação para a vida. O indivíduo enriquece sua personalidade na medida que vai adquirindo elementos para agir e pensar de forma mais liberada dos condicionamentos que eventualmente automatizem suas ações e seu pensamento (REQUIXA, 1973, p. 69).

Requixa (1973) sugere, ainda, o duplo aspecto educativo do lazer, destacando o lazer como veículo de educação. Ele considera que isso ocorre pela participação desobrigada no lazer cultural. Acreditamos que nas atividades físico-esportivas o lazer também atua como veículo de educação, tanto é que neste trabalho trataremos desta questão envolvendo a Ginástica, que é um dos elementos constituintes da Educação Física Escolar e que também pode estar presente no campo do lazer, incorporado ao seu conteúdo físico-esportivo. Outro aspecto colocado pelo mesmo autor é a educação para o lazer, ressaltando que a educação deve considerar a importância do lazer, contribuindo para a valorização da qualidade de vida. O autor assegura que qualquer pessoa não preparada para o lazer traz consigo toda a carga de agitação e preocupação do trabalho para o seu tempo livre. Sendo assim, é importante facilitar o aprendizado de atividades de lazer.

Ao abordar este duplo processo educativo do lazer, Marcellino (1996) destaca como ponto polêmico a conciliação entre transmissão daquilo que é desejável – tratando-se de valores, funções, conteúdos, etc. – com suas características de “livre” escolha e expressão. Sobre isso, ele diz que o grau de conhecimento facilitará a escolha, tornando-a mais autêntica a partir da possibilidade de optar por alternativas variadas.

A educação para o lazer possibilita, ainda, que se ultrapassem as barreiras impostas ideologicamente no plano cultural e que haja um rompimento com os conteúdos hegemônicos, veiculados pela mídia de forma acrítica.

Na atualidade, a mídia consegue interferir até mesmo nas opções das pessoas quanto às suas possibilidades no campo do lazer, apontando atividades que atendem mais à indústria cultural (ADORNO, 1978) que aos interesses da sociedade, que não se apresenta de forma homogênea quanto às suas características sócio-culturais e econômicas, ao contrário, é vista como “massa”.

A exemplo de outras empresas em nossa sociedade, as empresas de mídia também produzem “bens”, que são vendidos como “mercadorias” de modo a gerar lucro para os proprietários. A diferença é que a mídia produz “bens” de uma outra ordem, os chamados “bens culturais”, e o produto a ser “vendido” é o público atraído pelos bens culturais, a chamada “audiência” (GASTALDO, 2002, p. 41).

A mídia está atribuindo significados que são articulados à saúde e à estética, quando veicula a Ginástica como um de seus produtos, criando representações para a sociedade, tomada como massa, ocultando outros significados da Ginástica, dentre eles o lúdico. Desta forma, a mídia se coloca com enorme poder ideológico reforçando certos padrões culturais considerados importantes para estimular o consumo dos bens culturais.

É importante, no entanto, reconhecermos que as pessoas possuem o livre arbítrio, não sendo autômatas, manipuladas por uma única ideologia centralizadora. Existem diferentes forças sociais em conflito que lutam de muitas maneiras para colocar e defender seus posicionamentos. Neste quadro, a Escola situa-se como importante meio de difusão de conhecimento, embora não seja o único.

No âmbito deste estudo, focalizaremos esta instituição para indicar algumas possibilidades da Ginástica no campo do lazer. Essa escolha está fundada na concepção de que a escola é um espaço que privilegia a transmissão de conhecimentos, construídos histórica e socialmente, sendo considerados válidos e importantes na atualidade, de forma pedagógica e sistematizada, levando-se em conta o contexto sócio-cultural. Reconhecemos que esse espaço é propício tanto à reprodução, quanto à transformação numa perspectiva crítica.

AS POSSIBILIDADES LÚDICAS DA GINÁSTICA

O que propomos é romper com a educação funcionalista que predomina no meio escolar, buscando uma metodologia que abra espaço para a criatividade e a criticidade, que apresente desafios ao aluno no processo ensino-aprendizagem, para que ele descubra possibilidades de realização e de superação dos problemas colocados, ludicamente.

Com esse ensino estaremos possibilitando o aprendizado, a consciência da importância da Ginástica e das suas possibilidades, o que a nosso ver despertará no aluno o interesse em optar pela prática da Ginástica em seu tempo livre. Marcellino (1989, p.122) considera importante

que as atividades de lazer procurem atender as pessoas no seu todo. Mas, para tanto, é necessário que essas mesmas pessoas conheçam as atividades que satisfaçam os vários interesses, sejam estimuladas a participar e recebam um mínimo de orientação que lhes permita a opção. Em outras palavras, a escolha, a opção, em termos de conteúdo, está diretamente ligada ao conhecimento das alternativas que o lazer oferece.

Daí, voltamos ao ponto de partida: a escola, no tocante à ginástica, vem reproduzindo acriticamente os modelos propostos pelos clubes e academias e disseminados pela mídia. Sendo assim, a Ginástica praticada mecanicamente nas escolas está impregnada de valores do capital, visando ao rendimento, exaltando a competição exacerbada e o individualismo, criando padrões de corpo e beleza, sem considerar a diversidade sócio-cultural. Desta forma, a ginástica se transforma numa tarefa árdua, cujo fim é uma performance muitas vezes inatingível, tendo por meio a disciplina, a produção e tudo que leve a tirar vantagem, sem passar por um processo de reflexão e crítica, assemelhando-se ao trabalho abstrato, alienante. Ao manifestar-se desta forma, a ginástica dificulta a sua prática por puro prazer em outros espaços, como acontece com a dança, jogos e outros esportes. Isso nos faz compreender a ausência da ginástica nas atividades de lazer, pois o seu componente lúdico vem sendo negado, afastando-se a possibilidade de as pessoas optarem por ela no tempo livre. Para Huizinga (1999), a realização do lúdico se dá no jogo, que tem no divertimento a sua essência. Para ele,

a intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser explicados por análises biológicas. E, contudo, é nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do jogo (HUIZINGA, 1999, p. 5).

Temos a clareza de que o componente lúdico por si só não caracteriza a Ginástica como uma atividade de lazer, pois, esse componente pode estar presente até mesmo no trabalho. No entanto, no lazer temos ricas oportunidades de experimentar os efeitos provocados pelo lúdico, tais como: liberdade, prazer, diversão. Pinto (1998, p. 19) diz que

essência genuína do lazer, a vivência lúdica é, culturalmente, concebida como brinquedo, jogo, brincadeira ou festa. Revela a emergência do corpo viver o prazer da alegria construída pelo sentir, amar, vibrar, conviver e relacionar em liberdade. Concretiza-se em interações conscientes dos limites e das possibilidades possíveis, lógicas e eficazes, ao mesmo tempo que simples e inovadoras, descontraídas e compartilhadas pelos jogadores no tempo, no lugar e com os objetos/ materiais disponíveis.

Ao ousarmos propor que a Ginástica faça parte das opções de lazer, estamos conscientes que existem limites para isso, não bastando soluções individuais. São necessárias políticas setoriais que envolvam várias instituições, dentre elas a escola, não esquecendo de considerar os problemas conjunturais. Mas, tendo em vista que tudo isso passa por uma construção coletiva, nos limitamos a indicar algumas possibilidades de contribuir para uma pedagogia da animação (MARCELLINO, 1989), situando a Ginástica como uma das opções de lazer, buscando nela o componente lúdico.

Uma pedagogia que considere, ao mesmo tempo, a necessidade de se trabalhar para a mudança do futuro, através da ação do presente, por mais adverso que esse seja, mas também a necessidade de vivenciar esse processo de mudança, sem abrir mão do prazer restrito de que se dispõe, mas, pelo contrário, que essa vivência seja, em si mesma, prazerosa. A alegria na escola de que nos fala G. Snyders (s.d); uma educação baseada em educadores e alunos felizes (SNYDERS, 1993). A alegria como denúncia e anúncio, de que nos fala Ruben Alves (1986). Denúncia da realidade opressora e anúncio de como ela poderia ser vivida de modo diferente (MARCELLINO, 1989, p. 41).

Mas, por que esse componente lúdico da Ginástica não tem sido valorizado na atualidade? Para responder a esta questão é necessário mergulharmos na história da Ginástica buscando elementos que nos auxiliem na compreensão deste fato.

No nosso entender, não seria possível buscar uma solução sem compreender o processo de construção histórico-social da Ginástica. Existem particularidades nesse processo que nos revelam as possibilidades de mudança ou de recriação, para que essa história evolua na perspectiva de ir ao encontro dos interesses da sociedade, tendo em vista que a história é dinâmica e o poder é efêmero e mutável.

Partindo das raízes da Ginástica, percorrendo o caminho que ela seguiu até chegar ao Brasil e, mais especificamente, às escolas brasileiras, passando pelos métodos adotados e revelando as intenções que interpenetram os mesmos, percebemos que a Ginástica teve um caráter abrangente e diversidade de conteúdos, desde sua criação, tornando-se científica e metodizada no século XIX, a partir dos parâmetros científicos existentes na época.

Detectamos que a Ginástica foi perdendo sua hegemonia na escola e passou pelo processo de esportivização, quase desaparecendo das aulas de educação física e expandindo-se nos clubes e nas academias, ao mesmo tempo.

Reconhecemos, no entanto, que a escola é um lugar especial para a fruição de conhecimento, ampliando o horizonte do aluno para saberes mais elaborados, que dificilmente ele atingiria sem ela. Desta forma, acreditamos que através da escola a Ginástica poderá ser melhor compreendida em sua abrangência. Por isso, optamos por buscar na escola a saída para que a sociedade tenha acesso à Ginástica, podendo, dentre outras apropriações, fazer dela uma opção de lazer.

Não defendemos aqui a idéia de que a escola possa resolver de vez esse problema. Mas, acreditamos que ela oferece condições para que a Ginástica possa ser repensada, buscando-se a construção de metodologias de ensino que privilegiem o seu potencial lúdico.

Na escola, o aluno tem oportunidade de ampliar e aprofundar o conhecimento que detém sobre a Ginástica, contextualizando-a, refletindo sobre seus métodos, compreendendo seu significado e buscando formas criativas de praticá-la, aumentando assim, as possibilidades de ser praticada também no tempo livre como uma das opções de lazer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A década de 1990 acenou para a possibilidade de superarmos alguns limites colocados pelos atuais métodos de Ginástica, baseados em referenciais positivistas. Nessa época, surgiram propostas críticas para o ensino da Educação Física, situando a Ginástica como um de seus conteúdos. Algumas dessas propostas trazem princípios básicos importantes para avaliarmos a prática pedagógica, extraindo dela vários elementos essenciais para a construção de uma metodologia crítica para o ensino da Educação Física e, neste estudo, para o ensino da Ginástica.

Nesta perspectiva, consideramos o aluno um ser concreto em constante relação com o mundo que o cerca, transformando-o e sendo transformado por ele, com amplas possibilidades de tornar-se sujeito da própria história, exercendo sua cidadania social. Para que isso ocorra é necessário que o aluno compreenda como o conhecimento foi produzido historicamente pela humanidade e o seu papel na história dessa produção, inclusive o conhecimento referente à Ginástica.

Além da dimensão técnica da Ginástica e das questões referentes às capacidades físicas básicas para desenvolver a qualidade do movimento, que devem ser colocadas em discussão para que o aluno possa orientar-se quanto aos programas de trabalho necessários para desenvolvê-las, é importante que formas criativas de praticá-la com e por prazer sejam abordadas. Essas orientações contribuirão para que o aluno compreenda a diferença de performance entre os praticantes de Ginástica e ainda suas possibilidades nos vários campos de atuação, destacando aqui o do lazer.

Através das interações sociais os alunos levam para outros espaços, além dos muros da escola, os conhecimentos que consideram significativos, transmitindo-os, oral e corporalmente. Assim, esperamos que num futuro bem próximo, a Ginástica esteja entre as opções de lazer presentes nas ruas, nas praças e nos quintais.

Esperamos que a história possa ser mudada na medida em que os alunos saiam das escolas, compreendendo e dando explicações sobre a Ginástica, bem como analisando criticamente a realidade.

 

Possibilities of gymnastics in its relation with leisure and society

ABSTRACT

This research work presents a preliminary discussion focussing on the possibilites of gymnastics as a leisure experience and its relation to society. It also addresses the way through which gymnastics has gained ground in gyms, expanding as a consumption product. This text points to the need of searching for a pleasant excitemente in gymnastics, which is necessary for it to be pleasing and fun, by locating the playful component in it. As such, this text hopes to aid in the implementation of gymnastics in the field of leisure, although playfulness is not its only component.

KEYWORDS: gymnastics – leisure – society

 

Las posibilidades de la gimnasia en su relación con el ocio y con la sociedad

RESUMEN

Este trabajo presenta discusión preliminar, teniendo como foco las posibilidades de la gimnasia como vivencia en el ocio y su relación con la sociedad y aborda, también, la forma como la gimnasia conquistó el espacio de las academias, expandiéndose como producto de consumo. El texto señala la necesidad de buscar una excitación agradable en la gimnasia, necesaria para que ella se torne placentera, alegre, localizando en ella el componente lúdico. Así, se espera facilitar la inserción de la gimnasia en el campo del ocio, aunque la ludicidad no sea su único componente.

PALABRAS-CLAVE: gimnasia – ocio – sociedad

NOTAS

* Texto baseado na dissertação de mestrado As possibilidades e limites da ginástica no campo do lazer, defendida na UNICAMP.

** Mestre em Educação Física, na Área de Ciência do Desporto, pela UNICAMP, professora da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás e líder do “Circus: grupo de estudos e pesquisas em pedagogia da ginástica”.

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Recebido: 10 de outubro de 2005
Aprovado: 10 de dezembro de 2005

Endereço para correspondência:
Rua Andrelino de Morais, quadra 59 A, lote 17
Cidade Jardim – Goiânia –Goiás
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