RESENHA

VAGO, T. M. Cultura escolar, cultivo de corpos: educação physica e gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público primário de Belo Horizonte (1906-1920). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.

WANDERSON FERREIRA ALVES *

Tarcísio Mauro Vago é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e tem se dedicado ao estudo das práticas educativas a partir da dimensão cultural. Em Cultura escolar, cultivo de corpos..., o autor apresenta os resultados de pesquisas desenvolvidas durante o curso de doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. O livro em questão é fruto da tese defendida em 1999.

A obra traz a investigação da escola e das práticas corporais em Belo Horizonte nas duas primeiras décadas do século XX. Trabalhando com o conceito de cultura escolar para se referir ao conjunto de saberes, normas e práticas transmitidas e incorporadas de acordo com as diferentes finalidades escolares, o autor mostra como toda instituição escolar promovia a Educação Physica das crianças. Nesse sentido, a cultura escolar traduziu-se em cultura dos corpos.

Sob a égide do progresso, Minas Gerais tentava romper com o passado e ingressar na modernidade. Era preciso uma nova capital e construíram Belo Horizonte; era preciso uma nova organização escolar e erigiram os grupos escolares; era preciso outro cidadão e definiram novas tarefas para a escola. A antiga organização escolar, estruturada de modo difuso e com planejamento precário, precisava ser superada, assim como a antiga cidade, a então capital Ouro Preto, representada como símbolo do atraso e do arcaico. Para a formação do novo cidadão republicano, a escola deveria apoderar-se dos corpos das crianças e deixá-los limpos, harmoniosos e eretos, desprovendo-os dos maus hábitos que traziam das ruas e de suas casas. É sua possível contribuição no conjunto dessas práticas, visando a educação physica, moral e intelectual das crianças, que permite a escolarização dos Exercícios Physicos, inicialmente entendidos como gymnastica.

Apoiado em farta documentação, o autor evidencia o modo particular como os agentes escolares fizeram uso dos ordenamentos legais, prescritos a distância nos gabinetes dos secretários do Governo. Fica clara a lacuna existente entre o prescrito e o realmente feito por diretoras de escolas e professoras ao se defrontarem com as condições concretas de seu trabalho.

Nesse quadro, pode-se observar a captação da inventividade dos docentes no desenvolvimento de seu trabalho, com suas adequações, acréscimos, cortes e transformações das prescrições legais para o ensino. Tal perspectiva de investigação possibilitou ao autor chegar à experiência do homem comum, como diria Thompson (1978), sem descuidar das normatizações e aspectos sociais amplos que cobram efeito nas práticas dos sujeitos. Este aspecto, associado ao fato de o estudo ir ao contexto da época e chegar a seus agentes no âmbito escolar, parece conferir uma qualidade diferenciada desta obra em relação à literatura historiográfica no campo da Educação Física brasileira, excessivamente marcada pelo olhar externo em relação às práticas dos agentes sociais (OLIVEIRA, 2002).

Neste ponto, pareceu muito contribuir o conceito de cultura escolar, o que em princípio já afastou o risco de uma abordagem como tentativa de compreender a escola meramente determinada por aspectos sociais amplos. Assim, é possível localizar a presente obra entre aqueles estudos que compõem a chamada história cultural, perspectiva emergente no contexto da terceira geração da célebre Escola dos Annales, cujo principal nome é o do francês Roger Chartier.

O trabalho cuidadoso do autor com as fontes, como ordenamentos legais e documentos diversos produzidos para atender às exigências impostas às escolas, e o rigor da análise desenvolvida permitem ao leitor adentrar em um pouco do que foi a cultura escolar em Minas Gerais no início do século XX e compreendê-la por dentro. Desvela-se aí o processo em que na instituição escolar ocorre o delineamento de um espaço mais específico para as práticas corporais, em outras palavras, diz respeito à própria delimitação da Educação Física como campo disciplinar.

Este texto procurou apresentar e discutir alguns dos aspectos compreendidos como dos mais importantes no recente trabalho do professor Tarcísio Mauro Vago, mas a obra, é claro, é bem mais do que isso. A obra em questão é um livro rico em detalhes e análises que de modo algum podem ser plenamente expressas nas palavras de um outro sujeito que não seja o próprio autor. Afinal, o velho princípio de que os bons livros devem ser lidos em sua fonte original continua válido. Trata-se de uma obra que contribui de modo significativo para a compreensão da história da Educação e da Educação Física brasileira. O leitor encontrará neste livro um sólido estudo e um valioso apoio para entender as práticas escolares em suas normas, tempos, espaços e ritmos, sendo estruturadas e estruturando a cultura escolar.

NOTA

* Doutorando em educação pela Universidade de São Paulo.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, M. A. T. Educação física escolar e ditadura militar no Brasil (1968-1984): história e historiografia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, jan.-jun. 2002.

THOMPSON, E. P. The poverty of theory & other essays. London: Merlin Press, 1978.

VAGO, T. M. Cultura escolar, cultivo de corpos: educação physica e gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino no ensino público primário em Belo Horizonte (1906-1920). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.

Recebido: 31/03/2005
Aprovado: 01/06/2005

Endereço para correspondência:
Faculdade de Educação da USP
Avenida Universitária, 308
São Paulo – São Paulo
CEP 05508-900
E-mail: wandersonfalves@yahoo.com.br

TOPO