EDUCAÇÃO FÍSICA E TELEVISÃO: REFLEXÕES SOBRE SENSIBILIDADE, TECNOLOGIA E CONHECIMENTO

ALLYSON CARVALHO ARAÚJO *
KARENINE DE OLIVEIRA PORPINO **

RESUMO

Este estudo parte do princípio de que o conhecimento da Educação Física é, eminentemente, vivencial e reconhece que a tecnologia da informação, especificamente a comunicação de massa, é capaz de transmitir informação para um grande público, modificando a vivência das práticas corporais tematizadas pela Educação Física. Nesse sentido, esta pesquisa objetiva analisar como o aparato tecnológico, em especial a televisão, interfere na apropriação do conhecimento na Educação Física, com base na reflexão sobre o esporte. Assim, utilizamos o olhar estético sobre o telespetáculo esportivo e a análise de conteúdo para trabalhar com discursos de profissionais. Além disso, apontamos para a revisão de alguns conceitos pertinentes à área, tais como corpo, sensibilidade e conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: esporte – Educação Física – tecnologia.

EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E SENSIBILIDADE: ARTICULANDO CONCEITOS

A ininterrupta reflexão, necessária no fazer docente, tem a tecnologia como recorrente inquietação. Estas inquietações se reelaboram continuamente dado o avanço tecnológico em nível tão frenético. No entanto, não é tão recente a constatação de que os aparatos tecnológicos vêm permeando a trama social. Talvez o que seja mais enfático atualmente é o explícito poder de afirmação que a tecnologia tem na cultura hodierna, a tal ponto de provocar propostas educativas que atendam a esta emergência social.

Entendemos a necessidade de pensar a educação como processo contínuo que gera mudanças nos indivíduos, mas que também sofre modificações internas. Assim, as transformações tecnológicas das quais falamos, além de proporcionarem novas formas de acesso às informações, também creditam novas demandas educacionais para as propostas educativas que se pretendem atuais e/ou pertinentes ao contexto hodierno.

Ao observar o panorama histórico do processo educativo visualizamos, no decorrer do século XX, uma forte massificação dos meios tecnológicos na vertente da comunicação (CAMBI, 1999). Estes últimos, atualmente se mostram como elementos educativos em potencial, apresentando-se tanto no ensino sistematizado formal como, e mais intensamente, no cotidiano social.

Como dito, a expansão apontada tem a conseqüência primordial à disseminação de informações ao grande público. Desse modo, a centralidade que a instituição escolar conquistou no cenário social foi, de certa maneira, questionada pela projeção e alcance dos meios tecnológicos de comunicação que formularam um outro modo de compreensão de mundo e possibilitou ao aluno uma forma de educação que não se restringe ao espaço escolar (DANTAS, 2002). Essa conseqüência pode ser facilmente percebida, para fins de nossa reflexão, na percepção de esporte que os alunos já se apropriaram fora do ambiente escolar, fortemente influenciada pelo escopo do telespetáculo esportivo (BETTI, 1998).

Pensamos na escola como um espaço em que, para além do acesso aos conhecimentos construídos historicamente, se promova o debate do que acontece no cenário social mais amplo. Nesse sentido, a escola deve dialogar com o aparato tecnológico da mídia, possibilitando um enriquecimento no trato pedagógico e relativizando os discursos neleexpostos (ARAÚJO, 2006).

A partir de reflexões como essas é que se deflagra a urgência da compreensão, pela Educação Física, do fenômeno esportivo telemediado. Por pertencer ao grupo das práticas corporais tematizadas pela Educação Física, fazendo assim parte da cultura de movimento, o esporte em suas diversas manifestações, inclusive na interface telemediada, deve ser compreendido enquanto fenômeno socialmente construído para sua abordagem crítica no espaço escolar.

Pensamos que a idéia de consideração dos meios de comunicação, em especial a televisão, em ambiente educativo possa contribuir para uma construção conjunta da concepção de esporte, já que “pela crescente capacidade de fornecer o espetáculo esportivo em sua totalidade, inclusive a sua dimensão virtual, usufruindo da tecnologia a seu serviço, a mídia passa a ser principal produtora dos sentidos e significados válidos/validados socialmente sobre esporte” (PIRES, 2001, p. 102).

A apreciação do telespetáculo esportivo como forma de evidenciar a vivência estética do sujeito/telespectador frente à transmissão televisiva se constitui uma atitude educacional que valoriza o aluno e suas impressões sobre o evento. Do mesmo modo, pode articular não só os saberes discentes como os docentes, possibilitando oportunizar uma consideração afetiva do sujeito em um entrelaçamento recíproco com o objeto de apreciação, pois

Em síntese, o ato de educar (noema-noesis-noema) não pode ser aprendido na separação sujeito/objeto, tal como se dá na visão cartesiana que invoca a cisão entre o sujeito e o mundo percebido. Neste sentido, o homem não pode ser sujeito de si próprio, pois a existência do homem supõe a de mundo. Da mesma forma, poderíamos dizer que não há mundo sem homem, ser que é produtor da cultura (MARTINS apud NÓBREGA, 2005, p. 73).

Assim, a relação entre o telespectador (sujeito) e o aparato tecnológico da televisão (objeto tecnológico) acarreta novas implicações para a educação, principalmente no que diz respeito à relação da experiência sensível com o conhecimento na área.

Faz-se necessário considerar o sujeito como agente responsável por seu processo de aprendizagem e partícipe de uma construção coletiva dos conhecimentos trabalhados em âmbito escolar. Portanto, suas experiências com o objeto de estudo constituem um rico campo de investigação, considerando que saberes advindos do mundo vivido do aluno poderão compor o corpo de conhecimentos tratado pela escola.

É nesse sentido que destacamos como necessário considerar a sensibilidade do aluno como forma de contribuir para que ele mostre um saber que “se revela como um captar o mundo, ou certas particularidades suas, de modo inteiro ou global, sem a dissecação analítica implicada no exercício de uma razão especializada” (DUARTE JÚNIOR, 2001, p. 193).

Ao tecer considerações quanto à compreensão de corpo e sua relação com o conhecimento, Nóbrega e Tibúrcio (2004) nos dizem que é necessário

Apontar outros caminhos de compreensão do corpo na educação, por meio de uma atitude que busca superar o instrumentalismo e ampliar as referências educativas, ao considerar a fenomenologia do corpo e sua relação com o conhecimento sensível, como aquela capaz de amplificar a textura corpórea dos processos de conhecimento. Ao comportar esse saber sensível, que permite a comunicação entre os sentidos e o entrelaçamento do sujeito e do mundo, que permite, ao mesmo tempo, a criação ininterrupta de novas possibilidades de se organizar, o corpo oferece indicadores para pensar em uma educação que ressalte a visão não dicotomizada do humano. Um humano que aprende e ensina criando, um humano que tem seus canais de comunicação sensoriais sempre à disposição para estabelecer relações de troca e produzir significados para o seu viver (NÓBREGA; TIBÚRCIO, 2004, p. 143).

De fato, a forma de se compreender o conhecimento pode definir as atitudes frente a sua apreensão. Dessa forma, o formato atual do entendimento de conhecimento tem-se fundamentado, prioritariamente, na racionalização exacerbada. Ao seguir os preceitos da explicabilidade, confiabilidade e da mensuração, a razão lógico-formal foi cada vez mais se tornando fonte suprema dos saberes. Ao contrário, os saberes sensíveis, míticos e simbólicos foram segregados da construção do conhecimento, principalmente nos científicos e escolares, considerados menores ou não confiáveis. A esse respeito, citamos Nóbrega (2000, p. 71) para afirmar que “o resgate da sensibilidade faz-se urgente, dentro de uma sociedade racionalizadora, como forma de ampliar as percepções do sujeito frente às investidas do poder dominante”. Essa necessidade imperativa da consideração sensível do sujeito torna-se ainda mais evidente no cenário educativo.

Acreditamos que a junção das duas demandas educacionais atuais já apontadas – o resgate da sensibilidade e a evolução tecnológica na transmissão dos saberes/fazeres esportivos – responde à emergência de compreensão desse novo formato esportivo ao mesmo tempo em que cultiva um projeto educativo que esteja comprometido com o sujeito e sua sensibilidade.

Assim o objetivo deste artigo é refletir como os objetos tecnológicos, em especial a televisão, interferem na apropriação do conhecimento na Educação Física, tendo como base a reflexão sobre o esporte.

E questionamos: O que se modifica na percepção do sujeito que acessa o fenômeno esportivo por meio da tecnologia audiovisual da televisão? Quais as implicações desta forma de perceber o esporte para a construção do conhecimento na Educação Física?

A estratégia metodológica do trabalho é, em um primeiro momento, a apreciação estética do telespetáculo esportivo. Ancorados nas referências da estética da comunicação, partimos da compreensão de que a análise dos processos comunicativos pode ser dada a partir de uma perspectiva estética (VALVERDE, 2003; PARRET, 1997). Este referencial teórico considera que a análise da experiência estética, possibilitada na comunicação e, de um modo particular, nas mudanças ocorridas com o advento das telecomunicações, ampliam as discussões sobre a sensibilidade, recepção e experiência. O segundo momento metodológico consta de uma análise de conteúdo dos discursos de profissionais e estudantes de Educação Física coletados no mini-curso “Educação, esporte e televisão”, ocorrido durante o II Encontro Nacional de Ensino de Arte e Educação Física – Natal/RN (2005), que refletem as angústias dos que trabalham na área e apontam algumas contribuições (BARDIN, 1977).

A pertinência do trabalho se localiza na emergência de outras referências que atuam sobre a cultura de movimento, em particular a tecnologia, e que devem ser problematizadas pela área.

UM OLHAR ATENTO SOBRE O TELESPETÁCULO ESPORTIVO: IDENTIFICANDO MODIFICAÇÕES NO ESPORTE DECORRENTE DA TRANSMISSÃO TELEVISIVA

Um dos principais pontos de discussão na percepção do esporte a partir de sua veiculação televisiva é a criação de momentos de apreciação que articulam as linguagens sonora e visual. 1 Para Betti (1998), baseado em Buscombe, é peculiar da televisão esse imbricamento de linguagens. O autor assegura:

Iluminação, cor, definição, enquadramento, movimento e colocação das câmeras, “cortes” e edição são códigos visuais usados para criar imagens particulares de um evento, códigos auditivos como comentários, estilo de música e volume são também usados (BETTI, 1998, p. 35).

Esse imbricamento permitiu-nos o entendimento de que o espectador que vivencia a mediação do espetáculo esportivo pela televisão é abordado por uma apreciação que, ao mesmo tempo em que apresenta uma expectativa reduzida ao enquadramento da transmissão, com closes, tomadas e comentários entrelaçados na veiculação do evento, oportuniza variadas possibilidades para atrair a atenção e criar expectativas, utilizando-se da mescla dos elementos que lhe são próprios.

Em quase todas as transmissões esportivas, é possível perceber esse fato. No componente visual há a compartimentalização pelo enquadramento da TV, enquanto no componente sonoro são acrescidos elementos não necessariamente presentes em uma partida esportiva; a esse ambiente televisivo são acrescidos o locutor, músicas de vitórias e sonoridades que evidenciam as ações mostradas pela transmissão, a todo o momento entram em cena animações computadorizadas que trazem informações adicionais que, associadas ao campo visual da qual se dispõe e a experiência sonora, promovem um destaque ao que se quer evidenciar no processo da transmissão.

A nosso ver, esse formato de apreciação do esporte nos fornece mais elementos sobre o evento, mas nos deixa a angústia da telepresença, do querer estar presente e em contato direto, sem mediações, gerando um jogo sedutor de distâncias e proximidades que mobilizam o telespectador a todo instante.

Neste momento, acreditamos ser importante, retomar o conceito de estesia referendado nos estudos de Merleau-Ponty (1999, 2000, 2005) para pensar esta sensibilização do corpo com o mundo e que pode ser atualizado para sensibilização virtual acarretada pela apreciação do telespetáculo esportivo via aparato televisivo. Assim, a estesia é entendida como a capacidade do corpo de perceber o mundo que lhe circunda e sensibilizar-se com ele. Mas será que a sensibilização do corpo pelo esporte telemediado é idêntica à possibilitada na apreciação do esporte?

Pensamos que experiência que se vivencia na apreciação de uma imagem televisiva, esportiva ou não, é fruto de uma construção modificada do fenômeno real pelo meio que o veicula, no caso, o aparato televisivo. A imagem televisiva não contém, pois, nela mesma, a completude de interfaces encontradas no objeto que ela representa e por isto não se basta enquanto essência do que se vê, mas sim na evocação do que se vê.

Admitindo a construção de uma nova realidade esportiva a partir de uma mediação oportunizada pela tecnologia televisiva, Pires (2001) nos afi rma que

quem assiste ao espetáculo diretamente, consegue perceber a mecânica do jogo na sua totalidade, não apenas a parte onde está ocorrendo o principal envolvimento de atletas. Pode, inclusive, acompanhar outros fatos, que ocorrem além do espaço próprio de disputa, como movimentação das torcidas. Este procedimento de modulação da imagem é reproduzido tecnicamente pela televisão através das variações de enquadramento, que significa diferentes ângulos de abertura da lente. Por dispor de diversas câmeras, a televisão consegue fazer diferentes tomadas, esquadrinhando razoavelmente o espaço objetivado (PIRES, 2001, p. 97-98).

A edição de imagens é uma constante forma de modificação do esporte para telespetáculo esportivo possibilitado pela tecnologia. Inclusive o tempo de jogo esportivo também pode ser modifi cado e evidenciam-se formas de construção espetacular do esporte através da mixagem de um tempo próprio para telespetáculo esportivo, exemplos deste fato são as cenas em câmera lenta ou replay.

Talvez a principal intenção de editar, transmitir e reformatar a dinâmica do tempo de um jogo esportivo seja a incitação permanente do êxtase no telespectador, gerando sempre novas formas de ver e rever os lances de maior carga emotiva/ dramática em um tempo que se repete para o consumo de imagens que promovam excitação.

Na apreciação do telespetáculo esportivo, acreditamos que o teles pectador, assim como nós, formula sua experiência espacial a partir da relação estabelecida com o evento. Desse modo, as múltiplas perspectivas mescladas na edição da transmissão do telespetáculo esportivo modificam de modo significativo a noção espacial do sujeito envolvido na apreciação do jogo. Assim, percebemos que a perspectiva ou ângulo que a câmera nos oferta é responsável por formular nossa relação de espacialidade com o telespetáculo esportivo.

Estes argumentos nos levam a pensar, a partir das colocações de Dantas, que

o corpo vive uma outra situação paradoxal: mesmo estando nãopresente, está em vários lugares ao mesmo tempo, encontrando-se desterritorializado. A desterritorialização, uma das vias régias da virtualização, requer a saída da presença, do agora e do isto. É uma espécie de desengate que separa o objeto virtualizado do espaço físico e da temporalidade do relógio. Essa virtualização não é sinônimo de irrealidade como afirmam os seus críticos. O virtual se opõe ao atual e não ao real, significando que um corpo virtualizado não é irreal, ele apenas não está atualizado num determinado momento e espaço (DANTAS, 2002, p. 64).

Acreditamos que uma sensibilidade diferenciada emerge na apreciação televisiva, inclusive na perspectiva de articular outra vivência (telemediada), intitulada por Betti (1998), a partir de Giraldo-Salinas, de diegese. 2 Segundo o autor, diegese é

o universo espaço-temporal onde ocorrem os fatos possíveis de serem vistos ou ouvidos através da tela e do alto-falante de um televisor, porém, é um universo que está determinado por um espaço e um tempo que transcendem as imagens e os sons captados pelo telespectador (GIRALDO-SALINAS apud BETTI, 1998, p. 62).

Pensamos que essa atração exercida pela imagem pode ser considerada a partir da formulação da diegese, considerando-a como “universo espaço-temporal construído pela transcendência de imagens e sons captados pelo telespectador; constitui um ‘mundo fictício’, com leis próprias, apenas parecidas com as do mundo ‘natural’” (BETTI, 1998, p. 73).

Todas estas constatações, anteriormente colocadas, evidenciam uma nova compreensão de vivência esportiva ofertada pela tecnologia audiovisual. Tecnologia esta que modifica a sensibilidade do sujeito e questiona a passividade do corpo frente aos aparatos tecnológicos e/ou ainda posiciona estes últimos como extensões do corpo humano(MCLUHAN apud SILVERSTONE, 2002). É a tecnologia entrelaçando-se ao corpo e possibilitando novos arranjos de conhecimento via sensibilidade.

DIALOGANDO COM PROFISSIONAIS: INQUIETAÇÕES PEDAGÓGICAS A PARTIR DO APARATO TECNOLÓGICO/MIDIÁTICO

Percebemos que, sendo o telespetáculo esportivo uma realidade virtual que nos atinge a sensibilidade de forma significativa, a problematização dos elementos que constituem o esporte telemediado pode contribuir para refletirmos sobre o ensino da Educação Física sob um viés estético. 3

No que pode ser percebido a partir dos registros coletados junto a profissionais e estudantes de Educação Física 4 não se encontra, entre os participantes, um consenso no modo operante para abordar o telespetáculo esportivo na escola. No entanto, é possível elencar algumas atitudes consideradas importantes pelos participantes na abordagem do esporte na escola, levando em conta a sensibilidade dos alunos.

Segundo o discurso dos participantes, indica-se a consideração do fascínio dos alunos pela televisão como o ponto de partida para o desencadeamento do processo educativo ao tematizarem o telespetáculo esportivo, propondo ainda o confronto da realidade virtual (telespetáculo esportivo) com a realidade escolar (esporte da escola) como possibilidade de rica contribuição educativa. Acrescentamos a essa constatação a necessidade de, a partir desse confronto, realizar uma leitura crítica do que está posto na veiculação da mídia televisiva sobre o esporte, frente à realidade que cerca os alunos/telespectadores.

A leitura que fazemos é que existe uma compreensão que deve emergir da relação entre telespectador/aluno e telespetáculo esportivo à proposição do trabalho, respeitando a percepção dos alunos nesse contexto. Agindo assim, seremos fiéis a um escopo de “educação física capaz de articular pedagogicamente a vivência corporal, o conhecimento e a reflexão acerca da cultura corporal de movimento, estabelecendo relacionamento crítico com as mídias” (BATISTA; BETTI, 2005, p.139).

Na posse dos registros, transparece ainda uma questão recorrente no discurso dos participantes, a consideração dos aspectos negativos e positivos da televisão, ao trazê-la para o espaço escolar. Essas questões são colocadas por Ferrés (1996) ao ressaltar que

No meio escolar a tendência é adotar atitudes maniqueístas diante do fenômeno da televisão [...] as atitudes extremistas acabam confluindo, levando a resultados semelhantes. A atitude mais adequada é a aceitação crítica, o equilíbrio entre o otimismo ingênuo e o catastrofismo estéril, um equilíbrio que assuma a ambivalência do meio, as suas possibilidades e limitações(FERRÉS, 1996, p. 11-12).

Em nossa experiência dialógica com os sujeitos presentes no minicurso, essa inquietude se mostrou constante e ao mesmo tempo condizendo com o que é colocado por Ferrés (1996). Em verdade, manifesta-se nos registros uma preocupação com a tematização dos discursos televisivos sobre o esporte que, mesmo contendo possíveis elementos que distorçam a compreensão do fenômeno esportivo, tais como a fragmentação da realidade pela educação de imagens e sons dos aparatos tecnológicos, deva ser realizada sob uma ótica que fuja da apreciação ingênua perante as intenções da transmissão.

A nosso ver, o núcleo de sentido apontado por corpo de argumentos dos participantes do minicurso, a partir dos indicadores já citados, é a compreensão da diferença entre o esporte da mídia e o esporte na mídia.

A partir dessa distinção, já apontada por Betti (2001), é que perspectivamos, à luz do que já foi colocado pelos participantes, uma proposta de diferenciação que considere a sensibilidade dos alunos. Sensibilidade esta que reconhece as modificações do fenômeno esportivo a partir de seu formato de apresentação, mudando a experiência do mundo real para o virtual, como uma segunda possibilidade de experienciar o esporte.

Assim, a visualização da imagem esportiva é uma experiência apreciativa/ estética com o fenômeno esportivo. Feres Neto (2001, p. 70) nos diz que “a imagem virtual [...] constitui-se no próprio objeto da experiência, [e continua:] o mesmo parece acontecer com o esporte telespetáculo, que apresenta como um de seus aspectos mais interessantes um ‘embaralhamento’ entre prática e assistência”.

Para além dos relatos dos sujeitos, cabe ainda ressaltar a necessidade de uma melhor compreensão da relação estabelecida entre o telespectador e o telespetáculo esportivo, como forma de considerar a sensibilidade do aluno e concretizar uma proposição estética na Educação Física escolar.

Assim, em se tratando de apreciação do esporte como espetáculo, educação estética é uma possibilidade de sensibilizar os espectadores para uma dimensão mais crítica do esporte, pois a educação sensível

nada mais significa do que dirigir nossa atenção de educadores para aquele saber primeiro que veio sendo sistematicamente preterido em favor do conhecimento intelectivo, não apenas no interior das escolas mas ainda e principalmente no âmbito familiar de nossa vida cotidiana. Desenvolver e refinar os sentidos, eis a tarefa, tanto mais urgente quanto mais o mundo contemporâneo parece mergulhar numa crise sem precedentes na história da humanidade (DUARTE JR, 2001, p. 14).

Paralelamente, Porpino (2001), baseada na concepção fenomenológica de educação, nos incita a pensar que no processo educativo não existe só espaço para aprender a pensar, mas também para aprender a sentir. Esta mesma autora ainda nos alerta para compreender que o cerne da experiência estética está na vivência de nossa corporeidade. Desse modo, o sensível e o estético não se diferem, encontrando-se, enquanto sinônimos, perante o entrelaçamento do sujeito com o mundo.

A esse respeito, nos reportamos a Nóbrega (2000, p. 71) para afirmar que “o resgate da sensibilidade faz-se urgente, dentro de uma sociedade racionalizadora, como forma de ampliar as percepções do sujeito frente às investidas do poder dominante”.

De certo, urge a necessidade de discutir acerca da apreciação do esporte sob um viés estético para que a passividade não seja elemento integrante de uma ingênua educação visual dos espectadores do esporte. Essa ingenuidade perante o cenário espetacular cria seguidores do modelo esportivo institucionalizado pelo esquema do espetáculo, como bem define Debord (1997, p. 28) ao falar que “o mundo presente e ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando o mundo vivido”.

Mais rica será a possibilidade de se observar o fenômeno esportivo em sua polissemia de significados. Nesse sentido, gostaríamos de pensar a imagem do esporte espetáculo como elemento problematizador do esporte porque “o destino da imagem está, pois, ligado ao acontecimento que nos leva à descoberta, ao desvelamento” (NOVAES, 2005, p. 14). O olhar do telespectador pode ser uma forma de conhecer e caminhar lado a lado com o pensamento crítico-reflexivo aonde o ser espectador “é um ver que sabe ver, que inventa meios para ver cada vez melhor” (NOVAES, 2005, p. 14).

A criação de novas perspectivas de apreciação, inclusive atentando para os formatos tecnológicos, a partir de um olhar cuidadoso dos fenômenos que nos cercam, é um dos papéis do que chamamos de educação estética que, para fins de nossa discussão, possa fazer discernir os objetivos, as funções e os papéis de cada interface do esporte, fazendo uma nova leitura desse fenômeno social.

CONSIDERAÇÕES MOMENTÂNEAS: CONCLUINDO PENSAMENTOS

Ao nos remetermos ao telespetáculo esportivo para discutir sobre a sensibilidade perante a apreciação esportiva, devemos considerar que o espetáculo é fruto da realidade na qual vivemos já que

não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e a atividade social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado. O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. A realidade objetiva está presente dos dois lados. Assim estabelecida, cada noção só se fundamenta em sua passagem para o oposto: a realidade surge do espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade (DEBORD, 1997, p. 15).

A tentativa é de compreender como nos é apresentado o telespetáculo esportivo, para que consigamos agir perante ele. Pois, como já colocava Betti (1998, p. 146-147), “para intervir, é preciso conhecer. Se os educadores querem posicionar-se perante a televisão, devem conhecer o meio e sua linguagem. Se a Educação Física quer intervir no campo do esporte, precisa conhecer os fundamentos do esporte espetáculo”. Paralelamente, é necessário também conhecer como o telespectador se relaciona com o esporte televisivo, compreender
o que sensibiliza o sujeito apreciador a partir dos apelos estéticos e/ou mecanismos tecnológicos presentes ao longo da transmissão.

Pensamos, para além das mudanças ocorridas ao longo do tempo, no que diz respeito às mutações que o esporte sofreu para adequar-se ao modelo espetacular, principalmente o televisionado. Hoje, é possível afirmar que existem modos diferentes de praticar e visualizar o esporte. Desse modo, é necessário considerar que, do ponto de vista estético, o esporte pode ser interpretado de diferentes maneiras.

Percebemos que os elementos tecnológicos que modifi cam o fenômeno esportivo possibilitam uma outra forma de conhecimento sobre o esporte. Indicamos que, por sua apresentação telemediada, o telespetáculo esportivo incita ao corpo novos arranjos para a apropriação do conhecimento, via sensibilidade corporal.

Assim, diremos que a busca pela compreensão do fenômeno esportivo televisionado no âmbito educativo encontra-se localizada entre o encantamento declarado pelo esporte e a atitude crítica necessária. As reflexões sobre o telespetáculo esportivo supracitadas podem fazer-nos entender que existem outros modos de vivenciar o esporte que não a prática, na maioria das vezes calistênica, dos gestos técnicos que o caracterizam. Ver um treinamento; apreciar um jogo pela TV; conversar com atletas profissionais e amadores; ler crônicas, poesias e reportagens sobre acontecimentos esportivos; escutar a narração de um jogo pelo rádio...

No que se refere à possibilidade de apreciação do telespetáculo esportivo, no contexto escolar, destacamos a abertura de uma outra perspectiva para a vivência esportiva, oportunizada pela visão. Esta oportunidade não substitui a prática esportiva, mas coloca à disposição do profissional de Educação Física outra linguagem (audiovisual) como possibilidade de abordagem pedagógica. Essa linguagem promove outras formas de se perceber o esporte, por oportunizar diferentes modos de sensibilização corporal, como já apontamos anteriormente, pluralizandoas formas de acesso ao conhecimento (ARAÚJO; PORPINO, 2005).

 

Physical Education and television: reflections on sensitivity, technology, and knowledge

ABSTRACT

This research study stems from the principle that knowledge in Physical Education is eminently experiential and it recognizes that information technology and, most specifically, mass communication is capable of transmitting information to a large audience and modifying the experience of body practices as they are thematized by Physical Education. In this sense this research study aims at analyzing how technological equipment, specially television, interferes in the apprehension of knowledge in Physical Education, based on the reflection about sports. We have thus cast an aesthetic eye on sports as television shows and we have used content analysis to work on discourses from professionals. We have also pointed to the need of revising some of the concepts that are akin to the area, such as body, sensitivity, and knowledge.

KEYWORDS: sports – Physical Education – technology.

 

Educación Física y televisión: reflexiones sobre sensibilidad, tecnología y conocimiento

RESUMEN

Este estudio parte del principio de que el conocimiento de la Educación Física es, eminentemente, vivencial y reconoce que la tecnología de la información, específicamente la comunicación de masa, es capaz transmitir la información para un gran público modificando la vivencia de las prácticas corporales tematizadas por la Educación Física. En este sentido, esta investigación objetiva analizar como el aparato tecnológico, en especial la televisión, interviene con la apropiación del conocimiento en Educación Física y con base en la reflexión con deporte. De esta forma utilizamos el mirar estético sobre el telespectáculo deportivo el análisis del contenido para trabajar con discursos de profesionales. Además, el trabajo señala a la revisión de algunos conceptos pertinentes al área, tales como cuerpo, sensibilidad y conocimiento.

PALABRAS-CLAVE: el deporte – Educación Física – tecnología.

NOTAS

* Mestre em Educação e especialista em “Corpo e Cultura de Movimento” pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

** Professora do Departamento de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

1 Na opinião de alguns autores, tal como Santaella (1996), todas as mídias têm o seu caráter híbrido de linguagens, em que se misturam códigos em uma conjugação simultânea de linguagens.

2 Este termo é inaugurado por Aristóteles, em sua Poética, para caracterizar a narrativa como forma de imitação (diegesis). Autores como Giraldo-Salinas e Mauro Betti buscam atualizar esses conceitos para a mídia digital (BETTI, 1998).

3 Ao falar de educação sob um viés estético, defendemos a possibilidade de construção do conhecimento pela Educação Estética, proposição esta que será esclarecida mais adiante.

4 Este momento de coleta de dados foi oportunizado no minicurso “Educação, esporte e televisão”, ocorrido durante o II Encontro Nacional de Ensino de Arte e Educação Física – Natal/RN, 2005.

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Recebido: 30 de março de 2007
Aprovado: 23 de maio de 2007

Endereço para correspondência:
Allyssoncarvalho@hotmail.com

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