QUEM SÃO OS VENCEDORES E OS PERDEDORES DOS JOGOS OLÍMPICOS?1
OTÁVIO TAVARES2
RESUMO
Vencedores e perdedores dos Jogos Olímpicos são normalmente concebidos em termos de resultados esportivos. Todavia, em face das candidaturas de cidades brasileiras à sede dos Jogos, o objetivo deste artigo é investigar como os interesses e efeitos agregados aos Jogos podem gerar ganhos e perdas sociais, políticas e econômicas. Como procedimento, fez-se uma revisão da literatura a respeito das experiências de Jogos anteriores. Enquanto os interesses permitem detectar os vencedores, os efeitos gerados pela concretização dos Jogos indicam os potenciais perdedores com sua realização. Sugere-se que estes efeitos sejam criticamente examinados quando da candidatura de uma cidade brasileira à sede dos Jogos Olímpicos no futuro.
PALAVRAS-CHAVE: jogos olímpicos – esporte – educação física.
INTRODUÇÃO
A cada quatro anos, o processo é mais ou menos o mesmo. A cada edição dos Jogos Olímpicos de verão,3 observa-se um intenso debate sobre o maior ou menor sucesso dos países nos Jogos. Costumeiramente, além da contagem de medalhas, o produto interno bruto e a população são os principais parâmetros utilizados para se aquilatar o desempenho comparado dos atletas de cada país.
No Brasil, boa parte desta questão é conduzida pela mídia, tendo pouca ou nenhuma produção acadêmica a este respeito. Neste contexto, o debate existente é centralizado no desempenho esportivo tendo como referência o número de medalhas de ouro, prata e bronze que cada delegação amealha. Assim, a partir de contas não ajustadas e destituídas de qualquer rigor metodológico pretende-se discutir quem são os vencedores e os perdedores olímpicos, chegando-se freqüentemente a conclusões verdadeiramente aberrantes.
Pretende-se neste trabalho, todavia, examinar esta questão por outro enfoque, indicando a existência de outros vencedores e perdedores nos Jogos Olímpicos. Tomando como evidente as repetidas candidaturas de cidades brasileiras à sede dos Jogos Olímpicos – de fato, três até agora, Brasília (2000), Rio de Janeiro (2004) e Rio de Janeiro (2008)4 –, parece importante que se examine de maneira mais sistemática os impactos positivos e negativos da realização de Jogos deste tipo. Dito de outra forma, quem são os vencedores e os perdedores, não das competições esportivas, mas dos diversos direitos e interesses em jogo neste processo no âmbito da sociedade.
Uma vez que ainda não se realizaram Jogos Olímpicos em nosso país e que a organização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 é um campo de investigação apenas iniciado, o exame das experiências anteriores de organização dos Jogos impõe-se como uma estratégia metodológica. Neste sentido, este trabalho está baseado na literatura internacional sobre o tema e busca ex-post facto construir referências iniciais para este debate.
OS “VENCEDORES” DOS JOGOS OLÍMPICOS
Observados retrospectivamente, são muitos os interesses em receber os Jogos Olímpicos. Para identificá-los, provavelmente é necessário observar as bases que apóiam a candidatura de uma cidade à sede dos Jogos. Os processos relativos às experiências de cada uma das cidades-sedes, todavia, não podem ser generalizados, uma vez que eles são baseados em condições históricas, políticas, econômicas, sociais e culturais bastante específicas. Contudo, imagina-se que é analisando os interesses relacionados ao processo que poderemos identificar os potenciais “vencedores” dos Jogos Olímpicos. Assim, procuraremos apresentálos, caso a caso.
1. Os membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) constituem o primeiro grupo que pode ter algum interesse na realização dos Jogos em uma região ou país específico. Embora originalmente os membros do COI tivessem um status de representatividade reversa – eram representantes do COI em seus países e não o inverso –, esta condição vem sendo modificada em termos legais uma vez que se reconhece o elevado idealismo da fórmula original. Com efeito, como afirma Huntington, citado por Preuss (2001), a escolha de uma cidade é influenciada pela identidade cultural dos membros do Comitê.
Evidentemente este não pode ser considerado seriamente o único motivo. Como demonstrou Senn (1999), durante o período da Guerra Fria, as disputas políticas e os blocos internacionais razoavelmente se reproduziam nas Assembléias Gerais do COI. Mais recentemente, o escândalo de corrupção que atingiu membros do Comitê nos anos 1999 e 2000 evidencia que motivos menos abstratos e/ou interesses pessoais mais concretos são também uma variável interveniente.
De todo o modo, o prestígio, a sensação de poder e pertencimento a uma elite e as relações pessoais engendradas no âmbito do Comitê Olímpico e da alta burocracia que os cerca só podem ser mantidos se os Jogos continuarem existindo de forma bem-sucedida. Isto define claramente os membros do COI como um dos grupos de vencedores dos Jogos.
2. O segundo grupo de interesses se origina dos governos. Um evento do porte dos Jogos oferece oportunidade de atenção mundial para moldar ou remoldar a imagem da cidade e do país no plano internacional. Este foi o caso recente da Austrália em 2000 (CASHMAN, 1999). De maneira mais sistemática é possível dizer que os interesses dos governos são visíveis em três campos:
a) Relações internacionais: Em face de sua evidente dimensão global, os Jogos são uma oportunidade única para o manuseio de diversos elementos e objetivos de política internacional. Seul 1988, por exemplo, serviu para a melhora das relações econômicas da Coréia do Sul com os países socialistas e seu desenvolvimento como uma marca mundial associada à modernidade, excelência e tecnologia (KIM ET AL., 1989).
No próprio campo do esporte, a motivação governamental está relacionada ao efeito positivo sobre os resultados esportivos internacionais do país e ao aumento do número de competições internacionais que o país passa a sediar, gerando tanto medalhas quanto negócios. Desta maneira, os Jogos, por vezes, geram efeitos compostos. A questão dos direitos humanos na China estará cada vez mais em evidência e sob pressão internacional até 2008 pelo menos (HWANG, 2004). Do mesmo modo, a política chinesa em relação a Taiwan terá que esperar até depois dos Jogos se desejar fazer algum movimento mais agressivo, embora se imagine que Jogos bem-sucedidos aumentarão seu “cacife” na política internacional como um todo e em relação a Taiwan em particular.
b) Aspectos psicológicos: Desde Berlim 1936, mas especialmente depois de Roma 1960, os Jogos têm funcionado como um meio de construção de “uma perspectiva nacional, um sentimento de vitalidade, de ser reconhecido e de tomar parte de um mundo moderno e tecnologicamente avançado” (DENIS ET AL., 1988, p. 229). Além da geração de uma política de aumento da auto-estima e da unidade nacional, as próprias políticas governamentais de saúde e prática esportiva parecem ser alavancadas pelo evento (BOTELLA, 1996).
c) Demonstração de mudanças: De um modo geral, os Jogos são a maior peça de publicidade que uma cidade e um país poderiam desejar. Nenhum evento pacífico se compara aos Jogos em termos de tamanho e exposição. A Cerimônia de Abertura é assistida por pelo me-nos três bilhões de espectadores, mostrando a cultura e as tradições dos organizadores dos Jogos, fazendo valer sua mensagem e construindo uma imagem desejada de um povo ou cultura. Mesmo anos antes dos Jogos, a atenção mundial começa gradualmente a se dirigir para o país e a cidade-sede, ocupando nos meses anteriores e durante o período do evento uma quantidade de espaço sem precedente nas mídias mundiais (LARSON, 1991).
Até o início da década de 1990, um dos interesses em sediar os Jogos estava relacionado ao desejo de demonstração de superioridade de um sistema político.5 Os regimes comunistas, como o Reich alemão em Berlim 1936, viam os Jogos como uma chance para provar a capacidade de seus sistemas. Este interesse parece haver mudado em direção ao de demonstrar a mudança e a evolução nacionais, assim como para legitimar internacionalmente este novo status. Munique 1972, por exemplo, tentou demonstrar o quanto a então existente Alemanha Ocidental havia se afastado de qualquer traço da imagem Nazista. A Coréia do Sul, o estado-da-arte de seus equipamentos e tecnologia, mudando seu status de país em desenvolvimento para país desenvolvido. Barcelona 1992, por sua vez, marcou a abertura da Espanha para o mundo como um país democrático, afastando-se definitivamente da imagem da ditadura de Francisco Franco. A Austrália tomou os Jogos como uma oportunidade de fixação de sua imagem como destino turístico importante (CARVALHEDO, 2004) e país tecnologicamente capaz e sofisticado (CASHMAN, 1999). Este parece ser o caso também de Beijing que ambiciona, por meio dos Jogos, ritualizar a ascensão da China à condição de potência mundial de primeira grandeza.
3. O terceiro grupo interessado, e possivelmente incluído entre os “vencedores” dos Jogos Olímpicos, é composto pelos políticos da administração municipal. Alguns dos mais destacados objetivos perseguidos por este grupo podem ser assim sumarizados:
a) Aumento prolongado tanto da chegada de turistas quanto da captação de congressos e convenções. Barcelona e Sydney deram, por exemplo, especial destaque a estes objetivos, porém com resultados di-versos (CARVALHEDO, 2004).
b) Interesse em promover a cidade ao status de cidade global com a ambição de atrair a atenção mundial para novos investimentos e oportunidades (DA COSTA, 2002a). Segundo Sassen (1996), os Jogos favorecem o desenvolvimento de fatores importantes para o surgimento de uma cidade global, tais como a modernização ou a construção de um aeroporto internacional, a melhoria do sistema de telecomunicações, a construção de novos prédios comerciais e o aburguesamento de regiões da cidade.
c) Reconhecimento nacional. Isto é especialmente importante para cidades que não são a capital do país ou que estão em processo de disputa por influência geopolítica e geoeconômica regional ou nacional. Para Preuss (2001), a candidatura da cidade de Manchester (Inglaterra) aos Jogos de 2000 tinha como um de seus objetivos locais o reposicionamento da cidade em um padrão comparado a Londres e outras cidades inglesas de mesmo tamanho. Segundo o mesmo autor, outros exemplos podem ser encontrados na transformação de Munique em um centro regional importante após os Jogos de 1972 e a transformação de Barcelona no segundo centro de crescimento econômico espanhol depois de Madrid após 1992.
d) Desenvolvimento econômico. Este é um dos principais objetivos e argumento dos defensores da importância da realização de Jogos
Olímpicos. De fato, os investimentos na cidade que não vêm do próprio orçamento público, os lucros e sobras financeiras deixadas na cidade podem criar condições para um impulso econômico, mas não o fazem necessariamente. Preuss (2000) sugere que o impacto econômico dos Jogos precisa levar em consideração, entre outras coisas, o quanto de investimento privado é feito nos Jogos. Segundo ele, o sonho de um impulso econômico positivo precisa ser qualificado. Para a cidade, o impulso pode ser grande porque a maioria dos recursos é autônoma vindo de patrocinadores, direitos de televisão, venda de ingressos e outras fontes. Para o país, contudo, o efeito é muito menor. Deste modo, o autor sugere que o debate sobre os Jogos Olímpicos, como solução para vitalizar a situação econômica de uma cidade ou país, precisa ser melhor qualificado.
e) Solução de problemas urbanos. É uma preocupação contemporânea a utilização dos Jogos como um indutor de reformas urbanas. Na verdade, em face de custos e críticas correspondentes crescentes, tornou-se uma preocupação e uma exigência do COI a produção de um legado urbano para a cidade-sede. Embora as intervenções urbanas mais freqüentes sejam aquelas relacionadas diretamente às competições, um número elevado de intervenções de infra-estrutura também está associado à realização do evento olímpico. Os Jogos foram o indutor para a despoluição do rio que corta Seul, por exemplo. Pode ser considerada ainda mais dramática a reforma urbana por que passou Atenas nos últimos sete anos. Especialmente no campo dos transportes, a capital da Grécia apresenta hoje uma infra-estrutura de transporte totalmente nova e muitas vezes maior do que a que havia antes. A chance de experimentar um desenvolvimento urbano acelerado parece motivar os políticos locais a atraírem os Jogos para suas cidades.
f) Por fim, Jogos bem-sucedidos ou, pelo menos, o engajamento em uma idéia atual e altamente aceita e bem avaliada pode afetar positivamente a liderança e a imagem dos próprios políticos. Os Jogos parecem tornar-se um poderoso argumento para o reforço da liderança política, para a imposição de projetos, para certa liberdade administrativa e para a agregação de valor à própria imagem como administrador e político. Não parece ser coincidência que as prefeituras das duas maiores cidades do Brasil tenham se engajado em uma dura disputa apenas pelo direito de se candidatarem aos Jogos de 2012. E que o prefeito da cidade do Rio de Janeiro associe a imagem de sua administração à bem-sucedida candidatura à sede dos Jogos Pan-Americanos de 2007.
4. O quarto grupo que, por certo, possui um genuíno interesse nos Jogos e que, possivelmente, ganha com ele, é o conjunto de empresas da área da indústria da construção. Devido a seu tamanho, os Jogos geram um volume elevado e de alto valor de obras de construção, ampliação ou melhoramento da infra-estrutura urbana e das instalações esportivas. Um efeito paralelo importante para esta indústria é a exposição internacional de suas obras. Por exemplo, a empresa australiana que construiu o Estádio Austrália fez uso de suas credenciais em grandes obras para ganhar o contrato para a construção do novo estádio de Wembley (Inglaterra).
Outro efeito, de curto prazo, associado aos Jogos, o aumento da inflação, é algo que também pode beneficiar a indústria da construção, uma vez que o aumento do preço dos imóveis gera ganhos extras para a indústria imobiliária.
Isto nos leva à noção que as classes médias e superiores podem ser consideradas entre os vencedores também. A melhora da urbanização (melhoria das vias públicas e do transporte urbano, a reforma dos equipamentos urbanos, criação e/ou reforma de praças e outros espaços públicos) nas áreas de influência dos Jogos, embora teoricamente seja um benefício para toda a população, tende a favorecer o aburguesamento das áreas diretamente afetadas. Um dos efeitos desta renovação urbana é a elevação do preço dos imóveis. Este processo se reforça pela venda dos imóveis pelos mais necessitados, uma vez que com o aumento do valor dos imóveis isto se torna uma chance de fazer dinheiro.6
Adicionalmente, a preocupação com a projeção de uma imagem positiva da cidade e a atração de novos visitantes fazem com que as áreas turísticas, geralmente ocupadas por famílias de maior nível de renda, também sejam beneficiárias de investimentos que de outro modo poderiam ser direcionados para áreas mais necessitadas da cidade.
Os trabalhadores de um modo geral estão também claramente entre aqueles que se beneficiam com os Jogos. Embora o impacto sobre as taxas de emprego esteja relacionado ao tamanho do efeito econômico dos Jogos, o aumento de demanda gerado pelo evento aponta para a geração de emprego e renda. Teoricamente, o aumento da renda gera um novo aumento de demanda, ocasionando o que Brunet (1996) chama de efeito multiplicador.
Embora a extensão do impacto das atividades econômicas relacionadas aos Jogos possa diferir entre as cidades-sedes, a melhora de infra-estrutura, a elevação dos investimentos e mesmo a melhora da imagem da cidade sugerem mais oportunidades de emprego e renda. Se for verdade que a indústria da construção está entre os maiores beneficiários dos Jogos, mesmo trabalhadores de menor qualificação terão sua renda melhorada. Usando o conceito de impulso primário, Preuss (2000) calcula que foram criados, devido aos Jogos, 23.199 empregos em Munique (1972), 37.924 em Montreal (1976), 28.634 em Los Angeles (1984), 191.341 em Seul (1988) e 281.213 em Barcelona (1992).
Segundo o autor, o impulso olímpico se reduz muito rapidamente e em alguns anos após os Jogos ele se extingue completamente. Assim, é mais difícil calcular o número de empregos gerado pelos Jogos depois que o impulso inicial cessa. O aumento do turismo na cidade, a geração de negócios e a captação de convenções e competições esportivas nacionais e internacionais podem induzir novos impulsos de atividade econômica, mas que dificilmente podem ser corretamente correlacionados ao impulso original dos Jogos.
Patrocinadores internacionais e partners nacionais são, obviamente, grandes interessados nos Jogos. Aliás, pode-se dizer que, até mesmo o COI, instituição detentora dos direitos de organização dos Jogos, é bastante interessado no bem-estar de seus parceiros de negócio (POUND, 2004).
Ainda que não seja possível a qualquer dos patrocinadores e partners apresentar sua marca nas áreas de competição olímpica, a junção de logomarcas aos anéis olímpicos e aos valores que eles representam tem provado gerar extraordinário valor agregado, melhorando a imagem nacional e internacionalmente e sedimentando a marca nas respectivas áreas de atividade econômica.
Por fim, as redes de televisão têm também um especial interesse nesse evento. Em primeiro lugar porque os Jogos são um objeto de prestígio corporativo. Em segundo lugar – mas não necessariamente nesta ordem – devido à expectativa de lucros gerados com as cotas de venda aos anunciantes e patrocinadores. Este interesse é claro, varia de acordo com os países e com a cultura esportiva deles. Como já foi observado, diferentes estruturas de valores sociais podem se refletir em diferentes níveis de interesse sobre os Jogos Olímpicos quando comparados à Copa do Mundo de Futebol (DA MATTA, 2003; TAVARES, 2003). No caso norte-americano, o canal NBC comprou os direitos de transmissão para os Estados Unidos dos Jogos de Sydney 2000, Atenas 2004 e Beijing 2008 por US$ 3,53 bilhões.7
OS “PERDEDORES” DOS JOGOS OLÍMPICOS
Se a identificação das partes interessadas na realização dos Jogos pode identificar seus possíveis vencedores, os possíveis perdedores, contudo, se tornam visíveis a partir dos aspectos macro-estruturais dos Jogos.
Se um dos efeitos positivos que se espera dos Jogos é a geração de novos negócios, um risco é que a ocorrência de desequilíbrio entre ofertas e demandas possa gerar efeitos de composição insuspeitos inicialmente (HEINEMANN, 1991). A possível combinação de aumento de preços sem o correspondente aumento de produtividade ou de aporte de capital resulta no aumento de preços relativos e numa desaceleração do volume de negócios. Segundo Preuss (2001), este efeito é particular-mente notado nas áreas em que há demanda específica gerada pelos Jogos. Embora possa parecer estranho à primeira vista, o efeito se dá na medida em que o aumento dos preços de produtos e serviços pode impedir a realização de negócios.
Outro fenômeno detectado é o da realocação de recursos. Na área do turismo, por exemplo, muitos turistas podem evitar a região dos Jogos, especialmente agora que existe o medo de que se faça dos Jogos alvo de terroristas. A própria população se afasta da cidade indo gastar seu dinheiro em outros lugares que de outro modo não gastaria. Segundo Carvalhedo (2004), as atrações turísticas não relacionadas aos Jogos podem sofrer, ao contrário do que se imagina, queda de movimento. Assim, os impactos sobre o turismo não são necessariamente positivos. Ou seja, parte dos empresários pode encontrar-se entre os “perdedores” dos Jogos.
Outro efeito negativo importante é o aumento de preços durante os Jogos. Três razões parecem estar por trás deste fenômeno. Primeiro, o aumento excessivo de demanda. Segundo, a especulação (aquisições de imóveis, superexploração dos turistas e etc). Terceiro, a própria taxa de inflação. Todavia, examinando os Jogos Olímpicos entre 1972 e 2000, Holger Preuss (2000) afirma que não há sustentação para a idéia de que os Jogos geram algum tipo de inflação. Contudo, os Jogos podem gerar aumento de preços em setores específicos, o que pode diminuir ou neutralizar os ganhos de renda de parte da população beneficiada pelo mesmo evento.
A construção de novas instalações esportivas, áreas residenciais e modificações substantivas de trânsito implicam no risco de efeitos ecológicos não desejáveis. Ainda que o problema seja mais visível e mais crítico nos Jogos Olímpicos de inverno, os custos ecológicos fazem hoje parte da equação de qualquer candidatura olímpica (IOC, 1997; SCHMITT, 2002).
Segundo Da Costa (2002b), a maioria das cidades-sedes opta por construir instalações em locais em desuso ou ecologicamente degradados, o que não quer dizer, contudo, que esta escolha tenha se dado por motivos ecológicos. A recuperação dessas áreas apresenta custos elevados, mas os benefícios ecológicos advindos desta recuperação parecem compensar o gasto em longo prazo.
De certo modo, as questões da realocação de recursos e dos efeitos ecológicos estão contidas em um impacto mais amplo que é o da mudança estrutural disparada pelos Jogos. A partir do momento que uma cidade é escolhida para receber os Jogos, o tempo corre contra ela. O evento não pode ser adiado e a mudança de local é algo praticamente impossível. Se a cidade não consegue aprontar toda a infra-estrutura no tempo adequado, seu prejuízo não só financeiro, mas também simbólico, é muito elevado.
O caso de Atenas parece ser exemplo bastante claro. Diante do grande atraso de todas as obras necessárias aos Jogos, muito se duvidou sobre a capacidade grega de organização.8 A pressão do tempo e das possíveis repercussões negativas empurra o desenvolvimento urbano para uma velocidade bastante superior ao ritmo anteriormente normal (ABAD, 1996; CASHMAN, 1999). Com exceção dos Jogos de Los Angeles 1984 e Atlanta 1996, que foram totalmente financiados pela iniciativa privada, todas as outras cidades usaram o período antes dos Jogos para executar planos urbanos de longo prazo em curto espaço de tempo.
Se por um lado, a aceleração das alterações urbanas pode representar um avanço, por outro, representa o risco da execução de planos equivocados que se tornarão quase irreversíveis. Ou mesmo o uso não controlado de recursos públicos necessários para outros projetos se as partes interessadas ajustarem as obras urbanas tendo como foco apenas a realização dos Jogos.
Estas modificações urbanas se tornam tão importantes que os interesses das camadas mais desfavorecidas da população são freqüentemente ignorados. A experiência mostra que os grupos mais pobres da população são especialmente afetados pelas grandes obras de infra-estrutura (construção de rodovias, aeroportos, vilas olímpicas, estádios e etc). Segundo Roaf, citado por Preuss (2000), os Jogos costumam dar aos planejadores urbanos razão para evacuar bairros inteiros ou realocar as pessoas que vivem ali. Desta maneira, o aburguesamento de áreas afetadas da cidade gera efeitos contraditórios. De um lado, valoriza os imóveis permitindo lucro extra na venda, o que antes talvez não fosse possível, uma vez que em áreas desvalorizadas os preços dos imóveis são tão baixos que a venda não vale a pena. De outro, a mudança de padrão de consumo engendrada pelo novo perfil da população e o aumento de impostos como conseqüência da valorização imobiliária forçam os proprietários mais pobres a mudarem-se dali. Deve ser observado também que nestas áreas e nas áreas turísticas, as autoridades municipais tendem a usar os Jogos, assim como outros mega-eventos, para afastar moradores de rua, camelôs, prostitutas, pedintes e personagens que, em sua opinião, perturbam a imagem da cidade.
CONCLUSÃO
Ainda que seja assumido o sucesso geral dos Jogos, as lições dos Jogos passados não devem ser desconsideradas. Como foi visto, nem todos os que pagam pelos Jogos são beneficiados por ele. De modo geral, todos aqueles em posições sociais, econômicas ou políticas mais vulneráveis provavelmente estarão entre os perdedores dos Jogos. Da mesma maneira certos ganhos podem ser minimizados ou mesmo anulados por efeitos colaterais de organização dos Jogos. Isto parece ser bastante evidente nas áreas de turismo, promoção de renda e urbanização. Assim, uma candidatura olímpica deve avaliar o risco dos efeitos negativos possíveis uma vez que a realização dos Jogos pode apresentar um saldo sócio-político-econômico inferior ao imaginado e mesmo ampliar a polarização e a desigualdade social.
A curva ascendente do número de cidades candidatas à sede dos Jogos Olímpicos e o dado de que a grande maioria delas está localizada em países ricos evidenciam que os Jogos trazem mais benefícios do que custos e problemas para as cidades que se dispõem a sediá-los. Há poucas dúvidas sobre o saldo positivo que ele pode trazer, econômica, social e politicamente falando. Todavia, os Jogos não podem ser vistos como panacéia para os problemas locais.
Considerando as condições sócio-econômicas que caracterizam a sociedade brasileira com sua desigualdade evidente, parece ser particularmente importante que os Jogos sejam concebidos de forma generosa e includente. Em síntese, maximizar os “vencedores” e minimizar os “perdedores” parece ser tarefa histórica que se impõe aos organizadores de Jogos Olímpicos no Brasil.
Who are the winners and the losers in the olympic games?
ABSTRACT
Winners and losers of the Olympic Games are normally determined by their sports results. However, as Brazilian cities have bidded to host the Games, the aim of this article is to investigate how the interests and the effects added to the Games may generate social, political, and economic wins and losses. As a procedure, we have revised the literature with respect to previous Games experiences. As the interests allow us to detect the winners, the effects generated by the accomplishment of the Games indicate the potential losers. We suggest that these effects be critically examined the next time a Brazilian city bids to host the Olympic Games.
KEY WORDS: olympic games – sport – physical education.
Quienes son los vencedores y los perdedores de los juegos olímpicos?
RESUMEN
Vencedores y perdedores de los Juegos Olímpicos son normalmente concebidos en términos de resultados deportivos. Aunque, mirando a las candidaturas de ciudades brasileñas la sede de los Juegos, el objetivo de este artículo es investigar como los intereses y efectos agregados a los Juegos pueden generar aumentos y pierdas sociales, políticas y económicas. Como procedimiento, hizo una revisión de la literatura a respecto de las experiencias de Juegos anteriores. Con relación a los intereses permiten detectar los vencedores, los efectos generados por la concretización de los Juegos indican los potenciales perdedores con su realización. Se sugiere que estos efectos sean críticamente examinados cuando la candidatura de una ciudad brasileña a la sede de los Juegos Olímpicos en el futuro.
PALABRAS-CLAVE: juegos olímpicos – deporte – educación física.
NOTAS
1 Este trabalho é fruto das longas e prazerosas discussões que tive a oportunidade de realizar com o Dr. Holger Preuss durante estágio de doutoramento na Universidade de Mainz, Alemanha (2001). Nelas, gradualmente, o objeto central deste trabalho foi sendo desenvolvido. Sou grato ao Dr. Preuss que dividiu comigo muitos dos dados aqui apresentados. As interpretações são, todavia, de minha total responsabilidade.
2 Doutor em Educação Física pela Universidade Gama Filho e coordenador do Grupo de Estudos em Sociologia das Práticas Corporais e Estudos Olímpicos (CEFD /UFES).
3 A denominação “de verão” tem a função aqui de delimitar de qual tipo de Jogos Olímpicos se está falando. Embora estes sejam geralmente disputados durante o inverno no hemisfério sul, são assim conhecidos pelos esportes disputados, em contraste com os esportes de inverno que compõem o programa dos Jogos Olímpicos de inverno e por, efetivamente, serem disputados nos períodos de verão e inverno no hemisfério norte.
4 Esta última inclusive após processo nacional de seleção das cidadescandidatas conduzido pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e intensamente debatido e disputado pelas administrações municipais das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
5 A forma mais comum de confrontação entre capitalismo e comunismo no campo esportivo era mesmo a própria competição esportiva. Neste sentido, campeonatos mundiais e Jogos Olímpicos foram espaços privilegiados, mas não exclusivos, da competição pela demonstração da superioridade político-ideológica entre os sistemas. 6 Este é um fenômeno que já se observa no Rio de Janeiro. Segundo se relata, os imóveis no bairro do Engenho de Dentro, onde será construído o estádio para os Jogos Pan-Americanos de 2007, se valorizaram em torno de 20% após o início da construção do estádio. 7 Em valores de 1995. 8 O nível de dúvidas a respeito da capacidade grega de realizar foi claramente explicitado pelo ex-vice-presidente do COI, Richard W. Pound, em seu livro Inside the Olympics. Canadá: Wiley, 2004. A este respeito vale conferir o capítulo 1 (Going Home), especialmente as páginas 8 a 18.
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Recebido: 10 de novembro de 2004
Aprovado: dezembro de 2004
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